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sábado, 27 de junho de 2015

Boechat contra Malafaia: por que o jornalista não falou tudo?

Alguns dias atrás, o jornalista Ricardo Boechat, em seu programa radiofônico matinal, mandou o pastor Silas Malafaia buscar rola, causando razoável frisson nas redes sociais, e proporcionando certo regozijo entre aqueles que abominam as posições defendidas pelos Arautos do Ódio, como o pastor. Contudo, para além desse pequeno gozo de vingança, de que serviu, qual a profundidade do desabafo de Boechat?
Escuto-o com alguma freqüência no rádio, visto que os comentaristas da rádio concorrente são intragáveis (ouvir Sardenberg, Jabor, Leitão, Madureira logo de manhã acaba com qualquer dia, e nem cito a excrescência que ocupa uma faixa do dial do rádio). Com tempo de sobra e liberdade além do que dá conta, Boechat seletivamente abusa de uma indignação moralista - bem ao gosto da classe-média diplomada e burra. Sua resposta a Malafaia é apenas estardalhaço muito com questão pouca - para não ter que cutucar onde realmente importa. Boechat abusa de adjetivos indelicados - "otário", "pilantra", "idiota" -, de chavões que não fazem ninguém repensar sua posição - "você é um charlatão, cara, que usa o nome de deus, de cristo para tomar dinheiro de fieis" -, e de um quê de valentão que chama o bandido pra briga. Isso acrescentou algo ao debate? Alguns memes daqueles que repudiam as posições do pastor, desconfio que palavras de indignação contra o jornalista entre aqueles que seguem e aplaudem o referido Arauto do Ódio. E o que mais? Mais nada. Boechat poderia mais - quero crer.
Primeiro, Boechat poderia mostrar que para discutir com um troglodita não é preciso se equiparar a um - assim como para combater a violência não é preciso apelar para a violência (ou então estaremos fazendo como o governador de São Paulo, e legitimando assassinatos extra-judiciais). Ao simplesmente recusar "palanque" ao pastor, Boechat dá a ele o argumento de fugir do debate, de recusa do contraditório, de intolerância. E é aqui que o jornalista poderia bater não só no pastor, mas em quem o dá guarida.
Pois Boechat poderia argumentar que não dará espaço para Malafaia porque ele, assim como a corja dos Arautos do Ódio, já possui espaço (e tempo) mais que suficiente para suas pregações, tempo e espaço que vão muito além do púlpito. Tomemos como exemplo aleatório o Grupo Bandeirantes de Comunicação. Trata-se do grupo que comanda tanto a rádio que Boechat é empregado, quanto a emissora de televisão na qual ele apresenta o telejornal noturno. É do Grupo Bandeirantes a concessão pública de um outro canal, chamado Rede 21. Diz o Código Brasileiro de Telecomunicações que uma detentora desse tipo de concessão pública não pode ter mais que 25% do seu horário negociado - seis horas, portanto. Não é o que faz o chefe de Boechat, que aluga quase que a integralidade da grade da Rede 21 para igreja evangélica - atualmente a Igreja Universal, do bispo Macedo.
Mas fiquemos na emissora principal do grupo, a Band. Confiro a grade de programação de sábado [http://naofo.de/5dhl]. Há nela uma hora - do meio-dia à uma - reservada para um programa chamado "Vitória em Cristo", comandado pelo pastor Silas Malafaia - vejam só, que coincidência! (Há ainda duas horas para outras religiões, além de duas horas de "infomerciais"). Aqui, penso, fica claro o quanto Boechat ladra conforme manda o dono. Por que, junto com a crítica de que Malafaia "usa o nome de deus, de cristo para tomar dinheiro de fiéis", ele não criticou também os Saad, que tomam dinheiro de quem usa o nome de deus para tomar dinheiro dos fiéis? Por que ele - assim como a vinheta da Rádio Bandeirantes contra rádios piratas - não defende a prisão de seus chefes, por serem contraventores penais? Talvez Boechat acredite no provérbio de que "ladrão que rouba ladrão" não é ladrão, mesmo agindo em desacordo com a lei (em vários aspectos) - o bom e velho "dois pesos, duas medidas". De onde Boechat acha que vem o dinheiro que paga seu salário, com o qual ele adquire seus bens, seu patrimônio? Se não chega diretamente das mãos dos fiéis, como no caso do pastor Malafaia e congêneres, sai das mesmas mãos, desses fiéis incautos, passa pelas mãos dos exploradores da fé alheia, das mãos destes vai para as da família Saad, e da dos chefes chega até sua conta. Mas dos donos Boechat não fala - nem ele nem qualquer outro jornalista da Grande Imprensa. Seria ele uma versão modernex do explorador da fé alheia?
Mandar Malafaia buscar rola é diversionismo para ocultar as verdadeiras questões, aquelas que geram Malafaias, Boechats, Saads e uma massa de crentes - da igreja ou da imprensa - que aceitam e acreditam passivamente em tudo o que os pastores, os jornalistas, os "formadores de opinião", os donos da Grande Imprensa falam.
27 de junho de 2015.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

A transexual crucificada, os arautos do ódio e a disputa pela palavra cristã

Viviany Beleboni cutucou com vara curta os arautos do ódio - Viviany é a transexual que apareceu crucificada na décima nona parada GLBTS de São Paulo, no domingo, dia sete. A reação foi a esperada: “São pessoas que não tem respeito a ninguém; são pessoas que são preconceituosas, sim; são pessoas que são intolerantes, sim (...). Estou indignado aqui com o que aconteceu na Parada Gay de São Paulo. Estou indignado por terem pegado os símbolos da minha fé, que é a fé cristã, e exposto publicamente num ato de completa falta de respeito. Estou falando aqui de pessoas que acham que seu direito é maior do que o meu direito”, disse, em vídeo na internet, o pastor e deputado Marco Feliciano. Ele ainda pede a união dos arautos do ódio travestidos de pastores cristãos, sugere o boicote às empresas que patrocinam a Parada Gay - assim como um colega seu já havia pregado o boicote às marcas que tentam se associar a atos de amor e afeto entre pessoas -, e afirma que há um movimento de "cristofobia", e que deve ser combatido.
Os arautos do ódio não podem estar mais errados: o ato de Viviany foi de extremo reconhecimento de Cristo. Ninguém se põe em uma situação semelhante à de Cristo, humilhado na cruz, se não reconhece o poder dessa imagem, se não assume a profundidade da mensagem, se não compartilha dos princípios. Mesmo que não seja cristã - e tenho séria desconfiança de que seja -, Viviany assumiu que o cristianismo é importante, tem uma mensagem que não está sendo ouvida - muito menos seguida. Não há ali deboche nem provocação com os símbolos cristãos, Viviany encarna a si própria, e sua crucificação representa (e acusa) a violência que ela e as outras travestis e transexuais sofrem diariamente - muitas delas cristãs, tal qual Marco Feliciano se diz. Se Feliciano acha realmente um desrespeito o ato de Viviany, pode devolver na mesma moeda: se fantasiar de transex para desfilar na próxima Marcha pra Jesus. Por que ele não vai fazer isso? Porque seria reconhecer a importância dessa questão, desse discurso - e o que ele quer é a sua supressão total.
O que realmente perturba os arautos do ódio é que o grito-feito-imagem de Viviany desafia a palavra deles. Uma transexual crucificada é a afirmação de que a palavra de Cristo não se restringe ao que é dito por Malafaias, Felicianos, Hernandez (se é que Cristo em algum canto disse o que eles pregam): é um grito de intolerância e de despeito a toda palavra dogmática, a todos os que se pretendem donos da verdade. Um grito de não me calo diante de quem manda calar, de não baixo a cabeça diante de quem não me respeita, de não reconheço nesse seu Cristo o Cristo que é amor e morreu na cruz pela humanidade. Um grito de revolta contra as injustiças, como o de Cristo, na sua época, contra os romanos.
Nada mais ultrajante a um pastor que uma transexual - que ele recusaria como sujeito com direito à existência, se pudesse - dizer que a palavra dela tem tanto valor quanto a dele, que o direito dela é igual ao direito dele. Sim, Viviany-feita-à-imagem-e-semelhança-de-Cristo (como todos, conforme o princípio cristão) contesta a pretensa superioridade - civil, moral, intelectual, espiritual - que Feliciano e sua trupe se adjudicam, e essa igualdade soa como um desrespeito aos seus privilégios por serem brancos, cristãos, heterossexuais (sic).
Porém, melhor que um ateu falar é dar a palavra a um cristão que não pode ser posto em dúvida quanto à sua fé: “Na missão pastoral tenho conversado com vários LGBTs que estão pelas ruas da cidade, alguns doentes, feridos, abandonados. Muitos relatam histórias de violência, abusos, assédio, torturas e crueldades. Alguns contam como foram expulsos de igrejas e comunidades cristãs, rejeitados pelas famílias em nome da moral. Testemunhei lágrimas, feridas, sangue, fome. Impossível não reconhecer neles a presença do Senhor Crucificado” - eis o comentário do padre Julio Lancellotti sobre a polêmica da crucificação na Parada Gay.
O Cristo de Julio Lancellotti e Viviany Beleboni me representa!

12 de junho de 2015.
Verônica Bolina, outra vítima da intolerância dos cristofóbicos?
ps: sobre a "cristofobia", concordo que existe e acho que deve, sim, ser combatida: já é mais que a hora da Igreja Universal mandar sua milícia paramilitar lutar contra o Estado Islâmico, que já matou vários cristãos pelo simples fato de serem cristãos. Que levem seus líderes juntos - afinal, um verdadeiro líder deve estar à frente do seu exército.

ps2: ainda sobre "cristofobia", achei outra colocação do padre Julio Lancellotti: "A meu ver, sujeito a erro, Cristofobia é medo de amar os irmãos e irmãs, amar os inimigos como pediu Jesus Cristo, defender os pequenos, proscritos e evitados, amar os o que ninguém quer. Jesus caminhou no meio dos pobres e pecadores, os defendeu e nunca os condenou. Em Mt 25,31-46 Jesus identifica-se com os que sofrem. Amá-LO é ser semelhante a ele, o resto é fobia!"