(sobre o espetáculo de dança "Vácuo - I, Impostor")
Admito: pelos primeiros cinco minutos, isoladamente, eu teria
criticado muito a coreografia "Vácuo – I, impostor",
concebida por Hideki Matsuda, Key Sawao e Ricardo Iazzetta, a partir
de instalações de Mike Nelson, apresentado na Galeria Olido, por
ocasião do Festival Cultura Inglesa. Uma pessoa ao meu lado teve a
mesma impressão desses cinco minutos e resolveu não esperar. Não
sei se perdeu algo, porque se não teve paciência para ver o que
viria a seguir, tampouco teria para o desenrolar da coreografia –
muito mais num plano experimental, quase performance, do que um
trabalho de plasticidade dos corpos e beleza de movimentos.
Há uma estranheza logo que se adentra a sala: palco e platéia com
montanhas de papéis picados – essa indiferença inicial entre
palco e platéia acaba frustrando uma eventual quebra da quarta
parede que se abria como possibilidade. No palco, praticamente ao
centro, meio encoberto por uma dessas montanhas, um relógio a contar
o tempo – não se trata de contagem regressiva, não é pra se
esperar nenhuma bomba, é apenas o andar automático e incansável
dos segundos.
Da mesma porta que o público, entra o primeiro bailarino e se dirige
ao palco – a luz da platéia ainda acesa, como ficará praticamente
toda a apresentação. Como trilha sonora, ruídos, apenas. Ele passa
a fazer alguns movimentos "avulsos", tão sem sentido
quanto os ruídos, quanto os papéis picados, quanto sua entrada pela
porta e não pela coxia. São mais de cinco minutos nessa
"coreografia", sem beleza, sem sentido, até ele dar
algumas voltas correndo pelo centro do palco, ir para o fundo e
parar, encostado à lateral. Entra, então, uma das bailarinas. Ainda
que não os mesmos, gestos sem sentido, até que ela se imobiliza
também. Entra a outra bailarina, outros gestos sem sentido para os
mesmos ruídos que tocam desde o início da apresentação.
Na platéia, mais alguém resolve sair – dá para ouvir, por causa
dos papéis no chão.
Me pergunto se não deveria ser Sísifo, ao invés de Vácuo, o
título da coreografia: há som demais, há coisas demais para um
vácuo – os montes de papéis brancos poderiam remeter a montanhas
de lixo, ou de tranqueiras de consumo, como i-pads e i-phones, alvo
dos saques em Londres, no ano passado –, aqueles gestos sem sentido
poderiam se reportar ao labor inútil do dia a dia – em busca
desses objetos-lixo de luxo. Me dou conta de que não, não é uma
questão de Sísifo: os bailarinos não se chocam, não se tocam,
quando muito se cruzam, sempre à distância. Se não há um vácuo
pleno é por uma impossibilidade física, apenas: contudo, entre os
vazios que as montanhas de papéis picados deixam, há um vácuo
entre cada bailarino: não há encontro, não há olhares, não há
interação – como se cada um estivesse perdido no vácuo de si
próprio.
Há apenas um momento em que os três têm sincronia, e é justo a
prova de que não se trata de vácuo: quando gritam. Não há vácuo,
como não há eco. Está cada um no seu canto, solitário, sem
relação com os demais, por mais que o sentimento de todos seja o
mesmo, que inspire o mesmo grito – gutural, de um vogal só.
Lembrei de Juliano Garcia Pessanha e suas questões com o
homem-de-Fora, homem-de-Dentro: se pararmos para nos observar, o
quanto de nós não é exílio?
Pouco depois, finalmente, um trecho com música e não ruídos – o
noturno opus nove, de Chopin, se não me equivoco. Muda a iluminação,
para uma luz quente. Os bailarinos inertes. Enquanto dura a música,
poucos, quase nenhum movimento. Até que se retiram, cada um por onde
veio à cena, solitários como entraram – e como o tempo todo
permaneceram. No fim, tudo igual: se não era vácuo, foi tornado
vácuo. No breu, resta apenas o relógio, os segundos a correrem
indiferentes como correram durante toda a apresentação.
Resta também uma sensação de vácuo, de incômoda ausência –
logo preenchida por aplausos premeditados de alguém que decerto não
via a hora de ir embora.
São Paulo, 25 de maio de 2012.
ps: procurei na internet obras de Mike Nelson. Não entendi o título
“Vácuo”, já que tudo ali remetia muito mais a obra “Triple
bluff canyon” (primeira foto) do que a “A psychic vacuum” (segunda foto).
Sem comentários:
Enviar um comentário