quinta-feira, 19 de junho de 2014

Dejanir D. [retratos feitos de memórias]

O diagnóstico de um tumor caiu como uma bomba, como um atestado de óbito: aqui jaz Dejanir D. Entre lamentações no futuro do pretérito e o não se conformar que, mesmo fazendo exames periódicos, não tivesem pego a doença em seu início, se deu conta de que a única coisa que lhe restava era não desanimar e encará-la. Saiu da sala de cirurgia sem forças, a ponto de ter perdido a voz - sussurrava. No hospital, pensou e repensou a vida, mergulhou em memórias, deixou aflorar sentimentos e ressentimentos. Assim como aprendeu que não adiantava se lamentar do que poderia ter sido mas não seria nunca, expurgou também ressentimento que carregava consigo há décadas: era o presente, o efêmero e fugaz presente o que ele tinha - e a ele se agarrava. O passado? Como lembrança e não como um peso. O futuro? Como esperança, não como fuga: pois se quisesse viver não podia fugir. Vieram os tratamentos, os efeitos colaterais, e ele insistiu com seu dia-a-dia, seus negócios, seu interesse por política e relações internacionais. Veio a cura. Um ano depois, a volta - da doença. E ele insistiu com seu dia-a-dia. Mudou alguns hábitos, é certo (nem todos para melhor), por causa do câncer, mas tais mudanças serviam como afirmação da vida: que venha a doença, mas ela que se insira em seu quotidiano, porque viver para ela seria admitir que ela é mais forte. Semana passada, ainda que meio enjoado, discutia a crise na Ucrânia.

São Paulo, 19 de junho de 2014.

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