sábado, 18 de agosto de 2018

Eleições 2018: Impressões sobre o debate na Rede TV

Foi perceptível que equipes de marketing e professores de teatro e oratória trabalharam duro nessa semana que separou o primeiro do segundo debate entre os presidenciáveis-menos-o-favorito. Ciro, Cabo Daciolo e Bolsonaro não alteraram seu estilo, Boulos fez pequenos ajustes - mas há algo ainda desajustado no candidato do PSOL -, enquanto Meirelles, Alckmin, Dias e Marina correram atrás de recuperar a imagem do primeiro debate.
Cabe antes observar que se o nível dos debatedores seguiu baixo, a organização do debate da Rede TV do golpe foi muito superior ao da Band do golpe: os âncoras tinham o controle e mantiveram a compostura do início ao fim - diferentemente da triste figura do Boechat -, as regras permitiram que todos participassem igualmente, o pôr os candidatos frente a frente no centro deu um ar de pugna interessante - poderia ser lido como onde devem ser tratadas as diferenças políticas, na arena, no ringue político, não na covardia anônima da internet ou das milícias -; e os jornalistas foram mais "plurais" - ao menos não estavam ali para levantar a bola para a direita e tentar sinucar a esquerda. Foi, inclusive, curioso notar a postura de Reinaldo Azevedo, arrependido dos seus arroubos fascistas tentando retornar ao velho figurino de jornalista de direita liberal da época das primeiras edições do Primeira Leitura (que eu lia eventualmente), ainda no governo FHC - foi praticamente um cirista no debate, levantou a bola para o pedetista chutar. Tagliaferri e Masson ficaram em terreno mais "neutro". Pardellas me fez lembrar um texto antigo do Pondé, em que o filósofo (sic) da boca torta lamentava que ser de direita "é péssimo para pegar mulher" [bit.ly/2BnimHh]. Pardellas deve ter lido esse texto e achado a verdade suprema: a culpa é da esquerda, e não de tudo o que se reprime, dando a impressão de que até suas articulações são rígidas - parecia personagem caricato de filme adolescente. Chegou a pôr Alckmin na fogueira, na ânsia de preparar o terreno para os candidatos de extrema direita - Bolsonaro e Dias.
Ficou mais claro onde cada candidato decidiu correr atrás de votos, por enquanto: são três de extrema direita, quatro de "centro" (no sentido de evitar tomar muitas posições, para desagradar o menor número de eleitores, o tal "catch all party" da teoria política), um de esquerda, e um bode na sala. 
Pela esquerda, Boulos vai sozinho, mas tem um problema de formação: por mais que seja líder de movimento social, genuíno intelectual orgânico, é filho de professores universitários, com mestrado em psicanálise na USP, tem um quê de distinção indelével - no sentido bourdieusiano. O tal "gente como a gente" soa com um quê de falso. Talvez devesse explorar mais a questão de ter 36 anos, e se apresentar como o único de uma nova geração política, que surge não da velha política (para usar a expressão de Pardellas na pergunta a Alckmin e Dias), mas da labuta do dia a dia. Poderia também adentrar certos temas caros à esquerda, como segurança, de modo a desbancar Bolsonaro: falar em inteligência é importante, mas faltou falar de valorização do profissional, pagar melhores salários, oferecer melhor estrutura, exigir mais respeito aos cidadãos em troca, de modo que a população (o "cidadão de bem" da direita) possa viver sua vida tranquilamente, sem medo e sem precisar carregar arma. No enfrentamento com Bolsonaro (aqui penso na sua tática do primeiro debate com a questão do segundo), poderia acusar o fascista de esconder parte de sua vida, de ser hipócrita, por defender armar a população, mas quando foi assaltado, em 1995, ciente de que reagir não é a melhor opção, perdeu o carro E a arma para os "bandidos" - se nem um militar reage a um assalto, por que um zé ninguém mal preparado deveria reagir? Se bem calibrada essa questão, pode trazer alguma desilusão aos bolsonaristas. Sua postura de apresentação de propostas é boa, mas precisa aproveitar o debate para partir para o enfrentamento, ainda mais numa eleição em que a tônica não é gestão, porque tudo vai bem.
No campo que defini como centro, Meirelles é surreal. Difícil acreditar que leve a sério sua candidatura, ela é tão descolada da realidade quanto um manual de economia - começo a desconfiar de que é capaz de ele acreditar de verdade nos manuais ortodoxos. Melhorou nos dedinhos, tentou ser assertivo e até partiu para o confronto com o Bolsonaro, ao questionar sobre igualdade de salários entre homens e mulheres, sem sucesso: o fascista deitou e rolou, disse que nunca disse o que sempre diz, que basta cumprir a lei, e teve ali, talvez, seu momento alto para seu séquito de fanáticos - Meirelles sequer conseguiu revidar. Reiterou seu discurso de self made man made in USA que largou o sucesso para se dedicar ao Brasil. Talvez fosse útil para algum candidato, para ele, não há salvação. Mesmo com MDB e toda a máquina, não me surpreenderá se ficar atrás de Cabo Daciolo. Fiquei imaginando se a elite brasileira não fosse tão burra e tosca, e ao invés de tentar desestabilizar o governo PT, deixasse que o partido seguisse a trilha da póspolítica neoliberal, de gestão de migalhas em favor do capital: Palocci sucedendo Lula, quem sabe agora Meirelles - o ideal tecnocrático neoliberal - sucedendo Palocci. Imaginou um discurso dele, essa figura meio Sancho Panza meio família Adams, como presidente da república? Enfim, temos o Temer como "consolo".
Com relação a uma semana atrás, Alckmin foi mais firme na fala e menos didático nas propostas, deu menos a impressão de estar chamando o eleitorado de burro. Ainda assim, falta carisma, falta firmeza, e sobra discurso técnico em um tom tecnocrático - um Meirelles repaginado. Tentou, pela primeira vez, tratar das questões "geográficas", falando dos problemas do nordeste - num tom de quem se dirige ao eleitorado sulista, "problemas de uma terra distante que é preciso resolver". Insiste na questão dos impostos às empresas, sem conseguir fazer a ponte disso com a vida comum - diferente do nome no SPC de Ciro. Bem provável que esteja planejado uma jogada em conjunto com a mídia corporativa, que passará a tratar dos assuntos que o candidato mais explora. Buscou marcar presença no antipetismo, sem exagerar, porque essa raia está bem congestionada. Talvez esteja arrependido de ter escolhido uma fascista como vice, queimando pontes importantes com um eleitorado mais moderado ou então de fora do eixo sul-sudeste. Sentiu o baque de ser vinculado ao governo Temer, tentou jogar a culpa no PT, mas ainda teve o azar de ter que fazer suas considerações finais antes do Boulos, que assinalou o golpe. Vi pessoas que falaram que não houve enfrentamento com ele, que passou tranquilamente por todo o debate. Contudo, para Alckmin, ficar onde está não é nada positivo, ele precisa crescer - logo e rápido - para não ser descartado. Não achou ainda por onde correr, e isso deve desesperar sua equipe.
Marina Silva notou o fracasso que foi no primeiro debate, onde não conseguiu sequer tomar posição sobre assunto que tem posição tomada e afim à maioria - a possibilidade de aborto legal. Sem encampar o antipetismo de Álvaro Dias, com quem trocou figurinhas nas perguntas, tentou surfar na onda da antipolítica, do "contra tudo o que está aí". Seu ponto alto foi no enfrentamento (ao que tudo indica sem planejamento prévio) com Bolsonaro, sobre a questão de Meirelles acerca do salário de mulheres: não tirou um voto do fascista, mas pode ter ganho alguns dos até então desiludidos com ela, graças ao seu discurso emocionado de mulher e mãe, daquela que cresce pra proteger os filhos - inclusive foi corporalmente para cima do fascista. Na verdade, parece ter demorado para notar que é a única mulher cabeça de chapa, e ao invés de tentar reconstruir o mito de herói a la Lula, ou da líder que enfrentará todos (que exige uma postura mais "testosterona", no linguajar de Ciro, uma postura mais assertiva e agressiva que não ornam com seu estilo), devesse marcar sua candidatura nessa nota, de mulher e mãe, explorando o estereótipo de que mulher e mãe é mais sensível aos problemas pequenos, esses que afligem as pessoas comum.
Ciro ficou onde esteve no último debate. Cirinho paz e amor, que vai tirar o nome do SPC e entendido em economia e do Brasil. Sua insistência em perguntar a Alckmin mostra com quem está disputando - parece haver uma crença de que Bolsonaro desidrate o que é uma aposta de risco. Ou então que a chapa petista seja impugnada por completo. Mais simpático que o tucano e mais bem articulado, dando a impressão de entender do que fala e não de estar repetindo algo que decorou, pode tirar votos do paulista. A ver o quanto cresce e se vai precisar buscar votos no antipetismo para sonhar com o segundo turno - o que é sempre um risco para o campo progressista.
No campo da extrema-direita, Bolsonaro tenta ficar onde está, mas é perceptível que corre perigo e sabe disso: estão todos esperando seu momento Celso Russomano 2012 (ou mesmo Ciro 2002), uma frase infeliz que vai fazer ele murchar inevitavelmente. Pode não acontecer, e o ideal seria forçá-lo a uma escorregada, talvez em algum campo que ele aparentemente domine. Repetiu duas vezes o discurso proferido no primeiro debate - pior, segue mal decorado e falado sem firmeza e convicção. É ver se vestir o figurino de candidato sério, pró establishment, vai agregar votos suficientes para compensar os que vai perder entre os desiludidos com sua tibieza ou seduzidos pelos outros dois candidatos dessa raia - até no seu enfrentamento com Cabo Daciolo saiu perdendo. Azevedo prestou um desserviço a ele (e um serviço à nação), ao pôr para discutir economia com Ciro. Entretanto, ao notar as interações no youtube e no fakebook da Rede TV, foi possível notar que Bolsonaro provavelmente focará sua campanha em guerrilha de internet. Ao que tudo indica, ele tenta criar uma onda de "a maioria é a favor de mim, só que a mídia não mostra" que, aliado à tal ideia de "não perder o voto" de muitos eleitores - isto é, votar no candidato que ganhou a eleição ou que vai ao segundo turno -, pode fazer a diferença - para não falar na utilização de big data e afins para publicidade ultrafocada. É algo que tanto seus adversário direitos  do campo conservador/reacionário, quanto os adversário do campo progressista/democrático devem estar atentos.
Álvaro Dias mudou de figurino, deixou de lado o camicie nere em favor de um terno mais tradicional e diminuiu a dose do que usou antes do primeiro debate - o que o torna mais palatável à família brasileira. Suas bandeiras são o antipetismo e o moralismo anticorrupção/lavajatismo - basicamente um recall do PSDB das duas últimas eleições federais e da última para a prefeitura de São Paulo, o que aponta provável erro tucano de não indicar Doria Jr. ao Planalto, depois do partido debandar para extrema direita nos últimos anos. Inclusive por ser ex-tucano e se vincular tão fortemente à Lava Jato, deve tirar votos de Alckmin. Carregou na tinta do antipetismo, mas carregou tanto que não foi muito esperto: ao começar atacando, logo na primeira pergunta, a insistência da candidatura de Lula fez muita propaganda para o petista. Seu discurso, inclusive, também pode ser lido como propedêutico para novas etapas do golpe, ao dizer que se Lula for candidato não há democracia - logo, partamos logo para a ditadura explícita, fica dito no subtexto. Quem sabe espere ser nomeado marionete dos togados numa eventual ditadura judiciária aberta. Tenta fazer o papel da extrema direita assumida e ilustrada, diferentemente dos dois militares, extrema direita xucra, e de Alckmin, extrema direita ilustrada mas envergonha (por sinal, o paulista fez suas propostas fascistas de derrubada do estado de direito, ao falar em inversão do ônus da prova "para políticos", ou seja, quem quer que queira mudar por dentro as instituições terá que ser aprovado por elas, ao provar que é inocente; se quiser mudar por fora, já conhecemos o "porrada, bomba e tiro" com que ele trata reivindicações sociais). Por falar em antipetismo, são três candidatos abertamente nessa raia - Dias, Alckmin e Bolsonaro -, outros três que tentam marcar distância para o petismo - Ciro, Marina e Meirelles - e Cabo Daciolo como anticomunista antitudo geral. São sete candidatos para dividir 30% do eleitorado.
Cabo Daciolo eu sigo achando que é um nome a ser observado com mais seriedade e menos desdém, tal como faz a esquerda ilustrada tupiniquim. Não é candidato para ganhar, mas pode surpreender - tivesse alguma estrutura partidária e cresceria mais. Acredito que sua maior falha seja o excesso de religião - cabe a ele seguir na toada religiosa, reafirmando que não faz pregação de uma religião (?!), apenas cortar a ideia (implícita) de transformar o Brasil numa república teológica. Falar que a primeira semana de sua presidência será para louvar o senhor pode ter custado votos de quem o levava minimamente a sério, ainda que siga com apelo dentre os que querem fazer um voto de protesto - e ele deixou dito que esse é o voto que busca. Porém Daciolo vai além do voto de protesto "zueiro": ao trazer teorias conspiratórias - URSAL e urna eletrônica - para rede nacional ganha fama de "não ter medo de falar o que os poderosos tentam esconder", tem pose coerente de antissistema - quem mais tem essa coerência, na minha opinião -; se porta como um pastor, linguagem corporal familiar a muitos brasileiros dos estratos mais baixos; prega um anticomunismo maluco mas que não descamba para o ódio puro - como quando teve que enfrentar no centro do auditório Boulos -, no confronto dele com Bolsonaro, cresceu pra cima do candidato do PSL: fala com firmeza (e fanatismo), enquanto Bolsonaro titubeia, quase um recruta diante do sargento; também reafirma o Bolsa-Família, inclusive naquele discurso de pai severo e amoroso; seu estilo é naturalmente o mais próximo do "gente como a gente" que Boulos tenta encarnar; ademais, junto com Ciro, parece o candidato que melhor encarna a reunificação do norte e sul do Brasil, assinalado na coluna de Marcos Nobre [bit.ly/2L3KAGC].
Restou o bode na sala, o candidato favorito - ou o que for posto no seu lugar -, o que não pode ser dito, o desdito, mas é falado o tempo todo - o risco para a democracia (porque pode fazer valer a vontade popular e não dos donos do poder), o que dividiu o país antes unido na fraterna comunhão ideológica da casa-grande e senzala. A forma como tentam tratar Lula me faz lembrar da letra da fase áurea de um decrépito roqueiro destes Tristes Trópicos: "Eu sou a Explosão, o Exu, o Anjo, o Rei/O samba-sem-canção, o soberano de toda a alegria que existia (...) Eu sou o terror da próxima edição dos jornais/Que me gritam, me devassam e me silenciam". 
Ao que indicam as pesquisas, seja em primeiro ou em segundo lugar, a disputa explicitada por mais esse debate-menos-o-favorito foi pela outra vaga no segundo turno. E com mais o imbróglio da ONU, pode ser que Lula entre mesmo na corrida eleitoral - o que trará grande reviravolta a todo o cenário, com possibilidade de vitória petista no primeiro turno, que faria com que se tornasse praticamente o foco único nos debates posteriores, levando chuva de ataques, sem direito a resposta. Não vivêssemos tempos sombrios, de estado de exceção e ditadura (ditabranda, pelo ditadômetro da Folha), e eu diria que é uma eleição das mais interessantes e instigantes.

18 de agosto de 2018

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Eleições 2018: segundas impressões sobre o primeiro debate

Penso um pouco mais sobre o primeiro debate entre os presidenciáveis-menos-o-favorito, na Bandeirantes do golpe, dia 9. Talvez eu tenha me equivocado quanto à pretensa união do campo conservador: se as várias candidaturas serviriam para inflar o candidato do establishment mais bem posicionado ou decidido a sê-lo - Alckmin, por enquanto, até que mostre definitivamente que não consegue crescer -, a ausência de uma candidatura robusta nesse campo faz com que se torne um  salve-se quem puder num campo minado.
Bolsonaro, sem dúvida, foi o grande perdedor do debate, e isso ele sabia que seria desde o início, tanto que a princípio anunciara que não participaria de debate ou sabatinada alguma. Como fugir da luta queimaria parte do seu capital político, a construção do machão destemido, teve que ir para o sacrifício, correndo risco de definhar a cada vez que abre a boca, que não seja para falar de armas e porrada. Bolsonaro está onde está por completo acaso, não houve qualquer cálculo - diferentemente de Trump, que uniu seu estilo afim ao zeitgeist, o espírito do tempo, com uma equipe de marketing.
Cabo Daciolo foi, sem dúvida, uma surpresa. E para além da pecha de ridículo que ganhou entre a esquerda ilustrada - a URSAL é uma realidade entre grupos de whatsapp, ele pode ser visto como corajoso ao tratar em rede nacional o que a "mídia vendida e esquerdista" tenta esconder -, cabe ver que sua fala deve encontrar eco em parte do eleitorado: seu discurso firme, messiânico, de "eu sou diferente, e eu resolvo", um Bolsonaro que fala em "nação brasileira" e "amor", tende a tirar votos do destrambelhado do exército entre aqueles que o viam como voto de protesto ou candidato firme, ainda que um pouco exagerado - Daciolo encarna o pai severo e amoroso, Bolsonaro é apenas um sádico.
Outro ponto a ser percebido é como Boulos e Ciro confrontaram Bolsonaro: Boulos, ao enunciar as "qualidades" do candidato do PSL (sua base de apoio vê machismos e quetais como positivos ou como irrelevantes, não adianta repetir) e levantar a questão da funcionária fantasma, recebendo como resposta uma mentira e o desdém, não tirou um voto do fascista, e ainda pode ter feito ganhar votos como candidato antiesquerda, antibaderna. 
Ciro, em compensação, foi simplesmente genial ao questioná-lo sobre inadimplentes e prometer tirar o nome dos brasileiros do SPC: além de aproveitar para se vender como uma possibilidade razoável para 60 milhões de brasileiros - 40% da população adulta do país -, num momento de descrédito com o coletivo e desespero individual, aliando questão individual e coletiva (Luis Nassif salienta que a proposta, além de factível, é necessária: a elevada inadimplência mostra que se trata de uma questão política, e que credores, devedores e o país sairiam ganhando [bit.ly/2nBRoBW]), fez o capitão do exército deixar claro que não tem proposta nenhuma para os problemas comuns das pessoas comuns, além de fazê-lo chamar parte desses 60 milhões de "bandidos" - o que não afetará o ânimo dos bolsonaristas, mas aqueles que não são fanáticos porém cogitavam voto nele certamente pensarão um pouco mais antes de se decidir. Repenso: talvez ao reafirmar a defesa da democracia, sem falar diretamente em Lula, tenha sido acertado para ganhar o eleitorado antipetista light. A ver como seguem as campanhas, eu não descartaria um segundo turno entre PT e Ciro - e defendo que o PT feche logo um acordo de apoio mútuo no primeiro turno: dois candidatos antigolpe seria o fim de toda narrativa Globo-golpista, a prova por A+B que o golpe foi golpe e antipopular, contra o pretenso  anseio "das ruas".
A outra novidade que embaralhou o campo conservador foi o apoio do Inquisidor Moro ao candidato Álvaro Dias: ao dizer que não se manifestaria sobre a proposta de ser nomeado ministro da justiça [bit.ly/2OE24f1], pelo não-dito deixou dito que aprova o uso de seu nome como carro-chefe da campanha do paranaense - que se arrisca até a fazer conjecturas sobre futuros pensamentos e atitudes do juiz camicie nere. É bem provável que o movimento tenha sido combinado pela República de Curitiba, e seja utilizada como termômetro do fascismo lavajatista no país [bit.ly/2OBbpUM]. Sem dúvida poderiam ter escolhido alguém com um pouco mais de carisma, porém será interessante observar o resultado de Dias nas urnas, saber in loco onde a Lava-Jato reverbera forte, onde encontra resistência, talvez até para calibrar novas ações do avanço do estado de exceção no Brasil - e o candidato não poderá alegar que a Lava Jato que se utilizou dele, já que parte de um patamar baixo nas pesquisas e por si não iria além dos 3% que já tem. Será interessante observar também como o partido todo vai se utilizar do mote da Lava Jato para as eleições legislativas - e aqui novamente minha questão do quanto o campo progressista dormiu em berço esplêndido e ainda cochila gostosamente quando se trata do legislativo.
O segundo debate, já calibrado a partir do que se viu no primeiro, dará uma mostra melhor das estratégias (pensadas ou aleatórias) dos candidatos. Provavelmente Alckmin deve rever a sua, Boulos deve fazer pequenos ajustes - assim como Marina, se é que isso fará alguma diferença para ela -, e os demais seguirem pela toada do primeiro debate. 

14 de agosto de 2018

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Eleições 2018: percepções sobre o primeiro debate

Teria sido uma noite de quinta-feira divertida, não fosse assunto sério o debate na rede Band - uma das estimuladoras do golpe, a reboque da Globo. O debate entre os presidenciáveis-menos-o-favorito esteve muito além de boa parte do humor tupiniquim (porém aquém do Choque de Cultura), e mais que memes, pode fornecer vários personagens de humor - seriam muitos dos candidatos humoristas disfarçados de presidenciáveis?
Há uma mania, não entendo o porquê, de tentar achar um vencedor para debates, como se fosse uma luta e valesse algo vencer debate. Salvo em debates na antevéspera do dia da votação, com calmante na água e edição malandra no jornal do dia seguinte, não se pode falar exatamente em vencedor e perdedor de um debate - ainda mais sendo o primeiro, onde serve mais para ver por onde cada candidato tentará se vender, ao menos num primeiro momento. Pesquiso na internet e vejo que os apoiadores de Bolsonaro anunciam como o capitão, mesmo murcho (eu diria brochado), venceu o debate. Apoiadores do Boulos também cantam vitória - se eu fosse ver o que dizem os eleitores dos demais, seria a mesma história.  Mas se é preciso declarar um vencedor, foi Cabo Daciolo. De ilustre "ninguém sabia quem ele era muito menos que estava concorrendo" despontou como terceiro mais pesquisado na internet durante do debate, segundo o Google. Se não confundisse palanque com púlpito poderia provocar uma sangria grave em Bolsonaro; mesmo assim, sua verborragia indignada extremista e sem noção, saída diretamente do MBL e grupos de whatsapp, aliado à tentativa do capitão de parecer um político sério, normal, podem custar ao candidato do PSL os votos de protesto - esses que elegem Tiriricas ou vereadores semianalfabetos de cidades pequenas. Se conseguir segurar a pregação, corre o risco de ganhar os votos dos extremistas anticomunistas.
Álvaro Dias parecia o Coringa disfarçado de tia carola bêbada em almoço de família. Mal articulado tentou surfar na lava-jato e no antipetismo, tentando colar ao seu o nome do inquisidor Moro, numa estratégia que é de se perguntar se durará um dia mais, ou será desautorizado pelo próprio camicie nere de Curitiba [PS: foi autorizado, e isso traz uma novidade importante ao cenário]. Tentou traçar seu caminho na extrema-direita entre Alckmin e Bolsonaro.
Alckmin deve tentar mudar radicalmente de estratégia. Sua insistência nos cinco dedinhos pra explicar como vai diminuir de cinco impostos para um só faltou ser completada com um "pra você que é burro e não entende nada". É de se questionar se o tempo de propaganda irá salvá-lo de si próprio, ou vai chafurdar na própria insipidez - nos momentos mais enfáticos soou pastoso e sem viço. Ainda tem contra si o fator "Hillary Clinton" de ser muito establishment - fato explorado por seus adversários -, e foi ousado (e não muito esperto) ao expôr em linhas gerais suas ideias - menos estado, privatização, menos impostos empresariais. É o discurso hegemônico, repetido como solução pela Grande Mídia - resta saber quanto do eleitorado ainda compra essa bravata.
Marina Silva é outra que compete na insipidez, tentando algo do discurso de Lula - de alguém que sofreu mas venceu na vida. Busca votos como um Alckmin mais centrista, evitando desagradar quem for - e de agradar quem for também. Fora isso, tão insossa que não há o que dizer, nem quando podia assumir enfaticamente uma postura - de contrária ao aborto - fica em cima do muro e diz preferir um plebiscito.
Meirelles eu não conseguia ficar sem rir nas suas aparições, seja pela sua expressividade morta, aquela voz de Maluf insosso, seja pelo seu gestual descolado da fala, seja pelo gestual em si - parece ter feito um curso rápido à distância de libras e se esqueceu de tudo mas tenta usar assim mesmo. Achou um bom discurso, o de alguém dedicado à vida pública à despeito de seus interesses e além de qual governo for, tentou se vincular ao Lula, porém sem dizê-lo explicitamente. De qualquer modo, não parece haver discurso que o salve.
Com esses candidatos, não é de se admirar o desespero do campo golpista/conservador/reacionário em cancelar ou postergar as eleições. Para um dos quatro nomes oficiais do sistema ganhar, só com fraude. Resta ainda Bolsonaro, patinho feio do campo, mas que deve ser ungido a principal muito em breve, se não houver reação de Alckmin ou de um dos azarões.
Bolsonaro têm um séquito de fieis que o vêem como O falo, a despeito da besteira que fale. É o que o mantém no patamar de votos há tanto tempo. Sua suavizada no discurso, tentando se apresentar como um político para ser levado a sério, com proposta "para o Brasil" (leia-se para os especuladores e donos do poder) é uma tentativa de ganhar simpatia dos donos do poder e os votos dos antipetistas que não chegaram ainda ao extremismo fora do tucanato. Ainda é uma ótima estratégia para se consolidar como o nome desse campo, porém Cabo Daciolo pode atrapalhar, ao falar com uma firmeza que o capitão não conseguiu demonstrar no debate - sua tibieza é outro possível ponto fraco para seus apoiadores: fora dos vídeos controlados e arroubos onde reage com pura testosterona, parece um aluno temeroso que gagueja a lição lembrada pela metade.
No campo progressista, Lula teria feito melhor presente que ausente, mas sua ausência se fez sentir e se for bem explorada pela campanha, pela militância, pode valer votos - o tal candidato antissistema não aventureiro.
Boulos escolheu bem o figurino: enquanto todos falam em mudança e contra todos os que estão aí, era não apenas o candidato virgem de eleição e de mandatos como aquele, dentre os homens, que não se apresentou de terno - preferiu uma camisa mais comum. No início da redemocratização o tal "igual a você" do Lula não deu certo - o eleitorado preferia alguém importante -; em 2018 quem sabe o significado não seja outro? Seu uso de ironias, contudo, pode ser encarado como esnobismo, não sendo bem visto por certo eleitorado. Como seu objetivo é marcar posição e não vencer, não fugiu de questões tidas por espinhosas, como o aborto. Talvez tenha errado ao começar atacando Bolsonaro, reforçando o capitão como candidato antiesquerda e perdendo oportunidade de se contrapôr no campo de propostas a Alckmin ou Meirelles, por exemplo.
A participação de Ciro mostra como o trabalho do PT para isolá-lo foi equivocado do ponto de vista de país e momento histórico, mas talvez acertado do ponto de vista eleitoral. Sem negar um posicionamento claro, nacional-desenvolvimentista, sacou uma proposta apelativa de limpar nomes no SPC/Serasa. Com o campo conservador sem qualquer nome que empolgue, tivesse tempo de tevê, correndo pela faixa do centro moderado mas firme, meio establishment, meio outsider, e poderia desbancar Bolsonaro na vaga para o segundo turno contra o PT - porque a impressão que deu foi que a disputa era quem confrontaria Lula ou Haddad no segundo turno. Ainda que no meio do debate tenha se posto contra não apenas Temer, mas contra o golpe, evitou falar explicitamente de Lula - como fez Boulos -, na ânsia de angariar um eleitorado antipetista; a estratégia me parece equivocada, e a perda pode ter sido maior que o ganho - uma sinalização de que Lula deveria estar participando do debate, por respeito à democracia e ao direito, teria sido mais inteligente.
No mais, o debate foi preparado para favorecer os "50 tons de Temer", afinal, quanto mais Boulos e Ciro forem expostos, mais fica evidente a fraqueza de todos os candidatos conservadores. Pela possibilidade de livre escolher quem responde, os dois pouco falaram. Na hora das perguntas dos jornalistas, era evidente a tentativa de catapultar os candidatos reacionários e complicar os progressistas: perguntar de segurança para Bolsonaro é levantar a bola para ele chutar, e de aborto para Boulos e Marina, é deixar evidente ao eleitorado conservador o perigo da esquerda ateia - Marina tão fraca que sequer conseguiu aproveitar essa bola levantada. Boechat foi a personificação lastimável do nível lastimável dos jornalistas da empresa, com destaque para seu jeito grosseiro e desrespeitoso com os candidatos da esquerda. Nada de novo nem de inesperado, portanto. 
Sem vencedores, mas com estratégias delimitadas e pontos fracos mais evidentes que pontos fortes de cada um. A ver o que nos espera nos debates seguintes. E a esperar se o judiciário vai mudar e passar a respeitar a lei ou seguir no casuísmo quanto à candidatura Lula.

10 de agosto de 2018

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Eleições 2018: análise dos candidatos antes de iniciada a campanha de fato

Meu texto anterior tinha como objetivo sublinhar que a eleição presidencial de 2018 nada tem de normal, que não se trata "apenas" de escolha entre projetos de país e de como lidar com a coisa pública, e sim entre dar um verniz democrático ao golpe em curso - com poder judiciário agindo como poder moderador extraconstitucional - ou tentar retomar um caminho de democracia efetiva, ainda que bastante limitada, a princípio [bit.ly/cG180807]. Entretanto, as movimentações que resultaram nas candidaturas por ora postas apontam numa aparente normalidade, com polarização entre PT e PSDB. Falta, contudo, combinar com os russos, ou melhor, os eleitores. Ainda que se consagre essa polarização, nada há de normal - eu já havia dito, quando no imbróglio tucano para o candidato à prefeitura paulistana, que a escolha por Doria Jr era o fim do PSDB enquanto opção democrática [bit.ly/cG160201], e a gestão do ex-prefeito confirmou o pouco apreço da legenda com princípios democráticos e republicanos básicos (corroborado pelo desejo de FHC de lançar Huck à presidÊncia, para não falar na não aceitação da derrota em 2014 por parte de Aécio Neves e o apoio ao golpe de estado de 2016). E por mais que julgue atual e pertinente a divisão do espectro político em esquerda e direita, por conta do contexto do golpe prefiro falar em campo progressista e campo conservador/reacionário/de extrema direita. Deixo de lado os candidatos do Patriotas, DC, PPL e PSTU. 
No campo conservador são seis candidatos. A aparente divisão é apenas aparente: efetivamente são dois candidatos - Alckmin e Bolsonaro -, dois azarões aguardando uma reviravolta de última hora para serem ungidos como eleitos do establishment - Marina Silva e Álvaro Dias - e dois candidatos de apoio - Meirelles e Amoêdo. Estes dois últimos devem ser candidatos propositivos de direita, deixando mais evidente as propostas gerais desse campo. Devem ir a combate contra a esquerda e levantar a bola para alguém da direita chutar.
Meirelles tem papel importantíssimo na eleição: servirá principalmente para que Alckmin tente se descolar de Temer - afinal é ele o candidato do MDB -, e poderá, ainda, tentar trazer o PT para algo próximo do Usurpador - para além de ter sido vice de Dilma -, por ter trabalhado em ambos governos. Com tempo de tevê, pode fazer deliberadamente o que Ulysses Guimarães fez por omissão em 1989, e contribuir decisivamente para um candidato conservador no segundo turno - certamente seu trabalho não será em vão. Parece pouco provável que aja com bom MDBista e troque de canoa no meio do caminho, ao notar que o PT avança inconteste, mas não cabe descartar essa possibilidade.
Marina Silva e Álvaro Dias tentam correr como azarões, ela mais pelo centro, ele mais pela extrema-direita. Se conseguirem emplacar seus discursos, Marina pode tirar votos tanto dos candidatos do campo conservador quanto do campo progressista, enquanto Dias tende antes a enfraquecer Bolsonaro. Se Alckmin não decolar, apesar de todo seu tempo de exposição, podem ganhar a vez de brigar com o capitão pela vaga num eventual segundo turno: seriam candidatos mais confiáveis ao establishment que o destrambelhado do exército. Devem tentar encarnar um discurso antipetista e antissistema light (se comparado à propaganda de ódio de Bolsonaro), de quem está dentro mas nunca compactuou com "tudo o que está aí", apelando principalmente para o discurso ético. São candidaturas em stand by, prejudicadas pela redução do tempo de campanha. 
Alckmin é o presidente do Brasil a partir de 2019, se os eleitores "votarem certo", de acordo com os donos do poder. Comentei em outro texto [bit.ly/cG180717] que Alckmin é muito "Hillary Clinton" em uma eleição na qual o eleitorado sinaliza saturação com o centro. Atraiu para sua aliança as forças do establishment (o que sinaliza um eventual presidente fraco, completamente  à mercê do tal centrão e das forças que o patrocinaram), mas eles sabem que não é garantido sequer sua ida ao segundo turno, daí provavelmente o alto preço que devem estar cobrando desde já, e a possibilidade de abandonarem o barco a qualquer momento. Uma das apostas de Alckmin deve ser no tempo de tevê e na brevidade da campanha, que permitiria a construção de uma blietzkrieg narrativa sem chance de desconstrução, que o catapulte como uma onda, como foi Doria Jr em 2016, ou mesmo Haddad em 2012 (e quase em 2016) - a questão é que Alckmin é suficientemente conhecido para ser construído do zero, a estratégia, portanto, não tende a ter grande efeito, sem falar que ele terá tempo demais para tentar falar o mínimo possível, uma vez que não pode expôr seu projeto de governo. A escolha de Ana Amélia, um Bolsonaro de saias e sem farda (mas com milícias), do agronegócio, depois de longo flerte com o ex-comunista Aldo Rebelo, que trocou de partido duas vezes para estar disponível a Alckmin, mostra que o tucano tem como preocupação primeira passar para o segundo turno. A aposta inicial em Rebelo daria o verniz de alguém aberto ao diálogo e com uma ponta na esquerda, tentativa de ganhar, no segundo turno, indecisos simpáticos à centro-esquerda porém desagradados com o PT. Ana Amélia é a sinalização do namoro sério com o neofascismo, o discurso aberto de ódio, e a queima de pontes com eleitores mais à esquerda. Pode, a depender das pesquisas, deixar Bolsonaro quieto e atacar fortemente - junto com as outras candidaturas de apoio do campo - o PT, para no segundo turno ganhar o voto do "mal menor". 
Bolsonaro, por enquanto, é um dos nomes desta eleição - junto com Lula. Seu parco tempo de tevê, se por um lado prejudica sua exposição, por outro é positivo ao evitar que fale muito - o que garante não desagradar os que não são fanáticos -, além de reforçar seu discurso de antissistema - que apresenta aliado ao discurso antipolítico e antipetista, de necessidade de ordem para garantir a segurança, e fim de democracia e direitos sociais, apresentados como favorecimentos, privilégios de vagabundos, ao custo para os "cidadãos de bem" (termo que deve ser usado à exaustão nesta breve campanha). Os absurdos que profere - frases racistas, misóginas, de incitação à violência - costumam ser relevados em favor desse discurso: na ânsia de pertencimento nesta modernidade líquida, muitos de seus eleitores preferem enxergar a si e aos seus próximos apenas como cidadãos de bem, a despeito de serem gays, mulheres ou negros, na crença de que sejam vistos assim também pelos seus futuros carrascos - a descoberta da realidade será amarga e inevitável. Encontrou um tal "ponto ótimo", que o deixa numa situação confortável, sendo seu principal desafio se mexer sem sair do lugar: deve ser atacado pela direita e - equivocadamente - pela esquerda, e isso tende a reforçar seu discurso "contra tudo o que está aí". Se não for atacado, pode crescer igual. A questão é que chegou onde está por acaso, não por cálculo, e um passo em falso é perigo eminente à sua candidatura. (Minha grande dúvida: em um segundo turno entre Bolsonaro e PT, o PSDB declará apoio a um dos candidatos? Meu palpite: entre alguns falando em apoiar o PT e muitos silentes, se declarará neutro). 
O campo progressista tem a faca e o queijo na mão - se não houver fraude ou novo golpe -, mas dá sinais de ser capaz de esfaquear a si mesmo. Parte da esquerda acha que unidade é candidato único - e não objetivo em comum -, e o narcisismo das pequenas diferenças dá sinais de ser mais forte que a necessidade histórica do momento. 
Boulos entra como candidato sem pretensões de vitória, mas com objetivo de marcar posição, pôr os movimentos sociais na vitrine política (e não policial, como tentam grande imprensa, PSDB e demais partidos do campo reacionário), e qualificar o debate. Se tiver oportunidade em debates e na grande mídia, pode fazer diferença, tirando votos, inclusive, de Bolsonaro, ao se apresentar como opção antissistema porém política. Pode significar uma mudança na forma como se vê movimentos sociais de reivindicação de direitos - uma candidatura desse tipo faz muita falta desde 1994, um candidato ainda em trabalho de base, sem se deixar levar pelo canto da sereia tecnocrática. Ademais, o PSOL pela primeira vez tenta ampliar sua base para além dos acadêmicos revolucionários de gabinete com teses impecáveis teoricamente exemplificadas em vocabulário parnasiano. 
Ciro Gomes, ao que tudo indica, é o grande perdedor das últimas movimentações, seja com a o apoio da direita fisiológica a Alckmin, seja com a "neutralidade" do PSB - e isso não é positivo para o campo progressista, assim como para o próprio PT. Não apenas pelo risco de Ciro despejar fogo amigo, como principalmente pela diminuição de seu tempo de ataque ao campo adversário. Com fama de falar sem medir as palavras - como Bolsonaro -, Ciro pode tirar votos do fascista ao mesmo tempo que fustiga Alckmin (ou Haddad...). A escolha de Kátia Abreu para vice, depois de flertar com o centro fisiológico do congresso, mostra que sua candidatura é a sério e propõe reviver o pacto lulista - expus em outro texto minha tese de "vice-caução" como condição de elegibilidade para candidatos de esquerda ou progressistas [bit.ly/cG180509]. Mais: Abreu abre Ciro para certo potencial eleitor tucano, afim ao agronegócio mas reticente com Ana Amélia e com o excesso sulista da chapa tucana - a senadora tocantinense pode ser apresentada como mais pragmática, "genuinamente ruralista", e mesmo como "empreendedora de sucesso". Muitos da esquerda criticam tal escolha, como prova de que Ciro não é da esquerda. Quanto a isso, dois pontos: talvez Ciro não seja mesmo de esquerda, seja apenas um progressista, um nacional-desenvolvimentista a la Dilma. Segundo: quem critica "alianças espúrias" ainda acha que política democrática real pode ser feita com selo de pureza: pureza em política só em congresso de anjos ou em ditaduras totalitárias; em democracia, vai ter abraço e acordo com adversários ou não vai ter espaço para nada. Pode-se dizer que é o azarão do campo progressista, à espera da eventualidade de Haddad não despontar como é esperado - tivesse mais tempo e poderia ser adversário de Haddad num eventual segundo turno, talvez o grande medo do PT. Me parece o nome mais apto para deslocar Bolsonaro do confortável ponto onde está; o risco de isso dar certo e ele crescer e vislumbrar chances de vitória é apelar para algum grau de antipetismo e ambos afundarem abraçados, quando o melhor para o campo progressista é que se afirme como um não-petismo, um pós-petismo, sem anti. 
Enfim, Haddad. Novamente prejudicado pela mudança na legislação eleitoral que diminuiu o tempo de campanha, ainda assim é o nome mais forte do campo progressista. Vai se apresentar como o emissário de Lula. Como disse alhures [bit.ly/cG180717], a perseguição a Lula e ao PT foi tão forte que teve "efeito rebote": em 2015, a rejeição ao ex-presidente era de 55% [bit.ly/2OTD8AU], o que tornava muito difícil uma vitória; em 2018 volta aos patamares normais do antipetismo: 31% [bit.ly/2KDpKxr]. Mais: a saturação com "tudo o que está aí" fez com que tal perseguição desse naturalmente ao PT o ar de partido antissistema light: que ao mesmo tempo incomoda os poderosos (por isso a perseguição), mas não é de aventureiros (vide os mandatos presidenciais). Haddad, curiosamente, é talvez o nome mais "Hillary Clinton" do PT - sua vantagem sobre Alckmin é essa marca imposta ao seu partido. Se conseguir marcar sua ligação com Lula, dificilmente não herda os 20% que este tem na espontânea - por isso deve haver da justiça (sic) eleitoral alguma proibição à vinculação de Lula nas propagandas e nas falas -, mais alguns pontos dos que simpatizam com sua figura, outro tanto dentre aqueles que querem fugir de "extremismos" (como a Grande Imprensa tentou marcar Lula e Bolsonaro), podendo tirar votos que seriam para o centrista tecnocrata convertido ao extremismo de direita, Alckmin. Assim como sua vice, é bem articulado e bem apessoado (soa tosco, mas isso conta), dificilmente perde as estribeiras e sabe revidar com delicadeza - resta saber se isso atrairá certo tipo de eleitores, seja pela delicadeza, seja pelo linguajar mais rebuscado, e neste ponto o enfraquecimento de Ciro é prejudicial a si, ao menos no primeiro turno. Vai sofrer ataques da Grande Imprensa sem cessar até outubro, e se não conseguirem acertar um bom golpe, a tendência é que cresça com tais ataques. A grande falha de sua candidatura foi a atuação nas alianças, ou melhor, nas não alianças, com o intuito de isolar Ciro. Nesse ponto o PT agiu como se estivéssemos numa eleição absolutamente normal, e não em um momento crítico e dramático para o país. O medo de perder a eleição para Ciro pode significar perder a eleição para Bolsonaro, Alckmin ou algum azarão conservador tutelado pela mídia e judiciário. Faltou ao PT o óbvio: reconhecer o contexto e se pautar por uma visão mais ampla que a eleitoral: ainda que difícil de acontecer, mesmo se tivesse o apoio do PSB, um segundo turno entre Ciro e Haddad poderia ser um banho de civilidade e a derrota cabal do golpe. Ao forçar uma polarização com os reacionários, o espectro do golpe e do lava-jatismo seguirá rondando o país.
Talvez uma "novidade" nesta eleição seja uma maior mobilização das bases desde 1989 - seja pela direita, seja pela esquerda. A esquerda ainda está mais tímida, intimidada: ser de esquerda ou ser petista virou praticamente uma ofensa, e as respostas de militantes da extrema-direita (que foi o que se tornou nossa direita, PSDB incluído, sem pôr nem tirar) tendem a ser intimidantes pela sua agressividade. Grupos de Whatsapp terão grande influência, mas não se deve achar que substitui o cara a cara. A diferença é que há um ponto aglutinador no campo conservador - o antipetismo -, enquanto a esquerda, se não se policiar, vai partir para a guerra fratricida - daí a necessidade do campo progressista se centrar numa militância positiva, de elogio aos seus candidatos, deixando a desconstrução do campo adversário para segundo plano. Ataques mútuos entre candidatos progressistas, ou mesmo ataques a Bolsonaro, me parecem o caminho mais equivocado.
Por fim, se a campanha presidencial no Brasil já costuma ser sempre de baixo nível, com golpes brancos ou tentativas de por parte da Globo e dos donos do poder (1989, 1998, 2002, 2006, 2010, 2012; 1994 o plano real prescindiu de jogo mais sujo), imagina agora que está sob ameaça a fina flor do entreguismo das elites, que por dois anos pode florescer sem amarras e sem lastro social. Por isso tenho repetido: uma fraude eleitoral não é algo remoto e absurdo, é possibilidade efetiva (e vale lembrar a Globo e o caso Procunsult de 1982). Também tenho repetido: é preciso também se mobilizar nas eleições legislativas: uma vitória progressista na eleição presidencial com um congresso como o atual vai praticamente inviabilizar o novo governo.

08 de agosto de 2018

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Eleições 2018: a escolha é entre a possibilidade democrática e a democracia de fachada.

O filósofo político John Rawls, no início da década de 1970, dizia que em um sistema democrático liberal bem ajustado era possível tolerar posições extremistas, pois pela própria dinâmica do sistema elas se suavizariam e tenderiam para o centro. Não apenas por obra do golpe, mas desde sempre, com nossa iniquidade pornográfica, o Brasil estaria longe de ser qualificado como bem ajustado pela teoria da justiça rawlsiana - daí podermos questionar se alguém como Bolsonaro e Malafaia teriam direito a expressar suas posições com toda a liberdade que o fazem. Contudo, se se abandonar veleidades ideais e trabalhar a partir de questão “ajustado para quem?” podemos ver, sim, um sistema bem ajustado - para os interesses dos de sempre, das elites -, com a peculiaridade de que as posições extremistas podem ser toleradas não porque tenderiam para o centro, mas porque o centro se volatiza de modo a abarcar os extremos (ao menos certo extremo) dentro de uma pretensa normalidade. Se a política seria a possibilidade de introjetar antagonismos sociais de modo a diminuir a violência bruta, aqui ela serve como caixa de ressonância para estimular ainda mais a violência crua das ruas - a liberdade de expressão sem limites e sem conseqüências serve como estímulo a mais para violências reais: abuso de autoridade, genocídio negro, feminicídio, e crimes de ódio diversos. E nem penso no Bolsomico, mas naquele ex-governador paulista, de alcunha Santo, que autoriza e estimula seus subordinados a cometerem assassinatos extra-legais, portanto criminosos.
É um sistema funcional: a normalização dos extremos, em especial da extrema-direita - via Veja, Globo, Folha, Bolsonaro e afins -, faz com que a política institucional antes de veículo para mudanças sociais que favoreçam a maioria, seja um freio (quando não uma marcha à ré) para buscas de modos de convivência mais pacíficos em prol de uma pretensa "voz das ruas" que justifica a manutenção dos privilégios baseado no escravismo secular do país - o judiciário assumir esse discurso é apenas a assunção de que o reformismo light e republicano do petismo foi demais para o país da Casa Grande e seus patos-sabujos. E quando o judiciário, autoinstituído poder moderador (versão pusilânime e antinacionalista da Guarda Revolucionária do Irã), se põe como serviçal da direita, em aberta defesa não da propriedade, mas dos privilégios (que ele também desfruta, por ser parte da elite), e se arrola amiúde o papel de civilizador destes Tristes Trópicos, crer na justeza das eleições e no respeito ao desejo popular é uma aposta de risco: o que vai tornar as eleições de 2018 legítimas para o judiciário - e a elite que nele se apega como em 1970 se apegava aos militares - é o povo "votar certo" (como dito por muitos anônimos seguidores do pato quando na derrubada de Dilma), daí a necessidade de censurar candidaturas e ideias.
O fato das eleições (ao que tudo indica) serem realizadas normalmente, em outubro, nestes tempos anormais não é por qualquer apreço à lei e à democracia por parte de nossas elites, mas se deve ao isolamento internacional que o golpe trouxe, ao medo de represálias e ao complexo de vira-latas de nossa classe média made in Miami: Trump, curiosamente, acabou por se tornar o grande fiador da consulta popular deste ano, ao negar a entrada do Brasil na OCDE por julgar que Temer não tinha legitimidade para uma decisão dessas; ao agir assim, jogou um balde de água fria em algum golpe branco do tipo semipresidencialismo ou adiamento das eleições por conta de uma pretensa violência fora do controle que justificasse intervenção militar em outras áreas do território nacional. O golpe no Brasil sofreu não apenas com a perda dos aliados democratas como ainda teve que se ver com um presidente ressentido, e isso complicou muito o fechamento do regime em uma democracia anódina, apenas para cumprir porcamente os ritos formais (como no caso do impeachment ou da condenação de Lula).
A estratégia de Lula e do PT de comprar a briga até o final com o establishment foi acertadíssima - isso todos sabemos, inclusive é dito (pelo não-dito) o tempo todo pela Grande Imprensa. É uma aposta de alto risco para o país, porém a única possível, visto que outra estratégia seria aceitar o golpe como normal - que não por ser corriqueiro deve ser tido por aceitável. O custo interno e externo para os golpistas é alto, e o cálculo que deve estar sendo feito, nas reuniões com Coronel Mendes e tucanos de alta plumagem, é em que momento tirar Lula da disputa traria menos "externalidade negativas": cassar sua candidatura a tempo de garantir a participação do PT ou não? A ausência do PT na urna pode ser usada como denúncia internacional, além de ser evidenciado pelo número de nulos ou abstenções - seria de se esperar menos de 50% de votos válidos, o que iria ser usado como fator a mais de propaganda petista. Garantir o PT na urna, com Haddad, tem como risco a vitória petista e o desmonte do "projeto" golpista - nesse caso, apelar para fraude é uma alternativa, e não nos iludamos, o Brasil é uma republiqueta bananeira, onde isso cabe sem muitos constrangimentos.
Essa discussão toda, que tem norteado esquerda, direita e imprensa, diz respeito ao executivo nacional. Como é de praxe na esquerda nacional, as eleições legislativas foram relegadas a irrelevantes, praticamente ignoradas - faz um ou dois meses que vejo alguma mobilização de pré-candidatos, enquanto a direita há dois anos prepara e fomenta seus jovens empreendedores políticos. Essa é a arma reserva que o golpe possui: ainda que autorizem o PT a assumir o Planalto em 2019, nada garante que o partido conseguirá governar - um novo Cunha ou mesmo um novo Botafogo como presidente da Câmara garantem a ingovernabilidade por quatro anos. 
O que temos para este ano, portanto, não é uma eleição onde está em jogo a escolha de governantes e projetos de país, é uma eleição onde se deve escolher por forçar em direção a um regime democrático legítimo (ainda que limitado e enfraquecido) ou uma pseudodemocracia de fachada, onde só vale "voto certo", tutelada por um judiciário temeroso da Grande Mídia, compactuada com interesses externos e antinacionais.

07 de agosto de 2018


segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Lost in Translation na Liberdade

Não sei por qual diabos, acordei com música dos Mamonas Assassinas na cabeça. Costumo brincar que tenho um DJ Interno que só toca podreira dos anos 80 e 90 - às vezes cantarolo para Natália a música que o DJ colocou e ela pergunta de onde foi que desenterrei aquilo, como se eu soubesse. Ela já até me fez assistir à animação Divertidamente para poder fazer piada com o tal DJ. Talvez Mamonas tenha sido vingança antecipada do DJ Interno por saber que o domingo prometia ser bom musicalmente - à noite iria à apresentação d'O Corpo (trilhas de Uakti e Metá Metá), e de dia, a um evento de Minyô, música folclórica japonesa, no qual cantariam Natália e Vinícius (além de outras 77 pessoas, as quais não vi todas, tendo perdido a parte principal, a do concurso que valia uma viagem para o Japão).
Ao chegar na Associação Kyôdo Minyô do Brasil, na Liberdade, me veio Legião Urbana à cabeça (por conta minha, não do DJ): “festa estranha com gente esquisita”, ainda que o destoante ali fosse eu, e sequer tenha sido a festa mais estranha que já fui na Liberdade - nada comparado a uma outra associação cultural japonesa, decorada para natal, onde serviam feijoada vegana em um evento indiano. Enfim. Num salão, o palco ao fundo tem uma discreta apresentadora à esquerda. Discreta quanto ao visual e ao local onde está, porque ela fala mais que apresentador de talk show empolgado com um assunto que gosta. Como só falava em japonês, não sei se o que ela falava era importante ser dito, ou seguia o padrão dos programas televisivos - só sei que falava e falava e falava. Num dos lados do salão, atrás de uma longa mesa, pessoas sisudas vestidas de terno com uma grande flor de origami na lapela, flores que me fizeram lembrar dos gibis da turma da Mônica, as medalhas de concursos nas histórias - desconfiei que eram os jurados da hora do concurso que perdi. As únicas coisas que eu realmente compreendia naquele salão eram a data, escrita em português, as bandeiras do Brasil e a do Brasil comunista que o PT queria impôr - conhecida no resto do mundo como bandeira do Japão. Nem mesmo o pavão ou fênix com cara de peru brincando um novelo de lã (símbolo do evento) me foram de clara compreensão. No início eu até tentei pescar algumas palavras, e achava que estava conseguindo: né, arigatô, uataxi, namastê - e sabendo que namastê é palavra indiana, passei a ter sérias dúvidas se eu entendera qualquer uma, além de Natária, quando chamaram Natália para o palco. Me senti Bill Murray no filme de Sofia Copolla, Encontros e desencontros ("tradução" medonha para Lost in Translation, só não pior que o nome dado em Portugal, O amor é um lugar estranho). As pessoas se levantaram e ficaram em silêncio, eu também; aplaudiam, eu também - inclusive os aplausos eram nos momentos mais aleatórios possíveis para minha compreensão ocidental. Como fiquei apenas na parte que não era concurso, foi interessante ver as reações do público, muito participativo e tolerante com falhas. Na primeira fila, duas senhoras marcavam com palmas o ritmo das músicas, para que nenhum dos amadores ali se perdessem. Alguns dos cantores esqueciam da letra - inclusive um que não parecia tão amador assim -, e a plateia cantava para ajudar. Outras horas acho que cantava junto só para cantar, mas pode ser que fosse outro lapso da letra ou do tom, não sei, estava bacana a festa, e estava boa a música. Na hora do almoço, quase todo mundo com seu isopor com o bentô - parecia recreio de escola infantil, cada criança com sua lancheira, com a diferença que eram um pouco mais velhos e não ficavam vendo e trocando o que cada um tinha, já que todos tinham o mesmo bentô (deixei para almoçar depois, já que Natália estava proibida de comer, pois iria cantar logo após o almoço). Enquanto almoçavam, homenagens a mais pessoas enternadas - uma tática esperta, deu pra cumprir essa formalidade sem incomodar a parte legal do evento. Após o almoço, os dois pontos principais a que vi: uma apresentação de taikô, a batucada japonesa, com um senhor que parecia o Henrique Meirelles cheio de vitalidade ao fundo (inclusive me fez pensar que uma cultura que não produz uma boa batucada deve ser olhada com certa suspeição); e uma senhora muito velha, de bengala e grandes óculos, cantando e dançando feito Liam Gallagher, ex-Oasis. 
E como quando assisti ao filme da Sofia Copolla, ao fim de duas horas pude sair de lá e tudo estava normal, pessoas falando português, a vida que segue, e o horário meio em cima para comer e ir assistir ao Corpo. Entretanto, por garantia, fomos a um restaurante onde todos os garçons falavam português. 

06 de agosto de 2018

PS: Aceito convite para algum evento de música folclórica e comidas gostosas da comunidade árabe (ainda que saiba que a imigração Argelina não é significativa para cá e não poderei desfrutar de música chaabi).