sábado, 21 de abril de 2012

Toca Raul!


Virou piada sem graça e manjada, mas houve época que era pra valer gritar "toca Raul!" quando a banda era fraca – no repertório ou na execução, tanto faz. "Toca Raul!", foi a vontade que me deu de gritar, de verdade, depois de pensar um pouco sobre o filme Raul – o início, o fim e o meio, de Walter Carvalho, que havia assistido há pouco. O filme não chega a ser ruim, mas é um filme fraco, ainda mais quando se leva em conta todo o material que foi conseguido – inclusive é essa montueira de material que dá uma primeira impressão do filme ser mediano.

Difícil saber por onde começa o mau uso do material. Talvez pelo título, que não é verdadeiro: Raul – o início, o meio e o fim, deveria ser. Pois o filme perde a ótima oportunidade de fugir do calendário, embaralhar um pouco a vida – as imagens e as músicas, ao menos – de Raul, e fazer um filme menos literal e mais poético. Isso não implicaria em uma apresentação equivocada do roqueiro, apenas poderia dar chance a Raul Seixar compôr a trilha sonora do filme sobre a própria vida. Um exemplo. Conforme o documentário, Raul estava artisticamente quase morto na década de oitenta, sem gravadora, sem empresário, sem agenda, isso até ser resgatado por Marcelo Nova, do Camisa de Vênus. Quando morreu, em 1989, não fazia dez dias que tinha feito seu último show, em Brasília. Por que mostrar o caixão só após a morte biológica? Não tinha ele já sido fechado, para depois ser reaberto? Eventualmente, repetir imagens não seria problema. Inclusive, a fase decadente de Raul Seixas foi passada meio por alto, confusamente – lembro de cenas interessantes dessa fase, vistas em documentários sobre o músico –, dando a impressão que o ostracismo foi simplesmente porque Raul não conseguiu ser a metamorfose ambulante que a indústria cultural exige de seus produtos.

O final, como um todo, é precário, por demais apelativo: pra que mostrar Dalva, a empregada que encontrou Raul morto, entrando no elevador do Edifício Aliança, vinte anos depois, e tendo uma crise de choro? E durante todo o filme, por que intrigas entre os entrevistados, como ao contrapôr opiniões das ex-parceira de Raul, umas sobre as outras? Ou ao dizer a Paulo Coelho que a Sociedade Alternativa ainda o considera um membro? Risível a infalitidade desse tipo de provocação – não por acaso que riso foi primeira resposta do escritor.

Outro ponto negativo: Pedro Bial. Deu a clara impressão que foi imposição da Globo Filmes para aceitar fazer a distribuição. Se acaso foi fã de Raul Seixas, Bial dá ululantes mostras de que não conseguia entender o que ele dizia, e que não se deu ao trabalho de se interar sobre o assunto: disse, por exemplo, que Raul não tentou entrar na indústria cultural, diferentemente dos Tropicalistas, que ele agia por si próprio; poucas cenas depois, Raul diz que faz uma música fácil, pra ser o mais acessível possível. Antes já havia sido informado que ele aceitara assumir um figurino pra satisfazer a gravadora.

De qualquer forma, o filme tem seus pontos positivos, para além do tanto de material recolhido. Creio que o principal é a forma bastante ponderada e natural com que as drogas são tratadas. Paulo Coelho não se arrepende – nem deveria – de ter apresentado as drogas para Raul – que então só conhecia álcool e tabaco. Raul Seixas se acabou por causa de álcool e cocaína. Mas era a mesma cocaína que ajudava-o a se inspirar. Todos ali usaram, apenas ele se deu mal. Poderia ter sido diferente, Raul ter levado de boa e Paulo Coelho se afundado. O detalhe é que o filme desautoriza a creditar unicamente às drogas a decadência do músico: ele foi a exceção à regra na relação com elas, em não conseguir se deixar dominar – e não se trata de uma questão moral, definitivamente, e esse tipo de julgamento o filme tem todo o cuidado para evitar.

Em suma: o filme trabalha para criar uma imagem positiva de Raul, apesar dos seus altos e baixos, e sem distribuir culpas pelos pontos baixos do artista. Raul Seixas, contudo, por tudo o que foi e que fez, merecia um documentário melhor – e material para isso havia.

São Paulo, 21 de abril de 2012.

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