terça-feira, 15 de setembro de 2015

Uma conversa na portaria do prédio

Vida de porteiro em prédio de classe média de São Paulo não é fácil. Além de ganhar pouco, ouve muito - de que ganham demais (miseráveis mil reais por mês) pro pouco que trabalham a todo tipo de doutrinamento dos moradores que se crêem ilustrados. Mas a coisa começa a assustar quando o porteiro assume esse discurso classe-média-fascista - o que não é difícil, visto que os moradores que se crêem ilustrados não fazem nada mais que repetir sem qualquer mostras de reflexão Datena, Rezende, Bonner, Sheherazade e "formadores de opinião" afins.
No meu prédio há um senhor que volta e meia está parlando seu discurso fascista aos porteiros que, presos pela profissão ao pouco espaço que possuem, não têm como fugir de tal vilania (esse mesmo senhor era sempre simpático e educado comigo, até a vez que, na frente de sua platéia, peguei meu jornal e não aceitei sua verdade de que tudo de ruim é culpa do PT, lembrando-o que havia também uma crise internacional, que se arrasta desde 2008, não me cumprimenta mais desde então, numa clara mostra de apreço pela democracia e pela pluralidade de opiniões).
Hoje, o porteiro da tarde - que, apesar de pernambucano, tenta ser um bom paulistano imitando aqueles que dizem que nordestino (ele) é quem estraga São Paulo - conversava com outro morador - branco, claro. Falavam mal do Haddad e dos novos limites de velocidade na cidade - medida que tem como objetivo (alcançado, conforme primeiros levantamentos) diminuir os acidentes automobilísticos e permitir que o trânsito flua sem percalços. O porteiro dizia que agora tinha que ir devagar na Marginal - ele tem uma moto - e, pior, se acelerasse além do limite, tomaria multa - "esse governo petista só quer ganhar em cima do povo". Eu, já com vontade de chorar, me segurando para não intervir, pensava "obra pro povo é oito bilhões de reais para não despoluir o rio Tietê, é ponte e viaduto superfaturados, é trem superfaturado, é novas pistas da marginal a preço de trilho de metrô, é conta no HSBC da Suiça", quando intervêm o morador: "e o pior, eles dizem que na Marginal tem muito atropelamento. Mas quem é atropelado? Mendigo, drogado, ambulante." Espero pela conclusão do raciocínio, mas o raciocínio está concluído, a ponto do porteiro concordar: "é isso mesmo!". O elevador chega, adentro querendo sumir logo dali. Ainda escuto o morador reclamar "aí somos nós que pagamos a conta". Contra minha vontade, deve me incluir no grupo dos "somos nós", esses que perdem velocidade por causa de vidas que não valem nada.

15 de setembro de 2015.

Malditos pedestres (que resolvem dirigir).



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