terça-feira, 25 de novembro de 2014

De madrugada

Findo o show da Mogwai, queria mais voltar pro albergue: os escoceses foram a cereja do meu bolo que começara com Juana Molina e Yann Tiersen. Fiquei para conhecer a Tame Impala, ver se valia ser a grande atração da noite: duas músicas já me cansaram (na verdade eu já estava cansado depois de aloprar no Mogwai, aprendi a freqüentar festivais de música como se freqüenta museu). Conforme a atendente do albergue, o táxi me cobraria cerca de duzentos pesos para me entregar no meu local de pouso. Fui com pouco mais que isso, e consumi metade em uma água, uma cerveja (que abandonei pela metade, porque havia uma área resteita para consumo etílico, de modo que eu não podia esquentá-la enquanto via um show) e um café. Me restou as alternativas de rachar um táxi (mas com quem? Até pedi a umas gurias que iam para endereço próximo ao meu, mas recusaram dividir a corrida em quatro, ao invés de três) ou voltar a pé. Optei pela segunda, mas com uma grande dose de receio: teria que passar por uma passarela onde na ida havia um morador de rua (uma figura que me tocou bastante), e várias praças. No Brasil, pelo senso comum (que tento quebrar, mas até que isso aconteça, também sigo), seria loucura. Para não me arriscar tanto, esperei até perto do fim do show, quando um número considerável saía - ainda muito longe da multidão que estava no local. Fui atrás de um grupo, poderia ser que estivessem indo para um ônibus de excursão. Não iam. Por sorte, pensei equivocdamente. Passei pelo mendigo, que dormia. A partir de então foi por ele que temi: isolado, dormindo, ao fim de um festival cheio de adolescentes, no Brasil, imagino, não seria difícil algum grupo resolver "zuar" com ele (talvez tenha acontecido aqui também, não creio). Vinham agora os parques e praças. No observatório, quase meia noite, vi flashes: uma família, com crianças pequenas, fotografava os patos dormindo. Isso me deixou bastante perplexo. Nos demais parque pelos quais passei (do outro lado da rua) estavam desertos, mas deles não exalava nenhuma sensação de perigo. Me perguntei se seria possível caminhar com tamanha tranqüilidade meia noite em São Paulo - nunca fui assaltado a sério, mas evito dar qualquer bandeira. Ok, estava eu num bairro rico, mas em São Paulo, amiga comentou que quando precisa voltar pra casa de madrugada, vai pela avenida Angélica, e já passou alguns apuros. Em ruas secundárias, quioques abertos funcionam atrás das grades do estabelecimento - nem tudo são flores, mesmo na parte "in" do sistema argentino de exclusão social, apesar de várias floriculturas abertas na Recoleta. Citei por alto na primeira série destas crônicas da violência simbólica de São Paulo - tinha em mente os apartamentos com seus muitos seguranças, o CCSP se limpando de povo, a polícia militar pedindo documento de pobre com arma na mão, o mendigo que humilha o andino, não me imaginava tão alvo de violências do tipo. Ao caminhar sozinho na madrugada portenha, sinto o quanto também sou vítima da violência simbólica paulistana - ainda que não faça nenhum sentido culpar aqueles que diretamente me amedrontam.

Buenos Aires, 25 de novembro de 2014

Sem comentários: