quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Pela aplicação da Lei de Talião no Brasil!

Não que o Brasil tenha sido algum dia um Estado Democrático e de Direito pleno - no máximo valeu para a parte rica e branca da população, hoje nem isso -, entretanto até 2015 mantinha-se as aparências, o que dava a esperança (pelo visto vã e ingênua) de que poderíamos caminhar para o que se chama de uma sociedade "civilizada", isto é, habitada por cidadãos e cidadãs com direitos civis e políticos garantidos, independente da sua condição. Tudo o que parecia sólido se desmancha no ar, e as ilusões perdidas sugerem que 2016 seja o ano da besta: golpe de Estado, encaminhamento para uma ditadura, discurso de ódio e incitação ao ódio em tempo integral nas concessões públicas de televisão (antigamente se restringia a certos programas) e na imprensa impressa (internet, sem empecilhos materiais, sempre foi espaço livre para o esgoto intelectual e político), políticos de extrema-direita com possibilidade de vitória em cidades importantes, e o show de horrores de judiciário: prisões arbitrárias, desrespeito à Constituição, crime lesa-pátria, torturas em Curitiba: vale qualquer coisa, desde que feita pelos amigos do rei contra o bode-expiatório eleito pelos donos do poder. Primeiro foi o colegiado do Tribunal Regional da Quarta Região legitimar o estado de exceção, ao dizer que tempos excepcionais exigem medidas excepcionais (de homens excepcionais, o senhor Adolf Moro?), ou seja, inventar leis retroativas conforme o arbítrio do juiz e seus pares, para que nelas se encaixem seus inimigos políticos, doravante podendo ser tratados por criminosos de crimes que inexistiam até o dia anterior. Agora é a vez do Tribunal de Justiça de São Paulo dizer que execuções extra-judiciais são legais - na política, o governador paulista Geraldo Alckmin é um dos grandes entusiastas dos assassinatos extra-judiciais praticados pela sua milícia política-militar -, ao anular o juri que condenou militares envolvidos na chacina de 111 (quem me conhece melhor sabe minha ojeriza a esse número) pessoas no Carandiru, em 1992 - e que respondem em liberdade, porque perigoso para a sociedade é petista, não assassino - os quais teriam cometido o assassinato em massa em "legítima defesa". "Tempos excepcionais exigem que se reescreva não apenas a história como os fatos", esqueceram de avisar o desembargador Ivan Sartori e seus pares. Nas redes sociais, "cidadãos de bem" e cristãos comemoram toda decisão que visa aniquilar pessoas que não concordam com suas posições ou não fazem parte do seu círculo próximo. Nada mais cristão, nada mais longe de Cristo - e depois torcem o nariz para Nietzsche quando ele disse que o último cristão morreu na cruz. Dostoiévski ironizava em O Grande Inquisidor, que se Cristo voltasse, morreria na fogueira. Hoje morreria apedrejado - que fogueira é coisa avançada para estes tempos. E não adiantaria Cristo dizer que atirasse a primeira pedra aquele que não tivesse pecado: nestes tempos, a primeira pedra há de ser atirada por um militar infiltrado - uma vez que pecado é algo individual, instituição ou ideal não pecam -, e as pedras seguintes estariam liberadas - não sei se era Cristo ou era do tempo, mas faltou malícia ao proto-hippie da era romana. E diante do Estado Democrático de Barbárie (com todo respeito aos bárbaros) que se instituiu nestes Tristes Trópicos, se torna cada vez mais necessário um movimento em defesa de avanços jurídicos mínimos: urge a implementação da Lei de Talião no Brasil, para garantir um mínimo de justiça à sociedade. Por exemplo: roubo de tênis ser punido com tênis, assassinato ser punido com morte, e não o inverso: roubo de tênis ser punido com morte e assassinato ser punido com tênis, a depender se o crime foi praticado por um preto pobre periférico ou um branco endinheirado. Reconheço, a Lei de Talião não me soa muito atrativa, mas direito romano é algo pra petralha e as regras que muito povos primevos seguiam nestas terras são desvalorizadas pelo simples fato de serem produto nacional - além de atéias -, e é preciso, diante desse estado de natureza hobbesiano que o judiciário tem implementado - a regra de todos contra todos -, algum código penal que forneçam um mínimo de eqüidade nas decisões de nossos divinos magistrados.

28 de setembro de 2016



quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Asco

Asco. Foi essa a sensação que me tomou ao ler a notícia da prisão de Guido Mantega, enquanto estava no hospital, acompanhando a cirurgia de sua mulher, em luta contra o câncer, por ordem do justiceiro Sérgio Moro. Houve quem falasse em "monstruosidade", outros em "desumanidade", eu realmente não sei como qualificar. O que Sérgio Moro fez foi deixar claro que tortura e atentado contra a vida são hoje expediente válidos no marco legal da justiça brasileira - indo além das torturas e assassinatos extra-judiciais das polícias militares, defendidas e estimuladas por políticos como Alckmin e criminosos televisivos como Datena. 
Não tive como não lembrar de meu pai, vitimado há menos de um ano pelo câncer, contra o qual lutou por seis anos. Quando a doença está estável, já é desgastante - mas convivível, meu pai soube seguir com a vida, a despeito da doença, e isso facilitava a vida de todos. Em momento críticos, como quando se é necessário recorrer a intervenções cirúrgicas, o desgaste aos próximos é difícil de ser descrito: rondam fantasmas mil, de se a cirurgia será bem-sucedida, se o pós-cirúrgico será tolerável, se depois disso tudo será possível retomar certa normalidade - e em caso de negativa a qualquer dessas interrogações, surgem mil outras de como será a vida a partir de então; tenta-se afogar toda possibilidade de pensar no pior, evita-se pensar no dia seguinte, porque é preciso sobreviver ao hoje, e isso, que costuma ser básico, é de uma incerteza angustiante nessas situações. Ao enfermo, a presença das pessoas queridas junto a ele ajuda na recuperação - ou numa partida mais tranqüila.
Sérgio Moro talvez nunca tenha sofrido a perda de alguém muito próximo - ou pode ser que seja um psicopata ou perverso a quem a vida do Outro, não importa quem, nada vale -, daí não conseguir se condoer do drama de Mantega, mas um mínimo de conhecimento - e isso seria de imaginar de alguém que passou em concurso para juiz - permite saber que o que ele está fazendo é atentar contra a vida de Eliane. Lembro de relatos da ditadura de Franco, na Espanha, em que era comum a prisão de casal e filhos e fazer um revezamento de tortura entre a família, de modo a tornar a coisa um pouco mais cruel. Discretamente, porém com pleno conhecimento do que faz, Moro aplica (também) esses métodos da ditadura franquista no Brasil - já o tem feito com a perseguição a familiares de Lula, agora deixa claro que não há qualquer comprometimento com a vida das "pessoas do mal" em sua sana persecutória.
A Polícia Federal deu sua contribuição ao triste quadro que remete aos tempos de recrudescimento nazista, ao cumprir a ordem judicial - dizer que foi "infeliz coincidência" é uma hipocrisia cretina: pessoas não vão ao hospital para se divertir, e os policiais sabem que o Hospital Albert Einstein é um hospital, como diz o nome, e não um cassino ilegal. Um dos procuradores da república de Curitiba defendeu a ação, dizendo que “não há como não cumprir uma ordem judicial”: a velha escusa nazista da ordem burocrática para realizar qual atrocidade for sem se comprometer: só cumpriam ordens. Vale lembrar que não são poucos os casos de militares (MILITARES) israelenses que se recusam a cumprir ordem de ataque contra palestinos - isso traz sanções, é certo, entretanto mostra que é possível descumprir qual ordem for (não estando num estado de terror), basta um mínimo de consciência e de empatia humana com o Outro. Ou, para ficar nos termos que os nazi-golpistas tanto gostam: basta ter um mínimo de ética e da moral cristã.
Ao fim, o efeito mais provável de mais essa arbitrariedade de Sérgio Moro é aumentar a espiral de ódio que envenena o país desde 2014 de maneira intensiva (e eu lembro do desenho de uma criança com discurso de ódio à Dilma, Lula e ao PT, aceito pela escola e louvado pela mãe). O desejo de que realmente ocorra algo próximo de uma guerra civil, anunciada por Requião na farsa do impeachment, parece nortear as ações dos golpistas: um estado de sítio serviria para legitimar o estado de exceção em que vivemos, as arbitrariedades em nome não mais do combate à corrupção, e sim da ordem e da segurança pública. Com seguranças, bons salários, status de heróis nacional, e nenhum poder a contrapô-los, justiceiro Moro e seus capangas do MPF e PF (a serviço dos donos do dinheiro) se divertem com a vida de milhões de brasileiros comuns.
Infelizmente, diante de tudo o que tem acontecido nos últimos tempos no país (a favelização geral do Brasil, ou seja, uma terra sem lei em que vale o desejo do mais forte, o arbítrio da autoridade sádico-estatal, e a vida humana nada vale [http://bit.ly/cG160313]) também eu me vejo sendo tragado pela espiral do ódio. Socorro!
Em tempo: In Nomine Dei. Ou alguém bota um cabresto em Moro, Dallagnol e cia, ou logo o Brasil viverá as cenas de Münster recriadas por Saramago.

22 de setembro de 2016

ps: leio que Moro revogou a prisão. Hipócrita. Não o fez por qualquer respeito a Mantega e sua companheira, e sim porque isso pegou muito mal à sua imagem.


terça-feira, 13 de setembro de 2016

Quando professoras mandam, alunos embrutecem

Estou no Sesc. Obediente aos comandos pós-modernos, espero o painel luminoso avisar que é minha vez. Enquanto isso avanço com a leitura de Conhecimento do Inferno, do Lobo Antunes. Ao centro da sala, as mesas para inscrições, matrículas e afins. Ao centro desse centro, de um armário com ar de guichê antigo, impressoras cospem guias e formulários. Nessa organização espacial não há lugar para o conservador - penso em Todos os Nomes, do Saramago -, o mais próximo seria justo onde estão as impressoras. Sai a clara hierarquia entra o sutil panóptico. De repente ouço certa barulheira vinda de não sei onde - um tanto incomum a uma ala administrativa do sempre bem-comportado-bem-controlado Sesc. Logo aparecem os autores de todo aquele barulho: um grupo de alunos da rede municipal de São Paulo. Pelos dentes faltantes de vários, devem estar na faixa dos sete anos. Passam por mim fazendo pequenas brincadeiras entre si, apesar do olhar desaprovador da professora. Eles passam, volta o barulho. É outra turma. Param ao pé da escada que desciam - estou sentado embaixo da escada, sou o único desse lado da sala. "É pra vocês ficarem em fila", diz a professora, em tom duro. Os alunos são até mais comportados que o primeiro grupo, mas não andam na formação militar exigida pela professora. Ela reprime: "Eu mandei ficar em fila!". Mandar - o verbo me dói. Manda quem não tem autoridade, apenas abusa autoritariamente de sua hierarquia. Olho rapidamente a mandante: quem dá ordens a crianças de sete anos não é educador, é, no máximo, adestrador - a mulher não é professora, é uma fracassada que tem diante de si vinte futuros para destruir, e pela amostra que tive, não posso duvidar que o faria com esmero e prazer sádico. Reparo nos alunos, crianças que exalam inocência e certa impressão de medo. Um deles, ao passar por mim, me cumprimenta com um tchau tímido. Me surpreendo, e em certa medida até me desconserto: com minha comprida barba, depois de escutar o que dissera a professora, não me julgava alguém com ar muito simpático, ainda mais a crianças. Respondo com igual gesto. Outros se empolgam em me cumprimentar também - todos com tchaus. Eu vario em minhas respostas, ora tchau, ora jóia, ora só um aceno, ora sorrio. Passa o grupo todo. Outras duas turmas ainda estão por vir, em nenhuma delas vejo professora como a do segundo, ainda que não me pareçam simpáticas (de positivo, a professora do terceiro grupo era uma transexual). No último grupo, recebo novo cumprimento, de uma garota, que sai do gesto e vai para a falar: "oi". "Olá", respondo, e termina nisso nossa breve interação - reparo que esse grupo não anda em fila e isso não é problema para a professora. No pátio abaixo, cuja visão se abre atrás de mim, sentam-se nas mesas - talvez para o lanche, ainda que eu não veja comida. Há conversas, barulhos, certa algazarra. Lembro da minha infância, o barulho do recreio na escola Dona Frida, na esquina de casa - segunda escola da cidade, destruída para dar lugar aos lucros da especulação imobiliária. Volto ao meu livro: "um luxo que os asilados se não podem consentir porque os amputámos do passado e do futuro e os reduzimos, por meio de injecções, de electrochoques, de comas de insulina, a bichos obedientes de expressões trituradas pelo desinteresse e pelo medo". Com a algazarra ao fundo, noto que Lobo Antunes, se trocasse electrochoques por reprimendas e comas insulina por ataques à auto-estima, poderia estar falando da educação pública do estado de São Paulo depois de vinte anos de PSDB, da proposta dos boçais do "Escola sem Partido", da educação confessional evangélica ou das escolas apostiladas especializadas em formar idiotas que passam no vestibular, mas ele está falando dos internos do hospital Miguel de Bombarda, asilo psiquiátrico onde médicos transformam humanos em vegetais. Lembro da professora que manda, penso em muitos dos que hoje detêm o poder no país, de alto a baixo, do presidente ao pai da família tradicional brasileira: seu sonho é o de transformar toda escola em um Miguel Bombarda mirim, em que os alunos se conformam feito bichos obedientes à mutilação do seu presente, feita em nome de um futuro no qual sua autonomia não é maior que a de um boi, e em que o sentido da vida se esgarça em obedecer, trabalhar e consumir - sem pensar, sempre sem pensar.

13 de setembro de 2016.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Não há inocente em Aquarius [Diálogos com o cinema]

Faz alguns dias, ouvia no rádio reportagem sobre o Parque Augusta, uma área no centro de São Paulo disputada entre a incorporadora Setin e a população - que por não pagar publicidade nos meios de comunicação não tem direito de ser chamada de "sociedade civil", como acontece com interesses de empresas e sindicatos patronais. Em algum momento da reportagem, o dono da incorporadora dizia que estava certo do seu empreendimento, porque “o Brasil não é uma Venezuela”, “uma república bolivariana”, e que aqui se fazia “valer a lei”. Esqueceu de explicar qual lei, mas era claro que se tratava da lei da grana, que dá ao senhor Setin não só o poder de comprar o terreno na Augusta, como de comprar vereadores e prefeitos (Russomano deixou claro, no primeiro debate, que sua política urbana é liberar geral para as empreiteiras), juízes e toda a justiça, se preciso for. A lembrança do Parque Augusta e da fala do Setin me veio por conta do filme Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, selecionado para o Festival de Cannes. Um filme que tem sido muito comentado, bastante por conta de seu protesto, no festival, contra o golpe em curso nestes Tristes Trópicos, e da retaliação do governo golpista via indicação etária (devem ter argumentado que aparecem cinco peitos, uma boceta e dois pênis), mas que merece todas as indicações recebidas pela qualidade excepcional enquanto filme: o cuidado nos detalhes, a qualidade do enredo, as atuações convincentes, a maravilhosa trilha sonora e sua presença ativa na construção da narrativa (destaco a caracterização dos anos 80, no inicio do filme, nas roupas e na própria matiz das cores do filme).
O enredo de Aquarius é singelo: a disputa entre uma construtora (Construtura Bonfim, até rima com Setin) e uma moradora que resiste, por questões afetivas, a vender seu apartamento na praia de Boa Viagem - todo o resto do prédio está desocupado. Está dado, logo na apresentação do embate, o seu final: Clara (Sonia Braga), a moradora, não tem chances, e passamos duas horas e meia a esperar por onde virá o desfecho óbvio.
O corte de classe do filme é o mesmo das novelas das nove da Globo: a classe alta e seus serviçais. O jovem empreiteiro quer mostrar serviço, não por estar na berlinda em seu emprego - é neto do dono da empreiteira -, tão-somente por uma questão de ego, de vaidade; e apesar de entrar no estereótipo de vilão global - o perverso bonitão - é um sombrio retrato da geração que desponta: formado no exterior, cinicamente simpático, sem escrúpulos para alcançar seus objetivos e sem qualquer outra preocupação que não seu sucesso, contabilizado em lucros e em aparições na grande imprensa. Perversão e capitalismo - certa hora do filme me veio essa associação, bastante óbvia, eu sei. Clara, por sua vez, não é uma pobre-coitada assediada pelo vil metal: possui outros cinco imóveis (daí ela poder recusar sem dificuldades generosas propostas da construtora), carro importado, empregada doméstica, e seu círculo de relações inclui pessoas que muito podem por muito saber - e parte do que sabem pode ser repassado mediante alguma gratificação. Não há inocentes em Aquarius - ou talvez haja: os serviçais e desfavorecidos, tanto a doméstica que trabalha para Clara, que acredita fazer parte da família, quanto os jovens negros e de periferia que entram para um exercício de relaxamento onde só há gente branca, causando mal-estar pela sua presença. Por sinal, as questões de conflito de classe surgem esporadicamente no correr do filme, em geral em forma de estocadas diretas e bem postas.
Trata-se de um filme violento, do início ao fim, e nisso me lembra Elefante, do Gus Van Sant, só que sem matança no final: violência simbólica e quotidiana, que preferimos não ver, fingimos ignorar, ou mesmo naturalizamos a tal ponto que sequer enxergamos nisso violência - alguns talvez até achem fraqueza de caráter daqueles que sucumbem a ela. Se em Elefante sabíamos que toda aquela violência simbólica seria coroada com um massacre, em Aquarius, tememos pela integridade física da protagonista, porém sem saber de onde virá o tiro - e quem leu Dance Dance Dance, do Murakami, talvez note a falta que faz (ao menos em Recife, ao menos até 2014) uma Yakusa, um crime organizado mancomunado com o Estado e o capital a realizar a tarefa que a polícia é impedida por lei. Apesar que no caso de Aquarius apelar para a Yakusa seria dar muito à vista, e Clara possui capital econômico e simbólico que a deixa imune de uma violência assim tão descarada - é preciso, portanto, violentá-la por várias maneiras, que não dêem muita bandeira.
A força da grana, que destrói e constrói coisas belas, como canta Caetano, em Aquarius é apresentada em outro nível, em sua força para corromper: corrompe caráter, formação, relações familiares, corrompe a integridade emocional, corrompe a liberdade - todo empecilho ao livre crescer do capital autoriza o uso de violências. Foi nisso que o filme mais me agrediu: me vi espectador de minha própria miséria, no sentido de carente de direitos, por não ter um Estado que me garanta vida digna, nem uma justiça que me proteja em meus direitos, nem dinheiro o bastante que me dê relativa imunidade às arbitrariedades que esse Estado e essa justiça permitem (quando não praticam diretamente) - e olha que estou muito bem colocado na sociedade brasileira, estou anos-luz de quem mora nas periferias e via a democracia ainda como possibilidade futura.
Sim, há um momento catártico no final, porem uma catarse tão inócua que perde sua força no instante seguinte: o que resta é a sensação de desastre, de derrota. Niilista mas necessário, saio da Sala Olido em busca de alternativas - que o filme não aponta.

4 de setembro de 2016


terça-feira, 6 de setembro de 2016

O jogo só termina quando acaba? [O Brasil para amadores]

Um dos grandes aprendizados que Eduardo Cunha nos ofereceu e não soubemos aproveitar foi que não se canta vitória antes de terminada a partida. Quantos não foram os que comemoraram derrotas das propostas reacionárias de Cunha na Câmara para no dia seguinte serem surpreendidos com uma nova votação da mesma proposta na qual o mafioso saiu vencedor? E não aprendemos com essas rasteiras: voltamos a comemorar quando foi apeado da presidência da casa, ignoramos que já era tarde (e o tal "antes tarde do que nunca" é só um consolo para os derrotados), e fingimos ser secundário que Rodrigo Maia é seu aliado, que Michel Temer é seu capacho, que Gilmar Mendes é seu sócio. Não por acaso, Moro sofre para descobrir o endereço de Cláudia Cruz, para onde enviaria a intimação, e prefere, ao invés, devolver o passaporte (como se isso fosse fazer alguma diferença para quem tem dupla cidadania italiana). Cunha pode até perder mandato, mas só perde o poder se cair na alçada de um juiz imparcial - coisa longe de acontecer, por tudo o que sabe. Vamos comemorar à Perfeição sua cassação, caso ocorra, segunda, dia 12?
Daí o duplo caminho ainda a ser aprendido por boa parte da população brasileira: 1) o jogo só termina quando acaba; 2) o Brasil é como o campeonato brasileiro de futebol, com a presença ilustre e permanente do elitista Fluminense: ou seja, o jogo só acaba depois que juízes tricolores julgarem o tricolor das Laranjeiras, e a segunda rodada do campeonato seguinte tiver começado e a modesta Portuguesa notar que realmente foi rebaixada, apesar de não ser isso que apresentou em campo no campeonato passado.

06 de setembro de 2016.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

"Fora Temer": O Cavalo de Tróia que os golpistas precisam [O Brasil para amadores]

Com 10% de aprovação, segundo o Ibope, apesar de toda a blindagem da grande mídia, o presidente golpista Michel Temer precisa de um milagre para não ser o próximo ex-presidente da República Bananeira do Brasil já em 2017. Ele é só o espantalho útil pro momento, e os donos do poder não terão nenhum remorço em ejetá-lo do Planalto dia 2 de janeiro de 2017, e promover uma eleição indireta para presidente. A grande preocupação do neoditadores que se escondem atrás de Temer é segurá-lo até 2017.
A equação é simples: Temer, impopular, vai apelar mais e mais para a repressão para se segurar no poder, enquanto as barbaridades são encobertas pela grande imprensa. Quando dezembro chegar, será hora de mostrar toda a revolta das ruas, pedindo "Fora Temer", em janeiro, os nobres deputados e nobres senadores ouvirão as vozes das ruas e farão o impeachment do golpista. A narrativa oficiosa será de que o parlamento (atenção para o uso intensivo desse termo, ao invés de legislativo) democraticamente eleito novamente ouviu a população e fez a vontade do povo. Botarão no Palácio do Planalto um nome com algum respaldo popular, de modo que os protestos arrefecerão, podendo diminuir o nível de repressão e partindo para ataques mais pontuais, a supostos "terroristas", conforme a nova Lei de Segurança Nacional.
Contratempos nesse caminho: quatro são os principais empecilhos dos golpistas para a consolidação do golpe: 1) a pressão das ruas ser tão grande, apesar da escalada da violência do Estado, que Temer caia antes de 2017; 2) a mudança do slogan-chave das manifestações de "Fora Temer" para "Diretas Já", desarticulando o discurso golpista de 2017, e podendo fazer o novo presidente perder respaldo popular que o "Fora Temer" garante quase que automaticamente; 3) os custos políticos da repressão policial serem altos demais e os governadores começarem a dar para trás (Alckmin, por exemplo, já tem um saldo negativo de 10% entre os que acham seu governo bom e os que acham ruim), e Temer apelar para o exército, que pode rachar (há ao menos duas alas bem delimitadas dentro do exército) ao ir para as ruas novamente - ainda que não admitam, 1964-85 tem sido bastante custoso à imagem das forças armadas -; 4) a pressão internacional crescer, partindo também de países importantes da Europa.
Tão importante quanto Temer sair, é a eleição do próximo presidente da república por sufrágio popular direto (idealmente, do legislativo também, mas sejamos realistas, e por ora conseguir só para o executivo já é um grande avanço).
DIRETAS JÁ!
CONSTITUINTE EXCLUSIVA PARA REFORMA POLÍTICA!

 05 de setembro de 2016


quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O dia-seguinte do golpe: não chamem o ladrão (nem a polícia) [O Brasil em tempos de cólera e golpe]

Cinco da tarde do dia seguinte ao golpe de Estado no país - que por ora não é uma ditadura, dizem, afinal, não cancelou partidos e direitos políticos e afirmam que em 2018 teremos eleições para presidente. Em casa, não consigo ler, escrever e o pensamento gira em falso; decido dar um rolê por Sampa, sentir o clima da cidade, tratar de algumas pendências e, talvez, encontrar uma amiga. Não tenho ânimo para encarar um protesto, decido evitar a Paulista e sigo sentido Sé. Próximo da minha casa há um batalhão da polícia militar. Muitas muitas muitas viaturas e motos - estacionadas nas calçadas, apesar do grande fluxo de estudantes, afinal, a lei não vale para todos - e muitos muitos muitos policiais (é mais de uma quadra passando por um corredor polonês de militares esperando a hora de irem para a caçada). Por todo o aparato, a impressão que se tem é que há uma rebelião geral no Carandiru, e não apenas no Pavilhão 9. Estamos em 2016, não há mais Carandiru - mas os 111 mortos continuam! -, e hoje a rebelião atende pelo nome de democracia: algumas pessoas que vão para a rua achando que a constituição federal é algo respeitado (não aprenderam quando justiceiro Moro mostrou que está acima da lei e todos fora do judiciário estão vulneráveis aos seus arbítrios, até mesmo ex-presidente da república). Os militares parecem descontraídos, afinal, ganham um extra para um serviço sem qualquer risco à sua integridade física, com liberdade para bater em filhinhos de papai que invejam e ressentem, e ainda serão aplaudidos por apresentadores de tevê fascistas e políticos corruptos - só não podem matar, porque estamos no centro da cidade. Nos bairros do Bixiga e da Santa Cecília a vida parece normal - apenas um trânsito mais caótico que o habitual, não sei se fruto do protesto a começar dali uma hora ou dos policiais a postos para evitar o questionamento da ordem pública mesmo ao custo de causar grande desordem pública. O centro novo está hiper policiado, volto a lembrar do Carandiru: os sobreviventes do massacre de 1992 hoje estão aliados aos algozes e indicam ministros e secretários de Estado - bom fosse porque nosso sistema prisional recupera, contudo, isso significa antes o quanto nosso (narco?) Estado está corrompido. Minha amiga não me responde, e vou sozinho assistir a Por + Vir, da Cia de Danças de Diadema, na Olido - não estou no clima, mas o espetáculo é bom e tento abstrair que estamos na ante-sala de nova ditadura, sabe-se lá se de dois anos, duas décadas ou quanto (será que a polícia brasileira vai ser como a mexicana, e entregar estudantes para o massacre?). Ao chegar em casa, ligo o computador, dou uma olhada nas notícias: vejo que Alckmin, o Milosevic Bandeirante, proibiu protestos na Paulista, domingo, quando há um grande ato marcado, e que Temer, o Golpista, para ajudar o ex-chefe de seu ministro da justiça (ex-advogado do "Partido"), autorizou o exército a coibir manifestações contra a sua democracia. Mas não é golpe, é só uma questão de manter a ordem e o progresso - e cada um obediente e submisso no papel ditado pelo chefe. Há também uma mensagem da minha amiga: estava no centro de São Paulo, o centro hiper-policiado desta quinta, com centenas de militares de prontidão, indo ao meu encontro, quando teve o celular furtado. Ladrões, nas histórias da carochinha, têm medo da polícia. No Brasil de 2016, minha amiga, pessoa razoável, ao invés de pedir ajuda a um dos muitos PMs que estavam na rua, achou mais seguro voltar para casa.

01 de setembro de 2016.