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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Danças Caboclas, Política Pós-Moderna [Dança à Deriva 2016] [Diálogos com a dança]

Talvez parte do que eu diga aqui seja o óbvio para quem é da dança - como sou um mero espectador, para mim ainda tem um frescor de caminho pouco desbravado. 
A dança contemporânea me parece um campo privilegiado de arte política - questionadora do estar do e no mundo. Centrada no corpo - cuja representação oscila entre o negativo e o marginal na cultural Ocidental-judaico-cristã-iluminista -, sem exigir desse corpo uma forma ideal ou virtuosismo de movimentos - ainda que tampouco seja rechaçado -, aceitando, inclusive, limitações físicas com naturalidade, a dança é capaz de levar para o palco o gesto mais banal e ressignificá-lo, prescindindo da palavra, do discurso racional: seu discurso, racional ou não, passa por outras discursividades, além do logos, de forma que muitas vezes o simples estar ganha enorme força crítica e política. Esse potencial político deixa à mostra também a dificuldade em ser dançarino, em experimentar outras formas de se relacionar com o corpo - próprio e do outro.
Essas foram algumas das reflexões que Prelúdio para danças caboclas, da Balé Baião Dança Contemporânea, me despertou. 
Tentei imaginar o que é fazer dança contemporânea numa cidade do interior. Três homens que afirmam elementos masculinos - facão, chicote, cachaça, chapéu de cangaceiro - ao mesmo tempo que desafiam esse ser-macho em requebros sensuais - identificados com o feminino. Me pergunto quantas pessoas vão assistir a suas apresentações em Itapipoca, sessenta mil habitantes, no interior do Ceará. Quantos ficam até o final? Talvez depois de mais de vinte anos de trabalho tenham conseguido formar público - quanto de resistência e combate não há nessas duas décadas de arte?
O grande momentos de contestação da coreografia - contestação do machismo, de uma masculinidade imposta, do corpo-tabu - é quando dois bailarinos banham o terceiro, completamente nu, em uma cena que não soa ritualística, muito menos sexual: são duas pessoas banhando uma terceira, só isso - o suficiente para fazer com que pessoas deixassem a sala.
Prelúdio para danças caboclas afirma a cultura tradicional ao mesmo tempo que questiona seus arcaísmos nefastos - os quais se tornam tecnicamente equipados, ao sobreviverem em sintonia com a Modernidade e a Pós-Modernidade. Seria reducionismo falar que é política em forma de dança, mas não há como ignorar a dimensão política e contestatória de seu trabalho.

03 de agosto de 2016

ps: outra coisa que me fez pensar e que aqui trago: por que insisto em ver o interior do nordeste - no sentido de fora da orla litorânea - como se estivesse petrificado na década de 1930 dos romances regionalistas ou, no máximo, no cenário de Abril Despedaçado? Preconceito arraigado que tenho dificuldade em me livrar, admito. Prelúdio para Danças Caboclas ajudou a balançar esse preconceito, ao fazer com que aflorasse na minha leitura da obra.