segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Aécio Neves pode dar novo rumo à política brasileira [Eleições 2014]

Com a entrada de Marina Silva no lugar de Eduardo Campos para a disputa da presidência da República pelo PSB, Aécio Neves e o comitê de campanha tucano provavelmente mudarão o foco de suas preocupações de forçar um segundo turno para chegar ao segundo turno (Marina estará muito próximo dele nas pesquisas, se não superá-lo logo de cara). Como o projeto do senador mineiro é para 2018 (claro que ele não vai se incomodar em ser eleito agora, mas todos sabem que suas chances são, desde o início, reduzidas), ele tem a oportunidade mudar a trajetória do seu partido e, conseqüentemente, da política brasileira.
É fala recorrente entre os bons analistas políticos que com a polaridade PT-PSDB no plano nacional o primeiro passou a empurrar o segundo cada vez mais para a direita. De partido de centro/centro-direita com ideais progressistas, o PSDB foi se convertendo em partido de centro-direita/direita conservador/reacionário. Serra, no segundo turno de 2010, foi a coroação desse movimento, transformando o partido outrora alinhado com a tal "terceira via" de Clinton em uma versão light do Tea Party republicano. Para lembrar: na expectativa de atrair o eleitorado mais conservador, que no primeiro turno tinha em Marina sua representante natural, Serra mandou pelos ares o acordo entre PT e PSDB para não entrar em temas polêmicos em que ambos os partidos defendiam bandeiras progressistas, como aborto, maioridade penal, legalização das drogas, casamento homoafetivo. Como faz parte do grande jogo político, que visa a obtenção do poder estatal, o PT teve que se adaptar ao movimento de Serra e caminhar, ele também, mais para a direita, escamoteando bandeiras típicas da esquerda. A atitude de Dilma é criticável, mas o PT ficou ali numa aporia: ou ocultava sua pauta de liberalidade nos direitos individuais ou perdia o poder para um candidato que se pôs claramente contra essa pauta. Garantir o poder era a melhor forma de evitar um retrocesso maior - o discreto Marcelo Crivella é quase inofensivo no ministério da pesca e o tosco Marco Feliciano é peixe pequeno, bem menos perigoso que o pastor-coronel Silas Malafaia.
Como Marina entra como candidata natural dos votos dos mais conservadores, junto com o pastor Everaldo, Aécio tem a possibilidade de escolher se disputa com ela esses votos, reafirmando o conservadorismo da sociedade brasileira, ou dá uma guinada à esquerda, em direção às bandeiras que nortearam a fundação do PSDB e hoje (infelizmente) têm no PT seu único defensor (dentre os grandes partidos). Penso que qualquer que seja seu movimento, ele deve ter dificuldades para ir ao segundo turno - essa escolha é principalmente para os próximos quatro anos.
Se optar por assumir um discurso mais à esquerda, é capaz de capturar alguns descontentes com o PT, mas que votam nele pela questão dos direitos humanos. Com isso, forçaria o Partido dos Trabalhadores a caminhar mais para a esquerda, para manter esse eleitorado - ou para a direita, assumindo o papel agora do PSDB, e perdendo grande parte da sua base histórica. Se pondo à esquerda, a bancada evangélica pode ver seu poder de barganha diminuído, pois na tribuna do senado estará Aécio defendendo bandeiras progressistas, de olho em 2018. No âmbito interno do PSDB, esse movimento poria em xeque o poder dos caciques paulistas, o que pode enfraquecê-lo ou confirmá-lo como grande liderança tucana. O PSDB de São Paulo se transformou em herdeiro do malufismo para o eleitorado abastado mais reacionário e ferrenho crítico dos direitos humanos (ou defensor dos "direitos humanos para os humanos direitos"). Exemplos: rampa anti-pobre e defesa da criminalização do aborto por Serra, projeto de diminuição da maioridade penal por Aloysio Nunes Ferreira (quando o estado de São Paulo não consegue sequer atender suas próprias diretrizes nas fundações de ressocialização de menores infratores, e só consegue ter paz nos presídios porque estes são controlados de fato pelo PCC), exaltação e legitimação de assassinatos extra-judiciais por parte dos seus subordinados por Geraldo Alckmin ("quem não reagiu está vivo" é a versão Opus Dei para "bandido bom é bandido morto").
Há, contudo, uma série de questões que surgem ao se levantar essa hipótese de guinada à esquerda (pouco provável, admito). Primeiro: defender tais bandeiras significa se aproximar de FHC (lembre-se que este perdeu a prefeitura paulistana justo por conta desse eleitorado ultra-conservador e da Grande Imprensa partidária) e se afastar do resto do alto tucanato paulista - estado até hoje hegemônico na legenda. Teria eles força suficiente para tal movimento? Segundo: significa priorizar cálculo político e não publicitário, e é de se questionar se ele teria poder para contradizer seu marqueteiro. Terceiro: Aécio Neves e o PSDB acham mesmo relevante a defesa efetiva dos direitos humanos e ampliação dos direitos individuais?

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