sexta-feira, 19 de junho de 2015

Bola fora, bola dentro

Sem nunca ter feito uma enquete entre conhecidos, nem lido alguma pesquisa pseudo-científica no site de tranqueiras do Dimenstein, acredito que a maioria das pessoas dê mais bolas-fora do que bolas-dentro, pela razão simples de que é mais fácil desagradar e falar mal que o inverso. Assim sendo, imagino ser parte da maioria – inclusive um pouco acima da média, por ser um tagarela. E com toda essa prática, fui me escolando na arte de bolas-fora, ou melhor, de como não piorar a situação: aprendi a nunca tentar desconversar, “não era bem isso que eu queria dizer”. Ah, não? Então por que disse? “É... veja bem...”. Veja bem nada! Prefiro reafirmar e tentar suavizar a frase mais impactante recém-dita. Lembro de quando conversava com uma amiga, início do século, sobre as negociações iniciadas pelo Brizola, para fundir o PDT com o PTB: "Mas antes tem que limpar o PTB daquela catrefada", ao que minha amiga me lembrou que seu pai era do PTB. Ui! Não foi isso que eu quis dizer? Foi sim, por isso disse! E agora, José? Pensei rápido: "Pois, então, você sabe melhor do que eu que o PTB tem muita gente que não vale", "sim, mas isso qualquer partido tem", "sim... mas o PTB tem uns de um nível que não se encontra no PDT", "é... verdade", deu ela o braço a torcer, talvez não de toda convencida, mas não de toda ofendida, pelo menos.
E me dou conta enquanto escrevo esta crônica: pelo tanto que sou tagarela, também deveria dar mais bolas-dentro que a maioria das pessoas. Isso, contudo, não me sói acontecer. Talvez porque antes de bola-fora ou bola-dentro, eu tenho a impressionante capacidade de errar o pé da bola – nestas questões até mais que no futebol (por sinal, aceito convite para jogar bola, se for algo mais suave, em que pernas-de-pau são aceitos e correm o risco de ser um dos melhores em campo). É... talvez pior que bolas-fora é errar a bola. Tenho exemplos que só não me deprimem porque levo pro anedótico – principalmente em bolas levantadas por mulheres. Enfim. Contava a uma amiga, depois de assistirmos à peça Oe, do Eduardo Okamoto (recomendo muito!), da vez que voltava de São Paulo, onde fazia o mestrado, para Campinas, onde morava, de carona com uma aluna de ciências sociais, a Dani – que, apesar de colega de curso, eu desconhecia. O papo fluía bem, interessante, ela, super gente fina. Em algum momento, encetamos uma conversa amarga sobre a Unicamp - a essa altura eu já estava super saturado daquela Terra do Nunca. Ela contou de como se desiludira do movimento estudantil tão logo entrara, ao dizer que não iria comparecer a uma assembléia por ter que trabalhar (afinal, precisava ajudar a fechar as contas de casa), e foi chamada de “burguesinha” por um desses alunos que ganham tranqüila mesada dos pais (nada contra), são "de esquerda" (nada contra ou incompatível) e, mais que isso, se crêem proletários marxistas porque leram o Manifesto Comunista (ou estão lendo), porque os amigos (também marxistas) os chamam assim e porque sonham com um mundo mais justo, onde haja playstation e sucrilhos para todos. Logo adentramos (eu adentrei) no assunto Instituto de Artes, e falei com minha tradicional ênfase da profunda indignação com a qualidade das montagens que os alunos apresentavam - via de regra rasas e apelativas, ou adaptações muito mal feitas de grandes obras (por não conseguirem montar um Beckett, um Pirandello, um Tchekov “quadradinho” e aí apelarem para invencionices?). Eu segui com minha verborragia contra o curso, questionando como tinha acontecido de sair coisa boa daquilo, como a Boa Cia ou o Eduardo Okamoto. Sobre este, eu havia visto duas peças, Agora e na hora de nossa hora e Eldorado, e ficado impressionado com o trabalho de corpo (e de olhos) do ator. Fui falando, ela foi deixando eu falar. Foi só perto do fim da viagem que ela soltou um "que legal que você gostou!", e contou que era produtora e companheira dele (vulgo esposa). Fiquei um pouco encabulado, mas aliviado de ter pego carona com ela e não com alguém próximo, por exemplo, da professora do IA que montou As Rãs, do Aristófanes, como se fosse uma tragédia grega (merecedora, na época, de raivosa crítica deste escriba). Apesar de ter dado um bola-dentro, acostumado com bolas-fora, ainda tentei me justificar – é capaz de, pego despreparado, tenha até começado com “veja bem, não foi exatamente isso que eu quis dizer...”

19 de junho de 2015

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