sábado, 19 de março de 2016

Relato da manifestação de sexta (sem maiores pretensões)

Meu plano era ir do início da Paulista até seu fim. Chego à manifestação de sexta às 18h. Até a avenida Brigadeiro Luís Antônio trata-se de uma sexta-feira normal. É a partir da avenida que a CET faz o bloqueio e a manifestação acontece. Logo na esquina da Paulista com a Brigadeiro, três manifestantes apontam a três policiais militares uma janela com a bandeira do Brasil, no alto do edifício Nações Unidas: "foi daquela da bandeira, tenho certeza!", diz um dos manifestantes aos policiais que olham com pouca vontade - afinal, o que é uma tentativa de homicídio que não passou de uma tentativa?, ainda se o objeto atirado tivesse acertado a cabeça de um daqueles comunistas. É o que temo para manifestação, violência dos que se acham do lado do bem contra nós, que nos achamos do lado da democracia liberal burguesa - com tudo o que ela tem de mal. Por garantia, não visto vermelho, mas a camisa do Paraná Clube - até para mostrar que não sou bairrista. Na quadra seguinte é que a aglomeração começa de verdade - e é curioso que o próprio ar da avenida parece mudar radicalmente. Batucadas, gritos de "não vai ter golpe", carros de som, pessoas de vermelho, bandeiras do PT, bandeiras da Dilma, bandeiras da CUT, bandeiras do Brasil. Desisto de chegar ao fim da Paulista na alameda Casa Branca: levo cerca de vinte minutos para atravessar a rua, quase uma hora para avançar uma quadra, tamanha a aglomeração de pessoas próximas ao carro de som onde discursavam políticos e lideranças diversas, e onde poderia acontecer o discurso do ex-presidente Lula. Algumas das falas denunciam o golpe, convocam a manter a mobilização; outros, veladamente cobram o governo federal de abandonar a adesão ao projeto vencido nas eleições de 2014-2016 (levando em conta que a oposição conseguiu forçar um terceiro turno e a gestão Dilma ainda não pôde começar de fato); Haddad faz um discurso ressaltando que não se trata de defesa de um governo ou de um partido, mas da democracia. O público presente vibra com o prefeito, como se as pesquisas de opinião não dissessem que ele é muito impopular. A DataFolha fala em cem mil pessoas, diante de 350 mil no domingo, apesar das fotos - uma ainda do início da manifestação de sexta, outra do ápice da de domingo - não apontarem tamanha diferença de concentração de pessoas - vai ver o DataFolha adota as idéias liberais de Stuart Mill, que dá maior peso ao voto das pessoas de posses, de modo que um manifestante do Jardim Europa vale por três do Jardim Ângela. Enquanto atravesso a rua, é anunciado que Lula comparecerá, sim, à manifestação - o público vibra. Vibrará mais em pouco tempo, quando o ex-metalúrgico subir no palanque. Lula não fala em conflito, mas em respeito - respeito à democracia, ao Estado de Direito, às últimas eleições, ao adversário político. Ele parece crer também que boa parte dos que vociferam junto com a rede Globo contra a corrupção do PT são apenas parvos, e não neofascistóides. Eu torço para que as ações do governo não sejam tão conciliadores - o momento de tensão não convida a instigar ainda mais a população, entretanto nas instâncias legais é preciso fazer valer os seus direitos e os da população que participou da grande farsa da democracia em 2014. Encontro alguns conhecidos ao fim da manifestação, a sensação geral é de certo alívio: não estamos sozinhos, e temos muita força para resistir à "morosidade" da justiça. Em 2016 o golpe não vai ser tranqüilo como foi em 1964.

19 de março de 2016


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