sábado, 11 de outubro de 2014

Qual marca te habita?

Esperava o metrô quando chegou na mesma baia em que eu estava uma bela moça, que logo se pôs a mexer despreocupadamente no celular. O que primeiro me chamou a atenção foi que a bela moça não ficou atrás da faixa amarela, sequer em cima - depois que amigos meus metroviários contaram de casos como o do homem que perdeu a cabeça ou do homem-pião, por desrespeitarem a tal faixa, me tornei um fervoroso seguidor das indicações de nunca ultrapassá-la. Pensei em cutucar a tal bela moça e falar que seria mais prudente ela dar dois passos atrás, mas como ela estava de fone de ouvido, achei que seria trabalho muito para pouco tempo - logo o trem chegaria. Mais: a bela moça poderia achar que eu estava dando uma cantada de tiozão pra cima dela e, pior, aceitar a cantada!, me deixando perdido como um cachorro que late para roda e esta pára. Assim sendo, diante dessa possibilidade de ficar sem reação para com a bela moça que se insinuaria para mim atrás da faixa amarela, preferi ficar na minha, e observá-la à frente da faixa amarela.
O que segundo me chamou a atenção nela foi que era uma bela moça - como o leitor e a leitora mais atentos devem ter deduzido do parágrafo anterior -, acentuado por um visual que eu julgo golpe baixo, a saber: saia de tenista e camiseta que deixa um dos ombros de fora (me lembrei de Machado). Um terceiro ponto que me chamou a atenção - móbil desta crônica -, foi que seu tênis, sua mochila, sua saia eram todos da mesma marca esportiva - a camiseta eu não consegui averiguar, aparentemente não era.
Presenciei uma vez conversa nesse mesmo sistema de transporte de massa, em que um rapaz defendia uma marca contra a outra, quase como um corinthiano a justificar a superioridade do seu time sobre o Palmeiras: absolutamente irracional e sem sentido. Tênis, calça, camiseta, boné, tudo da mesma marca, como um torcedor ou um religioso fanático, como se aquelas marcas dissessem algo sobre ela, como se aquelas marcas dissessem tudo - ou ao menos o essencial - sobre ela. É certo que uma roupa dá sinais de qual tribo você gostaria de ser enquadrado, a qual clichê você quer ser reduzido - eu mesmo, ao usar um tênis Super-Star dou a deixa de que tenho um quê meio urbano-alternativo e bastante mão-de-vaca. Se identificar tanto a uma marca, contudo, me soa se reduzir de uma maneira ainda mais absurda: não é apenas um estilo no qual você se acomoda - que esse até permite certas liberdades -, é você subordinando sua identificação a uma marca, como se sua auto-estima não sustentasse sem tal logo - e isso vai além de roupa, tênis e acessórios, alcança também nossa vaca-sagrada, o carro, a marca de bebida (para quem nunca gostou de refrigerante de cola, por exemplo, as duas marcas principais são igualmente horríveis), o celular e o computador-fetiche, dentre outros, nos quais se inclui o já citado time de futebol. Quando vejo pessoas assim - ou então extremamente bem enquadradas em um estilo, tipo emo, patricinha, etc -, me pergunto o que sobraria delas se lhes tirassem os acessórios: haveria essencial? Elas suportariam mostrar o que há por baixo desses signos todos - o corpo falando por si próprio?
O trem chegou, a bela moça seguiu mexendo no celular enquanto eu li uma propaganda do Metrô em que convidava empresários a anunciar na rede, com garantia que a empresa tinha perfil detalhado do tipo de público atingido em cada linha e cada estação.

São Paulo, 11 de outubro de 2014.

1 comentário:

rafael disse...

sabe, de tempos em tempos dou uma lida. sua escrita tem se tornado cada vez mais bela!