quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Fotografo com palavras

Da primeira vez que vim a Buenos Aires, o posto de informações turísticas da cidade me entregou um mapa com uns duzentos pontos de interesse - principalmente construções e monumentos. Circulei pela cidade na ânsia de ver o máximo que o mapa apontava - e tirava foto de boa parte desses pontos. Em 2006, quando vim com meu irmão para cá, íamos aos pontos turísticos, tirávamos fotos (menos do que em minha viagem anterior), e eu arriscava algumas crônicas. Além dos pontos específicos (Caminito, Recoleta, Casa Rosada, etc), já me despertava interesse o caminho - eu seguia bastante preso à arquitetura. Um casal argentino que conhecemos nos Bosques Petrificados até tirou sarro da nossa cara, dizendo que fazíamos trekking urbano, quando contamos que fomos da Boca a Palermo à pé (por sinal, foi esse casal que nos sugeriu El Chaltén, parte mais legal da nossa viagem). 
Nesta minha viagem atual, pontos específicos são poucos, um ou dois por dia, e a parte mais importante é o caminho. Me prendo à arquitetura, mas também às questões urbanas, às pessoas, aos personagens anônimos do dia-a-dia. Quanto a monumentos, me tocou o monumento a Roca (que eu achei ser a Bolívar), que me surgiu com ares de De Chirico, mas não por ele, e sim pela evocação do pintor que ele e a cidade ao redor, na solidão de um fim de tarde de domingo, me trouxeram. Vendas, mercados, transeuntes me interessam mais. E volto quase a ser o turista desesperado por fotos de quinze anos atrás - a diferença é que agora fotografo com palavras, minha caderneta sempre à mão. Dizia Dominique Wolton que a fotografia está no olhar, não no dedo. Já eu dizia que toda escrita (escrita para além de palavras no papel ou no computador) começa pelo olhar. Agora penso o quanto do olhar não começa na escrita, em alguma narrativa que queremos contar - para nós e para os outros. Tiramos fotos como lembrança (pelo menos na época do filme se dizia isso), porém quantas vezes pegamos os albuns para rever as fotos, sem a companhia de alguém? Acontece, sim, mas vale perder todo esse tempo para guardar algo que poucas vezes vamos nos interessar em relembrar? Será que o mesmo vale para esta série de crônicas, ou ela serve para contar aos outros que estou viajando - assim como quem tira selfie de si em todo lugar? As crônicas de 2006, pensei em relê-las antes de vir. Não o fiz. A única vez que reli algumas foi quando mostrei para uma futura-ex-namorada. Mas me parece que a viagem perde algo se não tenho com quem compartilhar - não sei se a materialidade, o sentido, ou o quê. Na viagem com meu irmão a urgência de fotos e textos era menor, talvez porque o comentário soltávamos na hora. Ou talvez todas estas crônicas sejam força do hábito, uma forma de apreender o que se passa ao meu redor, de dar conta da lógica do choque imposta pelas metrópoles, o olhar ávidospor entender dinâmicas estranhas, reparar em detalhes insignificantes num primeiro momento, e a palavra para não me perder em meio a tantas informações. Enfim termino estes meus questionamentos com o óbvio: escrevo porque gosto, ainda mais diante desse deslumbramento que me causa Buenos Aires.

Buenos Aires, 26 de novembro de 2014

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