sexta-feira, 10 de abril de 2015

Tempos modernos, ferramentas antigas

Sete da noite, no bar da esquina da rua Treze de Maio estão sentados, conversando, um gari e um homem de calça social e camisa pólo - não que o gari não seja homem, mas sua veste traz esse forte simbolismo, que o faz antes ser escória social a ser humano. Na mesa ao lado, comendo batata frita e bebendo uma cerveja, um casal. No breve tempo que os observo, não conversam: cada um tem uma das orelhas ocupadas por seu fone de ouvido, creio eu que escutando música - o outro ouvido desimpedido, para caso um dos dois resolva falar algo. Eu poderia ver pelo lado bom: não incomodam outras pessoas com música alta, e caso tenham gostos diferentes, não se irritam com a música alheia - mas algo me diz que esse lado bom é torto demais pra justificar o lado (que vejo como) ruim. Na Treze de Maio, pizzarias acendem seus fornos, vendedores de milho verde e espetinho já estão a postos, pessoas nos bares bebem o fim do dia. Duas meninas brincam de skate: uma sentada e a outra empurrando pela calçada pouco apta às rodas do equipamento. Lembro de quando criança, disputávamos corrida de skate (sentados, é claro) descendo a rua - a calçada, pra ser mais preciso, porque a rua era de paralelepípedos -, um dos meus amigos sempre com a proeza de atropelar os próprios dedos, a Dona Frida como linha de chegada, ou então tomávamos bronca da pioneira da cidade. Ontem, uma dessas meninas dirigia um carrinho elétrico - um dos meus sonhos de consumo quando criança, mas que, vejo hoje, não me fez falta. Em frente à calçada onde brincam as meninas, bebem os homens, conversam as mulheres, estacionam os carros, no interior da sala, a mulher lê um anúncio, algo parecido com informe de RH. Tem um copo d'água na mesa, a luz da platéia está acesa. Sem uma mudança brusca de tom, ela passa do informe à sua busca por empregos em extinção, e dos empregos em extinção às ferramentas do pai já falecido - trazidos em um pano bordado pela mãe. Ferramentas de carpintaria, com ornamentos e ergonometria pouco usuais nas ferramentas de hoje. Há uma furadeira manual entre elas. "Bem, era isso", ela termina, a voz um pouco embargada, como se tivesse dito pouco. Entre o animado e o comovido, nos acercamos para ver aquelas relíquias pessoais de um tempo antigo. Com elas nas mãos, aproximando-as dos olhos para perceber os detalhes e as marcas que traziam, sentimos sem querer seus cheiores, e notamos que talvez a mulher tivesse mesmo falado pouco, diante de tudo o que aquelas ferramentas tinham para contar.




10 de março de 2015