terça-feira, 25 de novembro de 2014

Um mergulho na avenida General Las Heras

Receoso de algum problema com a retirada do ingresso para o festival (o local que optei por retirá-lo estava fechado devido ao feriado), saio cedo do albuergue, em direção da praça Itália. Pelo que me lembro, gostaria de ter ido até lá em minhas outras passagens, mas algo me desviava do alvo. Desta vez cheguei, e consegui a entrada sem problema (soubesse e teria ido à trés da tarde, que já desceria direto para o show). No metrô vejo uma figura digna de ser protagonista do Portas dos Fundos como Jesus: um homem barbas e cabelos longos, sandália e túnica. Ingresso em mãos volto caminhando para o albergue: Buenos Aires é um convite a um sovina como eu economizar no transporte e caminhar pelas suas calçadas. Buenos Aires também tem a bela idéia de as ruas não mudarem de nome, só porque vereadores de turno querem homenagear alguém com um novo trecho. Saio do local de retirada e dou de cara com a avenida General Las Heras! De um lado, o jardim zoológico, do outro, o jardim botânico, e um quilometro adiante, duas viagens no tempo. Antes de chegar ao conhecido trecho, desvio até um shopping, para necessidades fisiológicas. Ao adentrá-lo, lembro do comentário de meu irmão: shopping é tudo igual? Um não-lugar é sempre um não-lugar, e ali me sobra uma lembrança pelo acaso de não sermos bem adequados ao ambiente. Não sei se foi nesse shopping que meu irmão se empolgou quando começou a tocar Beck, My summer girl - creio que sim, dada a seleção de músicas do pouco tempo que fiquei. Volto à Gral Las Heras. O parque parece menos inclinado do que tinha em mente, o restaurante do garçom que fazia caretas por termos pronunciado errado o prato, em 2006, mudou de nome, e o prédio onde fiquei, século passado, descubro agora, era de esquina. Lembro de, em 1999, ter aceitado o banho oferecido pelo dono apenas por não saber - assim como o aceitar descansar um pouco, eu que não estava cansado, apenas nervoso. Se não me errei, a cafeteria que fui depois desse meu descanso, Pilar, Sergio (era Sergio o nome dele?) e a mãe de Pilar, virou uma rede americana. Lembro de ter ficado horrorizado com o preço do suco de laranja - quatro pesos - e da mãe de Pilar ter dito que eu tinha mãos de pianista - ao que respondi que realmente tocava piano. Um casal de chineses passa por mim falando em castelhano com sotaque chinês (e no albergue, agora, ao meu lado um grupo de australianos fala um inglês difícil de acompanhar, do outro, um grupo fala não sei que língua, parecia francês no início, agora parece árabe, ou um alemão muito estranho. Um canadense se aproxima, pergunta se sou alemão). Passo pela faculdade de engenharia da UBA. Me lembro de um prédio pesado, escuro - talvez confundisse com a igreja há pouco deixada para trás? De qualquer modo não lembrava de um prédio tão imponente. Foi ali perto que numa das minhas primeiras andanças pelo bairro, no início da noite, um grupo de crianças, treze anos, por aí, perguntou minha idade, para me vender uma garrafa de uísque, e eu passei por eles com medo - como pode tanto medo? Acho estranho, quando passei por ali, oito anos atrás, algumas lembranças vieram, sim, mas não me afetaram desse modo. Volto ao albergue, me preparar para o show, tentar me aliviar de algo que me perturba desse passeio.

Buenos Aires, 25 de novembro de 2014

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