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sexta-feira, 6 de maio de 2016

Bolsonaro não é o Trump brasileiro

Muitos tem tratado Jair Messias Bolsonaro (PSC-RJ), o Bolsomico, de Trump brasileiro. Nada mais distante. A única semelhança entre os dois é o discurso de ódio e de incitação à violência e a filiação a uma genérica direita anti-política. Qualquer análise um pouco mais atenta dos dois personagens mostra que a distância é enorme.
A começar que muitos analistas têm dúvida sobre a crença de Trump em tudo aquilo que diz: guarnecido por uma forte equipe publicitária, o magnata americano já admitiu que usa sua verve raivosa em uma proposta polêmica toda vez que sente o moral de seus apoiadores arrefecer. Quanto a Bolsomico, não há dúvidas sobre sua fé no que professa, tanto que por muito tempo foi tido como um político folclórico - e se cresce agora é por mudanças na sociedade e não nas suas posições.
A figura de ambos também é diametramelmente oposta: Trump se vende como o vencedor, o chefe, o self-made man que fez e faz a América. Bolsomico é um aluno repetente da Escola Superior de Guerra, que não consegue ir além do medíocre, cujo grande mérito, falar o que pensa e peitar a todos não resiste a qualquer enquadramento mais forte da justiça - ou de um machão maior que ele. Ainda que motivados pelo medo (deles ou da população), ambos encarnam o cidadão típico de seu país, daí o discurso agressivo de Trump reafirmar sua pretensa superioridade - e dos Estados Unidos frente islâmicos e o resto do mundo -, enquanto Bolsonaro agride para disfarçar sua mediocridade, mais que isso, sua inferioridade - como falou esplêndidamente Contador Calligaris, não é Ustra que é o pavor de Dilma, é Dilma que é o pavor de Ustra e todos os seus apoiadores: "o silêncio do torturado é a vitória final sobre o torturador": Dilma não falou, Dilma não cedeu um milímetro ao seu torturador, que se viu impotente diante de uma mulher a quem tinha a vida e a morte nas mãos. Bolsomico tenta se vingar, ressentido e impotente (com toda a carga que essa palavra tem a um homem), por se saber inferior a uma pessoa do que ele tem por "sexo frágil".
Diferenças ainda, e significativas, há no plano político. Trump é um candidato que vem de fora da política para um partido central do sistema político estadunidense - ao invés de disputar a Casa Branca como independente, por exemplo. Bolsomico é um político profissional, de carreira, que tenta se fazer outsider. É tão inserido no sistema que diz ser contra que até a forma de fazer sucessor repete a dos habituais políticos oligárquicos do Brasil: indicar um parente - no caso, o filho. Os dois, portanto, fazem uma mistura confusa entre ser anti e estar dentro, mas o primeiro se mostra pragmático: entra para reafirmar seu "anti" com chances de vitória; enquanto o segundo está dentro tentando se passar por "anti".
Há também um quê do ethos de cada país que faz com que Bolsomico tenha teto baixo. Os EUA se fizeram e se reafirmam como nação agressiva, orgulhosa da própria violência. O Brasil, por seu turno, desde sempre tenta disfarçar sua violência com o que ganhou a alcunha, no século XX, de cordialidade. Bolsomico agrada a uma parcela da população bem específica: branca, diplomada, bem de vida, habitante do centro-sul, ressentida por ver seus privilégios frente os serviçais do prédio diminuídos por "direitos abusivos", e que se rebelou e ocupou as ruas, inflamada por Veja, Globo e Folha, contra os abusos dos vermelhos - seu modus operandi tem sido rejeitado pelos seus apoiadores, que se distanciam dos patos fascistas de Skaf. Vejo como seu eleitor típico um professor doutor da Faculdade de Educação da Unicamp, 15 pós-graduações orientadas, que num curso de Política Educacional para alunos de graduação solta que "o Brasil é um país injusto porque sul produz pro norte consumir", acrescentando a seguir que nordestino é preguiçoso e que pra cima de São Paulo tudo é precário, até a máquina de cartão de débito, isso vale já pra Minas Gerais, e ele não pode ser preconceituoso porque é mineiro (não estou exagerando, infelizmente não tenho gravada a aula, por isso não cito o nome do respeitado pesquisador). Talvez se o Bolsomico Júnior der uma de Marine Le Pen, afastar o pai, e trabalhar o discurso de direita num viés menos raivoso, mas com a mesma carga de ódio, ele tenha alguma chance - mas ele dá reiteradas mostras de ser tão limitado intelectualmente quanto o pai.
Outra e talvez mais importante diferença entre Trump e Bolsonaro: o primeiro é alguém up-to-date, o magnata que soube usar a indústria cultural para promover seu ego. Assim, ele não presta homenagem a McCarthy, e vocifera contra minorias, em especial contra imigrantes e muçulmanos, questões típicas do século XXI. Bolsomico está parado em 1968, ainda caça comunistas, e se ampliou seu ódio para gays, a cada manifestação ele reforça a impressão que isso é por uma questão interna mal resolvida dele. Conseqüência: junto com os impropérios, Trump tem um "projeto" de país, vagas idéias sobre o futuro da nação; Bolsomico é o ódio por si próprio e seu projeto para o Brasil não vai além de um passo atrás na roda da história.
Podemos respirar aliviados diante da fragilidade de Bolsonaro? Nem um pouco, pois temos fortes candidatos ao posto tupiniquim equivalente àquele ocupado por Trump nos Estados Unidos - com reais chances de vitória.

06 de maio de 2016



sábado, 30 de abril de 2016

Bolsonaro, o nome da vez - mas poderia ser qualquer outro

Jair Messias Bolsonaro (PSC), por muitos chamado de "Bolsomito", que eu acho mais coerente chamá-lo de "Bolsomico", é o nome da vez de uma certa direita ultra-conservadora brasileira, com destaque no campo dos costumes. Esse grupo busca um nome que o represente desde que ficou clara a derrota da aliança liberal-conservadora encabeçada pelo príncipe dos sociólogos - que trouxe junto a decadência de Bornhausen, Magalhães, Maluf e coronéis old-fashion afins -, junto com a ascensão política evangélica. O candidato da situação em 2002 se dizia nacional-desenvolvimentista e tinha histórico de esquerda (alguns incautos e ingênuos até acreditaram nessas pendências à esquerda, este escriba entre eles, o que não quer dizer qualquer apoio ao nefasto político), o que desagradou esse eleitorado. Nessa mesma eleição, Garotinho era o principal nome do grupo (lembro do professor Marcos Nobre, em palestra na Unicamp, dizendo que ele era o nome mais perigoso da disputa presidencial), e o sobrinho do chefe, bispo Marcelo Crivella, despontava como nome para o futuro (Veja comemorava a vitória do bispo da Igreja Universal sobre seu arqui-inimigo Leonel Brizola).
Uma breve pausa na voracidade política evangélica veio com o chamado Mensalão do PT e a candidatura do bom homem de Deus e das execuções extra-judiciais legitimadas, Geraldo Alckmin (PSDB-SP). Derrotado o "Santo", a força desse conservadorismo - que está próximo do movimento evangélico, mas de forma alguma se restringe a ele - cresceu sem parar, se organizando de modo cada vez mais autônomo dos partidos políticos centrais, até ser levado ao protagonismo, em 2010, por José Serra, que trouxe a pauta dos costumes e os pastores evangélicos mais obscurantistas para o centro do debate presidencial, ofuscando a representante oficial do grupo, Marina Silva (então no PV, hoje na Rede).
Desde 2010, revezam-se no congresso, nas emissoras de tevê e nas redes sociais nomes que tentam capitanear essa espécie de tea party tupiniquim. O senado, curiosamente, não consegue dar a mesma visibilidade que a câmara a esse tipo de político, enquanto Marina Silva tem o pecado original de ter sido do PT (o mesmo pecado de Marta Suplicy, a ser testado em outubro). O que sucedeu foi Garotinho e sua "pepita de 20 milhões" contra o kit anti-homofobia, Marco Feliciano, o homem da chapinha nos direitos humanos; Eduardo "Capone" Cunha e agora, finalmente, Jair Messias "Bolsomico".
Em sondagens para a presidência da nossa Republiqueta Bananeira do Brasil, Bolsomico desponta com cerca de 10% das intenções de voto. Jean Wyllys acredita que o carioca pode chegar a 15% quando mais conhecido (por sinal, o que é aquele deputado júnior por São Paulo votando em nome do "povo naxx ruaxx com o exxpirito doxx revolucionárioxx de trinta e doixx?"). Seu principal trunfo é atender aos anseios evangélicos - está até no partido mais ligado a eles - sendo católico. Também agrada às viúvas da ditadura, e a parcela mais ignara da classe-média, média-alta (na qual se inclui muitos mestres e doutores).
Seu discurso anti-minorias, contudo, faz com que tenha teto baixo. Uma coisa é falar mal de minorias na França ou nos Estados, onde gauleses e WASP são numericamente superiores e historicamente reivindicam supremacia sobre a emergência do Estado-Nação. Outra é essa fala num país periférico, tributário da colonização, pornograficamente desigual, e que tem conhecido um empoderamento das minorias - não condizente com a mesma asensão social das classes marginalizadas, infelizmente.
Não ter chances de ganhar a eleição não o faz um mero candidato folclórico, como Enéias, em alguma medida foi: além de poder puxar o debate ainda mais para a direita, seu discurso claramente estimula o ódio, a violência e a intolerância contra minorias, e contra todos que não compartilhem das idéias do fascio - Alckmin e Aécio que o digam, expulsos pelos milicianos do Paulo Skaf da própria manifestação. O neofascimo é uma ideologia anti-política que ganha adeptos em todo o mundo, mas tem suas peculiaridades nestes Tristes Trópicos. Por mais que não seja apenas o nome da vez, não há tanto a Temer Bolsomico: há figuras piores despontando no cenário nacional.


30 de abril de 2016.

E o pior é que um bigodinho orna.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Câmara de Deputados 2016: a casa do clichê e da desilusão

Leio no portal da Câmara dos Deputados entrevistas com os líderes dos partidos na casa. Nossa legislação, ao não ter uma cláusula de barreira, permite a bizarrice de partidos sem expressividade e sem qualquer ideologia tenham direito a líder de bancada e toda as vantagens com apenas cinco deputados - parece até propaganda de aparelho de exercício mágico da década de 1990. As breves entrevistas das lideranças são feitas basicamente de clichês sobre tópicos postos pelo governo e ecoados pela Grande Imprensa, já na primeira pergunta, "Quais serão as prioridades da sua bancada em 2016?": ajuste fiscal, reforma da previdência, reforma (sic) tributária, recriação da CPMF, desvinculação das receitas da união (DRU), agenda positiva, crise, impeachment da presidenta da República ou do presidente do congresso. A principal variação é se o discurso fala em "direitos" ou "impostos", o que distinguiria um partido mais à esquerda de outro, mais à direita. No fim, pobreza de idéias e a subordinação extrema ao poder executivo e à Globo e afins impera - incluo aqui o necessário impeachment de Eduardo Cunha, ele próprio já rebaixa a Câmara.
O discurso do líder do PSC, André Moura, parece ser press release da Globo, da Veja ou da Folha. O PSD, fiel à sua filosofia de não ser nem de esquerda, nem de direita, nem de centro, nem a favor, nem contra, produz três parágrafos para não dizer nada. De diferente, apenas a fala de Sarney Filho, líder do PV, sobre a prioridade do partido à caça ao Aedes aegypti; e de Ivan Valente, do PSOL, que lembrou a necessidade de reverter a marcha para o obscurantismo posta em movimento acelerado desde a eleição de Eduardo Cunha. O PPS, partido satélite do PSDB e cada vez mais próximo da extrema direita reproduz o discurso das pessoas felizes comentada pelo historiador Leandro Karnal [http://j.mp/1KEN9hl], pessoas que substituíram cultos como do Papai Noel e do Coelhinho, pelo culto da corrupção isolada: "A crise brasileira, seja econômica, política, social, tem um nome: Dilma Rousseff".

Enfim, me centro na entrevista do deputado baiano Antonio Imbassahy, líder da principal força de oposição partidária ao governo federal, o PSDB. Sem reproduzir o Febeapá dos populares socialistas, ele diz logo a que veio o partido: "trabalhar o impeachment, o afastamento da presidente Dilma a partir de uma convicção de todo o PSDB, das oposições e da maioria esmagadora da população, que com Dilma no Palácio do Planalto o Brasil só vai piorar ainda mais (...). Ela cometeu crime de responsabilidade e, portanto, numa democracia, tem que ser afastada". Mais interessante contudo, é o que ele não diz: que o que anima o partido é unicamente o poder: não possui um projeto alternativo a ser contraposto - seja econômico, político ou para a Câmara dos Deputados, já que ele fala em corrupção -, não fala em transformar o Brasil no paraíso, como Rubens Bueno, nada: fala em disputar a chave do cofre. Inclusive, diz no fim da entrevista: "não dá para o governo federal ficar com essa montanha de dinheiro e essa corrupção exagerada", sem dúvida uma idéia bastante Veja (ou rasa, se preferir) do uso do dinheiro público: ficar com o governo federal, como se esse dinheiro não fosse gasto no custeio da máquina pública, pagando professores, médicos, agentes de controle de epidemias, reforma de estradas, etc. O dinheiro público, montanha ou montinho, não deve ficar em lugar nenhum: deve voltar à população. Teria sido um ato falho, que indica a visão de partido de butim estatal que o PSDB possui?

Não há como não lembrar das manifestações de junho de 2013: grande parte dos analistas atribuiu as manifestações a uma crise de representação política. Essa crise continua e os atuais partidos nada fazem para tentar alterar sua relação com a sociedade e com os poderes. Uma parte dos desiludidos foi facilmente cooptada pelos movimentos das pessoas felizes, encabeçada pela lastimável figura de Jair Bolsonado e logo seguida pelo PSDB de Aécio Neves, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira e Geraldo Alckmin. Outra parte segue à deriva, em busca de um modus operandi político que fuja da burocratização, do ativismo binário, da briga pelo poder ser anterior à briga pelos ideais. Essa parte aderiu ao PT na última eleição por medo de retrocesso e não por acreditar no partido: ela segue em busca e, mais importante, começa a se articular na construção de alternativas - o partido RAiZ Movimento Cidadanista, da deputada Luiza Erundina, tem se mostrado como a principal aposta daqueles que crêem em um outro mundo possível, feito de uma outra forma de política, de uma outra forma de se pôr na sociedade; todos ganhamos se a aposta se mostrar frutífera.

22 de fevereiro de 2016

quarta-feira, 15 de julho de 2015

1964 e 2015: algumas comparações

É evidente e explícito que parte do Establishment tupiniquim se organiza com vistas ao poder. Há um golpe em curso - que ora parece almejar a destituição da presidenta da República, ora parece se conformar em agir como a Rede Globo, Veja, Fiesp e congêneres, agiram na eleição de 1989, com manipulação, mentiras, terrorismo e tudo aquilo que é de conhecimento público (a quem tem interesse por conhecer algo da história recente do país). Porém, entre desejar e organizar um golpe (e mesmo aplicar um golpe midiático) e achar que a tomada do poder está em marcha, como parte da esquerda vê desde o fim do ano passado, vai uma certa distância. Contudo, mesmo deixando de lado casos folclóricos (como Paulo Henrique Amorim, que vê golpe em cada esquina, parecendo a versão à esquerda de Dennis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia que no início dos governos petistas via comunista em cada poste e ganhava amplo espaço na Grande Mídia, quando a direita ainda buscava um ideólogo com algum estofo intelectual), tanto se fala em golpe que soa conveniente traçar alguns paralelos entre a situação atual e a que antecedeu o golpe civil-militar de 1964 - não por achar que a história se repita, mas porque parte das forças sociais atuantes continuam as mesmas, e seguem agindo de modo semelhante à de cinqüenta anos atrás.
Conforme Caio Navarro de Toledo, em "A democracia populista golpeada", as características principais do país no momento anterior ao golpe de 64 são: "uma intensa e prolongada crise econômico-financeira (recessão e uma inflação com taxas jamais conhecidas); constantes crises político-institucionais; ampla mobilização política das classes populares (as classes médias, a partir de meados de 1963, também entram em cena); fortalecimento do movimento operário e dos trabalhadores do campo; crise do sistema partidário e um inédito acirramento da luta ideológica de classes". Enquanto isso, no sub-continente americano vários governos popularmente eleitos foram, estavam ou seriam desestabilizados e derrubados por golpes de Estado: Colômbia, 1957; Venezuela, 1958; Cuba, 1959 (vale lembrar que Fidel e companhia foram inicialmente saudados pelos EUA, que patrocinou tentativa de golpe contra o regime em 1961); Argentina, 1962 e 1966; Peru, 1962; Guatemala, Equador, República Dominicana e Honduras, 1963; Bolívia e Brasil, 1964 - para ficarmos só em uma década. Atualmente, acompanhamos tensões políticas na Argentina, Venezuela, Chile, Peru, Colômbia, Honduras e México - além da crise no Brasil.
Para além do que foi levantado acima, Dilma, assim como Jango, é herdeira política de um estadista com apuradíssimo faro político, está diante de um congresso conservador e sua base de sustentação nele é limitada. Recentemente, os movimentos sociais - cujos ânimos arrefeceram após a ascenção de Lula - retomaram parte da pauta da sociedade, via Movimento Passe Livre e Movimento de Trabalhadores Sem Teto; enquanto os panelaço anti-PT, assim como a Marcha da família com Deus pela liberdade, são marcadamente manifestações de uma elite (branca) e aspirantes a. Na economia, observa-se uma guinada à direita na economia - então com o Plano Trienal, adesão à ortodoxia proposta pelos EUA para ajuda externa, agora via (Anti-)Plano Levy. A semelhança mais importante a se levantar talvez seja o conluio feito pelas elites locais com apoio do capital internacional, capitaneada por uma direita pouco comprometida com a democracia e seus valores e defendida, justificada e estimulada pela Grande Imprensa - essa descaradamente anti-democrática.
Há, contudo, diferenças, e muitas soam bastante fortes para inibir um golpe de fato - restando a alternativa de golpe via mídia para influenciar as urnas. A primeira e mais visível é que os militares - no Brasil e nas vizinhanças - não têm intervindo diretamente na dinâmica política. Diante das manifestações de março, por exemplo, eu apostaria antes no exército atuando conforme ordens da presidenta Dilma a debandar para o lado golpista - poderiam, com isso, cobrar o fim de investigações sobre a ditadura. Outra diferença: conforme Toledo, no governo Jango, a partir do segundo semestre de 1963, "uma pergunta passou a dominar a cena política: Quem dará o golpe?". Atualmente, amplo espectro da esquerda defende a democracia - inclusive prega seu aprofundamento -, e tanto o governo Dilma quanto o PT já deram reiteradas mostras de respeitarem as regras do jogo democrático, diferentemente do PSDB, que aprovou a ementa da reeleição em benefício próprio e agora fala em destituir a presidenta sem qualquer base legal (não apareceu qualquer escuta em que o principal ministro do chefe do executivo combinava com um subordinado, "no limite da irresponsabilidade", quem seriam os vencedores das privatizações da telefonia, por exemplo). Por fim, outra diferença marcante é que, enquanto o prógono de Goulart havia dado um tiro no peito uma década antes, o de Dilma segue vivo, ativo e forte - mesmo com a campanha cerrada da Grande Imprensa contra Lula há mais de uma década. Inclusive, seu nome é reiteradamente ventilado, tanto pela direita quanto pela esquerda, como candidato a ser batido em 2018 - e seria parte do golpe midiático mudar esse panorama até lá.
Não vejo, portanto, condições para um golpe de Estado neste momento, como apregoam muitos analistas de esquerda - e apologistas de direita. O que não quer dizer que esteja tudo tranqüilo: há um intenso movimento para enfraquecer a presidenta e tirar o PT do comando do executivo federal, se aproveitando do poder desproporcional que a direita possui, graças ao oligopólio da mídia - com o qual tenta reviver a questão de 1964, sobre quem dará o golpe -, e aos aliados na presidência das casas legislativas federais, dois personagens sem qualquer pudor nem respeito pela democracia. Com esse panorama, o PSDB, o Cunhistão e os barões da mídia não deixariam passar a oportunidade de um golpe "dentro das regras democráticas", como foi feito para a aprovação da reforma política ou da maioridade penal. Esperar a tentativa de golpe para então reagir é um modus operandi típico de nossa esquerda super-intelectual. A esquerda está numa situação bastante delicada: precisa defender a democracia sem defender as atuais regras de eleição, que geram esse parlamento abjeto, e sem defender o atual governo - ao menos enquanto enquanto Dilma não decidir dar uma guinada à esquerda e se aproximar dos movimentos sociais, como defende Boulos. É preciso nos anteciparmos: cerrar fileiras pela democracia e pelo seu aprofundamento, defender políticas sociais e principalmente, neste momento, combater a direita dentro do seu próprio campo.


15 de julho de 2015

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Lei da terceirização e privatização

Em abril, o Cunhistão aprovou a lei da terceirização (PL 4330/04), que libera as empresas para terceirizarem também suas atividades fim. Os críticos do projeto dizem que terceirizar significa precarizar; os defensores, que não implica necessariamente em precarização do emprego. Penso estarem corretos os segundos, na teoria; na prática, os primeiros se mostram pornograficamente certos - ou alguém tem algum conhecido que trocou um emprego contratado por um equivalente em uma terceirizada? Já os que fizeram, ou gostariam de fazer o caminho inverso...
Nos destaques à lei, foi aprovado um que excluía as empresas públicas e de economia mista das novas regras da terceirização. Um dos defensores do destaque é o deputado udenista Carlos Sampaio, do PSDB de São Paulo, que diz que isso garantiria o ingresso por concurso público. O intuito aparentemente é nobre, mas - infelizmente - convém ter atenção redobrada àquilo que udenistas em geral - os tucanos em particular - apregoam como benéfico ao público. Vale para a água, vale para a CPMF, vale para a redução da idade penal, vale também para esse destaque na lei da terceirização.
Deixar as empresas públicas de fora significa preparar o terreno para a sua privatização. A relação não está explícita, mas é evidente. O principal ataque dos ideólogos do neoliberalismo às empresas e à administração pública é quanto a sua presumida ineficiência - diferentemente do presumido eficiente setor privado. Eficiente ou ineficiente neste caso pensado em termos estritamente monetários, sem qualquer preocupação social: fazer mais com menos. Ora, um principais custos de uma empresa é sua folha de pagamento. Terceirizar ataca justamente esse custo: o funcionário contratado que custava dez, terceirizado custa seis (por mais que o funcionário mesmo receba quatro). Se uma empresa cobra R$ 2 por um produto ou serviço, e a empresa concorrente cobra R$ 1,60 pelo mesmo produto ou serviço, o consumidor não vai comprar o mais caro porque a empresa paga R$ 1 ao funcionário, enquanto a outra paga R$ 0,50: vai comprar o mais barato. Excluir as empresas públicas da terceirização é colocá-las em grande desvantagem competitiva - ineficiência que será sanada pela privatização.

Não estou aqui defendendo a terceirização - pelo contrário, diante do retrocesso social que ela representa, sou contra. O que pretendo alertar é para o fato de que o ataque às empresas públicas continua cerrado, e vai além de escândalos de corrupção na Petrobrás (curiosamente o Metrô de São Paulo passa incólume, por ora), se insinuando muitas vezes de forma sutil, preparando o terreno onde parece não ter nenhuma relação.

08 de julho de 2015

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Eleições legislativas, tinha isso? [Eleições 2014]

Se um estrangeiro tivesse acompanhado as eleições no Brasil apenas pelos grandes veículos de imprensa, teria uma grande surpresa ao abrir os jornais desta semana e descobrir, passado o pleito, que havia também eleições legislativas. Fora brevíssimos intervalos - a semana pós-eleitoral e o intervalo entre a troca de faixa no executivo, em janeiro, e a troca de legisladores, em março -, Câmara e Senado costumam só ganhar destaque quando há casos de corrupção, alguma CPI que interesse à Grande Imprensa para fustigar o PT, e uma que outra "grande votação".
Por conta dessa cobertura - ou ausência de, seria melhor dizer -, a imagem senso comum do congresso e senado é a de que se trata de um bando de parasitas, que pouco fazem, e melhor que seja assim, pois, como costumam dizer vários colunistas nos jornalecões Folha e Estadão, toda vez que um deputado age algo ruim acontece. Se alguém se dispor a escutar a segunda meia-hora da Voz do Brasil ou se informar pelos sites das casas legislativas, vai ver que a história é um tanto diferente: não é só de pastores e ruralistas, de projetos insignificantes e negociatas escusas que é feita a atividade legislativa no Brasil. Sim, é feito dessa baixa política também, mas há projetos outros, que influenciam positivamente a vida de milhões de brasileiros (como a proposta para transexuais poderem alterar o nome sem grandes burocracias, por exemplo), e debates qualificados - ou quando de baixo nível, servem como panorama da situação periclitante das nossas elites, no que se refere a capacidade intelectual.
Porém, mais importante que a Grande Imprensa para esse caráter subalterno do legislativo é o próprio desenho político: não apenas por causa do executivo com poderes desproporcionais, como pela coincidência entre calendários eleitorais, que faz com que o legislativo fique obliterado pela relevância dos cargos majoritários - para o executivo, mas também para o senado. Quando Tiririca faz piada dizendo que contará qual o papel do deputado, mais do que humor raso para incautos, ele faz troça de 95% da população brasileira, que não sabe para que serve um deputado, não acompanha os trabalhos das casas legislativas (lembro de estudantes de ciência política da Unicamp só descobrirem o básico sobre o legislativo tupiniquim no segundo ano de faculdade).
Uma possível reforma política é assunto desde as manifestações de junho de 2013 - encampada, inclusive, pela presidência da república -, contudo não vi até agora discussão séria sobre o papel do legislativo e das eleições para a escolha dos representantes. A discussão gira sempre em torno do executivo - reeleição ou mandato de cinco anos -, financiamento de campanha - em que usam argumentos das campanhas para o executivo -, ou concomitância da eleição para todos os cargos - a política de alta intensidade de Marina Silva, um passo para esvaziamento ainda maior do nosso já precário debate político. Vista como subalterna pelos donos do poder, seus empregados e por quem vê política só de longe, nossos legisladores parecem assumir esse papel - estariam confortáveis com essa disfunção de nosso sistema? A separação entre as eleições para os cargos executivos e os legislativos - a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, para ficar no caso mais famoso - é um primeiro passo para um debate político sério e consistente, para um maior equilíbrio entre os poderes e para que os representantes do povo possam, de fato, representá-los. Até lá, Tiriricas podem ser vistos como pontos positivos num congresso dominado por ruralistas, evangélicos e defensores de direitos humanos para humanos direitos.

São Paulo, 09 de outubro de 2014.