quarta-feira, 15 de maio de 2013

Sopa de feijão

No céu, a bela lua minguante cercada por nuvens que, como um véu, insinuam cobri-la sem terem capacidade para fazê-lo de fato. No meio do meu caminho, um Sesc. Freqüento eventualmente as atividades culturais do circuito Sesc – não que não sejam boas, me desagrada o seu clima excessivamente asséptico: empregados apagados como bons serviçais, ausência de pobres, pouco espaço para inesperados. Mas a comida é boa, mais saudável e mais barata que um qualquer-coisa no bar da esquina – e eu estava com fome. Opto por sopa – feijão com macarrão. Não está frio para sopa; não estou doente para sopa, porém gosto de sopa de feijão. Sento em uma mesa, a sopa demora – não esperava por essa espera toda, e ao invés de seguir com a leitura de Correio do tempo, do Benedetti, fico a observar as pessoas do local, em silêncio, porque não sou do tipo que consegue puxar papo. É um público um pouco diferente daquele que me deparo nas apresentações culturais: há mais idosos e famílias com filhos, menos jovens descolados. Na minha frente estão sentadas duas garotas – bonitinhas –, uma oriental e uma negra. Tento adivinhar suas idades, não consigo: vinte, vinte e cinco, trinta, trinta e pouco? São jovens, porém não adolescentes. Branquelo, creio que tenha me habituado a analisar os sulcos da idade com meu reflexo no espelho, com a imagem de meus pais – daí que orientais e negros acabem sempre me parecendo mais jovens. As duas moças conversam animadas, mas quando uma sai para ir ao banheiro, a outro logo confere o celular, como se estivesse a espera da mensagem salvadora. A oriental tem uma tatuagem no braço, a parte que dá para ver deixa a impressão de ser parecida com os primeiros rabiscos em camisetas que fiz. Uma senhora começa a gritar com um senhor, parece sério de início, logo noto que não é o caso, está indignada por ter chegado depois: “como você já está aqui, se eu saí antes”. Finalmente o sinal chama a minha senha. A sopa é de feijão carioca, para minha surpresa – quando faço, ou minha mãe faz, sempre é de feijão preto. Sem pré-julgar, tomo a primeira colherada. Nessa hora, sinto o gosto da noite na casa de meu avô: a toalha xadrez vermelha, o teto azul, as paredes com azulejos laranjas sustentadas pela folhinha do sagrado coração de jesus e por uma espécie de calendário permanente da Bayer, a caneca marrom para pôr a dentadura depois da sopa – a janta era invariavelmente sopa –, o tic-tac pesado do relógio, tudo isso iluminado por uma fraca luz amarela. Jogo um pedaço de torrada na sopa, ver como fica, e todo esse sabor de passado se quebra. A fila no caixa, o aviso sonoro da senha do pedidos, as pessoas que conversam ao meu redor: volto ao presente. Longe de São Paulo, a casa de meu avô deve estar agora povoada tão-somente de memórias – dentre elas, nossa risada cúmplice e sem maior motivo que uma troca de olhares em silêncio, na hora da sopa.

São Paulo, 15 de maio de 2013.

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