Amigo meu de Pato Branco disse ter raiva de gente que possui celular
e não atende quando ele liga. Ainda bem que não moramos na mesma
cidade, pois se sua raiva é tamanha como disse, nossa amizade
estaria em risco – ou então ele teria que fazer como boa parte dos
que me conhecem, e se adaptar ao uso que faço do celular.
Tenho a coleira móvel há quatorze meses. Deixei de largá-la sempre
em casa quando me mudei pra São Paulo, início do ano, ainda que não
seja sempre que saia com ela, ou que a deixe ligada quando carrego na
mochila. Houve, é certo, um curto período, na segunda metade de
abril, que só faltava eu dormir com o celular ao lado do
travesseiro: ansiava por uma ligação ou um sms inesperado com algum
convite para um reencontro. Como era de se esperar, nunca veio nada
disso que eu almejava – no máximo, um convite para assistir a
Raul, feito por um casal
de bons amigos –, de modo que, meados de maio, de volta de Pato, e
já resignado com a situação, voltei também ao meu velho uso: carrego-o quando sei que vou utilizá-lo, quando foi combinado
d'eu sair com ele.
Deixo o celular, volto com o relógio.
Queria assistir a uma apresentação de dança e saí de casa em cima
da hora. Consegui chegar a tempo, inclusive de comer algo antes.
Quando fui ver a que velocidade precisaria engolir um pão de queijo
com chá mate – e tinha sido por isso que carregara o relógio –,
olhei para o pulso, onde havia posto o relógio há pouco, e tomei um
susto: que gesto era aquele?! Foi como se eu olhasse para além das
horas, para o passado.
Me explico.
Houve tempo que sair de casa sem relógio era o equivalente a sair
sem as calças. Isso foi até 2007, quando eu tinha uma pontualidade
de fazer inveja a britânicos e alemãs, e era de um rigor para
comigo como o eram os ponteiros do relógio para com o tempo que
mediam. Em 2008, já devidamente atordoado por um breve e silencioso
relacionamento que tive em fins do ano anterior, querendo estudar a
questão do tempo na sociedade do espetáculo (no livro, mas não tão
interessado no livro em si), coincidiu do meu relógio acabar a
bateria. Decidi que andaria um tempo sem. O início foi angustiante,
mas fui me acostumando, e assim passaram os dias, por mais de seis
meses, quando, para não perder as caronas de São Paulo para
Campinas, precisei voltar a andar com trambolho – outra opção
seria comprar um celular. Voltei a utilizá-lo com assiduidade, mas
não como acessório obrigatório – e nunca mais o pus no pulso.
Não tinha me dado conta dessa minha nova relação com o tempo (que
sequer chegou a ser tão revolucionária assim) até ano passado,
quando uma amiga, que há três anos não encontrava, olhou para mim
assustada: “você sem relógio?! Como?!”, só faltou perguntar se
eu estava passando bem. Pois foi esse Dalmoro de quatro anos atrás
que de repente me senti, ao trazer o pulso na posição habitual de
olhar as horas. Me senti um estranho para mim mesmo, cometendo um ato
sem sentido, exumando uma história já bem fechada e resolvida.
Tirei o relógio do pulso como quem tira um espírito mau do corpo.
Só então pude estar presente e atentar para as horas: tinha quinze
minutos para meu lanche – que engoli em menos de dez, com medo de
atrasar.
São Paulo, 12 de maio de 2012.
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