quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Enfim portenhos em Buenos Aires

Enfim Buenos Aires em dia útil - termo que não me agrada, pois fim de semana está longe de ser inútil. Buzinas, carros, pessoas, trânsito. Nos calçadões há anúncios outros que de câmbio. Não sei se houve uma faxina social, me chamou a atenção praticamente não ter mais gente anunciando chicas dos inferninhos locais - me deparei com apenas um. Dólar rende mais que sexo? Também é curioso que, ao menos no centro expandido, não haja vendedores de dvds piratas - encontrei um na avenida Callao, apenas -, em compensação de adaptadores de tomadas... mostra da força do turismo na cidade. Colegiais vestidas de colegiais - saia plissada, meião e sapato. E eu achava que isso era coisa só de pornô japonês. Duas crianças jogam futebol com uma caixa grande na Lavalle. Por sinal, chama a atenção que boa parte dos pedintes do centro estejam acompanhados de crianças - noto isso com bem menos freqüência no Brasil, não sei se resultado das contrapartidas exigidas pelo Bolsa Família, ou da ação do conselho tutelar. Páro numa praça da Recoleta, retomo a leitura de "Los jardines secretos de Morgador". Cinco crianças brincam de esconde-esconde. Devem ter seus sete, oito anos. As mães, uma senhora em cadeiras de rodas e sua acompanhante se divertem ao assistir à brincadeira. Me lembram Mafalda (que sempre imaginei morar por estas quebradas, ao invés de San Telmo, como ficou consagrado, até por uma estátua dela), me lembram também do quanto praça, infância, brincadeiras antigas parecem estar ausentes de São Paulo e outras grandes e médias cidades. Mesmo as pequenas. Quando eu era criança, era comum brincar na rua, jogando futebol, em corrida de skate (sentados), construindo barragens de folhas em dias de chuva, jogando pinhas para os carros atropelarem, andando de bicicleta, riscando o asfalto com gesso... isso que eu era muito do video game. Atualmente, em minhas voltas pra casa, acho o máximo quando vejo um grupo de crianças andando juntas. E não adianta argumentar que estou num bairro rico de Buenos Aires, crianças em situação equivalente em São Paulo estariam ou na área de lazer do prédio, ou no shopping - porque a rua é perigosa, porque o diferente é perigoso e invejoso da nossa superioridade, porque o Outro é, de antemão, uma ameaça. Não adiantou o crescimento econômico e a diminuição das desigualdades da última década, seguimos pobres - de espírito. Sinto frio na sombra, calor no sol, desisto da leitura. Deixo o banco, a bituca de cigarro, a tampa de cerveja e os três pedaços de fio - um azul, um branco e um verde - que jaziam aos meus pés. Buenos Aires é muito mal servida de lixeiras. Cafés e bares aqui costumam ter jornais para os clientes. Páro numa cafeteria que oferece várias opções de café do mundo. No menu, avaliação de corpo, acidez e sabor; o preço é próximo de café em qualquer lugar, na faixa de trinta pesos. Tomo um indonésio, único nota cinco no quesito corpo. Acompanho um tempo o movimento na avenida. Atrás de mim, o garçom acompanha City e Bayern (descubro que perdi de assistir a dois gols no fim do jogo). Passa pela rua uma criança acompanhada por seu pai - deve ter a mesma idade das da praça. O garoto volta da escola, traz na cabeça uma coroa de papel e chora - um pequeno déspota de uma época que todo não é uma recusa ao ser? Talvez o pai não tenha aceitado parar em algum rede de fast-food: aqui os jovens, ao invés de se aglomerarem nos shoppings, parecem preferir redes internacionais de alimentação (sic). Por falar em redes internacionais, Armazém Dom Manolo muito provavelmente seria coisa do passado hoje: lembro de ter passado por apenas três mercadinhos que não eram ou de uma grande rede, ou de chineses - em um destes, mostra da ascensão social, atrás da vitrine em chinês, funcionários andinos. Mesmo os quioscos - que agora se denominam "drugstore", apesar de as únicas drogas vendidas serem alcóol e nicotina -, grandes redes dão a impressão de serem maioria. Buenos Aires segue com muitas livrarias e poucas academias - e os argentinos parecem ser mais magros que os brasileiros. Ler emagrece? Passo pela primeira vez por um restaurante japonês, na verdade demi-japonês, como também é comum no Brasil; a diferença é que aqui é um restaurante peruano-japonês. Faz sentido. E próximo ao Congresso, o Bar Revolucionário, talvez uma versão portenha para o Ecla. Diferentemente do esquerdista brasileiro, o bar vende livros e promove seminários - no caso atual, sobre periodismo y midia -; não sei se tocam tango. Pouco abaixo, outro bar no estilo, o MU, onde está na vitrine o livro "Brasil, ¿un nuevo imperialismo?". No fim do dia, me deparo com um protesto, que saíra do congresso em direção à Casa Rosada - uma cena banal para Buenos Aires, onde a rua, além de local de convivência é também lugar político. Banal não sei se é a participação brasileira nesses protestos. Vejo bandeiras do MST. Em alguns cartazes leio "izquierda unida", em outros, "esquerda unida", em meio a esses cartazes, bandeiras do PSTU - mas não é pela união das esquerdas?

Buenos Aires, 26 de novembro de 2014

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