terça-feira, 17 de junho de 2014

17 de junho: Vai pra Disney! [Copa 2014 (toques)]


Por um instante tive vontade de sair na rua gritando Não vai ter copa a partir das quatro da tarde. Mas meu lado mais Macunaíma me convenceu que era melhor ficar em casa, lendo e ouvindo música - Radiohead e Pavement, nada de Café Tacvba: era para criar um bolha com relação ao jogo, mesmo (diferentemente do compositor Henrique Iwao, que dá uma banana à copa, mas entoa o mantra Viva México). Pego os jornais do dia. No Estado de São Paulo, na sobra de papel, ausência de assuntos, despreocupação com a natureza e informe publicitário de escolas particulares da cidade muito mal disfarçado em um texto triste de tão fraco, uma “reportagem especial” sobre crianças que nunca viram o Brasil ganhar um título no futebol. Entre depoimentos dos quais jorram babaquices e pachequismos a la Galvão Bueno, senso comum e insignificâncias, há um que me chamou a atenção e mereceu até foto da fofuleche de um colégio da Zona Sul: a pequena Isabela Tomasi de Castro, oito anos (branca, como todas as crianças da reportagem, uma amostra significativa da população da capital e do país, diga-se de passagem). Achei seu desejo de uma ingenuidade tão reveladora. Em meio a crianças imaginando o povo ocupando feliz as ruas para comemorar, ela quer festejar o título do Brasil bem longe dessa terra - na Disney. Abraçar o Pateta, entrar no Castelo da Cinderela e quem sabe, num arroubo de ufanismo, comprar uma camiseta do Zé Carioca, por que não? Imagino as visões e valores que não são transmitidos a essa criança - pelos pais, pela escola, pelos amigos -, o mais puro e legítimo complexo de vira-latas tupiniquim, e isso reforça minha impressão de que a falta de educação dessa classe com a presidente da República, na abertura da copa, é coisa pouca perto do que fazem com os subalternos, esse povo feito de gente preta e feia e pobre e burra. E me pergunto por que não vai ela e todos os seus não só comemorar o título, como viver o resto das suas vidas perto do Castelo da Cinderela, felizes. Deixem o Brasil aos ignorantes!

São Paulo, 17 de junho de 2014.

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