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domingo, 25 de dezembro de 2022

Colateral: a pandemia como um peso a mais sobre os ombros das mulheres [Diálogos com a literatura]

Terminei de ler o ótimo Colateral, livro de estreia da Isabela Veras (com ilustrações de Mireille Lerner). Uma leitura agradável, que prende, capaz de tocar a todos - até pela proximidade do tema da primeira parte -, e sugerir um outro olhar sobre o nosso quotidiano. Se em alguns momentos sua estreia na literatura fica à mostra, isso não desabona a obra.

O livro é composto de duas partes. A segunda, Insurrecta, são narrativas de temáticas mais feministas, algumas abertamente militantes e que se fazem a crítica ao papel da mulher na sociedade, vão além e fazem repensar a formação da mulher para a nossa sociedade. Isso me traz questão que há cerca de dois anos me permeia: a de se cabe tentar alterar a divisão dos papéis de gênero na nossa sociedade, ou se não seria mais sensato rediscutir a própria questão de gênero e tudo o que vem implicado nela, de uma identidade una e em alguma medida heterônoma (o que me leva, inclusive, a uma crítica do "ser não-binário"), a todos os acessos ou restrições que a ideia de gêneros implica.

O destaque, contudo, fica com a primeira parte, Colateral. São contos da pandemia, vários deles inspirados em notícias desse período - como os funcionários rezando nas ruas pela reabertura do comércio -, outros inspirados na nossa vivência genérica do isolamento social. Se alguns deles rememoram minhas agruras de classe média - meus dezesseis meses sem visitar minha mãe, por exemplo -, outros me recordaram que fui um privilegiado por ter meus direitos básicos garantidos, e não ter precisado me preocupar com o mais básico da minha sobrevivência: um teto, um mínimo de conforto para viver e comida no prato todo dia. Em alguns momentos, os textos me trouxeram lágrimas ao olhos, seja ao pensar no que passei, seja ao imaginar o que tantas famílias passaram - e nem estou falando aqui tanto das mortes, e sim de toda a terra arrasada deixada pelo desdém pela vida (seja a biológica, seja a que há para além dela), que não a "vida" do capital, por parte dos donos dos poderes (político e financeiro).

Se o pano de fundo nos textos colaterais é a pandemia, ela serve para ressaltar de modo bastante orgânico os diversos papéis da mulher numa sociedade estruturada a partir da exploração dos seus trabalhos e de relações desiguais e desgastadas, mantidas por convenção social.

A maternidade, a despeito de suas alegrias, desponta como um fardo (em um conto no qual haveria uma maior isonomia nas relações entre homem e mulher, a paternidade também). Se a mulher pobre tem a avó da criança para dar algum suporte, a mulher branca, classe média alta, depende do suporte da mulher pobre, desde que essa deixe o próprio filho em segundo plano para cuidar dos da patroa - e ainda ser criticada por não dar conta do jeito como ela gostaria.

E seja à mulher pobre, seja à mulher rica, a pandemia, na apresentação da Isabela, faz despontar essa sobrecarga que, via de regra, recai sobre as mulheres, deixando à vista as rachaduras há muito existentes nas relações de gênero, no trabalho e na família.

Depois de ler Colateral, pode-se dizer que o "novo normal" que no início muitos vislumbravam com a pandemia que afetaria "a todos por igual", é tão somente o velho normal engolido com feijão e aceito como sempre - mas agora com uma dose maior de cinismo, já que não se pode mais alegar que não se percebe certas obviedades desde sempre muito visíveis.


25 de dezembro de 2022




sábado, 8 de fevereiro de 2020

Estrela não tão distante [Diálogos com a literatura]

Conforme Freud e a psicanálise, a arte é, muitas vezes, a sublimação de pulsões e desejos socialmente condenados, considerados sujos, feios, impuros; retrabalhados para serem apresentados no seu inverso, como algo belo, sublime - aqui nos termos de Edmund Burke, do século XVIII. No século XX, muitas vanguardas artísticas, se não afrontaram a ideia de sublimação, atacaram a ideia do belo na arte - fundamento de certa proposta artística e de visão de mundo -, minando posições normativas sobre o que seria legítimo ou não no campo estético, e por mais que o capital cultural siga dando as cartas do que vale e o que não ao grande público e ao público endinheirado, todo um circuito se fez à sua margem - ainda que não raro seja fagocitado, vide os graffitis urbanos.
Porém, e quando se põe a questionar a ideia da sublimação em favor de algo sublime, se utilizando dessa crítica à uma pretensa verdade artística? Carlos Wieder, personagem central de Estrela Distante, de Roberto Bolaño, talvez seja uma resposta.
Quando a arte perde sua função sublimadora e deixa de ser a representação do horror e passa a ser a apresentação do horror - mais que isso, horror produzido pelo próprio artista, como horror, pelo horror e para sua apresentação horrorífica.
A passagem de Guernica para as fotos de guerra, para programas estilo Datena - cuja performatividade do discurso produz o horror que ele diz denunciar. Carlos Wieder é apenas um passo além, um Datena sem covardia e que não só prega que se faça, como faz com as próprias mãos. Covardemente, sorrateiramente, escusado pelo terrorismo de Estado do governo golpista de Pinochet. Um governo que torturou e matou com requintes de crueldade, mas que expulsa o oficial que ousou tornar a miséria das vítimas mais que um momento de regozijo próprio e fez disso arte - uma arte que perturba, porque aquilo que apresenta é mais que uma representação do que a perversão de estado é. E Wieder é um perverso - como são perversos os covardes que defendem a ditadura e elogiam torturadores, incapazes de assumir suas próprias limitações, estampadas em suas testas -, mais inteligente, mais letrado e mais sorrateiro do que os exemplos que hoje temos à frente da nação, mas facilmente identificável em "intelectuais" e artistas que posam de "civilizados de direita", com colunas em jornais "sérios", espaço em programas cultos de televisão e cadeiras em universidades de prestígio.
Carlos Wieder é uma representação de Bolaño, representa a literatura nazista na América, aquela que participa de oficinas literárias, que escreve poemas com fumaça nos céus e com sangue nos corpos das suas vítimas. Carlos Wieder representa a arte do futuro, se seguirmos agindo sem a radicalidade que o momento exige.

08 de fevereiro de 2020

domingo, 6 de janeiro de 2019

Euforia e ressaca com a ilusão neoliberal [Diálogos com a literatura]

As viúvas das quinta-feiras, da portenha Cláudia Piñeiro, retrata ascensão e queda do triunfo neoliberal na Argentina, em fins do século XX: o estreitamento mundo, reduzindo tudo a cifras e valores, acompanha o estreitamento existencial da vida entre muros, entre os pares, acerbando os narcisismos das pequenas diferenças (ao gosto dos subúrbios estadunidenses descrito por Lewis Mumford) e uma protocomunidade que não possui qualquer chance de se tornar comunitária de fato (tratei de, encerrado o livro, me embrenhar por Mal-estar, sofrimento e sintoma: Uma psicopatologia do Brasil entre muros, do psicanalista Christian Dunker; ainda não terminei, mas ao que tudo indica, trata-se da mesma lógica do condomínio destes Tristes Trópicos). Se o Brasil se safou de queda igual à dos nuestros hermanos, foi por conta da resistência popular (desde a falecida Constituição de 1988) ter impedido o país de entrar com todo ardor no 171 neoliberal - algo que o atual presidente e seus super ministros prometem realizar.
O quotidiano do condomínio Alto de la Cascada descrito por Piñeiro é feito de normatizações abusivas, violências mudas, dores vivas e desejos insatisfeitos - tudo isso abafado, soterrado pela imagem de felicidade que todos são obrigados a ostentar. O desejo das classes mais abastadas de viver em segurança, dentro de um enclave murado, sob os olhares permanentes dos vigias: releitura pós-moderna neoliberal da velha comunidade de bairro, onde todos se conhecem e se ajudam - ao menos em aparências -, onde impera a moral e os bons costumes de um passado mítico.
Dos empregados das casas aos seus moradores, não parece haver espaço para alegria ou felicidade, oprimidos por uma série de exigências contraditórias, controladas de perto. Um baile de máscaras de mau gosto em um mundo que exige autenticidade mas condena todo desvio da norma.
É quase um sistema de castas - alguém não pode ser aceito plenamente se não for "puro sangue" - branco, cristão, endinheirado. Se for judeu e já estiver dentro, ignora-se o fato; se ainda não entrou, não entra - assim como coreanos, negros ou outros indesejados. O mesmo ocorre com os funcionários: uma vez funcionário, sempre funcionário, não importa que sua companhia tenha ajudado sua patroa a superar a depressão e só frequente os locais destinados aos moradores junto de sua - dona? Não pode, e as duas serão personae non-grata por isso. A harmonia de um condomínio não permite qualquer diferença significativa.
Ou então na criança adotada, destoante na cor da pele, e que ainda por cima já veio com nome - que os novos pais desgostam e por isso mudam, de Ramona para Romina - e para poder se apresentar, precisa escrever seu nome verdadeiro na areia, impedida de dizer quem de fato é.
Um paraíso artificial, os moradores do Alto de la Cascada vivem uma vida artificial: mantém seu padrão de gastos, seu estilo de vida, como se a crise que assola o país não tivesse vez dentro de seus muros, ocultando que perderam seus empregos e veem seus rendimentos minguarem - até o ponto em que serão obrigados a fugir do condomínio como proscritos por uma grande vergonha, uma grande humilhação, como se fossem leprosos dos tempos de antanho. Enquanto a fuga não se faz necessária, fazem caridade aos deserdados da sorte, que sobrevivem fora do muro graças a sua benevolência em empregá-los - caridade que não deixa de ser mais violência muda: a empregada que comemora a blusa da filha da patroa que será jogada fora e já vislumbra presentar sua filha, mas se vê frustrada em seu desejo de consumo de migalhas quando a patroa doa a blusa para um bazar beneficente - onde ela poderá comprar a preços razoáveis, se a blusa específica não tivesse sido dada pela organizadora do bazar à sua própria filha.
As viúvas das quintas-feiras mostra a euforia e ressaca com a ilusão neoliberal: a vida da mais pura platitude, sem preocupação que não o desfrute do que seriam seus prazeres miúdos hipertrofiados por anos de discurso ideológico em todos os meios possíveis. A vida boa numa casa de filme, num condomínio de publicidade. Uma vida de publicidade - estreita, sufocante, vazia, de aparências, na beira do precipício. E a próxima crise a jogar parte de seus moradores de volta ao mundo real.

06 de janeiro de 2019

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

A reinvenção (acidulce) do quotidiano [Diálogos com a literatura]

Localizado num canto de cidade, relegado por não ser centro, mas central na vida da cidade e de tantos citadinos. Subúrbios, esse conceito confuso nestes Tristes Trópicos, ora sinônimo do termo estadunidense descrito por Mumford (entre outros), ora a periferia tão típica das grandes cidades brasileiras. Os subúrbios de A invenção dos subúrbios, de Daniel Francoy, ficam num ínterim entre essas duas possibilidades, é a invenção de uma classe média que se equilibra com dificuldade na média, na mediana, na moda, que pega trânsito todo dia para chegar ao centro e ao trabalho, com os olhos no futuro radioso que a espera diante de um presente que é um eterno quase. 
Uma cidade feita de fantasmagorias de si própria, onde parece faltar concretude, sem contudo cair na pura imagem irreal - não, não é alucinação, mas o mais firme parece não ir além da garoa fina e das nuvens de poeira de Ribeirão Preto. O próprio autor, ele próprio parece se equilibrar numa existência que vaga pela antessala do existir, ensaiando um adentrar a concretude do ser, que se afirma nos traços das letras, mas se perde no vão entre uma palavra e outra, tropeça no prosaico do pôr do sol que ilumina um Cristo num caminhão de mudança. 
Os subúrbios inventados pelo autor parecem parados no tempo, se alimentando da ilusão da Terra se mover ao redor do sol - ainda que isso bate para resultar em mudanças reais, quase perceptíveis. Sua invenção parecem ser a tentativa de dar algum lastro ao quotidiano fugidio e repetitivo.
A escrita de Francoy é agradável, facilita o trânsito pelo banal das cenas. Sua principal marca é um humor sutil em tom melancólico - ou seria uma escrita em tom melancólico com pitadas de humor sutil? Muitos dos textos terminam de forma abrupta, quando esperávamos um fecho que desse um sentido a tudo aquilo descrito e experimentado, entretanto, era apenas isso: o sem sentido do quotidiano, a vida de anônimos e anônimas, o Mundo Real indo pouco além de um loja de R$ 1,99 com duas entradas (ou seriam saídas?), sendo uma delas pela avenida da Saudade.

03 de dezembro de 2018

terça-feira, 6 de março de 2018

O meio sol amarelo de Biafra e o sorriso amarelo da civilidade pela metade no Brasil [Diálogos com a literatura]

Ganhei o livro de uma amiga, que o lera e gostara muito. Não perguntei sobre o que era, agradeci o presente e aceitei a indicação às cegas - como gosto de fazer muitas vezes, na esperança de uma boa surpresa. Os únicos dados que eu tinha antes de começar a leitura de Meio sol amarelo, da escritora Chimamanda Ngozi Adichie, eram que a autora era nigeriana e que eu nada sabia da história nigeriana - salvo, por alto, algumas notícias recentes, time caneleiro na copa de 94, petróleo, desigualdade social, caos urbano de Lagos e Hoko Baram.
São quatro partes. A primeira, no início da década de 1960. Percebe-se o contexto de independência nacional, ainda que um tanto alheio, distante. Em uma cidade universitária, em um ambiente que me remeteu ao distrito de Barão Geraldo, onde fica a Unicamp, professores universitários - representantes de uma classe média com boa vontade e pouca autocrítica - discutem a libertação dos povos, a união africana, o fim do racismo, enquanto são servidos por serviçais desprovidos de quaisquer direitos, espécie de cachorros de estimação com a utilidade de limpar a casa, cozinhar e outros afazeres - aqui nestes trópicos conhecidos como a doméstica que não precisa de direitos, se for o caso, nem de salário, porque "é praticamente da família", e que o governo Lula corrompeu esse pilar da família brasileira de bem. Domésticos que apanham por furtar um punhado de arroz, ou escondem restos de frango assado nos bolsos da calça, enquanto na sala os patrões se enlevam em sua superioridade moral e bebem bebidas importadas. Num segundo plano, a alta elite nigeriana, dos negócios com o Estado e com os militares, na base dos dez porcento, com filhos a estudar na Europa, e um discurso não de todo longe dos professores universitários, contudo extremamente pragmático - farinha (pouca ou muita, não importa), meu pirão primeiro.
Até essa primeira parte, estava gostando do livro, contexto que me é algo familiar, mentalidade que lembra a brasileira atual, algum drama familiar se desenhando. Na segunda parte, que passa em fins dos anos 1960, ficou evidente minha ignorância em história recente e, mais que isso, o livro me sugou de forma tal que precisei de dois dias para ler as quase quatrocentas páginas restantes.
O pano de fundo passa a ser então a guerra entre Nigéria e Biafra, entre 1967 e 1970. O segundo golpe de estado nigeriano, as perseguições e massacre dos ibos, a declaração de independência de Biafra e a guerra que se seguiu, com a população do novo país sofrendo sobremaneira - enquanto seus líderes (políticos, militares e empresariais) mantinham relativo padrão de vida, até se cansarem e decidirem fugir para a Europa - com passaportes nigerianos. Procurando mais informações sobre essa guerra, fala-se em um milhão de mortos, ataques militares indiscriminados a alvo civis e bloqueio de ajuda humanitária - alimentos e medicamentos.
O livro não carrega nas tintas escatológicas, como Alá e as crianças soldado, por exemplo, nem adentra muito em um subjetivismo, como Os cus de judas (para ficarmos na África), porém é vigoroso na descrição do dia a dia de fuga e humilhação que a guerra implicou - e olha que os personagens principais, se não foram para os altos escalões de Biafra, tem alguma reserva de dinheiro, contatos importante e um carro, que muito facilita a vida deles. Numa guerra - ainda mais na África, onde a população atingida não é exatamente humana, dessas que geram comoção e revolta nos meios de comunicação de massa do ocidente, e sim negra - , fica claro, não há heroísmo, não há glamour, há apenas decadência - dos corpos e dos "espíritos", da humanidade - e morte - por bomba, tiro, doença ou fome. É um contraponto sensível e enfático ao enaltecimento e banalização da guerra feita pela indústria cultural estadunidense - via filme, jogos e séries, principalmente -, que, ao meu ver, é um dos principais ingredientes para o renascimento fascista neste início do século XXI.
O ritmo narrativo fez com que meu desejo fosse de terminar logo o livro, para que terminasse logo aquela guerra - que parecia sem fim. Não entro em mais detalhes do livro para não prejudicar a leitura de alguém, apenas traço alguns paralelos com a atualidade.
Se na primeira parte vi muita coisa em comum com o Brasil atual, na segunda, guardada as proporções, também vi. Claro, uma opinião baseada na minha posição de observador distanciado: sou branco, classe média, moro na região central - a guerra brasileira acontece nas margens das cidades, da sociedade, nas periferias, nas favelas, no morros, contra negros, "pardos", periféricos, movimentos sociais, etc. Ernst Junger, na década de 1920, um dos primeiros a falar em "democratização" da guerra, graças aos avanços técnicos: para atirar de um rifle no alto de um jipe não é preciso ter mobilidades das pernas, por exemplo. Paul Virilio, na mesma linha dos avanços da técnica, só que no fim do século XX, começa a dissecar ordem mundial atual como uma situação de guerra permanente, sem objetivo específico que não a manutenção da própria guerra. A exemplo do cerco a Biafra, nestes Triste Trópicos, à ação de guerra aberta da Polícia Militar (atualmente no Rio de Janeiro, com exército mesmo) soma-se estrangulamentos econômicos e de subsistência, uma propaganda que diz que a vitória está próxima, ao mesmo tempo que os retrocessos são cada vez mais palpáveis. Se os anos Lula permitiram que o cerco humanitário contra os pobres fosse levantado, os homicídios seguem em crescimento contínuo, e o golpe volta a usar a tática de crime de guerra, de matar a população civil na base das carências básicas. Nada tão ostensivo, claro: o Brasil parece ser um país adepto à homeopatia, ao menos nas questões sociais. Quer dizer, ostensivo, sim, mas não declarado: 60 mil mortes por ano, 78,1 mortes por 100 mil habitantes, como em Fortaleza, é índice de conflito bélico, de guerra - ainda mais quando sabemos claramente o perfil de 90% desses mortos em "combates". Os aplausos de endinheirados à proposta de Bolsomico de metralhar indiscriminadamente a favela mostram o estado da arte dos discursos de ódio ocultos nos ternos bem cortados de Bonner ou no pretenso esquerdismo de Datena.
A diferença essencial entre o cenário brasileiro dos anos 2010 e o de Biafra de 1960 é que lá havia um inimigo e um território delimitado, com um ponto a se chegar - a união nigeriana, com ou sem a população ibo que ocupava os campos petrolíferos biafrenses. No Brasil, territórios se imiscuem - o morador da favela trabalha no shopping dos bacanas, acaba por transitar nas mesmas vias principais - e as funções cumpridas pelas populações "inimigas" não seriam assumidas por "cidadãos de bem e de posses" - lixeiros, seguranças, porteiros, prostitutas, enfermeiras, faxineiros, etc -, de onde o impedimento de simplesmente soltar bombas onde moram e nos trajetos que frequentam essas pessoas "perigosas" que garantem o funcionamento mais elementar da sociedade - quer dizer, cabeças de planilha não conseguem sequer enxergar isso, tamanha sua estultice. Resta o que chamei de doses homeopáticas de guerra, o que também atesta claramente o lado confortável de onde falo: não sofro na pele com toque de recolher não-explícito mas efetivo (111 tiros em 5 homens negros, como canta Jé Oliveira em Farinha com Açúcar) e restrições no direito (teórico) de ir e vir, não tenho parentes assassinados pela polícia em autos de resistência (pelo contrário, parentes que defendem abertamente a tortura e aplaudem toda sorte de violação de direitos humanos e depois ainda vem com papinho de boas energias). Assisto indignado porém sem riscos ao estrangulamento da dignidade humana dessas "populações perigosas", até o ponto onde não aguentam e se revoltam, dando o ensejo esperado para serem abatidas, após ganharem o rótulo de "vagabundos" ou "bandidos". Se meu desejo era terminar logo o livro - que aquela guerra acabasse logo - imagino o que não passa com quem vive sob essa guerra (psicológica e real) brasileira permanentemente, desde que se entende por gente - não creio haver como se habituar a essa situação sem fortes efeitos à saúde mental. Imagino, pela leitura do personagem Odenigbo, que para quem está no meio do fogo cruzado, o presente é um tempo eterno, em que a ameaça de ser atingido não permite pensar em futuro, com tudo o que essa espera desesperançosa implica.
No fundo, a elite brasileira que se julga tão cosmopolita não passa de um arremedo das elites africanas da segunda metade do século XX, um misto de elites nigerianas com a elite sul-africana - preconceito, ódio, servilismo e um exército armado para lutar contra a população do território que julgam sua propriedade.

06 de março de 2018

PS: não sejamos também ingênuos em achar que Europa seja paradigma de respeito a direitos humanos e o que for: a guerra em Biafra ou o golpe no Brasil não aconteceriam sem o know-how e o apoio logísticos dos países autoproclamados civilizados.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Farinha com açúcar: Palestina tropical [Diálogos com o teatro] [Diálogos com a literatura] [Diálogos com a música]

Recentemente reli Contos da Palestina, do escritor palestino Ghassan Kanafani (morto em um atentado em 1972). Como na primeira leitura, dez anos antes, me veio a imagem de que os contos de Kanafani são como passar uma lâmina afiada por toda a extensão do braço - várias vezes. Não é a lâmina que crava fundo, força o grito e abre o braço em dois, inviabilizando-o. É ferida feita na profundidade suficiente para que doa, sangre, marque, mas não interrompa o quotidiano - pior, renovar essa ferida e essa dor é o próprio quotidiano. Como diz uma das personagens de "Os desertores e outros":
"Outra vez, ela me mostrou suas mãos. As feridas eram bem visíveis, como rios secos. Delas emanava algo de extraordinário, alguma coisa parecida com a certeza, a segurança da resistência que é parte integrante do próprio corpo.
- Não se preocupe - eu disse -, essas feridas não são graves.
- Isto? Não vai demorar a desaparecer. Elas vão ser cobertas pelo pó, pela ferrugem das coisas que eu limpo, pela sujeira dos assoalhos que esfrego, a cinza dos cinzeiros que esvazio, por tudo aquilo que suja a água que eu uso todo dia... Estas feridas, meu primo, vão ser apagadas pelo cansaço, pelo suor. Elas vão desaparecer nas rugas de minha pele e ninguém mais vai poder vê-las. Mas eu, meu primo, eu sempre vou saber que elas vão continuar aqui".
Kanafani contava de uma guerra em que havia um exército só - "guerra", eufemismo para massacre, uma vez que no campo de batalha estavam de um lado militares, do outro, civis, com baixas quase que exclusivamente destes. Os exércitos de resistência pouco têm de exército e muito de resistência. "Crime de guerra" seria uma qualificação mais apropriada - para não falar em crime contra a humanidade -, se a Kanafani e seu povo fosse dado o direito à voz. Não era, não é. O pouco que conseguiram, foi com sangue e mobilização. Resta também o grito pelas artes - mais difícil de ser calado pelas armas. Grito que Kanafani grita com sutileza e poesia, em que não se foca no horror da guerra e suas escatologias, como em Lobo Antunes ou Kourouma, e sim na dor de resistir quando não se tem o direito a ser. "O gato", na minha opinião, é o conto mais escatológico, um conto em que a vítima (física) sequer é um humano. Kanafani mais que da guerra fala dos marginalizados, dos condenados da terra, como bem sintetizou Frantz Fanon.
Esta semana me veio que talvez eu sinta Kanafani como lâmina que fere o braço porque não sou palestino. Pensei isso porque fui tomado de igual sensação ao assistir ao espetáculo "Farinha com açúcar: ou sobre a sustância de meninos e homens", de Jé Oliveira e Coletivo Negro, inspirado nos Racionais MC's e em histórias de vida de homens negros da periferia. 
Não sou palestino, tampouco sou negro, sequer de periferia. Se minha avó me oferecia farinha com açúcar de lanche, era por ser uma opção a mais, além de pão, bolachas e outros quitutes, não por ser a única opção (talvez por questão regional, era farinha de milho e não de mandioca). Não sou negro e nunca me perguntaram aonde eu ia ao entrar num shopping center, a única vez que fui barrado de entrar num Sesc foi porque era segunda e ele estava fechado; nunca tive uma arma contra minha cabeça apontada por segurança à paisana de um colégio particular, enquanto esperava ônibus na avenida 23 de maio, e a vez que fui interpelado pela polícia, numa blitz da Polícia Rodoviária Federal ao ônibus em que eu estava, respondi seco e firme às perguntas cretinas do policial, que por fim baixou a cabeça, quase a pedir desculpas, seguiu ajudar seus colegas a revistar dois jovens negros e a humilhar, diante dos demais passageiros, um homem humilde e negro (os únicos negros daquela viagem que vinha do interior do Paraná [http://bit.ly/cG100506]). Não sou negro, não convivo com mortes matadas dos próximos, no máximo com repentinos acidentes automobilísticos, impensáveis enfartos e esperados suicídios; na doença, quando a morte chega, encontra um enfermo a quem se tentou de tudo - corredor de hospital é lugar aonde se vai para arejar do peso do quarto, talvez chorar escondido do doente. Morrer todos vamos, mas a forma com que a morte chega tem cor, gênero, classe social. Meus mortos foram todos velados (nenhum teve tiro no rosto à queima roupa) e enterrados sob lápides com seus nomes (é certo que não vivi a democratização dessas práticas à classe média, na ditadura militar, e uma grande interrogação paira sobre o que nos espera para o futuro breve).
Etnogenocídio. Farinha com açúcar fala sem eufemismo o que a tal guerra (contra o crime? contra os traficantes? contra as drogas? contra os drogados? contra os pobres? contra os trabalhadores? contra os periféricos? contra os marginalizados? contra os negros?) anunciada e louvada nas redes de televisão de fato é. Como no contexto descrito por Kanafani, são militares contra civis - não há guerra em tal assimetria, há massacre, baixas quase exclusivamente de um lado. Os tais "soldados do tráfico" não justificam a barbárie - até porque jovens sem esperança com uma arma na mão sem qualquer treinamento estão longe de compôr um exército militarizado.
Cento e onze tiros para cinco homens pretos em um carro. Cento e onze, o mesmo número de mortos pelo Estado que se responsabilizara em zelar pela sua integridade e reintegrá-los - integrar pessoas que desde o início estão em desvantagem, que nas prisões são tratadas pior que animais, em uma sociedade que as recusa enquanto cidadãos com plenos direitos. Se nosso sistema prisional fosse modelo, seria igual fracasso: nossas prisões só refletem sem camuflagens nossa sociedade medieva e longe de qualquer sopro de civilização. Em "Vida é desafio", os Racionais MC's cantam: "Desde cedo a mãe da gente fala assim:/'Filho, por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor.'/Aí, passado alguns anos eu pensei:/Como fazer duas vezes melhor se você tá pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela história, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses... por tudo que aconteceu? Duas vezes melhor como?". É esta a base da disputa meritocrática brasileira - talvez seja coincidência que os vencedores sejam 99% das vezes brancos (uma foto dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo assusta pela meia dúzia de mulheres e ofusca por não ter um negro ou moreno, acho que na Finlândia deve ter, em números absolutos, mais negros em cargos equivalentes [http://bit.ly/2vfl3pL]).
No Le Monde Diplomatique Brasil 119, Alain Gresh fala da nakba palestina ("A Palestina, sempre recomeçando", p. 27). Comenta do sentimento de pertencimento dos palestinos, sua ligação com sua cidade, sua vila, sua terra natal - mesmo que tenham nascido já longe e a cidade sequer exista mais: a resistência do povo de Kanafani é reforçada pela provisoriedade de onde foram obrigados a parar. Para eles há um lugar (territorial) aonde se quer chegar, onde um palestinos tem direito de ser, exercer sua identidade com plenos direitos. Farinha com açúcar traz dessa ligação com a terra dos antigos, essas raízes, contudo, não tem a mesma força dos palestinos: enquanto estes foram abertamente expulsos por um exército ostensivo e opressor, os brasileiros que imigraram de algum sertão seco ou violento, fugidos da miséria e da fome, o fizeram por "livre iniciativa" - e ainda que a memória prefira se ater às boas lembranças, muitas dessas marcas são fortes o suficiente para que a volta não seja uma opção desejada.
A terra onde estão é o que lhes resta como destino - construir ali, na periferia de uma grande cidade, seu ser e seu estar. Porém, como fazê-lo, diante de todo estigma com que serão marcados por nossas ilustradas elites brancas e seus porta-vozes na televisão? Alguns se iludem em mudar para não-lugares de consumo onde, endinheirados, imaginam que ganhariam direito à cidadania branca. Ilusão: o dinheiro "não pode arrancar de dentro dele[s] a favela", suas peles seguirão negras, os acessos, se não bloqueados, seguirão dificultados. 
É na condição de negros e periféricos que deve surgir esse ser e estar - afirmativamente contra todo o estigma que tentam impingi-los, do judiciário à mídia, passando pelas igrejas e escolas, até chegar ao Estado, omisso e ausente em tudo menos na violência. Como fala a peça, as mortes de tantos negros, vidas tidas por descartáveis, não devem ser vingadas, muito menos esquecidas (se é que há como esquecê-las de fato, como as feridas da personagem de Kanafani): a dor dessas perdas - bruscas, brutas, injustas - seguirá, e dela deve vir a resistência para se construir um novo estar no mundo, um mundo que autorize esse estar sem estigmas e preconceitos - e há urgência nessa construção, precisa ser aqui e agora. Como a música dos Racionais, como os contos de Kanafani, Farinha com açúcar é um grito feito arte em uma sociedade que recusa humanidade - ao menos cidadania - a negros, periféricos e tantas minorias marginalizadas. Necessário ouvir esse grito, e dele apurar os ouvidos para tantos outros do gênero, mais crus, porém não menos pungente.

21 de julho de 2017


terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Literatura, publicidade e queijo

Todo mundo sabe que uma das funções da publicidade - imprescindível para a sobrevivência do sistema capitalista de produção de lixo sob o qual vivemos - é a criação de pseudo-necessidades, falsos desejos nos cidadãos do espetáculo. O "todo mundo" do início é forma de dizer: na verdade poucos sabem e entendem tal mecanismo, e mesmo entre os conhecedores, não raro esquecemos e vamos na onda da propaganda. Pois digo que a literatura também é criadora de necessidades e desejos alienígenas em seus leitores - e não me refiro à necessidade de mais literatura que as boas obras ensejam. Não que isso me seja novidade: quando entrei em filosofia, no início do século, obrigado a cursar uma língua clássica, optei por latim e não por grego, apesar de meu maior interesse por Atenas frente a Roma: é que latim era a língua falada por um dos Buendía, em Cem Anos de Solidão, do García Marquez, por isso a escolha (e só não me tornei um latinista por obra do destino que me pôs, logo no segundo semestre, nas mãos de um professor claramente perverso, que tinha como objetivo de vida desestimular qualquer aluno que se destacasse).
Nas últimas duas semanas o livro que esteve a mexer com meus desejos foi Queijo, de Willem Elsschot. Nunca tinha ouvido falar do livro, muito menos do autor: comprei-o numa dessas feiras de dois reais. O que me levou à aquisição, além do preço irrisório, foi a apresentação do Marcelino Freire - esse, sim, eu conheço. Por ser de bolso e de capítulos pequenos, escolhi pra ser minha literatura no metrô. Trata-se da história de um escriturário de um estaleiro, Franz Laarmans, que de repente se torna empresário, ao ter a oportunidade - arranjada por um amigo influente - de ser o representante de queijo holandês para a Bélgica e o Grão-Ducado de Luxemburgo. Boa parte do livro é Laarmans a abrir sua firma e tentar comercializar os cremosos queijos edam, vindos diretos da Holanda. Várias cenas Elsschot descreve o cremoso edam sendo cortado e oferecido a amigos, aos filhos, a clientes. E eu, apesar de não ter idéia do que seja um queijo edam, adoro queijo e fiquei a salivar diante de várias páginas. Me vinha à mente um queijo que eu vira com minha mãe, fim do ano passado, quando a levei para conhecer a zona. Era uma embalagem bonita, em que se via um queijo mais amarelo e firme por fora, e cremoso por dentro. Hesitamos em levá-lo, e preferimos um garantido emmental. Esta semana, tentado pelos cremosos edam da Grapfa, fui à zona (cerealista, se é que alguém ainda não havia entendido) comprar o maldito queijo, que não era um cremoso edam holandês - na verdade, nem edam, nem holandês, mas era cremoso. Por sorte, também não era dos mais caros.
Mal chego em casa, abro a embalagem. Estou salivante, desejoso. A embalagem não é de metal, como aparentava com o rótulo, mas de plástico. O queijo está envolvido em outro plástico. Ao tirá-lo, o cheiro não é ruim, tampouco dos melhores - tudo bem, os edam da Grapfa fediam muito, segundo o narrador de Queijo. Corto uma fatia, o queijo é cremoso por dentro e firme por fora, como mostrava a embalagem. Mas a tal fatia não mata minha vontade: por fora, um queijo mussarela de qualidade ordinária; por dentro, um composto de prato e mussarela e sei lá o que mais que lembra um requeijão. Não é que seja ruim, só não é bom. Quer dizer, é ruinzinho, ainda que não incomestível - eu devia ter desconfiado pelo preço. Olho para o queijo que resta: é uma peça de novecentos gramas - calculo que vai ser difícil dar conta dele. Para piorar: falta apenas um capítulo para eu terminar o livro, vou ter eu mesmo inventar ou lembrar de alguma historieta com queijo cremoso que me desperte vontade de encarar esse frustrante que comprei.

PS: ao buscar foto para esta crônica, descubro o que é um edam: parece um emmental.

24 de janeiro de 2017


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

É preciso matar anjos [Diálogos com a Literatura]

Me espanta a indiferença  cruel  com que a enfermeira, irritada em suas narinas, propõe matar os anjos: "por que não lhe dá uma injeção contra os anjos? Deve ter aprendido a matar anjos na Faculdade: os cadáveres de autópsias são anjos defuntos, anjos que se deixam esquartejar sem  uma palavra de revolta". A moça, esquecida num ermo, a fazer companhia a cabras em meios a restos, de repente ganhou a companhia de anjos que conversavam com ela, e foi  para a cidade. Os anjos não lhe faziam mal, tampouco ela fazia mal a alguém, mas é preciso matar os anjos - devastar qualquer ser, qualquer vida que não seja a vida definida como normal, essa feita do amargo ressentimento a quem foi prometida uma felicidade de bijuteria, se suportasse calado as agruras de uma vida de merda trabalhada para outrem. O trecho de Conhecimento do inferno, do António Lobo Antunes, me fez lembrar de um ex-freqüentador do Centro Cultural São Paulo. 
Tendo o psiquiatra perdido o poder de polícia, e não tendo (ainda) o militar assumido o poder psiquiátrico (com temor aguardo o que gestam os evangélicos), resta à assistência social - com as mais hipócritas das boas intenções - matar os anjos, ou ao menos afastá-los da vida das pessoas normóticas, que crèem que a felicidade acontecerá quando no mundo não houver qualquer diferença significativa. A assistência social limpou o CCSP dos maus elementos, pessoas que usavam o espaço para ler, assistir a filmes, jogar xadrez, conversar e conviver, sem terem dinheiro suficiente para poder usufruir desse direito (gratuito). 
Um desses ex-freqüentadores atravessou a rua, passou a freqüentar o outro lado da Vergueiro, a mureta das escadas para o Santo Agostinho. Era quieto, sereno, trazia sempre um sorriso meio bobo e um brilho no olhar que me fazia imaginar que ao menos uma vez ele deve ter tropeçado no sublime. Talvez conversasse com anjos, ou os anjos com ele, não sei - ao menos em voz alta nunca presenciei nada. Ignoro se era feliz ou infeliz, mais ou menos que qualquer outro usuário do CCSP - sofrer parecia não sofrer. Mas a mera possibilidade de um dia ter conversado com anjos já é condição suficiente para apartá-lo da convivência com os normais. Porque loucos incomodam, porque loucos são perigosos. Perturbam a harmonia daqueles que pagam R$ 200 para bater papo em um concerto sinfônico, esbravejam eqüinamente atrás de volantes, gritam para ser ouvidos por um deus perverso e hipócrita, feito à semelhança do que têm de pior - mas não toleram anjos e quem com eles conversa. 
Há tempos não vejo esse ex-freqüentador do CCSP deste lado da rua. Também faz tempo que não vou ao CCSP, pode ser que voltaram a aceitar esse tipo de gente em algum canto, longe da vista dos usuários dignos do local. Ou pode ser que ele tenha cansado do relento e partido. Pode ser que a assistência social tenha convencido ele a ir para um abrigo seguir regras que ele não quer em troca de uma cama e um prato de comida. Ou pode ser que na desproteção da rua, a polícia militar ou qualquer pessoa prestativa tenha transformado o próprio em um anjo - será que ele conversa com viventes? -, para o bem-estar das pessoas de bem, esses que rezam, fingem conversar com deus, mas não toleram que se converse com anjos.

18 de agosto de 2016