segunda-feira, 10 de março de 2014

Larissa S. [retratos feitos de memórias]

Conhecia os cinco continentes, ainda que não considerasse passar uma semana em Bali como ter conhecido a Ásia. Achei curiosa sua noção conhecer: não que não fizesse mochilões, mas sabia que bater o pé em uma cidade, sem sentir minimamente o aroma do seu quotidiano, não era conhecê-la. Havia ido em trabalho voluntário para Botsuana. Havia trabalhado no Grajaú. Destinos que chocam o interlocutor, quando se sabe que ela estudou nas melhores e mais quadradas escolas da capital - imagino, então, as pessoas próximas, mais afim aos valores que tais escolas ensinam. Ao fim do ensino médio, sem idéia do que fazer ou do que gostava, seguiu uma carreira tradicional em uma faculdade tradicional, como a grande maioria dos seus colegas - administração na FGV. Só depois se deu conta de que gostava de trabalhar com crianças. Fez pedagogia em uma faculdade perto de sua casa. Começou em uma escola bilíngue, por saber inglês; hoje leciona em uma escola socio-construtivista - reconheci minha escola do básico em várias coisas que ela comentou do seu trabalho. Não tem o jeito de "tia", que muitas vezes vi nas estudantes de pedagogia. Não tem o amargor que a grande maioria dos meus amigos que foram ser professores têm depois de menos tempo de trabalho do que ela - talvez por ter tido a sorte de não acabar em uma escola moedora de carne e idealismos, seja pública, seja privada. Bem provável que se tivesse seguido sua primeira carreira, hoje estivesse ganhando melhor do que ganha - ainda que não aparente passar privações. Desconfio que essa mudança de rumo para uma carreira tão desprestigiada não tenha sido tão tranqüila para quem teve o histórico que teve - desde sempre uma aluna bem adaptada. Ela, porém, não contava sua história com o peso dos grandes abandonos. Contava com a leveza das pequenas descobertas. Contava com a tranqüilidade de quem agiu e não só teorizou, enfrentou o mundo, e agora quer dar continuidade à sua mudança. Me lembrou Mia Couto: “Que o mundo não mudaria por disparo. A mudança requeria outras pólvoras, dessas que explodem tão manso dentro de nós que se revelam apenas por um imperceptível pestanejar do pensamento”.

São Paulo, 10 de março de 2014.

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