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segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

A reinvenção (acidulce) do quotidiano [Diálogos com a literatura]

Localizado num canto de cidade, relegado por não ser centro, mas central na vida da cidade e de tantos citadinos. Subúrbios, esse conceito confuso nestes Tristes Trópicos, ora sinônimo do termo estadunidense descrito por Mumford (entre outros), ora a periferia tão típica das grandes cidades brasileiras. Os subúrbios de A invenção dos subúrbios, de Daniel Francoy, ficam num ínterim entre essas duas possibilidades, é a invenção de uma classe média que se equilibra com dificuldade na média, na mediana, na moda, que pega trânsito todo dia para chegar ao centro e ao trabalho, com os olhos no futuro radioso que a espera diante de um presente que é um eterno quase. 
Uma cidade feita de fantasmagorias de si própria, onde parece faltar concretude, sem contudo cair na pura imagem irreal - não, não é alucinação, mas o mais firme parece não ir além da garoa fina e das nuvens de poeira de Ribeirão Preto. O próprio autor, ele próprio parece se equilibrar numa existência que vaga pela antessala do existir, ensaiando um adentrar a concretude do ser, que se afirma nos traços das letras, mas se perde no vão entre uma palavra e outra, tropeça no prosaico do pôr do sol que ilumina um Cristo num caminhão de mudança. 
Os subúrbios inventados pelo autor parecem parados no tempo, se alimentando da ilusão da Terra se mover ao redor do sol - ainda que isso bate para resultar em mudanças reais, quase perceptíveis. Sua invenção parecem ser a tentativa de dar algum lastro ao quotidiano fugidio e repetitivo.
A escrita de Francoy é agradável, facilita o trânsito pelo banal das cenas. Sua principal marca é um humor sutil em tom melancólico - ou seria uma escrita em tom melancólico com pitadas de humor sutil? Muitos dos textos terminam de forma abrupta, quando esperávamos um fecho que desse um sentido a tudo aquilo descrito e experimentado, entretanto, era apenas isso: o sem sentido do quotidiano, a vida de anônimos e anônimas, o Mundo Real indo pouco além de um loja de R$ 1,99 com duas entradas (ou seriam saídas?), sendo uma delas pela avenida da Saudade.

03 de dezembro de 2018