quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

As complexas dialéticas das relações íntimas

Parece que este fim de ano é moda crise em relacionamentos. Na verdade, pensando um pouco, parece que foi a tônica de todo o segundo semestre – ao menos entre meus amigos e conhecidos. E eu mesmo ando nas minhas crises. Duas amigas que haviam começado namoros há alguns meses vieram ter comigo, esta semana, conversa breve sobre suas desavenças amorosas. Uma iria encontrar o namorado na troca de turno, depois de uma semana sem se falarem: de um lado, reclamações de sufocamento, do outro, falta de atenção. Apelar ao tempo é sempre uma alternativa nessas horas, porém o tempo parece desfazer as esperanças como se desfaz dos minutos que passam com os ponteiros – com minha amiga não foi diferente. A outra recém tinha encontrado a ex, com quem havia recém acabado: estavam juntos há poucos meses, e ela sentia resistência da companheira em trazê-la para dentro de sua vida: o golpe final foi um jantar organizada por ela com os amigos, para o qual não foi chamada, sob alegação de falta de espaço na casa. Na conversa tida há pouco, a companheira dizia que não era questão de excluir, mas de garantir alguns de seus espaços – acontece que nunca tenho espaço com os amigos dela, parece que tem vergonha de mim, comentou minha amiga. Uma frase dela me chamou a atenção (e me motivou nesta crônica): houve um momento em que reclamou que estava cansada de começar uma relação e se ver tendo que pedir pra pessoa mudar: achava que mudanças acontecidas por causa dela não seriam sinceras, eram só para agradá-la e acumulariam ressentimentos para o futuro: queria alguém já pronto, concluiu. Acha que já chegou perto de alguém assim, perguntei. Não, respondeu depois de pensar brevemente. E por que insistir nesse desejo impossível do Outro? Como se não me conhecesse, falou que eu não precisava levar tão a sério as palavras dela. O dia que achar alguém perfeito, desconfie: ou se trata de uma charlatã, que modula seus atos conforme as expectativas do outro, ou você não está observando a pessoa realmente, e sim suas projeções. Lembrei-a então que mudança é pressuposto básico da vida – e que até os mortos mudam. Ela mesma mudara desde que entrara nesse relacionamento: se mostrava mais madura, mais séria, mais ponderada – apesar de geralmente manter sua tônica de oscilações extremas, ou oito ou oitenta, como parecia ser o caso agora. A outra pessoa certamente devia ter mudado desde que começaram a namorar: creio ser impossível um contato íntimo com o Outro que não acarrete alguma dissensão consigo próprio: o Outro nessas horas se torna nosso ponto de estruturação e, ao mesmo tempo, de desestruturação. Uma dialética complicada, complexa, por isso tão rica e por isso sujeita a tantas dores. Por que seria falso uma mudança motivada por uma fala sua, questionei. Porque não foi espontânea, ela não mudaria porque quis, mas porque eu pedi. E acha que as mudanças espontâneas da outra pessoa não foram respondendo a expressões suas – corporais, faciais, sei lá quais mais? Ela deu de ombros: é diferente. Sugeri que ela tomasse um ar – dois dias, se tanto –, e chamasse novamente para uma conversa, aceitando que mudanças – pedidas implícita ou explicitamente – são sinceras, desde que não atinjam pontos muito estruturais da pessoa – parecia ser esse o caso da sua companheira. Ela falou que ia pensar, mas me alertou que havia algo que eu insistia em não saber: há momentos que os sentimentos não seguem meandros racionais.  

 São Paulo, 19 de dezembro de 2013.

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