quarta-feira, 28 de maio de 2014

O CCSP quer deixar de ser público!

Chego a uma biblioteca pública de São Paulo para pegar um livro emprestado. No guarda-volumes, seguranças vestidos ao estilo capo da máfia, tão em voga nos shoppings, dizem que para adentrar o recinto preciso fornecer alguns dados pessoais, tirar uma foto e de um documento de identidade. "Mas eu já tenho cadastro", respondo. Não se trata do cadastro para a retirada de livros, esse cadastro é de seleção de quem pode entrar na biblioteca. Ao fim dessa burocracia, entrego minha mochila no guarda-volumes, passo o cartão por uma catraca e estou liberado para entrar numa biblioteca pública. Estou perplexo, ainda tentando entender. Só lembro desse trâmite todo em prédios de escritórios, não em bibliotecas. Nem na PUC-SP, uma universidade privada, nem nos SESCs, instituições também privadas, me exigiram tamanha identificação - na verdade, nunca me exigiram identificação alguma, sequer para usar a internet (diferentemente do CCSP, que exige cadastro e pedido de autorização diário). 

Ok, há uma diferença entre Centro Cultural São Paulo, no metrô Vergueiro, e SESCs e PUC: no primeiro as pessoas não precisam estar bem vestidas ou serem brancas para poder freqüentar seus corredores (certa feita vi um homem reclamando à caixa do restaurante de um SESC que havia sido interpelado pelo segurança na entrada, que queria saber o que ele pretendia fazer ali: o único sinal fora do normal era seu estilo motoqueiro (limpo), para não falar de quando uma mãe foi impedida de amamentar em público). Quer dizer, havia essa diferença, hoje já não tenho certeza.

Desde que conheci o CCSP, e mais ainda desde que vim morar em São Paulo, considero o lugar mais interessante da cidade: sua entrada é uma continuação da calçada, há ali muitas atividades de qualidade gratuitas ou a preços ainda medianamente populares (R$ 20,00, no máximo, se não me engano), e seus espaços livres são ressiginificados pelos seus usuários: seus corredores são pontos de encontro, de conversas sérias e leves, de reuniões, de ensaios de teatro e de dança, de namoros, de leituras, de jogos, de estudos; freqüentados por brancos, negros, pardos, asiáticos, ricos, pobres, classe média, doutores e pessoas de pouca escolaridade, velhos, jovens, crianças, adultos, sem que eu nunca tenha visto uma tensão pesada entre pessoas tão distintas a primeira vista (já vi algumas vezes segurança pedindo para grupos de dança baixarem o som, e serem prontamente atendidos).

Mas o que a prefeitura e a gestão Haddad querem fazer do CCSP? O que simboliza as várias mudanças que o CCSP tem sofrido, desde que foi fechado para reformas?

A primeira mudança veio na cantina: se outrora era uma lugar de preços razoáveis (não chegavam a baratos, mas ficavam numa certa média paulistana), os novos donos do espaço praticam preços abusivos: R$ 3,50 um café, R$ 4,00 um pão de queijo. Resultado (a mim, que tenho essa possibilidade): ao invés de chamar meus amigos pra um café no CCSP, chamo-os para um dos SESCs, em que um café e um pão-de-queijo custam menos do que o café da cantina do lugar público. Vale ressaltar: uma lanchonete em um espaço como o CCSP não é mero local para comer: é também lugar aberto à socialização - já fiz uma boa amiga, um dia que estava de bobeira na cantina e ela lia Borges ao meu lado. Agora veio essa mudança na entrada da biblioteca, com o cadastro, a foto e os documentos, feito por seguranças engravatados (simpáticos, não nego, mas sou universitário branco de classe-média, creio que se eu fosse um negro com primeiro grau vindo de São Miguel ou Cidade Ademar não teria o mesmo tratamento). Quais os próximos passos? Limpar o espaço desse povo "feio", "pobre", que mora na rua (e logo, não podem saber o que é cultura, muito menos podem querer ter acesso a isso), pra garantir o bom uso pelos brancos de classe-média? Aumentar o valor das entradas, para ficar na média do mercado? Proibir o uso dos corredores para outros fins que não o de passagem? Cobrar entrada para as exposições? 

E enquanto tolhem o espaço de sua característica democrática e pública, lançam uma campanha "seja público, sou público". A quem querem enganar? Que público é esse que dificulta o acesso à cultura?

Ao que tudo indica, a gestão Haddad e o CCSP têm se esforçado para acabar com a vitalidade de um dos espaços mais democráticos de São Paulo. Para felicidade deles, creio que estão no caminho certo. A quem, como eu, gosta do CCSP por seu caráter radicalmente público, é preciso reagir.

São Paulo, 28 de maio de 2014.

Ps: como xingar muito no twitter não me parece muito efetivo, estou enviando uma cópia deste texto para prefeitura municipal, câmara, CCSP e outros.

PS2: o acesso à internet não exige mais pedir permissão todo dia.

domingo, 18 de maio de 2014

Gargalhada

Estávamos em cinco naquela festa. Cinco grandes amigos que assim se consideram há mais de doze anos. Apesar das mudanças. Apesar dos avanços e recuos, dos erros e acertos, dos sumiços e aparecimentos, das cidades e dos caminhos distintos que cada um tomou. Amigos que me fizeram descobrir que escolhas aparentemente erradas não são perda de tempo. Havia novidades muitas - inclusive o casamento do amigo que reunia os quatro outros naquela festa -, mas a conversa fluía como se voltássemos das férias da faculdade: mais do que elencar o que nos ocorrera, conversávamos sobre dilemas da vida - pequenos e grandes, bons e ruins, leves e pesados. Havia também os momentos de tirar fotos - entre os quatro ou entre os cinco, quando o anfitrião conseguia nos dar um pouco da atenção dividida entre todas as mesas. Fotos daquelas que guardamos para rever no futuro e notar as diferenças nos traços, o envelhecimento na pele, a perda dos cabelos. Para compararmos a diferença no sorriso esculpido, aquele sorriso forjado para fotos, em que nos apresentamos contentes e de bem com a vida - mais do que com o momento. Posávamos para nós mesmos daqui a alguns anos. Eis que numa dessa sessão de fotos, em que três sorriem para a quarta que segura a câmera, a fotógrava do momento faz uma careta que nos remete a uma piada interna, uma graça que nos surpreende, apesar dos doze anos de contato. A pose se perde, o sorriso pronto se desfaz, e eis que ela consegue, enfim, capturar o momento.



São Paulo, 18 de maio de 2014.

Para: Aline, Vannucci, Paula, Paulo e Tati.