No coro, atrás da orquestra, um homem reflete a luz com seu enorme
relógio quadrado. A taxa de administração do site de venda de
ingressos é de vinte por cento – quero ver aplicação mais
rentável. "Adágio para cordas", do Barber, me traz
recordações: foi executada na primeiro e no último concerto da
Sinfônica de Ribeirão que fui. Ok, nenhuma como a da OSESP, mas
evito comparações. Minczuc e seus pulinhos. Reparo que o
funcionário na porta do banheiro usa lápis de olho. Na sala de
espetáculo, um moço com um alargador de orelhas mais ou menos do
diâmetro de um copo americano. Escondido atrás do alargador, uma
tatuagem "xxx". Não entendo como não se incomoda com os
cochichos sibilinos logo ao seu ouvido. Por sinal, a terceira idade
está perdida. Conversa, sacode os acessórios barulhentos, usa o
celular durante a apresentação (não para conversar – pelo menos
isso! –, mas é avisado antes que a luz do aparelho pode atrapalhar
os outros), chupa bala. Não que chupar bala seja um problema, o
problema é todo o caminho da bala desde a bolsa ou o bolso até
boca, com seu estridente papel ou sua ecoante caixinha. Acho que dava
uma boa pesquisa empírica: por que tantas pessoas têm essa
necessidade súbita, repentina e impreterível de chupar bala assim
que começa a apresentação? Por que não o fizeram trinta segundos
antes, no intervalo entre as músicas, entre os movimentos: por que
esperar a música começar pra lembrar da maldita bala? Será
influência do cinema de entretenimento e suas pipocas fedorentas, a
estúpida associação vendida como natural entre cinema e pipoca?
Quando vai assistir a algo, por que comer? Por falar em comer, seis
reais num salgado merreca de pequeno. Pelo mesmo valor compro um pote
de arroz com carne e tranqueiras num fast-food oriental, com a
certeza de que terei matado a fome, e não só provocado meu
estômago, fingindo que iria satisfazer suas necessidades. Penso que
da próxima vez posso levar uma lancheira – quem sabe a do Snoopy,
que eu usava na pré-escola e no ginásio, e ainda tenho na casa do
meus pais. Lembro de notícia compartilhada no Facebook: esse salgado
custa mais do que um dia de salário africano – e os africanos
desejam trabalhar e receber essa soma aviltante, segundo a milionária
Gina Rinehart. No dos outros é refresco, como diz o ditado. E eu que
poderia sobreviver trabalhando dois dias por semana. Parece que as
elites não conhecem limites para seus preconceitos – mas ainda
acho que a tupiniquim, por desconhecer os limites do próprio
território, na ânsia de parecer cosmopolita, consegue ser um pouco
pior. No intervalo, sem ter o que fazer (tenho um livro em mãos, mas
estou no clima pra estudar), ligo pra dar um oi pro meu irmão, com
quem não falo há uma semana – e que imagino estará ocupado no
feriado. Nisso vejo uma conhecida, que sai do meu campo de
visão ao passar atrás de uma senhora que me parece familiar... sim! Uma professora da Unicamp que me secou
pornograficamente de alto a baixo três vezes quando fui apresentado
a ela. Sem ter pra onde correr, sigo a conversa com meu irmão, de
costas para a professora – mesmo sabendo que isso pode me custar
outras secadas ardentes. A Sala São Paulo tem uma acústica
realmente fantástica! Menos no coro, onde a música chega troncha e
ainda corre-se o risco de levantar uma parede de metais que te impede
de ouvir as coras (como em Ginastera) – e o pior: mais de quarenta
reais o lugar lá (mais vinte por cento do site). Enfim, a Sala São
Paulo, apesar da sua acústica, não é um lugar em que me sinto em
casa. Nem digo que é por conta do público, que já freqüentei
lugares com público bem mais tosco – digo, de refinamento mais sui
generis. Acho um tanto infeliz a associação das colunas
coríntias com aqueles balcões que lembram as cadeiras Favela e
Célia, dos irmãos Campana – eu dispensava as colunas. Associação
entre esse clássico da nossa velha burguesia do café e moderno que
gosto é a do Theatro Pedro II, em Ribeirão: o teto feito pela Tomie
Ohtake quando na sua reconstrução casa bem com o estilo, sem deixar
de ser moderno. Música eletroacústica, John Cage e seu piano
preparado, a orquestração sem surpresas de Rachmaninov, alaúde e
música renascentista, Buxtehude: épocas e estilos bem variados em
dez dias. Ainda não comprei o ingresso pra apresentação da São
Paulo Companhia de Dança. A senhora ao meu lado reclama da
incompetência da OSESP em não dar flores – uma rosa, ao menos,
que fosse! – para a solista Hilary Hahn, que executou o “Corcerto
nº 1 para violino em ré maior”, do Prokofiev. Não lembro se era
do saber ou das rosas, mas falou que em alguma dessas casas não
se cometeria tamanha gafe. O ônibus que devo tomar na sexta sai da
Barra Funda ou do Tietê? Um vídeo com críticas internacionais
favoráveis à OSESP e à maestrina Alsop é apresentado. Lembro das
polêmicas com Neschling, do arranca rabo da semana entre Dilma e
FHC, temo Russomano-Serra, e me pergunto por que há tantos lugares
vagos, sendo que na hora de comprar meu ingresso a sala estava
praticamente lotada. Na saída, volto para casa pelo mesmo trajeto
que fui: via Estação Julio Prestes. Um amigo disse que era de boa
ir pela Luz, mesmo às oito da noite. Recordo da recomendação de
outro amigo, assim como do apuro que passei a vez que
resolvi dar um passeio pela região depois de uma apresentação da
OSESP [j.mp/cG26512] – e eram sete da noite. Decido que não
quero emoções fortes desse naipe. Na praça, pessoas jogam bola. E
me certifico que, apesar de mais de uma centena de concertos nas
costas e quase cinco anos de piano, sou um analfabeto musical.
São Paulo, 07 de setembro de 2012.
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