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quarta-feira, 19 de abril de 2023

SP só para vips: a destruição da vida urbana pelas concessões dos espaços públicos da cidade

Quando a reforma do vale do Anhangabaú ficou pronta, em 2020, houve grande discussão sobre seu aspecto visual: muita gente não gostou da nova configuração do vale, criticaram a troca das pedras portuguesas e da referência ao modelo de cidade jardim e do projeto Bouvard que o projeto da década de 1990 remetia, por um vale feito de uma grande esplanada, num anódino pós-moderno que remete à cidade barroca caracterizada por Mumford, em sua ânsia de regularidade e velocidade, e que se encaixa no que me parece ser a proposta modernizadora das elites paulistanas após 1930 para a cidade, capitaneada por Prestes Maia e seu sistema de vias expressas e uso do leito de rios para construção de uma “cidade cenográfica” - a Chicago latinoamericana. 


Fora dessa questão estética - e mesmo de citações históricas -, uma vez inaugurado, a nova configuração do vale do Anhangabaú mostrou grande vantagem frente a antiga: frequentador assíduo da região desde que me mudei para a capital, em 2012, o antigo vale podia até ser mais bonito, mas era um local de passagem (e passagem incômoda, já que sequer permitia ir em linha reta de um lugar a outro), onde os únicos que ali se demoravam eram moradores de rua. Após a reforma, o vale foi adotado por skatistas - que costumo brincar dizendo que são os liquens de São Paulo -, a seguir atraindo uma ampla variedade de citadinos, se tornando parte do dia a dia de muitas pessoas, não mais apenas como passagem, e sim como um lugar para estar, de convivência entre diferentes - apesar de não ter árvores, apesar de não ter citações às aspirações das elites da primeira república ou mesmo da época colonial, apesar daqueles chafarizes patéticos, apesar dos defensores das paisagens que lembram a belle époque não terem gostado.

A mim, assumo que uma cidade bonita é uma cidade viva e plural, e não uma organizada pelo urbanismo, cheia de citações e canteiros bem cuidados, e estéril de vida, vazia de pessoas e encontros.

Ocorre, porém, que a empresa privada que ganhou a concessão do vale do Anhangabaú, em 2022, dá sinais evidentes que essa vivacidade que essa região do centro tem recuperado está em perigo - em nome da gentrificação e do lucro, claro.

Quem frequenta o vale tem se deparado seguidamente com circulação bloqueada em boa parte dele, para montagem ou desmontagem de estruturas de eventos. Assim, aquela ampla gama de usuários que se formava vai sendo impedida de utilizar um espaço público. Isso já não deixa de ser um problema: para eventos de uma ou duas noites, tem-se matado por duas semanas ou mais toda uma vida do dia a dia que se formava. 

Desde a semana passada, a intervenção no vale para evento ganhou uma nova dimensão: para a montagem de um grande evento de música, com quatro palcos, não apenas os frequentadores da região foram expulsos como a própria circulação está muito prejudicada - e cartazes avisam que vão piorar e durar até o dia 27. 

A situação, contudo, é muito mais grave: não se trata apenas de matar a vida no centro da cidade em favor de grandes eventos (e neste ponto tenho minhas críticas à ideia de virada cultural, porém isso fica para outro texto), mas de restringir quem pode frequentar esses eventos, excluindo do espaço público quem não tem dinheiro.

Se no ano passado, no ensaio dessa privatização do espaço público no vale do Anhangabaú, com a transmissão dos jogos da copa do mundo, havia uma limitação de pessoas que poderiam adentrar o espaço, por uma questão de segurança, ao menos qualquer pessoa que chegasse antes da lotação entrava - fosse rica, pobre, morador da Faria Lima ou morador de rua. Agora, a entrada é barrada a todos que não possuam dinheiro. E não é pouco dinheiro (mesmo que fosse R$ 10, isso já afrontaria o caráter público da rua e do centro). No início do mês uma festa da ESPM cobrava R$ 300 de entrada (ironicamente a festa se chama "Festa do Branco: singularidade", uma festa onde provavelmente havia gente branca padrão como se fosse produzida em série). Agora, um festival de dois dias tem as entradas a R$ 1.800 (inteira, incluídas as taxas do site; a entrada VIP fica em R$ 3.060).

Há, ademais, um terceiro problema: a reverberação do som pelo vale, em especial os graves, que incomoda (e muito) moradores de um raio de pelo menos 2 quilômetros de distância, como contou um amigo que mora no Bixiga e falou das janelas vibrando madrugada adentro, por conta do som da tal festa branca, digo dos brancos, digo festa do branco: singularidade.


O “novo vale” é apenas um exemplo. Mas a série de concessões de espaços públicos à iniciativa privada pela gestão Doria Jr-Covas-Nunes, sob a desculpa de economia (irrisória) de dinheiro público, tem tido vários eventos desse tipo, em que se exclui o caráter público de locais públicos abertos, e perturba toda a população do entorno. No início do ano foi uma rave no Jardim Botânico, o que prejudicava, inclusive, a fauna local, indo contra a própria lógica de um jardim botânico; mês que vem há um festival nas áreas abertas do Parque do Ibirapuera, com ingressos de até R$ 782 por dia (mas há ingresso social, por módicos R$ 667). Repito: não se trata de algo no prédio da Bienal, no Auditório interno, na Oca: são os espaços abertos do parque que estarão fechados a quem não puder pagar (deixo para falar mais do parque Ibirapuera em outra oportunidade - quer dizer, isso se não mudarem os “naming rights” do parque até lá, para Parque Lojas Americanas, Parque BTG ou algo assim).

E esses grandes eventos em espaços públicos concedidos à iniciativa privada acontecem como se não existissem vários locais privados (e mesmo público, porém de entrada restrita) aptos a recebê-los, com muito menos impacto social, ambiental e na vida da cidade.

Sorrateiramente - mas não muito - os espaços públicos de São Paulo vão sendo privatizados e boa parte da população da cidade vai sendo privada de ocupá-los. A cidade vai se desfazendo no que a caracteriza como cidade, que é a convivência e a troca entre pessoas dos diversos cantos da cidade, de diversas classes sociais, com diversos repertórios de vida. O próprio carnaval de rua é outro exemplo de tentativa dessa privatização, desde o início da gestão Doria Jr, e por ora represada por conta da luta firme e intransigente de muitos dos blocos, os que se negaram a entrar nessa lógica de restrição e lucro. 

Temo que ainda estejamos no início desse processo, e prefiro não imaginar até onde pode ir a destruição de São Paulo sob esse tipo de concessões, caso não sejamos capazes de nos organizar para barrá-la.


19 de abril de 2023


PS: pesquisando sobre as ações no vale, achei um site de aluguel de quartos no centro, sem nenhum CNPJ ou referência a quem seriam os responsáveis pelo site, apresentando o novo vale como grande chamariz para alugueis surreais, de R$ 3.000 por um “apartamento” de 30 m², por exemplo.

PS2: O podcast Prato Cheio, do Joio e o Trigo, está com um episódio intitulado "A cidade das marcas", que trata justo sobre essa penetração privada na lógica que deveria ser pública. Recomendo muito. Está em https://spoti.fi/3mYdWPv

PS3: Uma correção no que escrevi acima. Conforme me foi informado pelo skatista e multiartista Fernando Granja, o Vale do Anhangabaú já era um espaço utilizado pelos skatistas desde os anos 1990 (como essa região é muito ligada à cultura de rua, desde pelos menos a década de 1980). Inclusive, quando nessa reforma, se uniram para que se mantivesse as pedras de granito rosa, que se transformaram num memorial do skate, próximo à saída do metrô São Bento. Está no mini documentário "Pedra sobre pedra", disponível no youtube: https://youtu.be/waaX73obfxw . Talvez minha percepção de não muito frequentado antes da reforma, mesmo por skatistas, seja que eu tenha passado a frequentar a região quando a Praça Roosevelt havia sido recém inaugurada da sua reforma - e atraía grande número de skatistas. Ou talvez seja só eu tentando um álibi para minha percepção equivocada de antigamente.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Cena banal - 06 de junho

Três da tarde. Em um dos calçadões do centro de São Paulo, sob um céu plúmbeo escondido pela marquise de uma loja fechada pela crise, enrolado em um cobertor cinza, dorme uma pessoa. Perto dela está parado um homem, moreno, negro - tenho dificuldade com nossa sutil paleta de cores humanas, útil para disfarçar nosso preconceito racial. Ao desviar a vista deles e olhar para meu caminho, me assusto ao me deparar com três militares vindo em minha direção. Rapidamente noto meu engano. Ao notar os três PMs se aproximando, o homem se vira e põe as mãos na parede - o outro seguirá dormindo até o momento que acompanho a cena. Não sei o que se passa dentro dele, mas a cena é um conformismo pavloviano: o cão que sempre apanhava depois do sino, passado um tempo começa a chorar só de ouvir o sino; passado outro tempo, não chora mais nem quando apanha. Um dos PMs já tirou a arma do coldre, carrega-a na mão. A subserviência daquela pessoa de nada serve: os policiais militares são rudes (afinal, olha a cor, olha a roupa, olha os modos): as mãos são cabeça, não na parede. Fica evidente que não há ali respeito à lei: o homem não teme um processo, a prisão, a pena por algum crime; o que teme é a arma na mão daquele que se diz garantidor da lei e da ordem: ele sabe, por ser preto pobre periférico, que se não baixar a cabeça e se mostrar temeroso e servil pode apanhar (como o aluno na escola pública de Alagoas [http://bit.ly/2rIEJhU]), ser preso por desacato (quem sabe por tráfico, se for muito arrogante [http://bit.ly/2sPcEEP]), ou morrer num auto de resistência, mesmo que nunca tenha encostado em uma arma de fogo e em um baseado. A exemplo de tantas abordagens dos militares a pessoas negras, humildes e periféricas que tenho presenciado ultimamente, provavelmente nada encontrarão com aquela pessoa, que será dispensada depois de toda a humilhação, mas a abordagem contará pontos no índice de produtividade dos PMs, no seu duro combate ao crime. Pouco adiante, vejo outra cena corriqueira: um homem corre atrás de outro gritando "pega ladrão". Não pegaram: a PM estava ocupada combatendo os pobres.

06 de junho de 2017


quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Uma flor no viaduto Santa Ifigênia [Diálogos com a dança]

"Se eu falar, não acreditam", comenta o vendedor da loja de instrumentos musicais sobre o porquê estar gravando com seu celular o que se passa defronte a loja. Por um momento fico a me questionar ignorâncias: será que ele é de tão pouca confiança, ou será que seus interlocutores só conhecem a dinâmica previsível e pasteurizada dos shopping centers? Acima da loja, no primeiro andar do prédio, uma mulher surge na sacada, talvez apenas por rotina de ver o movimento da cidade, talvez atraída pela guitarra que não toca nenhum sucesso musical e ainda assim se destaca. Logo outras três pessoas estão com ela, assistindo. Pedestres passam, alguns indiferentes, outros observando sem diminuir o passo, outros param para tentar entender o que é aquilo - ou talvez não seja questão de entender, mas de apreciar, tão-somente -, um vendedor ambulante de carrinho de controle remoto faz oitos com a Ferrari - e assim seguirá, salvo quando o rapa passar -, um segundo se protege do sol escaldante na fina sombra do poste de luz, enquanto oferece água mineral, pouco adiante outro guitarrista toca, esse, sim, sucessos, clássicos do rock, na sua roupa prateada. É em meio a essa paisagem banal do viaduto Santa Ifigênia, no centro de São Paulo, que cinco dançarinos ocupam-no e interferem no caminhar de seus transeuntes.
Novos Experimentos, da iN SAiO Cia de arte, se insere muito bem naquele ambiente urbano, os protagonistas sabem lidar com a instabilidade de interagir com um público que não está ali para assistir a dança ou a qualquer manifestação artística. A inserção, entretanto, não é feita sem perturbar esse ambiente: ela pode ser sentida nos espaçosos átrios formados nos trechos em que os dançarinos se concentram: há algo especial, extra-ordinário acontecendo ali - a arte não está no quotidiano da cidade, das pessoas. Essa ruptura do ordinário traz reações as mais diversas, da ranzinza indiferença ao acompanhamento atento, apesar do sol e da pressa. Ranzinzice que eles muitas vezes são capazes de atenuar, pressa que eles conseguem estancar - logo no início, quando as duas dançarinas caminhavam lentamente uma em direção à outra, uma mulher claramente apressada não conseguia continuar sua marcha, na ansiedade de saber o que viria daquele encontro, dois passos, parava, outro passo, estancava, e as dançarinas em seu passo lento, ela se virava para assistir, até, enfim, ambas se encontrarem, a tensão se resolver e ela poder seguir seu rumo. Ou quando o carro de polícia teve de esperar o dançarino que não interrompia seu bailado para a passagem da ordem. Diferentemente da performance Os cegos, na avenida Paulista [j.mp/cG23dez13], Novos Experimentos pretende romper com o quotidiano num confronto com a banalidade, não com as pessoas que a vivem. Não se pretende agressiva, apesar de não deixar de ser crítica: acredita que os freqüentadores do centro são capazes de mais que olhar, são capazes de ver - basta um estímulo que os tire do cinza da rotina.
Foto: Fabiana Choi [fafayc.wix.com/fabianachoi]
O porém de sair com o intuito deliberado de assistir a uma apresentação dessas, a uma intervenção no espaço urbano, na ordem do dia, é não ser pego de surpresa, é não ser você a buscar alguém quem te explique o que se passa ali - é apresentação mesmo, já que não há nenhum círculo ou semi-círculo de espectadores, apenas cinco dançarinos espalhados, um guitarrista, quatro ou cinco fotógrafos e pessoas passando, algumas se detendo alguns poucos minutos? Me pego observando mais que meu habitual os espectadores, as pessoas que passam, os vendedores que comentam, o carrinho de controle remoto que faz oitos. Passa um rapaz numa bicicleta de entrega, distraído com seu celular - logo ele passará de novo, sem ser sugado pelo celular atentará para aquela estranheza e ficará um tempo a assistir à dança. Lembro do teatro da Vertigem, "A última palavra é a penúltima", apresentado na passagem subterrânea defronte o teatro Municipal - a diferença é que não estou preso em uma vitrine, e na minha frente (e ao meu redor) passam pessoas em seus trajes de todo dia, não atores.
Porém, não ser pego de surpresa pela dança não quer dizer que não pode ser surpreendido durante ela: uma mulher, já passada dos sessenta anos, acompanhada de uma criança, olhos cheios d'água, pede um abraço a uma das intérpretes. "Não tive como negar", comentou ela, ao fim da apresentação. Como não há como negar que para as pessoas que passaram pelo viaduto Santa Ifigênia ao meio-dia desta quarta-feira alguma coisa mudou, algum atrito no seu quotidiano aconteceu, algum colorido exótico elas tinham para reportar a seus próximos no fim do dia. Em que reverberará essa experiência? Impossível saber, pode morrer junto com o dia, mas pode ter sido uma flor que furou o asfalto.

São Paulo, 18 de dezembro de 2014.


terça-feira, 16 de setembro de 2014

Apenas outro momento da intifada brasileira.


Início da noite, me encaminho para a avenida São João, ao trecho que freqüento ao menos uma vez por semana, onde fica a Galeria Olido, um dos palcos da dança paulistana. Ficara sabendo do ataque militar - amparado pela justiça - aos trabalhadores sem teto no meio da tarde. Praticamente uma quadra antes da São João, na Ipiranga, carros dos bombeiros e da polícia ocupam a pista da esquerda. Alguns militares têm armas em punho, de guarda para abater algum maluco suicida que resolva atacar a tropa. Outros estão em rodas, como se fosse intervalo de trabalho, conversam, fumam e gargalham. A banalização do mal me vem à mente. Dou uma de joão sem braço e tento entrar na São João. "Está interditado, não está vendo?", fala um guarda, arma em punho. Obedeço e atravesso a rua. Havia visto imagens na tevê e fotos na internet. Justiça, reintegração de posse, ataque de objetos por parte dos sem-teto, revide da polícia militar - o roteiro é banal nestes tristes trópicos, tal como a cobertura da Grande Imprensa seguir a linha da polícia militar pacífica se defendendo de uma turba violenta. Era esse o discurso inicial sobre as manifestações do Passe Livre, ano passado - banderneiros, violentos, vagabundos. E onde estão aqueles milhares de homens-gado e mulheres-vaca a gritar "sem violência" e pedir mudanças? Ou o fato da PM não ter agredido aquela massa de chimpanzés mal-adestrados que gritavam "sem violência" é prova de que os sem-teto fizeram por merecer? Lembro dos manifestantes - "manifestantes" - vestidos com as cores do Brasil, tirando foto com os militares. Esse pessoal não veio para a São João, aqui estão só os chatos e os jornalistas. As imagens de mais essa intifada tupiniquim me dão mais que raiva, me dão vergonha: aqueles pobres-coitados fardados agem em meu nome. Não têm meu respaldo, mas têm o da maioria da população de São Paulo, que elege Maluf (estupra mas não mata), Alckmin (quem não reagiu está vivo), Aloysio (pela redução da minoridade penal, enquanto crimes de bilhões de reais são ocultados pelo seu partido), Serra (higienização social do centro de São Paulo) e tantos outros violadores dos direitos humanos, criminosos lesa-humanidade. Quando era ocupado por prédios abandonados, esperando valorização, e moradores abandonados à própria sorte pelo poder público, o centro era tido por um lugar sem vida, apesar da profusão de línguas, culturas, cores e sabores que o marcavam. Agora que pululam empreendimentos imobiliários e dinheiro floresce onde antes era quase um aterro social, as pessoas que nunca deixaram o centro morrer são tirados a bomba e balas de borracha para "revitalizar" com a vida de quem tem direito de viver. Na internet, fotos da depredação dos sem-teto: curiosamente, em mais de três anos que freqüento aquele local, à noite, com aquela e outras ocupações, nunca tive problema algum, nunca presenciei cenas de violência, que não a de seguranças privados e policiais militares. Dizem que a diplomacia é a guerra por outros meios, no Brasil, a justiça é a violência por seus próprios meios: que língua tão incompreensível falavam aquelas muitas famílias que não foi possível dialogar, negociar com elas? Por que a elas o único diálogo legítimo é o de obedecer as ordens dadas pela justiça, para favorecimento de um, em detrimento de muitos, em detrimento da cidade? Isso é diálogo? Resolver problemas na base da porrada é democrático? Os cinqüenta mil assassinatos por ano, as agressões gratuitas, por coisas pequenas, mesquinhas, insignificantes, a violência simbólica disseminada de alto a baixo da sociedade, tudo isso nos veio em mais uma epifania neste dia dezesseis de setembro, no centro de São Paulo. Vêm os carros do choque, já cumprida sua missão de garantir a propriedade. Reproduzo um gesto que os governantes do Estado mais rico da nação e seus eleitores fazem inconscientemente em suas salas de estar (e nas seções de votação): levanto o braço direito, em saudação nazista. Os carros passam, talvez por sequer entenderem o significado do meu gesto, talvez por não terem visto, talvez por estarem ocupados segurando suas armas, nenhum soldado me saúda de volta - assim como nenhum parece ter se sentido ofendido.

São Paulo, 16 de setembro de 2014.