Um dos grandes aprendizados que Eduardo Cunha nos ofereceu e não soubemos aproveitar foi que não se canta vitória antes de terminada a partida. Quantos não foram os que comemoraram derrotas das propostas reacionárias de Cunha na Câmara para no dia seguinte serem surpreendidos com uma nova votação da mesma proposta na qual o mafioso saiu vencedor? E não aprendemos com essas rasteiras: voltamos a comemorar quando foi apeado da presidência da casa, ignoramos que já era tarde (e o tal "antes tarde do que nunca" é só um consolo para os derrotados), e fingimos ser secundário que Rodrigo Maia é seu aliado, que Michel Temer é seu capacho, que Gilmar Mendes é seu sócio. Não por acaso, Moro sofre para descobrir o endereço de Cláudia Cruz, para onde enviaria a intimação, e prefere, ao invés, devolver o passaporte (como se isso fosse fazer alguma diferença para quem tem dupla cidadania italiana). Cunha pode até perder mandato, mas só perde o poder se cair na alçada de um juiz imparcial - coisa longe de acontecer, por tudo o que sabe. Vamos comemorar à Perfeição sua cassação, caso ocorra, segunda, dia 12?
Daí o duplo caminho ainda a ser aprendido por boa parte da população brasileira: 1) o jogo só termina quando acaba; 2) o Brasil é como o campeonato brasileiro de futebol, com a presença ilustre e permanente do elitista Fluminense: ou seja, o jogo só acaba depois que juízes tricolores julgarem o tricolor das Laranjeiras, e a segunda rodada do campeonato seguinte tiver começado e a modesta Portuguesa notar que realmente foi rebaixada, apesar de não ser isso que apresentou em campo no campeonato passado.
Leio
no portal da Câmara dos Deputados entrevistas com os líderes dos
partidos na casa. Nossa legislação, ao não ter uma cláusula de
barreira, permite a bizarrice de partidos sem expressividade e sem
qualquer ideologia tenham direito a líder de bancada e toda as
vantagens com apenas cinco deputados - parece até propaganda de
aparelho de exercício mágico da década de 1990. As breves
entrevistas das lideranças são feitas basicamente de clichês sobre
tópicos postos pelo governo e ecoados pela Grande Imprensa, já na
primeira pergunta, "Quais serão as prioridades da sua bancada
em 2016?": ajuste fiscal, reforma da previdência, reforma (sic)
tributária, recriação da CPMF, desvinculação das receitas da
união (DRU), agenda positiva, crise, impeachment da presidenta da
República ou do presidente do congresso. A principal variação é
se o discurso fala em "direitos" ou "impostos", o
que distinguiria um partido mais à esquerda de outro, mais à
direita. No fim, pobreza de idéias e a subordinação extrema ao
poder executivo e à Globo e afins impera - incluo aqui o necessário
impeachment de Eduardo Cunha, ele próprio já rebaixa a Câmara.
O
discurso do líder do PSC, André Moura, parece ser press release
da Globo, da Veja ou da Folha. O
PSD, fiel à sua filosofia de não ser nem de esquerda, nem de
direita, nem de centro, nem a favor, nem contra, produz três
parágrafos para não dizer nada. De diferente, apenas a fala
de Sarney Filho, líder do PV, sobre a prioridade do partido à caça
ao Aedes aegypti; e de Ivan Valente, do PSOL, que lembrou a
necessidade de reverter a marcha para o obscurantismo posta em
movimento acelerado desde a eleição de Eduardo Cunha. O PPS,
partido satélite do PSDB e cada vez mais próximo da extrema direita
reproduz o discurso das pessoas felizes comentada pelo historiador
Leandro Karnal [http://j.mp/1KEN9hl], pessoas que substituíram
cultos como do Papai Noel e do Coelhinho, pelo culto da corrupção
isolada: "A crise brasileira, seja econômica, política,
social, tem um nome: Dilma Rousseff".
Enfim,
me centro na entrevista do deputado baiano Antonio Imbassahy, líder
da principal força de oposição partidária ao governo federal, o
PSDB. Sem reproduzir o Febeapá dos populares socialistas, ele diz
logo a que veio o partido: "trabalhar o impeachment, o
afastamento da presidente Dilma a partir de uma convicção de todo o
PSDB, das oposições e da maioria esmagadora da população, que com
Dilma no Palácio do Planalto o Brasil só vai piorar ainda mais
(...). Ela cometeu crime de responsabilidade e, portanto, numa
democracia, tem que ser afastada". Mais interessante contudo, é
o que ele não diz: que o que anima o partido é unicamente o poder:
não possui um projeto alternativo a ser contraposto - seja
econômico, político ou para a Câmara dos Deputados, já que ele
fala em corrupção -, não fala em transformar o Brasil no paraíso,
como Rubens Bueno, nada: fala em disputar a chave do cofre.
Inclusive, diz no fim da entrevista: "não dá para o governo
federal ficar com essa montanha de dinheiro e essa corrupção
exagerada", sem dúvida uma idéia bastante Veja (ou rasa, se
preferir) do uso do dinheiro público: ficar com o governo
federal, como se esse dinheiro não fosse gasto no custeio da máquina
pública, pagando professores, médicos, agentes de controle de
epidemias, reforma de estradas, etc. O dinheiro público, montanha ou
montinho, não deve ficar em lugar nenhum: deve voltar à população.
Teria sido um ato falho, que indica a visão de partido de butim
estatal que o PSDB possui?
Não
há como não lembrar das manifestações de junho de 2013: grande
parte dos analistas atribuiu as manifestações a uma crise de
representação política. Essa crise continua e os atuais partidos
nada fazem para tentar alterar sua relação com a sociedade e com os
poderes. Uma parte dos desiludidos foi facilmente cooptada pelos
movimentos das pessoas felizes, encabeçada pela lastimável figura
de Jair Bolsonado e logo seguida pelo PSDB de Aécio Neves, José
Serra, Aloysio Nunes Ferreira e Geraldo Alckmin. Outra parte segue à
deriva, em busca de um modus operandi político
que fuja da burocratização, do ativismo binário, da briga pelo
poder ser anterior à briga pelos ideais. Essa parte aderiu ao PT na
última eleição por medo de retrocesso e não por acreditar no
partido: ela segue em busca e, mais importante, começa a se
articular na construção de alternativas - o partido RAiZ Movimento
Cidadanista, da deputada Luiza Erundina, tem se mostrado como a principal aposta daqueles que
crêem em um outro mundo possível, feito de uma outra forma de
política, de uma outra forma de se pôr na sociedade; todos ganhamos se a aposta se mostrar frutífera.