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domingo, 1 de fevereiro de 2015

Eleições 2014, ainda - ao menos na Grande Imprensa.

Dois mil e quatorze acabou, as eleições, não. É o que dá para deduzir do artigo da diretora adjunta de redação do Valor Econômico, Claudia Safatle, em uma análise carente de lastro na realidade publicado na edição desta sexta-feira, que vocaliza como única verdade os desejos dos donos dos poderes - apresentados na Grande Imprensa como "opinião pública", "opinião de especialista" ou singelamente como "o país".
Diz ela que "Dilma não pode, ao final de dezesseis anos de governo do PT, entregar a economia pior do que Lula a recebeu em 2003, sob pena de condenar o partido à inanição e à morte". O fim do PT é o que canta a oposição desde o chamado Mensalão, mas o que se viu foi o desaparecimento do DEM e o enfraquecimento do PSDB. Achar que o Partido dos Trabalhadores corra perigo de desaparecer é desconhecer sua história e ignorar o presente. Ainda que perca as eleições, o PT conta com uma base forte, ainda que menos coesa e engajada do que na década de oitenta, e por ora nada no horizonte ameaça sua hegemonia dentro do espectro "progressista" da política tupiniquim (por favor, entender esse "progressista" em termos relativos frente as demais forças políticas do país). A explicação para os reiterados erros de previsão é simples: o Brasil, apesar de seus milionários e novos ricos com casa em Miami, de seus coronéis religiosos e midiáticos, segue um país feito de trabalhadores e trabalhadoras que labutam muito e ganham pouco, cuja preocupação maior é de suas contas fecharem no fim do mês, e não as do país. Os "desajustes macroeconômicos" - cuja idéia assume implicitamente que os modelos neoclássicos correspondem à realidade, apesar de cada vez mais desacreditados pelos grandes economistas do mundo -, apresentados como desastrosos, porque dificultam a transferência de renda aos donos dos poderes, são secundários, ao brasileiro médio, diante do emprego recorde e do aumento real dos salários - isso ajuda a explicar a vitória petista, ano passado. Além disso, os porta-vozes dos poderosos são incapazes de compreender a diferença que as políticas sociais petistas fazem, preferindo acreditar na grosseira tese do bolsa-família como curral eleitoral, enquanto os verdadeiros novos coronéis da política - os pastores evangélicos e os barões midiáticos - passam incólume, apenas aumentando seu rebanho de almas-votantes e zumbis-raivosos.
Quem corre mais risco com o segundo governo dilmista é a própria: ao adotar o receituário conservador-reacionário, depois de ter ganho as eleições com um discurso à esquerda, Dilma corre o risco de ser abandonada, no fim de seu governo, pelo partido e pelos movimentos sociais - dizia Maria Inês Nassif, no mesmo jornal, ainda antes da primeira eleição de Dilma, que ela seria a primeira presidente menor que o partido desde o início da Nova República. Sob fogo cerrado da Grande Imprensa, da direita hidrófoba, dos movimentos sociais e das esquerdas, não será surpreendente se o partido da situação apresentar um candidato de oposição, tal como o PSDB e José Serra, em dois mil e dois. O ministério de Dilma dá algumas pistas nessa direção.
Enquanto isso, âncoras, colunistas e formadores de opinião da Grande Imprensa seguem noticiando o que não passa de desejo de seus patrões, na esperança que uma alucinação coletiva traga de volta os bons tempos em que eles não eram incomodados pela malta que serve seus canapés.

01 de fevereiro de 2014.

sábado, 1 de novembro de 2014

Ao perdedor, as cebolas [Eleições 2014]

O fim da contagem dos votos não encerrou o clima de saudável debate de alto nível que tomou o país, em especial as redes sociais. Uma amiga tratou logo de divulgar uma imagem dizendo que havia votado em Dilma por ela ser mulher (em letras pequenas complementava: por ter defendido os direitos destas). Fiquei com vontade de perguntar: e se o segundo turno tivesse sido entre Marina Silva e Eduardo Jorge, teria votado na Marina por ser mulher? Não o fiz, tentei não perder amigos por causa da eleições. E agora me centro no lamento dos derrotados - ao perdedor, as cebolas.
Discordo que as pessoas que saíram anunciando "luto pelo Brasil" não saibam perder - ao menos não por essa frase. Tivesse ganho o PSDB e muitos eleitores petistas estariam também em luto, por ver seu projeto de país interrompido. Enlutar por ver um projeto que julgava o melhor ser preterido me parece normal e dentro da normalidade democrática. O que não não está dentro dessa normalidade são os discursos que estão indo além - muito além - desse luto.
As diversas manifestações de preconceito contra nordestinos me parecem a face mais sombria destas eleições. A canção da banda Ira!, "Pobre paulista", que parecia ser peça do museu de horrores tupiniquim, talvez nunca tenha soado mais atual: "não quero ver mais essa gente feia/ não quero ver mais os ignorantes/ eu quero ver gente a minha terra/ eu quero ver gente do meu sangue" (sobre isso, recomendo o texto "Neofascismo à paulista", na página 24 e 25 da edição 12 da Casuística [www.casuistica.net]): a idéia lançada por formadores de opinião (sic) da Grande Imprensa (sic) corporativa, de separação do Brasil pró-Aécio do país pró-Dilma, mostra desrespeito com a democracia, com os dados e com nortistas-nordestinos (mas também com sudestinos-sulistas-centro-oestistas): contrariamente ao mapa a la delegados estadunidenses, a vitória da petista só ocorreu por conta dos votos que ganhou no país todo - e a maioria tucana no sul-sudeste não implica em unanimidade, bem longe disso.
Veja apontou Aécio Neves como grande ganhador do pleito deste ano. Informação correta, se da análise forem excluídos Dilma Rousseff e o PT. De qualquer forma, o mineiro sai fortalecido dentro do partido, o partido e ele é que saem enfraquecidos de um dos seus principais discursos: o de ser o partido da união, em contraposição ao partido que dividiu o país. Se assumir o discurso do ex-professor da Sourbonne, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, primeiro a levantar a vitória petista no grotões do nordeste como conseqüência da ignorância do povo local, comprado num esquema neocoronelista pelo bolsa-família - levado ao paroxismo por seus apoiadores, principalmente da Veja -, o PSDB se tornará partido de força regional em no máximo duas eleições nacionais - rota que só não inaugurou em 2014 por conta do acidente que vitimou os planos de poder de Eduardo Campos e do PSB.
Curiosidade da análise de FHC: ao falar sobre a ignorância, ele ignorou que os governos petistas ampliaram o acesso à educação, inclusive à superior, e acabaram com a principal causa do voto de cabresto: a fome (ao fim desta crônica, oporei ao doutor tão sabido outro grande intelectual brasileiro). Pior: se bolsa-família é tão pernicioso assim à democracia, por que o candidato do seu partido defendia institucionalizá-lo como política de Estado? A ignorância fernandista sobre Aécio é a mesma de boa parte dos seus eleitores, que defendiam o voto no PSDB para acabar com as "bolsas-esmolas" petistas. Ou contra a corrupção, como se fosse problema de um partido e não de um sistema - inclusive deixado impune durante os oito anos de tucanato. Bem dizem: a ignorância é uma benção - principalmente àqueles que dirigem uma massa que se presume ilustrada!
Não que votar no PSDB fosse indefensável, razões razoáveis haviam. Uma política à direita, por exemplo - de que com o crescimento do bolo os mais pobres ganhariam mais migalhas. Ou a institucionalização da bolsa-família - proposta de Michel Candessus e Enrique Iglesias, do Bird e FMI, em meados da década de 1990. Outro ponto defensável, que vi no Facebook de um empresário, era a maior confiança dos agentes econômicos em Aécio. Verdade, porém pela metade: a confiança maior em Aécio se dá antes por predileção dos donos da grana e não o contrário, como sói a quem se informa com a Grande Imprensa (sic). Também no facebook, uma ex-amiga virtual (me excluiu durante as eleições - quase chorei), dezoito anos, se perguntava como iria arranjar um emprego com a crise econômica em curso - usava Veja como fonte. Poderia ser uma preocupação justa, se não fosse equivocada: tendo estudado em escolas particulares e fazendo cursinho, sua preocupação atual deveria ser antes a de entrar em uma universidade e conseguir levá-la até o fim - coisa que, por caminhos em muitos pontos criticáveis, o governo petista dá boas perspectivas. Por fim, nascida no Japão, deveria olhar para o país natal e ver que, apesar de um quarto de século de estagnação, segue em situação de pleno emprego e boa qualidade de vida - o índice de desigualdade social que não vai tão bem. A economia crescer é imprescindível... para a economia crescer. Para as pessoas, essas que não são agente econômicos plenos, que lidam com dinheiro e não com capital, e precisam fazer contas para salário e mês fecharem juntos, para essas, emprego, renda e qualidade de vida são mais importantes - e há muitos que, ao observar o Japão, questionam a necessidade do crescimento econômico pelo crescimento econômico.
E para ajudar a entender a ignorância do nordeste, nestes tempos de seca em São Paulo, um autor que não cita Marx, nem Weber, nem foi professor com uma teoria cheia de palavras difíceis:

"Seu dotô, só me parece
Que o sinhô não me conhece,
Nunca sôbe quem sou eu,
Nunca viu minha paioça,
Minha mué, minha roça,
E os fio que Deus me deu.

Se não sabe, escute agora,
Que eu von contá minha histora,
Tenha a bondade de uví:
Eu sou da crasse matuta,
Da crasse que não desfruta
Das riqueza do Brasí.

Sou aquele que conhece
As privação que padece
O mais pobre camponês;
Tenho passado na vida
De cinco mês em seguida
Sem comê carne uma vez.

Sou o que durante a semana,
Cumprindo a sina tirana,
Na grande labutação,
Pra sustentá a famia
Só tem dereito a dois dia,
O resto é para o patrão.

Sou o que no tempo da guerra
Cronta o gosto se desterra
Para nunca mais vortá,
E vai morrê no estrangêro
Cumo pobre brasilêro,
Longe do torrão natá.

Sou o sertanejo que cansa
De votá, com esperança
Do Brasí fica mió;
Mas o Brasí continua
Na cantiga da perua:
Que é: - pió, pió, pió...

Sou o mendigo sem sossego,
Que por não achá emprego
Se vê forçado a seguí
Sem dereção e sem norte,
Envergonhado da sorte,
De porta em porta a pedí.

Sou aquele desgraçado,
Que nos ano atravessado,
Vai batê no Maranhão,
Sujeito a todo o matrato,
Bicho de pé, carrapato,
E os ataque de sezão.

Senhô dotô, não se enfade,
Vá guardando esta verdade
Na memora, e pode crê
Que eu sou aquele operário
Que ganha um pobre saláro
Que não dá para comê.

Sou ele todo, em carne e osso,
Muntas vêz não tenho armôço
Nem tombém o que jantá;
Eu sou aquele rocêro,
Sem camisa e sem dinhero,
Cantado por Juvená.

Sim, por Juvená Galeno,
O poeta, aquele geno,
O maió dos trovadô,
Aquele coração nobre
Que a minha vida de pobre
Munto sentido cantou.

Há mais de cem ano eu vivo
Nesta vida de cativo
E a potreção não chegou;
Sofro munto e corro estreito,
Inda tou no mêrmo jeito
Que Juvená me deixou.

Sofrendo a mesma sentença,
Tou quage perdendo a crença,
E pra ninguém se enganá
Vou deixá meu nome aqui:
Eu sou fio do Brasí,
E o meu nome é Ceará!"

"Seu dotô me conhece?", de Antônio Gonçalves da Silva, poderia mas não foi escrito ao doutor Fernando Henrique Cardoso. É anterior ao PT, e ao PSDB também - mas desconfio ter tido mudanças significativas no quadro cantado apenas na última década. A quem não conhece, está no livro Inspiração nordestina, assinado com o nome artístico de Patativa do Assaré.


São Paulo, 01 de novembro de 2014.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Uma vitória à esquerda [Eleições 2014]

 Finda a eleição presidencial e a contagem dos votos (sem direiro a recontagem), pipocam as interpretações dos dados - nada mais natural. Infelizmente, natural também é o preconceito que norteia algumas dessas análises - não que seja aceitável esse tipo de mentalidade, muito menos o espaço que ela ganha na Grande Imprensa corporativa, mas antes esse grave problema escancarado a seguir acreditando no mito do brasileiro cordial. Também eu cá arrisco meus palpites do porquê da vitória da Dilma por tão estreita margem, também eles calcados em preconceitos - menos movidos a ódio, quero acreditar.
 A Grande Imprensa nunca foi imparcial e sempre jogou sujo para derrubar candidatos à esquerda, não seria diferente agora. A tentativa de Veja de interferir na votação com acusações sem provas contra o ex e a atual presidente da república foi só um último ato de uma campanha anti-PT de longa data, que busca imprimir ao partido a pecha de O partido corrupto, deixando na entrelinha subentendido que nos governos tucanos não foi e não é assim: casos como o mensalão do PSDB mineiro ou a corrupção nas licitações de trens e metrô nos governos Covas, Serra e Alckmin são sistematicamente abafados ou ganham, quando muito, uma pequena nota na parte interna de algum caderno, enquanto mensalão do PT e desvios na Petrobrás são mais divulgados que os números da tele-sena. Outra tática a la Goebbels dos nossos Berlusconis foi fazer de um protesto que dizia respeito às esferas municipal e estadual virar manifestações contra a presidente, numa partidarização, ou melhor, anti-partidarização das chamadas jornadas de junho de 2013 (porque não havia partido sendo defendido positivamente, mas os de esquerda, PT, PSTU, PSOL, eram fortemente atacados, inclusive com violência física).
Um aspecto que também creio ter influenciado no resultado apertado é que Dilma desta vez venceu com um discurso à esquerda, bem diferente do de 2010, quando, pega de surpresa pelo Serra nas questões dos costumes, acabou disputando com ele o eleitorado mais reacionário. Talvez principalmente pela mobilização da comunidade GLBTTS depois do pastor Feliciano presidir a comissão de direitos humanos da Câmara dos Deputados, houve uma leve mudança de mentalidade, o que pode ter feito com que Dilma se sentisse mais à vontade para defender a criminalização da homofobia e a não redução da maioridade penal, por exemplo. É pouco, mas para um país conservador como o Brasil (não falei que ia eu despejar meus preconceitos aqui?), contestar esses posicionamentos mais retrógrados,  que vêm ganhando eco com o crescimento evangélico, não deixa de ser um avanço. Aécio, que poderia ter posto a esquerda nos costumes (como era bandeira do PSDB, ao menos em tese, até pouco tempo atrás) como predominante no debate, demonstrou que a guinada reacionária tucana extrapola São Paulo. Nas relacões internacionais e na economia também tivemos um confronto mais aberto entre posições de esquerda e direita - o neonacional-desenvolvimentismo e o neoliberalismo -, com Aécio assumindo uma menor dubiedade que Serra (mas não de todo clara).
 E, claro, ponto de maior destaque nestas eleições foi o baixo nível do debate, em especial entre os apoiadores das campanha, principalmente os de Aécio Neves. Movidos por preconceito e ódio, os simpatizantes tucanos - auto-proclamados ilustrados, contra a turba ignorante do norte-nordeste - acreditavam em qualquer boato contra o PT, acreditavam até mesmo na Veja, e mostravam desconhecer as propostas do próprio candidato, que tinha como uma de suas propostas tornar política de Estado o bolsa-família, ops, "bolsa-vagabundagem", um dos motivos de maior revolta de certa classe média e elite tupiniquim. Perderam, e desolados com a vitória a quem culpavam de dividir o país, reforçam a impressão de que nunca se incomodaram com a segregação entre casa-grande e senzala.

São Paulo, 29 de outubro de 2014

sábado, 25 de outubro de 2014

O homem-panacéia e a mulher-burocrática-prepotente [Eleições 2014]

 O debate da rede Globo não teve nenhum golpe baixo da emissora contra a candidata petista. Não assisti ao jornal Nacional, mas pelo que vejo nas redes sociais, nenhum revival de 1989 - convenhamos, trechos de Veja sobre a Petrobrás são coisa pouca diante de seqüestradores de burgueses vestindo camisetas do PT (direção de figurino: Romeu Tuma). Isso não impediu de Aécio Neves trajar a plumagem collorida de salvador da pátria e caçador não de marajás, mas de bandidos (dentro da mais pura lógica "aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei"), traje usado com menos alarde por Marina Silva nas duas últimas eleições. 
 Provavelmente por um cálculo publicitário de tentar ganhar aquela parcela da população carente de um líder forte, Aécio buscou posar de homem-panacéia, determinado a sanar todos os problemas do país, pouco importa qual, se da alçada federal, estadual, municipal ou particular (parênteses: não deixa de ser curioso que os maiores defensores do estado mínimo estas eleições fossem justo os que mais pregam a interferência estatal máxima em assuntos de foro íntimo), se atribuições do executivo, legislativo, judiciário ou mercado. Dilma fez o contraponto dentro do seu estilo burocrático (afinal não era ela quem dizia, em eleição passada, que "o Brasil precisa de um gerente"? Ah, não, era o Alckmin), contestando as promessas tucanas com explicações sobre o desenho constitucional e as atribuições do executivo federal. 
 Espero que a candidata à reeleição tenha sido feliz em seu intento. O que não posso deixar de ressaltar, com grande preocupação, é o discurso de Aécio: homens firmes e salvadores da pátria, há uma razoável lista na história, sempre de amarga lembrança. Por exemplo: a face sombria do governo Vargas de 1930 a 1945: se criou a CLT e lançou as bases da industrialização do país, prendeu e matou uma série de opositores políticos. Ou os militares na ditadura civil-militar da segunda metade do século passado, instituição "forte" a curar as mazelas do país e pô-lo nos eixos.
 Em uma eleição caracterizada não por uma mera polarização, mas por encarar o outro não como adversário a ser batido, e sim como inimigo a ser aniquilado, com direito a conflitos de rua, o discurso de Aécio Neves, reverberando uma imprensa adepta de Goebbels, abre um perigoso paradeiro - um fantasma que anda a rondar o globo, ainda que com diferenças da sua versão original, da primeira metade do século XX. Para piorar, é endossado por um dos maiores partidos do país. Torço, no meu humanismo ingênuo, para que, passadas as eleições, o PSDB faça uma autocrítica e chegue à conclusão de que o mais importante não é seu projeto de poder, mas o futuro do país: que haja como oposição dentro dos limites aceitáveis, nas casas legislativas e nas ruas, pedindo investigações, barrando projetos, sem, contudo, desqualificar ou atropelar nossa constituição.   

São Paulo, 25 de outubro de 2014

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Faltam três dias - tempo demais para nossos Berlusconis tentarem mudar o resultado da eleição [Eleições 2014]

   Em 1993, um Lula ainda adepto da Política nos termos de Jacques Rancière, ou seja, política como conflito e inclusão de marginalizados na Ágora, dizia que se eleito uma das suas prioridades seria quebrar com o monopólio das Organizações Globo, império midiático porta-voz oficial da ditadura civil-militar que reinou sobre o Brasil entre 1964 e 1985. Está no documentário de Simon Hartog, Beyond Citizen Kane (Além do cidadão Kane), produzido para a televisão britânica e censurado no Brasil pela emissora que acusa de censura qualquer tentativa de pôr seu poderio sob o guarda-chuva legal, assim como demais poderes estatais e para-estatais, ou empresas de todos os demais ramos. 
 Em 2002, tão logo conquistou a presidência da República, qual o ato de Lula? Conceder com exclusividade à rede Globo a primeira entrevista. Era já o Lula adepto da tal "concertação", que abandonava o conflito por um pacto social menos retrógrado - progressista apenas para um país que ainda não se conforma com o fim da escravidão -, e incluía marginalizados não na Ágora, como atores políticos, mas nos mercados, como consumidores (de celulares e carros, mas também de saúde suplementar e educação privada).
 É certo que Lula tratou de diminuir o poder da Grande Imprensa, principalmente Globo, ao alterar regras de distribuição da publicidade oficial, suangrande galinha dos ovos de ouro. Teve a chance de enquadrar a revista Veja, quando esta publicou acusações falsas de contas do então presidente na Suíça - foi matéria de capa. Não é exagero dizer queno PT se acovardou diante da Grande Imprensa. 
 Dilma foi além, e devolveu a César o que a Grande Imprensa dizia ser de César, devolvendo-lhe a verba publicitária pulverizada entre outros veículos. Talvez tenha imaginado que seria capaz de comprar se não seu apoio, ao menos afagar a raiva dos barões da mídia contra o PT. Errou vergonhosamente, e agora paga por seu erro: há três dias das eleições, Veja deu o primeiro sinal para a tentativa do último golpe na decisão de voto, em uma capa que acusa Dilma e Lula de "saberem de tudo", e a crise hídrica de São Paulo ser culpa do aquecimento global, não do apagão local de planejamento. Amanhã, sexta, haverá o último debate, na rede Globo: um show de horrores pode ser esperado: MMA deve ter mais cavalheirismo. Sábado, os jornais da emissora falarão do tal debate. Um revival de 1989 não está descartado, e não por um apego à moda retrô, e sim por apego ao poder e ao golpismo. Que fique apenas na capa de Veja, que não tenhamos uma Dilma apática diante de um Aécio seguro de si, aclamado no dia seguinte como salvador da Pátria.
 O que me assusta é o PSDB, na sua ânsia de vitória a qualquer custo, aceitar toda espécie de golpe baixo - não apenas a ocultação da verdade, como em 1998, mas a mentira e a manipulação espúria. Nenhum partido ou político deveria aceitar atentar contra a democracia em nome de um projeto de poder. Diante desse udenismo tucano, não resta outra alternativa que torcer por uma vitória petista, ainda que os governos Lula e principalmente Dilma me soem pusilânimes, mesmo nos seus momentos de grandeza. Que a presidenta saia vitoriosa e aprenda com mais essa eleição: de que certo estava o Lula de 1993, e uma lei que regulamente a Grande Imprensa brasileira, nos moldes da estadunidense, por exemplo, seja a prioridade máxima - sem ela, uma reforma eleitoral será uma tentativa de tornar mais eqüânime um jogo de dados viciados.   

São Paulo, 23 de outubro de 2014.  

 Ps: análise das mais precisas sobre a Grande Imprensa e as eleições, do Guilherme Boulos: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2014/10/1533264-massacre-midiatico.shtml

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Picotes eleitorais (II) [Eleições 2014]

Assisto a um dia da propaganda eleitoral dos postulantes ao Planalto. O PT se centra na comparação entre seus mandatos e os do PSDB, aposta na polarização "governo para os pobres x governo para os ricos". Em um discurso que parece mais interessado em consolidar votos do que angariar mais, deixa o raciocínio pela metade, esquecendo de explicitar o porquê da melhora das condições de vida da base da pirâmide social trazer ganhos para o conjunto da sociedade - fator de diminuição de violência, pressão por melhorias nos serviços públicos, aumento nos salários. Já o PSDB recebeu não só o apoio de Marina Silva e do PSB, como teve seu discurso moralizante a la UDN repetido pela representante da nova política. Aécio, ao menos nesse programa, deixou passar a oportunidade de se apresentar como o candidato da uniâo contra o partido da divisão social. Além disso se focou em certo discurso da emoção - por conta do apoio da viúva de Campos -, próximo daquele usado por Marina durante o primeiro turno, uma tentativa, talvez, de ganhar o eleitorado pernambucano, ou de inflar a presumida onda que embala sua candidatura - Marina Silva foi uma mostra de que discurso da emoção não se sustenta por muito tempo. O mais deprimente foi vê-lo repetir discurso dos formadores de opinião da direita brasileira - essa que diz que o Brasil passou por uma "ditabranda" -, de que o país vive sob a hégide de um partido anti-democrático, uma quase ditadura (bolivariana): essa fala desligitima não só o processo de escolha como todo o sistema democrático! Que tenha sido um lapso, não um chamado ao "restabelecimento da ordem" (com Deus pela família?).
*
Eduardo Campos tem sido alçado a político com legado para o Brasil - absurdo exagero. Tratava-se de um político hábil e com futuro, mas sem legado que garanta um lugar no panteão de políticos como Cipriano Barata, Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola - para ficar nos falecidos. Se não for esquecido tão logo se encerre a disputa eleitoral, seu presumido legado o tornará um grotesco espantalho para uso de ocasião pela Grande Mídia.
*
Dois gigantescos desserviços dos eleitores ao Brasil: a substituição de Eduardo Suplicy por José Serra, como senador por São Paulo, e a de Pedro Simon por Lasier Martins, no Rio Grande do Sul.
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Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Pastor Feliciano, José Serra, André Sanchez (até agora não vi cartola que não seja uma decepção: ou um fracasso ou um Eurico Miranda com sutis diferenças), Lasier Martins, Paulinho da Força, Pedro Taques, Fernando Collor, Renan Filho, Raimundo Colombo, Celso Russomano. Parece que ao se olhar pro lado, o nível dos eleitos é sempre horrível. Para a Assembléia Legislativa do Paraná, graças à votação de Ratinho Jr (começamos bem), o PSC (Partido Nacional-Socialista Cristão, do Pastor Everaldo, Pastor Feliciano e tantos outros Intolerantes Cristãos) será o maior partido da Assembléia Legislativa. Daria para ser pior?
*
Xico Sá sofreu censura prévia da Folha de São Paulo - expediente que dizem há tempos ser aplicado também a um dos polemistas do jornal (que acata obediente, enquanto anuncia o PT como partido ditatorial). Motivo: a Folha repudiaria proselitismo político em suas páginas. Em um jornal que tem Reinaldo Azevedo, proselitismo político significa ser favorável ao PT, porque qualquer coisa contra o Partido dos Trabalhadores e a favor dos tucanos, desde que se vista com uma tosca roupagem de informação, é autorizado. Xico Sá (de quem este escriba é fã de longa data e o assume como uma de suas influências) soube se dar o devido valor, e dignamente pediu demissão.
*
Nada contra o voto em Aécio Neves, quando se trata de uma escolha racional, como comentou Antônio Prata ou Gregório Duvivier. Problema é o voto de cabresto - ignaro, para não dizer preconceituoso - que quer tirar o PT do poder federal por ser O partido corrupto. Não se trata de defendé-lo dizendo que todos roubam, mas convém ressaltar que nenhum outro partido até agora, em qual nível for, deu tanto apoio e tanta liberdade às investigações sobre malversação de dinheiro público. Não é a corrupção que cresceu, foi seu combate: os crimes foram muito semelhantes, mas José Dirceu está preso e Fernando Henrique Cardoso ou Eduardo Azeredo, não.
*
Muito se tem comentado sobre os impressionantes erros dos institutos de pesquisa. Falei sobre isso após as eleições de 2010, na qual o índice de acerto das três principais empresas de medição de pretensão de voto teve acerto de 0% (isso mesmo, zero porcento). Está em http://j.mp/cG151010e. Este escriba insiste na sua tese de que as pesquisas de opinião divulgadas pela Grande Imprensa são uma forma discreta de tentar influenciar o voto: há quem vote no candidato favorito para "não perder o voto", por exemplo, ou então um candidato chega ao segundo turno em uma "empolgante crescente", pronto para desbancar a murcha presidente candidata à reeleição.


Pato Branco, 14 de outubro de 2014.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Eleições legislativas, tinha isso? [Eleições 2014]

Se um estrangeiro tivesse acompanhado as eleições no Brasil apenas pelos grandes veículos de imprensa, teria uma grande surpresa ao abrir os jornais desta semana e descobrir, passado o pleito, que havia também eleições legislativas. Fora brevíssimos intervalos - a semana pós-eleitoral e o intervalo entre a troca de faixa no executivo, em janeiro, e a troca de legisladores, em março -, Câmara e Senado costumam só ganhar destaque quando há casos de corrupção, alguma CPI que interesse à Grande Imprensa para fustigar o PT, e uma que outra "grande votação".
Por conta dessa cobertura - ou ausência de, seria melhor dizer -, a imagem senso comum do congresso e senado é a de que se trata de um bando de parasitas, que pouco fazem, e melhor que seja assim, pois, como costumam dizer vários colunistas nos jornalecões Folha e Estadão, toda vez que um deputado age algo ruim acontece. Se alguém se dispor a escutar a segunda meia-hora da Voz do Brasil ou se informar pelos sites das casas legislativas, vai ver que a história é um tanto diferente: não é só de pastores e ruralistas, de projetos insignificantes e negociatas escusas que é feita a atividade legislativa no Brasil. Sim, é feito dessa baixa política também, mas há projetos outros, que influenciam positivamente a vida de milhões de brasileiros (como a proposta para transexuais poderem alterar o nome sem grandes burocracias, por exemplo), e debates qualificados - ou quando de baixo nível, servem como panorama da situação periclitante das nossas elites, no que se refere a capacidade intelectual.
Porém, mais importante que a Grande Imprensa para esse caráter subalterno do legislativo é o próprio desenho político: não apenas por causa do executivo com poderes desproporcionais, como pela coincidência entre calendários eleitorais, que faz com que o legislativo fique obliterado pela relevância dos cargos majoritários - para o executivo, mas também para o senado. Quando Tiririca faz piada dizendo que contará qual o papel do deputado, mais do que humor raso para incautos, ele faz troça de 95% da população brasileira, que não sabe para que serve um deputado, não acompanha os trabalhos das casas legislativas (lembro de estudantes de ciência política da Unicamp só descobrirem o básico sobre o legislativo tupiniquim no segundo ano de faculdade).
Uma possível reforma política é assunto desde as manifestações de junho de 2013 - encampada, inclusive, pela presidência da república -, contudo não vi até agora discussão séria sobre o papel do legislativo e das eleições para a escolha dos representantes. A discussão gira sempre em torno do executivo - reeleição ou mandato de cinco anos -, financiamento de campanha - em que usam argumentos das campanhas para o executivo -, ou concomitância da eleição para todos os cargos - a política de alta intensidade de Marina Silva, um passo para esvaziamento ainda maior do nosso já precário debate político. Vista como subalterna pelos donos do poder, seus empregados e por quem vê política só de longe, nossos legisladores parecem assumir esse papel - estariam confortáveis com essa disfunção de nosso sistema? A separação entre as eleições para os cargos executivos e os legislativos - a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, para ficar no caso mais famoso - é um primeiro passo para um debate político sério e consistente, para um maior equilíbrio entre os poderes e para que os representantes do povo possam, de fato, representá-los. Até lá, Tiriricas podem ser vistos como pontos positivos num congresso dominado por ruralistas, evangélicos e defensores de direitos humanos para humanos direitos.

São Paulo, 09 de outubro de 2014.

domingo, 5 de outubro de 2014

Junho x eleições [Eleições 2014]

A quatro dias das eleições, no vão do MASP, na avenida Paulista, alguns jovens fazem campanha para o PSOL, panfletam e discursam. O que primeiro me chama a atenção é que todos ali aparentam, no máximo, vinte e dois, vinte e três anos. A ausência de qualquer pessoa um pouco mais madura me fez lembrar da definição lapidar de Lula, em 2006, para a distribuição de papéis na sociedade do espetáculo: "se você conhece uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema. Se você conhece uma pessoa muito nova de direita, é porque também está com problema". Me pergunto se algum desses jovens será mais que carta marcada nessa encenação que parte da rebeldia sem causa, passa pela contestação legalista e acaba na assunção da inefabilidade do status quo. Se se tornarem conservadores de esquerda - a exemplo do PT ou dos "antigos" do próprio PSOL -, uma elite intelectual, sindical e política com preocupações sociais, que reivindica melhor distribuição de renda e oportunidades, desde que não se mexa no seu status quo, podemos considerar um ganho, dado o atual estado da arte política no Brasil,
O que mais me chamou a atenção, todavia, foi a frase dita pelo adolescente ao microfone, que, no meu ver, aponta o quanto a política partidária e representativa está distante das reivindicações das chamadas jornadas de julho, e o quanto a esquerda tupiniquim organizada em partido é ou fraca ou conservadora (fico com a segunda opção). Dizia o jovem que o período de eleição presidencial era a época para a discussão de idéias para o país. Nada mais equivocado: eleição é época de síntese dessas discussões e apresentação de propostas de governo. A discussão de idéias deve ser feita todos os anos, todos os dias. Não é o que a esquerda partidária brasileira faz (menos ainda a direita): guiada por um calendário externo, ela encampa discussões postas pelo governo, pelo poder, e é incapaz de estabelecer uma pauta própria de discussões - mesmo que sejam discussões derivadas. Aí está a diferença de PT, PSOL e demais partidos para o MST na década de 1990, o MTST nos últimos quatro anos, em especial, e o Passe Livre, ano passado: esses movimentos foram e ainda são capazes de impôr uma agenda ao governo de turno, obrigam o poder a mudar sua rota para debater com o povo organizado, tendo que se pôr, muitas vezes, em situação delicada frente à uma pretensa sociedade organizada, que representa os de cima e tem seu status legitimados pelo poder. FHC não falou em debater a reforma agrária para o MST começar a se organizar, foi o contrário: a pressão do MST fez com que a reforma agrária não saísse da pauta do governo e da Grande Imprensa durante o tucanato. A mesma coisa o passe-livre e a questão da mobilidade urbana: posso estar errado, mas até junho a gestão Haddad investia nos corredores de ônibus e o modal bicicleta estava reduzido aos passeios de domingo - agora Higienópolis e Santa Cecília ameaçam pegar em armas para defender o direito da vaca-sagrada brasileira ir e vir e parar onde quiser.
Hoje tem eleições (escrevo domingo pela manhã), e independente do vencedor, os partidos que compõem nossa democracia devem seguir no seu caminhar de sempre: de costas para o povo, até que ele ocupe as ruas, grite e se faça ouvir. Se forem capazes de ouvi-lo e trazer essas reivindicações para dentro da arena institucional, sem ser pela via da criminalização, será pouco, mas já podemos nos dar por felizes.

São Paulo, 05 de outubro de 2014.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Internet x imprensa nas eleições [Eleições 2014]

Li em algum formador de opinião da auto-proclamada Grande Imprensa que o impacto da internet nestas eleições está abaixo do esperado. Não sei quanto esperavam, mas me parece que esse impacto, se não é positivo, no sentido de construir uma candidatura, tem tido forte papel negativo, em desconstruir discursos, em especial os discursos da Grande Imprensa. Desde a ascensão do PT ao executivo federal, a mídia corporativa assumiu - velada mas explicitamente - o papel de partido oposicionista - como aponta Maria Inês Nassif. Veladamente nas suas capas e reportagens, explicitamente em discursos internos. 
Goebbels dizia que uma mentira repetida mil vezes se transforma em uma verdade. A Grande Imprensa tupiniquim desde longa data tenta isso (as repotagens da Rede Globo sobre a eleição no Rio de Janeiro, em 1982, sobre a campanha das Diretas Já, em 1984, a edição do último debate de 1989, a crise quebra do país antes das eleições de 1998, por exemplo), e diante de recentes fracassos, aumenta a dose a cada eleição, atuando cada vez mais como sistema. Mesmo assim, sua tática não tem dado muito certo - não sei se errado estava o ministro nazista ou se nossa Grande Imprensa é que é de uma incompetência constrangedora.
Desde o mensalão o PT é acusado diuturnamente. Nos últimos dois anos e meio, a dose foi cavalar. Mesmo depois de longo período de fogo cerrado, diário, o PT segue forte, e Dilma Rousseff ainda lidera a corrida presidencial, é favorita, e já se volta a cochichar em vitória no primeiro turno (possibilidade que creio publicidade mal-feita por jornalistas de má-fé e bons salários). 
A campanha anti-petista nível hard, em que a indústria cultural agiu como sistema, atacando por todos os lados - imprensa editorial, televisiva, radiofônica, hebdomadária, diária, blog -, teve início em 2012, no julgamento do chamado mensalão, no STF, em cronograma feito sob medida para o veridicto sair na semana anterior às eleições municipais - não fosse uma pedra no caminho que o atrasou. Findo o julgamento, vieram os tais embargos infringentes, na ânsia de garantir direito posto inicialmente de lado, o de ampla defesa. Isso tomou todo o ano de 2013 e parte do 2014. Julgados os embargos, qualquer coisa virava notícia, de pacote de sanduíche no lixo da penitenciária a eventuais falsos laudos médicos, passando por depoimentos de vizinhos de parentes de conhecidos de carcereiros da Papuda sobre privilégios. 
Ao se dar conta que o discurso do mensalão não se convertia em mais votos à oposição, buscou-se novo bode expiatório, encontrado na Petrobras e nas acusações de irregularidades e perda de competitividade - vale lembrar que dependesse do PSDB e da Grande Imprensa se chamaria Petrobrax e pertenceria há muito tempo a algum grupo estrangeiro, ou ao amigo do rei Daniel Dantas. Mais de meio ano de capas, manchetes, notícias e reportagens sobre os eventuais desmandos na estatal. No rádio, nas principais notícias do dia a cada meia hora, ou de vinte em vinte minutos, onde tudo pode mudar (menos a ladainha contra o governo), ou no rápido giro de quinze minutos, sempre há algo a ser dito sobre o assunto, que seja notícia velha ou irrelevante, ou suspeita sem fundamento.
E aqui, imagino, possa ser sentido o impacto da internet nas eleições: mesmo ao se utilizar de todos os seus meios, a Grande Imprensa não tem mais o domínio da informação como tinha antigamente: portais alternativos de notícia, reportagens compartilhadas em redes sociais, blogs de analistas independentes, tudo isso permitiu que boa parte da população pusesse em suspeição as notícias divulgadas pelos Marinho, Civita, Saad, Frias, Mesquita e afins. O Jornal Nacional amarga perdas sucessivas de audiência. Diários e hebdomadários amargam vendas declinantes - vejo pelo edifício em que moro, sou o único assinante de jornal, a porcaria do Valor Econômico, e um dos cinco assinantes de revista semanal, a Carta Capital. 
É nessa quebra do quase monópolio da verdade e da mentira pelo Quarto Poder (que se sabe um, mas recusa se submeter ao guarda-chuva legal e de contra-poderes democráticos) que a internet têm tido relevância nestas eleições. Perde muito da efetividade manchetes nos jornais, capas nas revistas, notícias nos telejornais, se o eleitor menos interessado se fia pela notícia compartilhada por conhecidos que têm em alguma estima. Sim, a Grande Imprensa também está presente nesse espaço, com seus portais e versões on-line, porém não tem a força pré-internet.
Mas nesse ponto concordo com o tal formador de opinião que não me recordo quem é: o impacto da internet é pequeno, contudo demonstra a necessidade urgente de uma lei da mídia que desoligarquize os canais midiáticos tradicionais e submeta esse quarto poder ao crivo da lei e da democracia.

São Paulo, 22 de setembro de 2014

terça-feira, 9 de setembro de 2014

O destino manifesto de José Serra: fundar e afundar o PSDB

Se de início não empolgava, a candidatura do tucano Aécio Neves agora definha - graças à entrada de Marina Silva na corrida eleitoral. Não creio que Aécio possa já ser excluído do segundo turno, porém é uma tarefa cada vez mais árdua, dificultada por cálculos estratégicos do PSDB, preocupado em não queimar pontes com a candidata da providência divina. Estar nessa situação incômoda - alguns analistas apontam a possibilidade do PSDB se tornar um partido médio no congresso após estas eleições - não deve ser posto na conta do mineiro, pelo contrário, ele corre o risco de pagar pelos erros alheios. Erros da cúpula do PSDB ao aceitar a candidatura de José Serra, em 2010. Tivesse disputado a presidência há quatro anos, como era seu intuito, Aécio seria conhecido nacionalmente e estaria próximo do patamar de votos de Marina. Isso para não falar na guinada à direita mais reacionária dada por Serra (em direção a Alckmin, é verdade, mas até então essa direção era mais aflorada no PSDB paulista e escamoteada no nacional), reforçada por Aloysio Nunes no senado federal - um desserviço não apenas para o partido como para o país.
Ocorre que o PSDB parece ser, diferentemente do PT, um partido que não aprende com seus erros. Deu a legenda para que Serra disputasse a prefeitura paulistana em 2012 e agora a vaga no senado.
Serra tem chances de vencer a disputa contra Suplicy: pesquisas dão empate técnico entre os dois - se é que pesquisas valem algo, em 2010 Aloysio Nunes teve um milhão de votos a mais do que apontavam as pesquisas -, e o tucano conta com a candidatura de aluguel de seu pupilo político, Kassab - que até então eu não entendia por que estava disputando o senado e não a câmara, muito mais importante para o futuro de seu partido. Ouço a vinheta do PSD: pergunta se o eleitor lembra de algum projeto de Suplicy voltado para São Paulo. Pergunta capciosa - eu mesmo não lembro, e olha que sou costumaz ouvinte da Voz do Brasil. Mas logo me dou conta: também não lembro de nenhum da Marta ou do Aloysio. Assim como não lembro de projetos para o Paraná propostos por Roberto Requião, Álvaro Dias ou Gleisi Hoffman. Pouco depois vem a propaganda de Serra, prometendo defender a grandeza de São Paulo no senado federal - só faltou a música do Ira! "Pobre São Paulo" como trilha sonora. O mais alarmante: seu discurso claramente fascistóide, de orgulho varonil do solo, encontra eco na população paulista - ao que tudo indica, principalmente numa classe média remediada e ignara (apesar de seu diploma da USP ou da PUC) e desiludida por não conseguir alcançar a parte rica da Belíndia, tendo que conviver com a rafuagem ascendente, seus iguais só que mais pobres (de grana): e se o Nordeste alcançar São Paulo?
Se vencer a disputa pelo senado, não me surpreenderia Serra insistir no seu destino manifesto de ser presidente do Brasil e concorrer em 2018. Entretanto, se perder, o estrago para o PSDB pode ser enorme - aí sim eu poria o PSDB sob forte risco de se tornar uma legenda média, se tiver sorte. A cada eleição majoritária que Serra concorre, portas são fechadas a possíveis novos nomes do partido. Se a disputa em 2010 tem custado a deste ano, a de 2012 custará a de 2016 e já dá para vislumbrar a conta destas eleições em 2018: supondo que Alckmin se reeleja, mais provável que ele dispute uma vaga no senado, junto com Aloysio, ou a presidência da República, se Aécio sair queimado e Serra não conseguir, outra vez, a vaga. Que outro nome de projeção estadual tem o PSDB para disputar o executivo? O campineiro Carlos Sampaio, que não ganha nem a prefeitura da cidade? O Matarazzinho, envolvido nos casos de corrupção do Metrô e da CTPM? Serra de novo? A disputa pela prefeitura de São Paulo, em 2016, seria a saída para fazer um novo nome para disputar o estado dois anos depois - porém esse nome teria mais força somente para 2022.
Quem me conhece sabe que não tenho qualquer simpatia com o PSDB, mas tampouco encampo o anti-tucanismo visceral. O que lamento é a guinada ao reacionarismo udenitsta dada pelo PSDB de São Paulo, especialmente por Serra, em 2010 (de onde a míngua do partido ser positiva), e a ausência - temporária, creio, espero, porém por quanto tempo? - de um interlocutor de peso com o PT federal. A incompetência do PSDB em defenestrar Serra pode custar mais do que ao partido: à própria democracia liberal burguesa tupiniquim.

São Paulo, 09 de setembro de 2014.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Picotes eleitorais


Ao que tudo indica, Marina Silva "russomanizou" mais cedo do que era de se esperar: tão logo saiu das generalidades abstratas para propostas concretas, tropeçou nas próprias pernas (e alheias, postas por seus aliados), e para quem já era vidraça, abrir a guarda pode ser mortal - pedras é o que não falta. Ao obedecer a ordem do pastor Malafaia, e voltar atrás na sua política sobre homossexuais, Marina viu sua credibilidade escorrer entre pessoas mais à esquerda, desiludidos com o petismo e críticos à imiscuição entre Estado e religião. Pior: para quem tenta vencer eleição para o executivo sem base legislativa, é importante o culto à personalidade (quer dizer, isso no Brasil é importante com ou sem base) e a demonstração de força, para garantir a aura salvacionista (Collor em 1989, Heloísa Helena em 2006 e Marina Silva em 2010). A hesitação da candidata do Rede vai refletir na confiança dos eleitores que ainda hesitavam se votariam mesmo nela. Não está perdida, mas terá trabalho para recuperar a imagem.
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Na segunda-feira, em sua coluna no Valor Econômico, o filósofo Renato Janine Ribeiro, entusiasta de Marina Silva, apresentava contradições do programa de governo da candidata, como quando esta falava em ampliar a participação popular na política e, na hora de indicar ações concretas, propôr unificação de todas as eleições, com mandatos de cinco anos: tamanho intervalo, comenta o filósofo, só ajuda a desmobilizar ainda mais a discussão política. Concordo com ele e desde muito defendo que as eleições deveriam seguir a cada dois anos, porém unificando eleições executivas em uma das datas e eleições legislativas na outra.
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A Grande Imprensa, por seu turno, age como biruta de aeroporto que tenta mudar a direção do vento. Primeiro dizendo do medo petista com vitória de Aécio no segundo turno, enquanto todas as pesquisas indicavam vitória da presidente no primeiro turno. Agora o PT teme Marina que, pelas últimas pesquisas ganharia no segundo turno (o detalhe é que as mesmas pesquisas indicam que três quartos dos votos de Marina ainda são influenciados pela comoção com a morte de Eduardo Campos). Raymundo Costa, precaríssimo colunista do jornal Valor Econômico (dos grupos Folha e Globo), fala que Aécio Neves e o PSDB cogitam renunciar à disputa para apoiar Marina Silva. Talvez ele tenha alguma informação privilegiada. E essa informação é algo como a decisão de acabar com o PSDB: não faz sentido renunciar à campanha para se juntar a uma ex-petista, simplesmente para derrotar o PT. O PSDB perderia credibilidade e boa parte do seu eleitorado fiel, e Aécio viraria, na melhor das hipóteses, um morto-vivo político.
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Brizola, que não deve ter um descanso muito tranqüilo na tumba, diante do que foi feito dos partidos nos quais fez história - o PTB de Vargas e seu PDT pós-golpe -, revolve-se ainda mais em tempos de eleição. Na propaganda do rádio ouço um candidato a deputado pelo PDT, coronel qualquer coisa, criticar o estado frouxo, a parcimônia com a criminalidade - justo no partido de quem foi acusado pela elite carioca de desrespeitar os desrespeitos aos direitos humanos pela polícia militar nas favelas do estado. Na rádio Estadão, em entrevista antes do debate do SBT, Brizola é citado pelo Pastor Everaldo. Definitivamente, a um dos personagens mais importantes - se não o mais importante - da política brasileira da segunda metade do século passado, nosso Cipriano Barata do século XX, ser citado por pastores, ver seu partido dar guarida a policiais raivosos e a representantes da rede Globo (Lasier Martins, no Rio Grande do Sul), não faz jus à sua luta.

Para relembrar:

São Paulo, 02 de setembro de 2014.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Notas sobre o primeiro debate [eleições 2014]

Escutei apenas aos dois primeiros blocos do primeiro debate entre os presidenciáveis, organizado pela rede Bandeirantes de comunicação (sic). Pelo que conversei com meu pai e li alhures, não perdi muito ao preteri-lo por Norwegian Wood, do Haruki Murakami. Meu pai achou que Genro foi a mais clara nas suas falas, nas suas posições, nas suas críticas e propostas. Em algum canto da internet li um texto perplexo por Boris Casoy ter feito casoyzadas nas suas perguntas (desta feita não era sobre Deus, que quanto a isso todos os candidatos são ferrenhos religiosos). De minha parte, do pouco que acompanhei, não esperava nada de nível elevado, e não me decepcionei - o que considero positivo, dado o estado do debate político conduzido pela nossa Grande Imprensa. 
Levy Fidelix foi além do aerotrem e defendeu propostas fascistóides. Pastor Everaldo, acreditando ter alguma chance, evitou aplaudir a violência homofóbica (deveria considerar isso positivo, ou não há ponto positivo nesse tipo de hipocrisia?). Luciana Genro eu classificaria entre o insosso e o precário. Perdeu a oportunidade de apresentar e defender bandeiras de esquerda na pergunta sobre segurança pública - como desmilitarização da polícia e os direitos humanos - para se apresentar ao público, e quando quis fazer alguma piadinha a la Plinão - ao comentar que ninguém perguntara para ela - acabou soando uma criança mimada. Suas críticas - à predominância das finanças, por exemplo -, ainda que não as julgue inválidas, me parecem equivocadas, visto que, dado sua abstração, seu caráter demasiadamente macro, não geram qualquer reflexão ao eleitor, servindo tão-somente de discurso aos convertidos: favorecer os bancos é ruim por que? Se a vida do eleitor médio melhorou, e ele conseguiu até mesmo comprar um carro ou mobiliar a casa graças ao financiamento de algum banco ou financeira, o que há de ruim com eles? Os que já aceitam essa visão mas tem um pé na realidade, a questão é como fazer: Dilma tentou baixar os juros e se deu mal, sendo bombardeada por todos os lados. Enfim, se a partir do terceiro bloco Genro conseguiu mostrar seriedade na sua participação, foi por conta de mudança radical frente os dois primeiros blocos. O destaque nesses blocos, na minha opinião, foi Eduardo Jorge, do PV. Trazendo à tona questões micropolíticas de esquerda, como legalização das drogas (ponto fundamental para a redução da violência e criminalidade, segundo ele) e a legalização da interrupção da gestação. 
Dilma fez o que era de se esperar de quem busca a reeleição, é líder nas pesquisas e favorita, e está num cenário hostil a ela e ao seu partido: vestida com o figurino de gerente que a elegeu em 2010, cuspiu números tentando se defender. Aécio mostrou que como herdeiro de FHC, só defende seu legado à direita: quando questionado por Jorge sobre aborto, seguiu a linha do PSDB paulista e optou por disputar com Marina, Dilma e pastor Everaldo o voto mais reacionário. Perdemos todos com essa posição. 
Marina foi o outro destaque do trecho a que assisti. Para além do discurso publicitário, a candidata mostrou não possuir nada. A primeira coisa a ser notada na ambientalista que acha que o código florestal é secundário diante da tentativa de assumir o poder do PV, é que ela equivocou ao mudar para o PSB: nem de direita, nem de esquerda é o partido do Kassab, o PSD. A seguir, chama a atenção sua humildade: depois da "providência divina" que escolheu matar seu colega de chapa para que ela concorresse, se propõe a uma tarefa que Jesus não alcançou: agradar a todos e governar com os melhores - sejam seus amigos ou inimigos. Sua modéstia é perceptível quando fala em ser eleita e não ungida. Piadas à parte, o que me chamou a atenção nas três falas da candidata da providência divina foi que ela sempre se remeteu ao falecido companheiro de chapa: ficou claro que é sua estratégia explorar a desgraça alheia para angariar votos. Ademais, sua retórica se mostrou desprovida de plano de governo. Resta, então, a dúvida: quanto tempo ela consegue sustentar seus índices nas pesquisas com base no discurso de emoção e vazio de conteúdo? Não me surpreenderia um fenômeno a la Celso Russomano, que, em 2012, quando saiu da abstração retórica para propostas concretas caiu mais rápido que subiu. É certo que Marina não é Russomano, possui longo histórico de política e de propostas (majoritariamente vinculadas à questão ecológica, o que é ótimo para um representante legislativo, não para o executivo), mas engessada pelos acordos firmados por Campos, sua tentativa de não rompê-los com estardalhaço pode lhe custar caro - tanto quanto mantê-los ou rompê-los com alvoroço. Marina se pôs a difícil tarefa de explicar porque é a nova política quando seus acordos e seu séquito são da velha política.

São Paulo, 28 de agosto de 2014.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Aécio Neves pode dar novo rumo à política brasileira [Eleições 2014]

Com a entrada de Marina Silva no lugar de Eduardo Campos para a disputa da presidência da República pelo PSB, Aécio Neves e o comitê de campanha tucano provavelmente mudarão o foco de suas preocupações de forçar um segundo turno para chegar ao segundo turno (Marina estará muito próximo dele nas pesquisas, se não superá-lo logo de cara). Como o projeto do senador mineiro é para 2018 (claro que ele não vai se incomodar em ser eleito agora, mas todos sabem que suas chances são, desde o início, reduzidas), ele tem a oportunidade mudar a trajetória do seu partido e, conseqüentemente, da política brasileira.
É fala recorrente entre os bons analistas políticos que com a polaridade PT-PSDB no plano nacional o primeiro passou a empurrar o segundo cada vez mais para a direita. De partido de centro/centro-direita com ideais progressistas, o PSDB foi se convertendo em partido de centro-direita/direita conservador/reacionário. Serra, no segundo turno de 2010, foi a coroação desse movimento, transformando o partido outrora alinhado com a tal "terceira via" de Clinton em uma versão light do Tea Party republicano. Para lembrar: na expectativa de atrair o eleitorado mais conservador, que no primeiro turno tinha em Marina sua representante natural, Serra mandou pelos ares o acordo entre PT e PSDB para não entrar em temas polêmicos em que ambos os partidos defendiam bandeiras progressistas, como aborto, maioridade penal, legalização das drogas, casamento homoafetivo. Como faz parte do grande jogo político, que visa a obtenção do poder estatal, o PT teve que se adaptar ao movimento de Serra e caminhar, ele também, mais para a direita, escamoteando bandeiras típicas da esquerda. A atitude de Dilma é criticável, mas o PT ficou ali numa aporia: ou ocultava sua pauta de liberalidade nos direitos individuais ou perdia o poder para um candidato que se pôs claramente contra essa pauta. Garantir o poder era a melhor forma de evitar um retrocesso maior - o discreto Marcelo Crivella é quase inofensivo no ministério da pesca e o tosco Marco Feliciano é peixe pequeno, bem menos perigoso que o pastor-coronel Silas Malafaia.
Como Marina entra como candidata natural dos votos dos mais conservadores, junto com o pastor Everaldo, Aécio tem a possibilidade de escolher se disputa com ela esses votos, reafirmando o conservadorismo da sociedade brasileira, ou dá uma guinada à esquerda, em direção às bandeiras que nortearam a fundação do PSDB e hoje (infelizmente) têm no PT seu único defensor (dentre os grandes partidos). Penso que qualquer que seja seu movimento, ele deve ter dificuldades para ir ao segundo turno - essa escolha é principalmente para os próximos quatro anos.
Se optar por assumir um discurso mais à esquerda, é capaz de capturar alguns descontentes com o PT, mas que votam nele pela questão dos direitos humanos. Com isso, forçaria o Partido dos Trabalhadores a caminhar mais para a esquerda, para manter esse eleitorado - ou para a direita, assumindo o papel agora do PSDB, e perdendo grande parte da sua base histórica. Se pondo à esquerda, a bancada evangélica pode ver seu poder de barganha diminuído, pois na tribuna do senado estará Aécio defendendo bandeiras progressistas, de olho em 2018. No âmbito interno do PSDB, esse movimento poria em xeque o poder dos caciques paulistas, o que pode enfraquecê-lo ou confirmá-lo como grande liderança tucana. O PSDB de São Paulo se transformou em herdeiro do malufismo para o eleitorado abastado mais reacionário e ferrenho crítico dos direitos humanos (ou defensor dos "direitos humanos para os humanos direitos"). Exemplos: rampa anti-pobre e defesa da criminalização do aborto por Serra, projeto de diminuição da maioridade penal por Aloysio Nunes Ferreira (quando o estado de São Paulo não consegue sequer atender suas próprias diretrizes nas fundações de ressocialização de menores infratores, e só consegue ter paz nos presídios porque estes são controlados de fato pelo PCC), exaltação e legitimação de assassinatos extra-judiciais por parte dos seus subordinados por Geraldo Alckmin ("quem não reagiu está vivo" é a versão Opus Dei para "bandido bom é bandido morto").
Há, contudo, uma série de questões que surgem ao se levantar essa hipótese de guinada à esquerda (pouco provável, admito). Primeiro: defender tais bandeiras significa se aproximar de FHC (lembre-se que este perdeu a prefeitura paulistana justo por conta desse eleitorado ultra-conservador e da Grande Imprensa partidária) e se afastar do resto do alto tucanato paulista - estado até hoje hegemônico na legenda. Teria eles força suficiente para tal movimento? Segundo: significa priorizar cálculo político e não publicitário, e é de se questionar se ele teria poder para contradizer seu marqueteiro. Terceiro: Aécio Neves e o PSDB acham mesmo relevante a defesa efetiva dos direitos humanos e ampliação dos direitos individuais?

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Sem Campos, como pode ficar a disputa presidencial? [Eleições 2014]

Para além da tragédia familiar e dos amigos próximo com o acidente aéreo que vitimou Eduardo Campos, a morte do candidato do PSB tem potencial para provocar grandes mudanças na corrida presidencial deste ano. Pela primeira vez vislumbro possibilidade real de segundo turno na campanha, se for Marina a substituir Campos (convém ressaltar que todas as pesquisas divulgadas até agora apontam vitória de Dilma no primeiro turno, sendo o tal segundo turno antes distorção dos números por parte de institutos de pesquisa (sic) e jornalistas (sic) da Grande Imprensa).
Eduardo Campos parecia ter alcançado algo próximo do seu teto de votos, sem possibilidades de grandes avanços nesta eleição - e seu projeto era para 2018. Marina, por sua vez, tem o nome consolidado nacionalmente: é de se imaginar que mantenha boa parte dos vinte milhões de votos da eleição passada (quase vinte por cento dos votos válidos), e ganhe alguns mais, por conta da comoção pela morte de Campos. Ademais, seu discurso se propõe o de uma via alternativa à forma de fazer política tradicional - a idéia de rede e não de pirâmide hierárquica -, e dada a saturação da polaridade PT-PSDB pode granjear o voto dos semi-descontentes com esses partidos ou dos muito descontentes com o sistema representativo nacional. E ainda que não seja "candidata evangélica", tal qual o Pastor Everaldo, por ser evangélica, já tem uma barreira a menos para vencer diante do eleitorado mais conservador - nem precisa defender abertamente redução da maioridade penal, manutenção da criminalização do aborto e temas afins daqueles que "são a favor da vida" (sic).
Se Marina Silva assumir a cabeça da chapa, trará preocupações para o bunker petista assim como tucano: Aécio Neves, por ter sido preterido na eleição passada, ainda não tem nome forte nacionalmente - diferentemente das suas adversárias -, e será obrigado a radicalizar sua apresentação como anti-governo - quando para boa parte da população não se trata de desfazer as conquistas petistas, mas aprofundá-las, mudá-las sutilmente de rumo. Dilma Rousseff, por seu turno, terá uma oposição moderada mais forte que a de Campos, e pode se ver obrigada a uma defesa incondicional do seu governo - sem mea-culpas para pequenas melhoras. Sem contar que Marina pode roubar votos tanto de Aécio quanto de Dilma e ainda animar eleitores indecisos ou que votariam nulo - a disputa pela segunda vaga no segundo turno seria acirrada entre os oposicionistas, e creio que a acreana seria favorita.
Há, entretando, um porém anterior às conseqüências da entrada de Marina: a aceitação do seu nome pelo PSB. O partido vem numa curva ascendente e cresceu muito na eleição passada, assumindo certo protagonismo nacional, a ponto de lançar um candidato ao planalto com intenção de votos expressiva - e longe de ser um oportunista-aventureiro, como Collor-1989 ou, em menor medida, Marina-2010, sem suporte no legislativo para conduzir o governo. Marina Silva e seu grupo entraram no PSB somente para esta eleição - após o pleito, terminariam de recolher as assinaturas e criariam o Rede. Os caciques do PSB estão nessa aporia: ou dão a cabeça da chapa para Marina, vislumbram ganhar a eleição, mas perder o poder logo em seguida - correndo o risco de ver o PSB diminuir e sem candidato "natural" para 2018 -; ou põem um nome menos conhecido, insistindo com Marina como vice, com vistas a ter maiores chances de disputa em 2018. O problema desta segunda alternativa: quem?
Pela legislação, o PSB tem dez dias para uma nova convenção. Até lá, várias alternativas serão avaliadas, prós e contras pesados, e a decisão menos onerosa tomada. Enquanto não se anuncia o novo cabeça de chapa socialista, Dilma e Aécio tentarão preencher possíveis espaços que Marina poderia ocupar - um centro moderado com críticas leves ao governo Dilma.

São Paulo, 13 de agosto de 2014.

sábado, 26 de julho de 2014

Unidos x cindidos

Em um país em que a democracia engatinha, quando muito, e o dissenso típico de uma sociedade democrática é visto como crise - ou então calado na base de balas de borracha e prisões arbitrárias -, colunas que pipocaram nos jornais do grupo Folha no início da semana podem significar algo mais do que informação: podem ser uma tentativa um pouco menos explícita de influenciar o voto de quem está em dúvida, ou mesmo dar subsídio para a época de campanha na tevê - "não somos nós quem estamos dizendo: saiu na imprensa, que é imparcial".
Não que não tenha havido desentendimentos no comitê de Dilma, e não que não possa haver uma união tucana em São Paulo em torno de Aécio. O pertinente é se questionar qual é, exatamente, a relevância disso e o porquê de tamanho espaço.
Na Folha de São Paulo de segunda, Valdo Cruz comentava que a campanha de Dilma foi tomada por conflitos, dado o medo de perder a eleição no segundo turno. A disputa entre "lulistas e "dilmistas" teria estourado quando Franklin Martins fez críticas à CBF. A revista Carta Capital (que não subestima seus leitores e é declaradamente favorável ao governo) dá a pista da importância dessa tensão: Martins é tido como O inimigo da Grande Imprensa corporativa, por ter diminuído, quando ministro de Lula, o envio de verbas governamentais a tais veículos e preparado uma lei dos meios de comunicação - a exemplo do que há em países desenvolvidos e tem sido implementando em países subdesenvolvidos, como México e Argentina. Diante da mera possibilidade de Martins ter algum papel relevante num enventual segundo mandato de Dilma, vale tudo para queimá-lo.
No dia seguinte, no Valor Econômico, é a vez de Raymundo Costa informar que o alto tucanato está unido como nunca, arestas aparadas e sem pontos de atritos: "PSDB de São Paulo se rende a Aécio". O tom do artigo é louvatório às pretensas qualidades conciliatórias e agregadoras do mineiro (perto do Serra, qualquer um é conciliador e agregador), e o próprio título pode ser encarado assim, dentro da mentalidade de que todo e qualquer desentendimento é pernicioso. Olhado de fora, o título é um tanto comprometedor: rendição é um termo militar, que não implica em conciliação e sim em sujeição. Ou o título foi infeliz, ou o artigo está equivocado, ou o PSDB paulista sofre da síndrome de Estocolmo - pois quem se engajaria "efetivamente" no projeto de um inimigo ao qual foi subjugado? -, ou, mais provável, pode ser um pouco de cada: Aécio calou a boca de alguns com o apoio e engajamento de outros.
Colocar as candidaturas petista e tucana em dois pólos bem antagônicos - um em crise, outro em lua-de-mel -, serve para tentar explicar por causas internas o que seria a queda da presidenta e a subida do oposicionista nas pesquisas. Ademais, serve para, discretamente, reforçar o discurso tucano, de que o PT divide o país, enquanto o PSDB se propõe a governar para todos: "se internamente já são rachados, imagina com relação à sociedade". Eis um discurso difícil de ser quebrado pelo PT, visto que a união tucana se baseia numa cisão velada, enquanto o PT se une ao explicitar essa cisão - periferia-centro, norte-sul, pobres-ricos, empreendedores-rentistas.
A moral da história óbvia dos artigos é que "a união faz a força", por trás, contudo, há a mentalidade pouco afeita à democracia do brasileiro médio: mais que a força, a união sem oposição seria o fundamento da democracia.


São Paulo, 26 de julho de 2014.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Política travestida de análise: quando distorcer os fatos é sinônimo de bom jornalismo.

Costumo dividir os formadores de opinião da Grande Imprensa tupiniquim (em letras maiúsculas pra serem grandes ao menos em alguma coisa) em três grandes grupos: os que fazem análise política, os que fazem política travestida de análise e os que latem o que os donos querem. Estes últimos são os tais polemistas: Sheherazade, Jabor, Pondé, Mainardi (alguém lembra dele?), Azevedo, entre tantos, que destilam ódio e intolerância mal disfarçados em silogismos constrangedores pela precariedade. Talvez num passado longínquo já tenham escrito algo razoável, digno de reflexão. Hoje, o que refletem é a ignorância que assola o país, o pior do senso comum classe-média-alta conservadora. Os primeiros são raros de encontrar. Antes da vejanização da Folha de São Paulo e conseqüente folhização do Valor Econômico, este tinha a fantástica Maria Inês Nassif, analista do mais alto quilate que, sem esconder suas preferências políticas, busca deixá-las de lado quando faz suas análises (lembro um artigo sobre o PFL-DEM, seu risco de sumir e as alternativas que lhe restava, parecia ter escrito para o partido). O Estado de São Paulo, não sei como, mantém um patinho feio desse naipe, às segundas-feiras: José Roberto de Toledo, que antes da copa do mundo já avisava que haveria uma surpresa àqueles que criam nas manchetes dos jornais sobre as eleições de outubro. A Folha, mesmo a contragosto, mantém Jânio de Freitas e alguns poucos outros, ciente que eles sustentam boa parte das suas assinaturas, resquícios de quando o jornal dava credibilidade aos colunistas e não o contrário.
Já os que fazem política travestida de análise, esses proliferam aos borbotões na Grande Imprensa: mais do que pregar aos convertidos, como os tais polemistas, ele tentam legitimar os desejos dos chefes, ao justificar manchetes fictícias (para não usar um termo muito pesado), ao tentar argumentar o porquê do que eles querem ser o mais provável. As apresentações das pesquisas de intenção de voto para a eleição de outubro são um ótimo exemplo: falam em risco real para o PT de vitória da oposição, sendo que as pesquisas, mesmo depois de mais de um ano de fogo intenso contra a presidenta Dilma, apontam vitória da petista ainda no primeiro turno. Diante dos dados de hoje, essa possibilidade de vitória de Aécio está mais ou menos equivalente à do Brasil contra a Alemanha, no intervalo do jogo: pode ganhar? Pode. Mas vai ter que suar um bom tanto a mais, ou esperar qualquer milagre, um apagão alemão, um escândalo atingindo diretamente a chefe do executivo e sem equivalente no campo oposicionista, um proconsult, uma edição um pouco enviesada do último debate.
Exemplifico um pouco mais este grupo majoritário com dois exemplos do jornal Valor Econômico, jornal que assino (sim, sou um jurássico que gosta de tomar café sujando o jornal) não por mérito dele, mas por demérito dos concorrentes. No jornal do dia nove de julho, Cristiano Romero escreve artigo intitulado "Inflação em 12 meses supreende governo" (na semana anterior ele já havia escrito "Indicadores de crise"). O texto serve para reafirmar o que seria o ponto fraco do governo petista, depois que mensalação petista, Petrobrás e fiasco da copa parecem ter perdido sua capacidade de comover o eleitor. O próprio título já sinaliza um governo pouco preparado, que é pego de surpresa com algo que a Grande Imprensa tem dito, dia sim, outro também, desde que o tomate teve sua elevação sazonal de preços, no ano passado. As medidas para conter a inflação são postas em dúvida, há inflação represada nos preços administrados, o governo petista tem histórico de descumprir o centro da meta. O resultado disso tudo, ele não anuncia, mas é alardeado em todo lugar: inflação alta é igual a crise, país na bancarrota, população na miséria. Discurso que parece não ter surtido muito efeito no eleitorado, talvez porque o país tenha taxa de desemprego abaixo de 5% e aumentos reais dos salários. Na página seguinte à coluna de Romero há uma reportagem com Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, entre 1995 e 1998 - durante o primeiro governo tucano, portanto -, e sócio de uma consultoria. Vaticina ele, que não pode ser acusado de petista, não apenas que a inflação de 2014 fica abaixo da meta, como que analisar a inflação dos últimos doze meses, tal qual o colunista ao lado, não faz muito sentido: primeiro, dado os solavancos naturais no índice de preços; segundo porque o que vale é a inflação do ano (no caso, 2014), não a acumulada em um ano; terceiro, porque é a previsão para os próximos doze meses que deve ser levada em conta (hoje em 5,89%) - o que está afim à teoria das expectativas racionais que economistas neoliberais tanto gostam e se utilizam para criticar a indexação de salários (nunca dos preços).
No mesmo dia nove de julho, o incauto leitor do Valor é alertado pela sagaz colunista Rosângela Bittar, chefe de redação do jornal (reparem que não me rebaixei ao precário Raymundo Costa), de uma "armação ilimitada" da petista: votar em Dilma é votar em sabe-se-lá-o-que: enquanto os adversários já anunciaram suas equipes econômicas e delimitaram com clareza o caminho que seguirão, a presidenta, não diz nomes e só aponta linhas mestras para um eventual segundo mandato: "noutras palavras, quem quiser votar em Dilma, que o faça no escuro (...). O que ela apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral como programa de sua candidatura foi um plano fantasia, para cumprir tabela legal. O eleitor que crie a expectativa que quiser sobre o que vem aí, prenúncio de que boa coisa não é, senão o governo propagaria". Para chamar o eleitor da petista de idiota só faltou o adjetivo - por isso incluo ela nos analistas que fazem política e não nos que latem, porque ela tem um resquício de educação, mesmo que honestidade intelectual não seja seu forte. Ou então ela não lê o jornal que paga seu salário. Dois dias antes, reportagem de Vandson Lima e Raqual Ulhôa mostrava o festival de chavões lugares-comum e desconectados do discurso efetivo dos três principais postulantes ao Planalto, em que é quase impossível saber quem apresentou o que no seu programa de governo registrado no TSE. Bittar fala meia verdade ao dizer que Dilma apresentou um plano fantasia: esqueceu de dizer que não foi a única. Dois dias depois, Bittar foi contradita no mesmo Valor Econômico por Leandra Peres, em seu artigo "Dilma continuará na Fazenda em 2015". Ué? Mas não era um voto no escuro? Como, então, Leandra diz que ao votar em Dilma sabe-se bem o que virá? Para complicar a situação de Bittar: Peres tem argumentos bem mais consistentes que a chefe.
O que mais me irrita nesse tipo de "análise" é o pressuposto de que o leitor é incapaz de ler e interpretar fatos e gráficos e, principalmente, incapaz de perceber que eles estão distorcendo os fatos e não interpretando. Em outras palavras: pressupõem que o leitor é um apedeuta microcéfalo. Um burro. (Folha é especialista nesse em tratar o leitor com essa falta de respeito). O que me assusta é que se esses são os exemplos de formadores de opinião ponderados, o que nos resta é um rebaixamento ainda maior do debate - não por acaso o desprezo à "verdade factual" (por mais que falar em verdade ao se tratar de sociedade seja difícil, há pontos mínimos que não se pode negar) já é replicado em blogues, à direita e à esquerda (e sequer me refiro aos blogueiros raivosos).

São Paulo, 15 de julho de 2014.