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sábado, 1 de novembro de 2014

Ao perdedor, as cebolas [Eleições 2014]

O fim da contagem dos votos não encerrou o clima de saudável debate de alto nível que tomou o país, em especial as redes sociais. Uma amiga tratou logo de divulgar uma imagem dizendo que havia votado em Dilma por ela ser mulher (em letras pequenas complementava: por ter defendido os direitos destas). Fiquei com vontade de perguntar: e se o segundo turno tivesse sido entre Marina Silva e Eduardo Jorge, teria votado na Marina por ser mulher? Não o fiz, tentei não perder amigos por causa da eleições. E agora me centro no lamento dos derrotados - ao perdedor, as cebolas.
Discordo que as pessoas que saíram anunciando "luto pelo Brasil" não saibam perder - ao menos não por essa frase. Tivesse ganho o PSDB e muitos eleitores petistas estariam também em luto, por ver seu projeto de país interrompido. Enlutar por ver um projeto que julgava o melhor ser preterido me parece normal e dentro da normalidade democrática. O que não não está dentro dessa normalidade são os discursos que estão indo além - muito além - desse luto.
As diversas manifestações de preconceito contra nordestinos me parecem a face mais sombria destas eleições. A canção da banda Ira!, "Pobre paulista", que parecia ser peça do museu de horrores tupiniquim, talvez nunca tenha soado mais atual: "não quero ver mais essa gente feia/ não quero ver mais os ignorantes/ eu quero ver gente a minha terra/ eu quero ver gente do meu sangue" (sobre isso, recomendo o texto "Neofascismo à paulista", na página 24 e 25 da edição 12 da Casuística [www.casuistica.net]): a idéia lançada por formadores de opinião (sic) da Grande Imprensa (sic) corporativa, de separação do Brasil pró-Aécio do país pró-Dilma, mostra desrespeito com a democracia, com os dados e com nortistas-nordestinos (mas também com sudestinos-sulistas-centro-oestistas): contrariamente ao mapa a la delegados estadunidenses, a vitória da petista só ocorreu por conta dos votos que ganhou no país todo - e a maioria tucana no sul-sudeste não implica em unanimidade, bem longe disso.
Veja apontou Aécio Neves como grande ganhador do pleito deste ano. Informação correta, se da análise forem excluídos Dilma Rousseff e o PT. De qualquer forma, o mineiro sai fortalecido dentro do partido, o partido e ele é que saem enfraquecidos de um dos seus principais discursos: o de ser o partido da união, em contraposição ao partido que dividiu o país. Se assumir o discurso do ex-professor da Sourbonne, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, primeiro a levantar a vitória petista no grotões do nordeste como conseqüência da ignorância do povo local, comprado num esquema neocoronelista pelo bolsa-família - levado ao paroxismo por seus apoiadores, principalmente da Veja -, o PSDB se tornará partido de força regional em no máximo duas eleições nacionais - rota que só não inaugurou em 2014 por conta do acidente que vitimou os planos de poder de Eduardo Campos e do PSB.
Curiosidade da análise de FHC: ao falar sobre a ignorância, ele ignorou que os governos petistas ampliaram o acesso à educação, inclusive à superior, e acabaram com a principal causa do voto de cabresto: a fome (ao fim desta crônica, oporei ao doutor tão sabido outro grande intelectual brasileiro). Pior: se bolsa-família é tão pernicioso assim à democracia, por que o candidato do seu partido defendia institucionalizá-lo como política de Estado? A ignorância fernandista sobre Aécio é a mesma de boa parte dos seus eleitores, que defendiam o voto no PSDB para acabar com as "bolsas-esmolas" petistas. Ou contra a corrupção, como se fosse problema de um partido e não de um sistema - inclusive deixado impune durante os oito anos de tucanato. Bem dizem: a ignorância é uma benção - principalmente àqueles que dirigem uma massa que se presume ilustrada!
Não que votar no PSDB fosse indefensável, razões razoáveis haviam. Uma política à direita, por exemplo - de que com o crescimento do bolo os mais pobres ganhariam mais migalhas. Ou a institucionalização da bolsa-família - proposta de Michel Candessus e Enrique Iglesias, do Bird e FMI, em meados da década de 1990. Outro ponto defensável, que vi no Facebook de um empresário, era a maior confiança dos agentes econômicos em Aécio. Verdade, porém pela metade: a confiança maior em Aécio se dá antes por predileção dos donos da grana e não o contrário, como sói a quem se informa com a Grande Imprensa (sic). Também no facebook, uma ex-amiga virtual (me excluiu durante as eleições - quase chorei), dezoito anos, se perguntava como iria arranjar um emprego com a crise econômica em curso - usava Veja como fonte. Poderia ser uma preocupação justa, se não fosse equivocada: tendo estudado em escolas particulares e fazendo cursinho, sua preocupação atual deveria ser antes a de entrar em uma universidade e conseguir levá-la até o fim - coisa que, por caminhos em muitos pontos criticáveis, o governo petista dá boas perspectivas. Por fim, nascida no Japão, deveria olhar para o país natal e ver que, apesar de um quarto de século de estagnação, segue em situação de pleno emprego e boa qualidade de vida - o índice de desigualdade social que não vai tão bem. A economia crescer é imprescindível... para a economia crescer. Para as pessoas, essas que não são agente econômicos plenos, que lidam com dinheiro e não com capital, e precisam fazer contas para salário e mês fecharem juntos, para essas, emprego, renda e qualidade de vida são mais importantes - e há muitos que, ao observar o Japão, questionam a necessidade do crescimento econômico pelo crescimento econômico.
E para ajudar a entender a ignorância do nordeste, nestes tempos de seca em São Paulo, um autor que não cita Marx, nem Weber, nem foi professor com uma teoria cheia de palavras difíceis:

"Seu dotô, só me parece
Que o sinhô não me conhece,
Nunca sôbe quem sou eu,
Nunca viu minha paioça,
Minha mué, minha roça,
E os fio que Deus me deu.

Se não sabe, escute agora,
Que eu von contá minha histora,
Tenha a bondade de uví:
Eu sou da crasse matuta,
Da crasse que não desfruta
Das riqueza do Brasí.

Sou aquele que conhece
As privação que padece
O mais pobre camponês;
Tenho passado na vida
De cinco mês em seguida
Sem comê carne uma vez.

Sou o que durante a semana,
Cumprindo a sina tirana,
Na grande labutação,
Pra sustentá a famia
Só tem dereito a dois dia,
O resto é para o patrão.

Sou o que no tempo da guerra
Cronta o gosto se desterra
Para nunca mais vortá,
E vai morrê no estrangêro
Cumo pobre brasilêro,
Longe do torrão natá.

Sou o sertanejo que cansa
De votá, com esperança
Do Brasí fica mió;
Mas o Brasí continua
Na cantiga da perua:
Que é: - pió, pió, pió...

Sou o mendigo sem sossego,
Que por não achá emprego
Se vê forçado a seguí
Sem dereção e sem norte,
Envergonhado da sorte,
De porta em porta a pedí.

Sou aquele desgraçado,
Que nos ano atravessado,
Vai batê no Maranhão,
Sujeito a todo o matrato,
Bicho de pé, carrapato,
E os ataque de sezão.

Senhô dotô, não se enfade,
Vá guardando esta verdade
Na memora, e pode crê
Que eu sou aquele operário
Que ganha um pobre saláro
Que não dá para comê.

Sou ele todo, em carne e osso,
Muntas vêz não tenho armôço
Nem tombém o que jantá;
Eu sou aquele rocêro,
Sem camisa e sem dinhero,
Cantado por Juvená.

Sim, por Juvená Galeno,
O poeta, aquele geno,
O maió dos trovadô,
Aquele coração nobre
Que a minha vida de pobre
Munto sentido cantou.

Há mais de cem ano eu vivo
Nesta vida de cativo
E a potreção não chegou;
Sofro munto e corro estreito,
Inda tou no mêrmo jeito
Que Juvená me deixou.

Sofrendo a mesma sentença,
Tou quage perdendo a crença,
E pra ninguém se enganá
Vou deixá meu nome aqui:
Eu sou fio do Brasí,
E o meu nome é Ceará!"

"Seu dotô me conhece?", de Antônio Gonçalves da Silva, poderia mas não foi escrito ao doutor Fernando Henrique Cardoso. É anterior ao PT, e ao PSDB também - mas desconfio ter tido mudanças significativas no quadro cantado apenas na última década. A quem não conhece, está no livro Inspiração nordestina, assinado com o nome artístico de Patativa do Assaré.


São Paulo, 01 de novembro de 2014.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Uma vitória à esquerda [Eleições 2014]

 Finda a eleição presidencial e a contagem dos votos (sem direiro a recontagem), pipocam as interpretações dos dados - nada mais natural. Infelizmente, natural também é o preconceito que norteia algumas dessas análises - não que seja aceitável esse tipo de mentalidade, muito menos o espaço que ela ganha na Grande Imprensa corporativa, mas antes esse grave problema escancarado a seguir acreditando no mito do brasileiro cordial. Também eu cá arrisco meus palpites do porquê da vitória da Dilma por tão estreita margem, também eles calcados em preconceitos - menos movidos a ódio, quero acreditar.
 A Grande Imprensa nunca foi imparcial e sempre jogou sujo para derrubar candidatos à esquerda, não seria diferente agora. A tentativa de Veja de interferir na votação com acusações sem provas contra o ex e a atual presidente da república foi só um último ato de uma campanha anti-PT de longa data, que busca imprimir ao partido a pecha de O partido corrupto, deixando na entrelinha subentendido que nos governos tucanos não foi e não é assim: casos como o mensalão do PSDB mineiro ou a corrupção nas licitações de trens e metrô nos governos Covas, Serra e Alckmin são sistematicamente abafados ou ganham, quando muito, uma pequena nota na parte interna de algum caderno, enquanto mensalão do PT e desvios na Petrobrás são mais divulgados que os números da tele-sena. Outra tática a la Goebbels dos nossos Berlusconis foi fazer de um protesto que dizia respeito às esferas municipal e estadual virar manifestações contra a presidente, numa partidarização, ou melhor, anti-partidarização das chamadas jornadas de junho de 2013 (porque não havia partido sendo defendido positivamente, mas os de esquerda, PT, PSTU, PSOL, eram fortemente atacados, inclusive com violência física).
Um aspecto que também creio ter influenciado no resultado apertado é que Dilma desta vez venceu com um discurso à esquerda, bem diferente do de 2010, quando, pega de surpresa pelo Serra nas questões dos costumes, acabou disputando com ele o eleitorado mais reacionário. Talvez principalmente pela mobilização da comunidade GLBTTS depois do pastor Feliciano presidir a comissão de direitos humanos da Câmara dos Deputados, houve uma leve mudança de mentalidade, o que pode ter feito com que Dilma se sentisse mais à vontade para defender a criminalização da homofobia e a não redução da maioridade penal, por exemplo. É pouco, mas para um país conservador como o Brasil (não falei que ia eu despejar meus preconceitos aqui?), contestar esses posicionamentos mais retrógrados,  que vêm ganhando eco com o crescimento evangélico, não deixa de ser um avanço. Aécio, que poderia ter posto a esquerda nos costumes (como era bandeira do PSDB, ao menos em tese, até pouco tempo atrás) como predominante no debate, demonstrou que a guinada reacionária tucana extrapola São Paulo. Nas relacões internacionais e na economia também tivemos um confronto mais aberto entre posições de esquerda e direita - o neonacional-desenvolvimentismo e o neoliberalismo -, com Aécio assumindo uma menor dubiedade que Serra (mas não de todo clara).
 E, claro, ponto de maior destaque nestas eleições foi o baixo nível do debate, em especial entre os apoiadores das campanha, principalmente os de Aécio Neves. Movidos por preconceito e ódio, os simpatizantes tucanos - auto-proclamados ilustrados, contra a turba ignorante do norte-nordeste - acreditavam em qualquer boato contra o PT, acreditavam até mesmo na Veja, e mostravam desconhecer as propostas do próprio candidato, que tinha como uma de suas propostas tornar política de Estado o bolsa-família, ops, "bolsa-vagabundagem", um dos motivos de maior revolta de certa classe média e elite tupiniquim. Perderam, e desolados com a vitória a quem culpavam de dividir o país, reforçam a impressão de que nunca se incomodaram com a segregação entre casa-grande e senzala.

São Paulo, 29 de outubro de 2014

sábado, 25 de outubro de 2014

O homem-panacéia e a mulher-burocrática-prepotente [Eleições 2014]

 O debate da rede Globo não teve nenhum golpe baixo da emissora contra a candidata petista. Não assisti ao jornal Nacional, mas pelo que vejo nas redes sociais, nenhum revival de 1989 - convenhamos, trechos de Veja sobre a Petrobrás são coisa pouca diante de seqüestradores de burgueses vestindo camisetas do PT (direção de figurino: Romeu Tuma). Isso não impediu de Aécio Neves trajar a plumagem collorida de salvador da pátria e caçador não de marajás, mas de bandidos (dentro da mais pura lógica "aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei"), traje usado com menos alarde por Marina Silva nas duas últimas eleições. 
 Provavelmente por um cálculo publicitário de tentar ganhar aquela parcela da população carente de um líder forte, Aécio buscou posar de homem-panacéia, determinado a sanar todos os problemas do país, pouco importa qual, se da alçada federal, estadual, municipal ou particular (parênteses: não deixa de ser curioso que os maiores defensores do estado mínimo estas eleições fossem justo os que mais pregam a interferência estatal máxima em assuntos de foro íntimo), se atribuições do executivo, legislativo, judiciário ou mercado. Dilma fez o contraponto dentro do seu estilo burocrático (afinal não era ela quem dizia, em eleição passada, que "o Brasil precisa de um gerente"? Ah, não, era o Alckmin), contestando as promessas tucanas com explicações sobre o desenho constitucional e as atribuições do executivo federal. 
 Espero que a candidata à reeleição tenha sido feliz em seu intento. O que não posso deixar de ressaltar, com grande preocupação, é o discurso de Aécio: homens firmes e salvadores da pátria, há uma razoável lista na história, sempre de amarga lembrança. Por exemplo: a face sombria do governo Vargas de 1930 a 1945: se criou a CLT e lançou as bases da industrialização do país, prendeu e matou uma série de opositores políticos. Ou os militares na ditadura civil-militar da segunda metade do século passado, instituição "forte" a curar as mazelas do país e pô-lo nos eixos.
 Em uma eleição caracterizada não por uma mera polarização, mas por encarar o outro não como adversário a ser batido, e sim como inimigo a ser aniquilado, com direito a conflitos de rua, o discurso de Aécio Neves, reverberando uma imprensa adepta de Goebbels, abre um perigoso paradeiro - um fantasma que anda a rondar o globo, ainda que com diferenças da sua versão original, da primeira metade do século XX. Para piorar, é endossado por um dos maiores partidos do país. Torço, no meu humanismo ingênuo, para que, passadas as eleições, o PSDB faça uma autocrítica e chegue à conclusão de que o mais importante não é seu projeto de poder, mas o futuro do país: que haja como oposição dentro dos limites aceitáveis, nas casas legislativas e nas ruas, pedindo investigações, barrando projetos, sem, contudo, desqualificar ou atropelar nossa constituição.   

São Paulo, 25 de outubro de 2014

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Faltam três dias - tempo demais para nossos Berlusconis tentarem mudar o resultado da eleição [Eleições 2014]

   Em 1993, um Lula ainda adepto da Política nos termos de Jacques Rancière, ou seja, política como conflito e inclusão de marginalizados na Ágora, dizia que se eleito uma das suas prioridades seria quebrar com o monopólio das Organizações Globo, império midiático porta-voz oficial da ditadura civil-militar que reinou sobre o Brasil entre 1964 e 1985. Está no documentário de Simon Hartog, Beyond Citizen Kane (Além do cidadão Kane), produzido para a televisão britânica e censurado no Brasil pela emissora que acusa de censura qualquer tentativa de pôr seu poderio sob o guarda-chuva legal, assim como demais poderes estatais e para-estatais, ou empresas de todos os demais ramos. 
 Em 2002, tão logo conquistou a presidência da República, qual o ato de Lula? Conceder com exclusividade à rede Globo a primeira entrevista. Era já o Lula adepto da tal "concertação", que abandonava o conflito por um pacto social menos retrógrado - progressista apenas para um país que ainda não se conforma com o fim da escravidão -, e incluía marginalizados não na Ágora, como atores políticos, mas nos mercados, como consumidores (de celulares e carros, mas também de saúde suplementar e educação privada).
 É certo que Lula tratou de diminuir o poder da Grande Imprensa, principalmente Globo, ao alterar regras de distribuição da publicidade oficial, suangrande galinha dos ovos de ouro. Teve a chance de enquadrar a revista Veja, quando esta publicou acusações falsas de contas do então presidente na Suíça - foi matéria de capa. Não é exagero dizer queno PT se acovardou diante da Grande Imprensa. 
 Dilma foi além, e devolveu a César o que a Grande Imprensa dizia ser de César, devolvendo-lhe a verba publicitária pulverizada entre outros veículos. Talvez tenha imaginado que seria capaz de comprar se não seu apoio, ao menos afagar a raiva dos barões da mídia contra o PT. Errou vergonhosamente, e agora paga por seu erro: há três dias das eleições, Veja deu o primeiro sinal para a tentativa do último golpe na decisão de voto, em uma capa que acusa Dilma e Lula de "saberem de tudo", e a crise hídrica de São Paulo ser culpa do aquecimento global, não do apagão local de planejamento. Amanhã, sexta, haverá o último debate, na rede Globo: um show de horrores pode ser esperado: MMA deve ter mais cavalheirismo. Sábado, os jornais da emissora falarão do tal debate. Um revival de 1989 não está descartado, e não por um apego à moda retrô, e sim por apego ao poder e ao golpismo. Que fique apenas na capa de Veja, que não tenhamos uma Dilma apática diante de um Aécio seguro de si, aclamado no dia seguinte como salvador da Pátria.
 O que me assusta é o PSDB, na sua ânsia de vitória a qualquer custo, aceitar toda espécie de golpe baixo - não apenas a ocultação da verdade, como em 1998, mas a mentira e a manipulação espúria. Nenhum partido ou político deveria aceitar atentar contra a democracia em nome de um projeto de poder. Diante desse udenismo tucano, não resta outra alternativa que torcer por uma vitória petista, ainda que os governos Lula e principalmente Dilma me soem pusilânimes, mesmo nos seus momentos de grandeza. Que a presidenta saia vitoriosa e aprenda com mais essa eleição: de que certo estava o Lula de 1993, e uma lei que regulamente a Grande Imprensa brasileira, nos moldes da estadunidense, por exemplo, seja a prioridade máxima - sem ela, uma reforma eleitoral será uma tentativa de tornar mais eqüânime um jogo de dados viciados.   

São Paulo, 23 de outubro de 2014.  

 Ps: análise das mais precisas sobre a Grande Imprensa e as eleições, do Guilherme Boulos: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2014/10/1533264-massacre-midiatico.shtml

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Picotes eleitorais (II) [Eleições 2014]

Assisto a um dia da propaganda eleitoral dos postulantes ao Planalto. O PT se centra na comparação entre seus mandatos e os do PSDB, aposta na polarização "governo para os pobres x governo para os ricos". Em um discurso que parece mais interessado em consolidar votos do que angariar mais, deixa o raciocínio pela metade, esquecendo de explicitar o porquê da melhora das condições de vida da base da pirâmide social trazer ganhos para o conjunto da sociedade - fator de diminuição de violência, pressão por melhorias nos serviços públicos, aumento nos salários. Já o PSDB recebeu não só o apoio de Marina Silva e do PSB, como teve seu discurso moralizante a la UDN repetido pela representante da nova política. Aécio, ao menos nesse programa, deixou passar a oportunidade de se apresentar como o candidato da uniâo contra o partido da divisão social. Além disso se focou em certo discurso da emoção - por conta do apoio da viúva de Campos -, próximo daquele usado por Marina durante o primeiro turno, uma tentativa, talvez, de ganhar o eleitorado pernambucano, ou de inflar a presumida onda que embala sua candidatura - Marina Silva foi uma mostra de que discurso da emoção não se sustenta por muito tempo. O mais deprimente foi vê-lo repetir discurso dos formadores de opinião da direita brasileira - essa que diz que o Brasil passou por uma "ditabranda" -, de que o país vive sob a hégide de um partido anti-democrático, uma quase ditadura (bolivariana): essa fala desligitima não só o processo de escolha como todo o sistema democrático! Que tenha sido um lapso, não um chamado ao "restabelecimento da ordem" (com Deus pela família?).
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Eduardo Campos tem sido alçado a político com legado para o Brasil - absurdo exagero. Tratava-se de um político hábil e com futuro, mas sem legado que garanta um lugar no panteão de políticos como Cipriano Barata, Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola - para ficar nos falecidos. Se não for esquecido tão logo se encerre a disputa eleitoral, seu presumido legado o tornará um grotesco espantalho para uso de ocasião pela Grande Mídia.
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Dois gigantescos desserviços dos eleitores ao Brasil: a substituição de Eduardo Suplicy por José Serra, como senador por São Paulo, e a de Pedro Simon por Lasier Martins, no Rio Grande do Sul.
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Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Pastor Feliciano, José Serra, André Sanchez (até agora não vi cartola que não seja uma decepção: ou um fracasso ou um Eurico Miranda com sutis diferenças), Lasier Martins, Paulinho da Força, Pedro Taques, Fernando Collor, Renan Filho, Raimundo Colombo, Celso Russomano. Parece que ao se olhar pro lado, o nível dos eleitos é sempre horrível. Para a Assembléia Legislativa do Paraná, graças à votação de Ratinho Jr (começamos bem), o PSC (Partido Nacional-Socialista Cristão, do Pastor Everaldo, Pastor Feliciano e tantos outros Intolerantes Cristãos) será o maior partido da Assembléia Legislativa. Daria para ser pior?
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Xico Sá sofreu censura prévia da Folha de São Paulo - expediente que dizem há tempos ser aplicado também a um dos polemistas do jornal (que acata obediente, enquanto anuncia o PT como partido ditatorial). Motivo: a Folha repudiaria proselitismo político em suas páginas. Em um jornal que tem Reinaldo Azevedo, proselitismo político significa ser favorável ao PT, porque qualquer coisa contra o Partido dos Trabalhadores e a favor dos tucanos, desde que se vista com uma tosca roupagem de informação, é autorizado. Xico Sá (de quem este escriba é fã de longa data e o assume como uma de suas influências) soube se dar o devido valor, e dignamente pediu demissão.
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Nada contra o voto em Aécio Neves, quando se trata de uma escolha racional, como comentou Antônio Prata ou Gregório Duvivier. Problema é o voto de cabresto - ignaro, para não dizer preconceituoso - que quer tirar o PT do poder federal por ser O partido corrupto. Não se trata de defendé-lo dizendo que todos roubam, mas convém ressaltar que nenhum outro partido até agora, em qual nível for, deu tanto apoio e tanta liberdade às investigações sobre malversação de dinheiro público. Não é a corrupção que cresceu, foi seu combate: os crimes foram muito semelhantes, mas José Dirceu está preso e Fernando Henrique Cardoso ou Eduardo Azeredo, não.
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Muito se tem comentado sobre os impressionantes erros dos institutos de pesquisa. Falei sobre isso após as eleições de 2010, na qual o índice de acerto das três principais empresas de medição de pretensão de voto teve acerto de 0% (isso mesmo, zero porcento). Está em http://j.mp/cG151010e. Este escriba insiste na sua tese de que as pesquisas de opinião divulgadas pela Grande Imprensa são uma forma discreta de tentar influenciar o voto: há quem vote no candidato favorito para "não perder o voto", por exemplo, ou então um candidato chega ao segundo turno em uma "empolgante crescente", pronto para desbancar a murcha presidente candidata à reeleição.


Pato Branco, 14 de outubro de 2014.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Picotes eleitorais


Ao que tudo indica, Marina Silva "russomanizou" mais cedo do que era de se esperar: tão logo saiu das generalidades abstratas para propostas concretas, tropeçou nas próprias pernas (e alheias, postas por seus aliados), e para quem já era vidraça, abrir a guarda pode ser mortal - pedras é o que não falta. Ao obedecer a ordem do pastor Malafaia, e voltar atrás na sua política sobre homossexuais, Marina viu sua credibilidade escorrer entre pessoas mais à esquerda, desiludidos com o petismo e críticos à imiscuição entre Estado e religião. Pior: para quem tenta vencer eleição para o executivo sem base legislativa, é importante o culto à personalidade (quer dizer, isso no Brasil é importante com ou sem base) e a demonstração de força, para garantir a aura salvacionista (Collor em 1989, Heloísa Helena em 2006 e Marina Silva em 2010). A hesitação da candidata do Rede vai refletir na confiança dos eleitores que ainda hesitavam se votariam mesmo nela. Não está perdida, mas terá trabalho para recuperar a imagem.
*
Na segunda-feira, em sua coluna no Valor Econômico, o filósofo Renato Janine Ribeiro, entusiasta de Marina Silva, apresentava contradições do programa de governo da candidata, como quando esta falava em ampliar a participação popular na política e, na hora de indicar ações concretas, propôr unificação de todas as eleições, com mandatos de cinco anos: tamanho intervalo, comenta o filósofo, só ajuda a desmobilizar ainda mais a discussão política. Concordo com ele e desde muito defendo que as eleições deveriam seguir a cada dois anos, porém unificando eleições executivas em uma das datas e eleições legislativas na outra.
*
A Grande Imprensa, por seu turno, age como biruta de aeroporto que tenta mudar a direção do vento. Primeiro dizendo do medo petista com vitória de Aécio no segundo turno, enquanto todas as pesquisas indicavam vitória da presidente no primeiro turno. Agora o PT teme Marina que, pelas últimas pesquisas ganharia no segundo turno (o detalhe é que as mesmas pesquisas indicam que três quartos dos votos de Marina ainda são influenciados pela comoção com a morte de Eduardo Campos). Raymundo Costa, precaríssimo colunista do jornal Valor Econômico (dos grupos Folha e Globo), fala que Aécio Neves e o PSDB cogitam renunciar à disputa para apoiar Marina Silva. Talvez ele tenha alguma informação privilegiada. E essa informação é algo como a decisão de acabar com o PSDB: não faz sentido renunciar à campanha para se juntar a uma ex-petista, simplesmente para derrotar o PT. O PSDB perderia credibilidade e boa parte do seu eleitorado fiel, e Aécio viraria, na melhor das hipóteses, um morto-vivo político.
*
Brizola, que não deve ter um descanso muito tranqüilo na tumba, diante do que foi feito dos partidos nos quais fez história - o PTB de Vargas e seu PDT pós-golpe -, revolve-se ainda mais em tempos de eleição. Na propaganda do rádio ouço um candidato a deputado pelo PDT, coronel qualquer coisa, criticar o estado frouxo, a parcimônia com a criminalidade - justo no partido de quem foi acusado pela elite carioca de desrespeitar os desrespeitos aos direitos humanos pela polícia militar nas favelas do estado. Na rádio Estadão, em entrevista antes do debate do SBT, Brizola é citado pelo Pastor Everaldo. Definitivamente, a um dos personagens mais importantes - se não o mais importante - da política brasileira da segunda metade do século passado, nosso Cipriano Barata do século XX, ser citado por pastores, ver seu partido dar guarida a policiais raivosos e a representantes da rede Globo (Lasier Martins, no Rio Grande do Sul), não faz jus à sua luta.

Para relembrar:

São Paulo, 02 de setembro de 2014.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Aécio Neves pode dar novo rumo à política brasileira [Eleições 2014]

Com a entrada de Marina Silva no lugar de Eduardo Campos para a disputa da presidência da República pelo PSB, Aécio Neves e o comitê de campanha tucano provavelmente mudarão o foco de suas preocupações de forçar um segundo turno para chegar ao segundo turno (Marina estará muito próximo dele nas pesquisas, se não superá-lo logo de cara). Como o projeto do senador mineiro é para 2018 (claro que ele não vai se incomodar em ser eleito agora, mas todos sabem que suas chances são, desde o início, reduzidas), ele tem a oportunidade mudar a trajetória do seu partido e, conseqüentemente, da política brasileira.
É fala recorrente entre os bons analistas políticos que com a polaridade PT-PSDB no plano nacional o primeiro passou a empurrar o segundo cada vez mais para a direita. De partido de centro/centro-direita com ideais progressistas, o PSDB foi se convertendo em partido de centro-direita/direita conservador/reacionário. Serra, no segundo turno de 2010, foi a coroação desse movimento, transformando o partido outrora alinhado com a tal "terceira via" de Clinton em uma versão light do Tea Party republicano. Para lembrar: na expectativa de atrair o eleitorado mais conservador, que no primeiro turno tinha em Marina sua representante natural, Serra mandou pelos ares o acordo entre PT e PSDB para não entrar em temas polêmicos em que ambos os partidos defendiam bandeiras progressistas, como aborto, maioridade penal, legalização das drogas, casamento homoafetivo. Como faz parte do grande jogo político, que visa a obtenção do poder estatal, o PT teve que se adaptar ao movimento de Serra e caminhar, ele também, mais para a direita, escamoteando bandeiras típicas da esquerda. A atitude de Dilma é criticável, mas o PT ficou ali numa aporia: ou ocultava sua pauta de liberalidade nos direitos individuais ou perdia o poder para um candidato que se pôs claramente contra essa pauta. Garantir o poder era a melhor forma de evitar um retrocesso maior - o discreto Marcelo Crivella é quase inofensivo no ministério da pesca e o tosco Marco Feliciano é peixe pequeno, bem menos perigoso que o pastor-coronel Silas Malafaia.
Como Marina entra como candidata natural dos votos dos mais conservadores, junto com o pastor Everaldo, Aécio tem a possibilidade de escolher se disputa com ela esses votos, reafirmando o conservadorismo da sociedade brasileira, ou dá uma guinada à esquerda, em direção às bandeiras que nortearam a fundação do PSDB e hoje (infelizmente) têm no PT seu único defensor (dentre os grandes partidos). Penso que qualquer que seja seu movimento, ele deve ter dificuldades para ir ao segundo turno - essa escolha é principalmente para os próximos quatro anos.
Se optar por assumir um discurso mais à esquerda, é capaz de capturar alguns descontentes com o PT, mas que votam nele pela questão dos direitos humanos. Com isso, forçaria o Partido dos Trabalhadores a caminhar mais para a esquerda, para manter esse eleitorado - ou para a direita, assumindo o papel agora do PSDB, e perdendo grande parte da sua base histórica. Se pondo à esquerda, a bancada evangélica pode ver seu poder de barganha diminuído, pois na tribuna do senado estará Aécio defendendo bandeiras progressistas, de olho em 2018. No âmbito interno do PSDB, esse movimento poria em xeque o poder dos caciques paulistas, o que pode enfraquecê-lo ou confirmá-lo como grande liderança tucana. O PSDB de São Paulo se transformou em herdeiro do malufismo para o eleitorado abastado mais reacionário e ferrenho crítico dos direitos humanos (ou defensor dos "direitos humanos para os humanos direitos"). Exemplos: rampa anti-pobre e defesa da criminalização do aborto por Serra, projeto de diminuição da maioridade penal por Aloysio Nunes Ferreira (quando o estado de São Paulo não consegue sequer atender suas próprias diretrizes nas fundações de ressocialização de menores infratores, e só consegue ter paz nos presídios porque estes são controlados de fato pelo PCC), exaltação e legitimação de assassinatos extra-judiciais por parte dos seus subordinados por Geraldo Alckmin ("quem não reagiu está vivo" é a versão Opus Dei para "bandido bom é bandido morto").
Há, contudo, uma série de questões que surgem ao se levantar essa hipótese de guinada à esquerda (pouco provável, admito). Primeiro: defender tais bandeiras significa se aproximar de FHC (lembre-se que este perdeu a prefeitura paulistana justo por conta desse eleitorado ultra-conservador e da Grande Imprensa partidária) e se afastar do resto do alto tucanato paulista - estado até hoje hegemônico na legenda. Teria eles força suficiente para tal movimento? Segundo: significa priorizar cálculo político e não publicitário, e é de se questionar se ele teria poder para contradizer seu marqueteiro. Terceiro: Aécio Neves e o PSDB acham mesmo relevante a defesa efetiva dos direitos humanos e ampliação dos direitos individuais?

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sem Campos, como pode ficar a disputa presidencial? [Eleições 2014]

Para além da tragédia familiar e dos amigos próximo com o acidente aéreo que vitimou Eduardo Campos, a morte do candidato do PSB tem potencial para provocar grandes mudanças na corrida presidencial deste ano. Pela primeira vez vislumbro possibilidade real de segundo turno na campanha, se for Marina a substituir Campos (convém ressaltar que todas as pesquisas divulgadas até agora apontam vitória de Dilma no primeiro turno, sendo o tal segundo turno antes distorção dos números por parte de institutos de pesquisa (sic) e jornalistas (sic) da Grande Imprensa).
Eduardo Campos parecia ter alcançado algo próximo do seu teto de votos, sem possibilidades de grandes avanços nesta eleição - e seu projeto era para 2018. Marina, por sua vez, tem o nome consolidado nacionalmente: é de se imaginar que mantenha boa parte dos vinte milhões de votos da eleição passada (quase vinte por cento dos votos válidos), e ganhe alguns mais, por conta da comoção pela morte de Campos. Ademais, seu discurso se propõe o de uma via alternativa à forma de fazer política tradicional - a idéia de rede e não de pirâmide hierárquica -, e dada a saturação da polaridade PT-PSDB pode granjear o voto dos semi-descontentes com esses partidos ou dos muito descontentes com o sistema representativo nacional. E ainda que não seja "candidata evangélica", tal qual o Pastor Everaldo, por ser evangélica, já tem uma barreira a menos para vencer diante do eleitorado mais conservador - nem precisa defender abertamente redução da maioridade penal, manutenção da criminalização do aborto e temas afins daqueles que "são a favor da vida" (sic).
Se Marina Silva assumir a cabeça da chapa, trará preocupações para o bunker petista assim como tucano: Aécio Neves, por ter sido preterido na eleição passada, ainda não tem nome forte nacionalmente - diferentemente das suas adversárias -, e será obrigado a radicalizar sua apresentação como anti-governo - quando para boa parte da população não se trata de desfazer as conquistas petistas, mas aprofundá-las, mudá-las sutilmente de rumo. Dilma Rousseff, por seu turno, terá uma oposição moderada mais forte que a de Campos, e pode se ver obrigada a uma defesa incondicional do seu governo - sem mea-culpas para pequenas melhoras. Sem contar que Marina pode roubar votos tanto de Aécio quanto de Dilma e ainda animar eleitores indecisos ou que votariam nulo - a disputa pela segunda vaga no segundo turno seria acirrada entre os oposicionistas, e creio que a acreana seria favorita.
Há, entretando, um porém anterior às conseqüências da entrada de Marina: a aceitação do seu nome pelo PSB. O partido vem numa curva ascendente e cresceu muito na eleição passada, assumindo certo protagonismo nacional, a ponto de lançar um candidato ao planalto com intenção de votos expressiva - e longe de ser um oportunista-aventureiro, como Collor-1989 ou, em menor medida, Marina-2010, sem suporte no legislativo para conduzir o governo. Marina Silva e seu grupo entraram no PSB somente para esta eleição - após o pleito, terminariam de recolher as assinaturas e criariam o Rede. Os caciques do PSB estão nessa aporia: ou dão a cabeça da chapa para Marina, vislumbram ganhar a eleição, mas perder o poder logo em seguida - correndo o risco de ver o PSB diminuir e sem candidato "natural" para 2018 -; ou põem um nome menos conhecido, insistindo com Marina como vice, com vistas a ter maiores chances de disputa em 2018. O problema desta segunda alternativa: quem?
Pela legislação, o PSB tem dez dias para uma nova convenção. Até lá, várias alternativas serão avaliadas, prós e contras pesados, e a decisão menos onerosa tomada. Enquanto não se anuncia o novo cabeça de chapa socialista, Dilma e Aécio tentarão preencher possíveis espaços que Marina poderia ocupar - um centro moderado com críticas leves ao governo Dilma.

São Paulo, 13 de agosto de 2014.