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segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Eleições 2018: Balanço prévio de perdedores e vencedores.

Reitero o que disse ao fim do primeiro turno: esta eleição é uma grande perda para todo o Brasil - e seria mesmo com vitória de Haddad. Porém, vou dar uma analisada em mais detalhes diante do resultado das urnas (não fraudadas, apesar do processo eleitoral fraudulento). 
Há quem veja alarmismo naqueles que dizem que a eleição de Bolsonaro é o fim do nosso breve interregno democrático (de baixa intensidade, mas ainda assim, algum respiro democrático). As instituições estão funcionando, dizem, e sou obrigado a concordar com essa constatação e por isso digo com mais segurança ainda: a democracia caminha célere para a tumba. Porém, como padeço de otimismo inveterado, creio que não é uma marcha inexorável. Se as forças democráticas (progressistas em especial, mas não só) souberem se organizar e agir com inteligência, a dominação neofascista-neoliberal, em alta atualmente, pode não conseguir se firmar: a experiência histórica, aliada às novas tecnologias, os novos meios de comunicação, permitem novas formas de articulação e resistência, em que comunidades solidárias micro podem caminhar juntas com articulações macro - a onda espontânea de escuta e diálogo que tomou os últimos dez dias de campanha me parece ser um ponto de partida importantíssimo: deixar uma parte da população sob aviso de que há pessoas dispostas a ouvir e acolher, para quando a decepção com Bolsonaro começar (e ela começará em breve, a não ser que haja uma guinada fascista na economia também, por ora descartada). Agir sorrateiramente, menos passeatas e mais "passeios": a possibilidade de construção de uma narrativa - ou das bases para uma narrativa - pró democracia é grande.
O PSDB, como eu já anunciara em 2016, acabou enquanto opção democrática. O murismo de FHC, o vai e volta de Huck, e a vitória do fascista de cashmere em São Paulo devem levar os tucanos a hastearem sem peias a bandeira fascista e à debanda de figuras históricas, mesmo as mais à direita. Doria Jr. se apresenta como o fascismo de bom gosto (sic), para desfilar no exterior, e tem tudo para ser a oposição a Bolsonaro dentro do mesmo campo.
Ciro Gomes caiu na armadilha que engoliu vários expoentes nacionais: a política baseada no ressentimento. Cristóvão Buarque, Marina Silva, Marta ex-Suplicy são alguns exemplos de políticos que abdicaram da personalidade pública pelo próprio ego e desapareceram. Ciro talvez consiga contornar essa sina - afinal, é um coronel -, mas terá dificuldade em recuperar sua imagem nacionalmente: se se apresenta como alguém bem preparado, ganhou também a pecha de fugir no momento decisivo, e deixar o orgulho se sobrepor ao espírito público - seu passeio pela Europa não vai poder ser vendido como estratégico (juro que de início tentei acreditar que articulasse algum apoio internacional, para um retorno triunfal).
Uma pena, Ciro poderia vocalizar parte importante do antifascismo, um público reformista, que sabe que as instituições faliram, mas creem que um "coronel esclarecido" saberia encaminhar uma reforma sem maiores traumas. Por ora temos Boulos, com ativismo mais de base; Haddad, com penetração em meios mais ilustrados e "moderados", "habermasianos", com possibilidade de se firmar como expoente do "pós-petismo", apesar de ser do PT; e Lula e o PT, em um universo mais popular e menos organizado - e um dos papeis do lulo-petismo atual seria marcar uma clivagem social "identitária", de modo a forçar novos termos do debate (para além de nordestinos, ou assistidos, e também mais complexa que questões de gênero). Há espaço, portanto, para um antifascismo mais estridente que Haddad mas menos chão de fábrica que Boulos (Requião, se tivesse sido reeleito, talvez; não sei qual seu apelo longe da tribuna). Nesta luta contra o fascismo, parte da esquerda vai ter que aprender que vencer vale mais que "vitória moral" (Freixo ganhar a prefeitura do Rio com apoio da Rede Globo, em 2016, teria sido muito melhor que permanecer imaculado mas deixar a cidade para o bispo da Universal). Identificar coronéis dispostos a resistir junto, e abraçá-los criticamente, mas abraçá-los (não que sejam confiáveis, mas pelas últimas movimentações, Renan Calheiros e Gilmar Mendes seriam duas dessas figuras importantes neste início de luta contra o fascismo).
Quem perde também é a igreja católica e a Rede Globo. Provavelmente a igreja será posta em aporia: ou extirpa seus ramos pastorais sociais, ou sofrerá perseguições. Se aceitar a chantagem, deixa a avenida livre para evangélicos assumirem a hegemonia religiosa; se resiste, tende a definhar mais lentamente (Juliana Cunha alertou que a educação básica à distância é um ótimo negócio não apenas para conglomerados educacionais, como para as igrejas evangélicas, que poderão abrir seus salões para os pais deixarem as crianças, doutrinando-as enquanto têm "aula"); talvez sua maior chance seja dobrar a aposta e incentivar o trabalho de base, mas a cúpula brasileira é conservadora demais, e prefere seguir o bispo Macedo ao Papa Francisco, como deixou claro o bispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta (que alega não ter declarado apoio ao candidato, mas os gestos de seus funcionários mostra bem o espírito que animou a visita de Bolsonaro), além de tantos padres de paróquias.
Já os irmãos Marinho tem tudo para seguir o destino de seu precursor, Assis Chateubriand, defenestrado pela ditadura cujo golpe apoiou. Não basta a perda de importância da mídia tradicional, o que já diminui seu poder, a Globo deixará de ser a rede oficial do poder - enquanto Lula deu sua primeira entrevista aos Marinho, Bolsonaro deu a Macedo. Tentarão ser mais realistas que o rei, na expectativa de não serem liquidados, porém é óbvio que a Record será a nova porta voz oficial, com consequente aumento nas receitas. É esperar para ver os próximos capítulos (inclusive o quanto suas novelas ganharão um ar mais recatado, do lar e evangelizador). Para agora, não consigo vislumbrar saídas à emissora, muito menos de ela caminhar para a oposição, uma vez que Guedes encampa todo seu ideário.
Quem perde também com a eleição são as forças armadas. Ainda que reassumam a ribalta por meio democrático, quem estará à frente da nação é um capitão obscuro, sem controle da tropa. Nomear uma série de ministros generais é a tentativa de ter alguma autoridade no exército. E mesmo que consiga essa autoridade, seu estímulo às milícias sem qualquer controle levarão ao caos, e não à ordem. Se, como disse Marcos Nobre, Bolsonaro cresceu e só sobrevive no caos social, isso acabará por respingar nas forças armadas, que serão vistas como incapazes de restabelecer a ordem - se restabelecerem, Bolsonaro será incapaz de se manter no poder. Ademais, os tempos são outros: assim como a resistência se faz mais firme e fluida que em 64, as novas mídias não permitirão que os casos de corrupção sejam escondidos. Haverá sempre o argumento de fake news, reforçado pela mídia tradicional - e é aqui que o trabalho de base, de corpo a corpo fará a diferença, e uma hora esse discurso não dará mais conta de desmentir a realidade mais óbvia no dia a dia de uma pessoa comum.
Quem realmente ganha? Talvez o 1%, ou uma parte dele, parte do exército, alguns grupos internacionais. Mineradoras, agronegócio, petrolíferas internacionais, bancos, evangélicos, alguns grupos do crime organizado, redes privadas de ensino, mercado de bens e serviços (como saúde, educação e segurança) de luxo. O Brasil deve perder ainda mais relevância internacional, e se os artistas internacionais (como Madonna, Bono, Cher, Waters e outros) começarem a vincular marcas ao regime de Bolsonaro, é bem provável que empresas abarquem a campanha antifascista, ao menos abdiquem de lucros em nome da imagem, já que o mercado brasileiro vai minguar com as políticas econômicas prometidas (vincular a Nike à CBF e o uniforme da seleção aos fascistas poderia ser um primeiro teste).
Disse que sou otimista? Sim, sem deixar de ser realista. É a oportunidade, aproveitando a onda "micro-ativista" do fim das eleições, de começar desde já a construir contranarrativas, a desmantelar a ditadura que se aproxima e, espero, não se firme.

29 de outubro de 2018.

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Um nove de outubro sob nuvens fascistas

Sigur Rós me deixa um pouco à flor da pele. Um pouco mais, na verdade, porque à flor da pele já ando com a situação do país - eu e tantos amigos meus. O ódio, a burrice, a cegueira e a desumanização  do outro encarnado num candidato militar mal treinado e de raciocínio precário. Sua derrota dia 28 será apenas barrar o desastre total, dar força para uma possível resistência. A mobilização permanente deverá ser a tônica dos próximos tempos, sob o risco de cairmos no totalitarismo neofascista-neoliberal. Uma das nossas missões para tão logo encerre as eleições: fazer as pessoas serem capazes de enxergar. Enxergar o outro como um próximo, um igual, o outro como um ser humano - talvez, antes, ser capaz de fazer a pessoa enxergar a si própria como um ser humano, e não qualquer fantasia rota de super-homem (no sentido nietzschiano) que usa para encobrir sua mediocridade, seu ressentimento, sua frustração em não ser o que o espetáculo diz que deveria ser e ela finge encarnar.
São duas da tarde, já conversei pelo facebook, já mandei um calaboca pelo facebook, já expliquei que política é algo mais complexo que voto na urna, já li muita coisa, compartilhei, escrevi. Agora me dedico a preparar o boletim mensal do Serviço Pastoral dos Migrantes, parte de meu trabalho voluntário de quase quatro anos. São notícias de coisas pequenas, de banalidades das quais a vida é feita: uma reunião aqui, uma missa acolá, um encontro, uma mística com alguns migrantes e imigrantes, um apoio, uma acolhida, um protesto. No meu tempo de faculdade, diria que esse tipo de ação não era para mim, que isso beirava a insignificância, na minha fantasia de que eu deveria me dedicar a uma grande ação - pensamento infantil quebrado pela ação do tempo bem aproveitado, transformado em experiência e maturidade. Muitos dos meus amigos de antanho me olham estranho quando falo do meu trabalho na igreja, e eu sei porquê, e logo explico: sigo ateu, tanto quanto sempre fui, talvez até mais, mas se for buscar uma ação social que eu concorde 100%, me restaria agir sozinho ou em algum grupelho minúsculo, em ações estéreis - mas que poderiam me fazer convencer as paredes do quarto e dormir tranquilo. Prefiro conviver com a diferença, abrir mão de crenças secundárias da minha parte em nome de uma ação um pouco mais efetiva. Uma ação que vise um mundo mais justo e humano - sigo um "humanista ingênuo", como me acusavam na faculdade, definitivamente eu não soube me tornar um adulto responsável e por isso sigo em lutas "idealistas".
Uma dessas notícias que subo para o boletim é do recebimento, por parte de imigrantes que fazem curso de português em Manaus, de um kit com apostila, caderno, lápis, borracha, caneta. Há duas fotos que acompanham a brevíssima descrição. Nelas, 25 pessoas, a maioria negra, mostram suas pastas coloridas - pastas simples, dessas compradas em qualquer papelaria, sem qualquer personalização -, muitas sorriem para a foto, fazem sinal de positivo, algumas se escondem atrás dessas mesmas pastas. Estão ali, orgulhosas de uma caneta, um lápis, uma borracha, um caderno e uma apostila de português. Uma caneta simples, um lápis simples, uma borracha simples, um caderno simples e uma apostila de comunicação e expressão em português e cultura brasileira. Não é um diploma universitário, não é o carro do ano, não é um jantar em algum restaurante de chef que eles ostentam para a câmera. É um kit de cinco reais e aulas que não dão certificado. É quase nada. E mesmo sendo quase nada, para essas 25 pessoas vale muito, vale um fio de esperança com a qual pretendem tecer uma nova vida, por isso mostram suas pastas e seus sorrisos. E por um instante tentam esquecer das agruras que passaram para chegar nesse quase nada que é tanto, é motivo de orgulho, e das dificuldades homéricas que certamente ainda terão pela frente, até terem uma vida digna, uma vida humana - uma vida que não seja sobrevivência.
Olho para a rua chuvosa, nesta terra que pariu o neofascista Dallagnol, falso profeta de deus. Meus vizinhos babam ódio, fazem promessas falsas para um deus que abominam, idolatram a morte, invejam o amor e a vida, mesmo a miserável - que ainda assim é pulsante. Trocaram sua humanidade pelo carro do ano (e agora nutrem a ilusão de que uma arma poderá substituir seu genital murcho ou seco), e precisam aniquilar os "inferiores" porque estes jogam na sua cara, com sua simples existência, que o pacto com Mefistófeles era facultativo - e o que ganharam nem de perto equivale ao que pagaram. Por isso acham muito cem reais no Bolsa Família, acham absurdo dar comida a quem tem fome, livros para quem quer aprender, oportunidade para quem quer se dedicar. Meus vizinhos são infelizes, são pobres coitados com as prestações em dia, uma vida que nunca foi de verdade e dificilmente chegará a ser, perdida em obrigações que a máscara de um "cidadão de bem" coage. Votam no Bolsonaro e fingem não perceber que estão na fila para o campo de extermínio tanto quanto os que odeiam.

09 de outubro de 2018


segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Eleições 2018: primeiras impressões pós resultados

Não há muito o que discutir quando se pensa quem foi o grande perdedor neste sete de outubro: o Brasil, nossa democracia capenga, nosso estado de direito pela metade, nossa Constituição violada. Como já alertavam Vladimir Safatle, Luis Nassif e outros, o pacto social que sustentava nossa aparente cordialidade foi esgarçadoa e cada vez mais dá lugar à brutalidade pura e crua - o Brasil tornado um grande Capão Redondo (que ao menos surjam mais Racionais MCs) -, e o pacto institucional firmado pelas elites no fim da ditadura chegou ao fim. Os resultados apontam um reassentamento das frações de elites - sem que sejam todas contempladas. Os vídeos (criminosos, segundo a lei eleitoral) de eleitores usando armas para digitar seu voto no candidato fascista é só uma mostra do efeito de seu discurso: tornar legítimo e socialmente valorizado a expressão da força brutal mais covarde. Institucionalmente, vai ser extremamente difícil governar com a dispersão de forças - vale para Haddad e Bolsonaro -, onde a maior bancada possui pouco mais de 10% dos assentos. Não é ironia, mas é significativo que a maior bancada seja a do PT, seguida da fascista - ainda que haja fascistas dispersos em outros partidos, como DEM, PSC, PSDB, PTB, Podemos, PP... O que assusta na composição legislativa vindoura é que, a despeito do que até os mais pessimistas alertavam - Alceu Castilho, do De Olho nos Ruralistas, foi um dos que mais chamou a atenção para isso -, o próximo congresso não é apenas mais conservador que o atual: o conservadorismo deu espaço para o fascismo aberto. Para aumentar o desalento, nomes de peso como Requião, Suplicy, Lindeberg, Dilma Rousseff foram rejeitados por políticos menores. E eiseste o ponto mais marcante de sete de outubro: a democracia está em risco (Bolsonaro, não duvide, não hesitará em um "autogolpe" quando se virver engessado pelo congresso) e ainda que ela se salve, não há mais possibilidade de jogo político com as regras atuais - uma ampla reforma política é imprescindível. Olhando para o micro, os dois partidos que lideraram o golpe de 2016 e as reformas antipopulares de Temer foram os derrotados nas urnas. MDB e PSDB, de segunda e terceira forças em 2014 (total de 120 deputados, quase 1/4 do congresso), ficaram em quarto e nono, respectivamente, com 63 deputados juntos. O definhamento do PSDB, a princípio, não tem o que ser comemorado, já que no seu lugar entrou o fascista PSL - por mais que os tucanos desde 2010 flertamflertem com o fascismo. Alckmin teve um desempenho sofrível, em parte por conta da migração do voto útil ao fascista já no primeiro turno, em parte pelo que o PSDB se tornou. Assim, os menos de 5% foram vergonhosos. Regionalmente, o partido foi para o segundo turno em cinco estados (SP, MG, RS, RO, RR), três dos quais de grande importância, porém sem ser franco favorito em nenhum dos cinco. É sua chance de sobrevivência enquanto partido, e possibilidade de voltar a ser uma força nacional, talvez. O ponto, porém, é por onde o PSDB correrá a partir de agora, se tentará voltar ao campo democrático, como sinalizou Tarso Jereissati, ou abraçará de vez o fascismo de cashmere de Doria Jr (vejo agora que FHC aponta esta segunda opção). Quem tende a perder também é a Rede Globo e a igreja católica. Paulo Ghiraldelli Jr. comentava que um dos pilares da campanha de Bolsonaro eram as igrejas evangélicas. O apoio explícito do bispo Edir Macedo, pondo a serviço do candidato a Rede Record (outro crime eleitoral), certamente virá com cobrança depois - ao custo da igreja católica e da Rede Globo, que perderá a vez de porta voz oficial do governo. É a movimentação dessas três forças: PSDB com sua intelectualidade (ou que se pretende) neoliberal e seus contatos na elite pretensamente esclarecida, a igreja católica entre a cruz e a espada - ajudar a vencer o "comunismo" e perder a primazia das almas, ou aceitar o PT e seguir na disputa aberta com evangélicos -, e a Rede Globo, que perdeu seu quintal para o bispo e agora pode perder o país todo para o rival. Menção rápida à outra perdedora do pleito, Marina Silva, que demonstrou que a política baseada no ressentimento não vai longe - Marta Suplicy foi mais esperta e saiu de campo antes de passar vergonha como sua ex-correligionária. Boulos, (apesar de ter sido o candidato do PSOL com menos votos na presidencial),; Ciro Gomes, Cabo Daciolo (recebendo votos de protesto), e João Amoêdo, não podem ser considerados perdedores. Ciro encarnou um trabalhismo esclarecido, o pós-petismo, música para os ouvidos para porção da classe média progressista. Precisaria ganhar base social, talvez apoio petista no futuro. Boulos trouxe os movimentos sociais para a ribalta, ajudou, ainda que discretamente, a minorar a resistência ao MTST e outros movimentos de luta, ao menos deu voz a eles em horário nobre, fora da crônica policial. Espero que siga como cabeça nas eleições futuras, com a ênfase do partido nas legislativas - em que conseguiu superar a cláusula de barreira. Amoêdo prometeu ser o neoliberal intelectual e de sucesso, mas foi apenas outra versão do neofascismo tupiniquim - como Álvaro Dias e, em menor medida, Geraldo Alckmin -, ainda assim teve mais da metade dos votos do tucano - o que pode indicar por outros meios o esgotamento do PSDB. Se souber moderar o discurso raivoso e adotar bandeiras menos conservadoras, a depender da movimentação do PSDB, pode substitui-lo no campo que se diz de direita-liberal (que nunca foi liberal). Agora é ver como serão os acordos para o segundo turno, e se o Brasil vai tentar se equilibrar numa crise ou pula direto no precipício. 08 de outubro de 2018

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Eleições 2018: Guerrilha psíquica para tentar vencer no primeiro turno

Faço minha análise da subida de Bolsonaro nas pesquisas ao estilo do Nassif, ver se consigo ser menos prolixo.
Peça 1: Pesquisa não é eleição
Pesquisa é pesquisa, eleição é eleição, e vale lembrar que os institutos de pesquisa no Brasil são pródigos em erros grosseiros - Aécio que o diga, mas vale lembrar que o Ibope errou por uns 10 milhões os votos de Aloysio Nunes para o senado, e nem citava Young, que acabou em quarto, apenas exemplos de 2014. Pesquisas podem ser manipuladas e ajudam a dar ânimo ou tirar o ânimo de apoiadores de certo candidato.
Peça 2: Adesão ao fascista
Diante do retumbante fracasso tucano, a mídia, seus antipetismo visceral, aderiu à candidatura fascista, que tem em seu projeto a submissão nacional bem ao gosto da rede Globo. O mantra de "as instituições estão funcionando" talvez guarde a ilusão de que será possível controlar Bolsonaro uma vez no poder, sem atentar que sua retirada não implica em um governo mais previsível. [bit.ly/2DTgaZ8]
Peça 3: Golpe branco
A rede Globo (e toda a mídia) é especialista em tentar golpes brancos contra nossa incipiente e precária democracia. Em sete eleições presidenciais, fez uso do que há de mais abjeto para tentar emplacar seu candidato em seis, apenas em 1994 com o Plano Real posto em ação no tempo eleitoral perfeito, não precisou usar de tal expediente. Não tem porque não fazer uso novamente em 2018. Contudo, vale lembrar que suas tentativas de influenciar na eleição tiveram resultado efetivo apenas em 89 e 98 (levar 2006 para segundo turno e perder não conta). Curiosamente, o golpe branco deste ano retoma parte da retórica de 1989, com o antipetismo ganhando apoio por medo do "comunismo" (!?) - além dos motes principais dessa corrente, o falso moralismo contra a corrupção e o ódio a pobre e periférico que "não sabe seu lugar".
Peça 4: Facada da sorte
A facada em Bolsonaro, logo no início da campanha, provavelmente foi o que permitiu a ele se manter onde esteve e se garantir com a segunda vaga para o segundo turno (a primeira vaga, pouco importa se em primeiro ou segundo lugar, desde sempre foi do PT, partido em torno do qual orbita a disputa nacional desde 1989). Sem precisar se expôr, tanto em entrevistas quanto em debates, ganhou blindagem natural de tudo o que diria e tiraria seus votos (seu vice e seu economista deram mostras do que seria Bolsonaro em forma), além de não poder ficar com a pecha de covarde por ter fugido dos debates, como já anunciara. Sem poder ser atacado diretamente, pode reforçar seu discurso de antissistema com os ataques recebidos de todos os demais candidatos [bit.ly/2IA1cWI]. Que erraram na estratégia ao polarizar PT e Bolsonaro, garantindo que ele é o antipetista real, sem essa conversinha de terceira via, de centro.
Peça 5: Segundo turno é outra eleição
Ainda mais quando não há um candidato disparado na frente, 49% dos votos válidos, o segundo turno abre novas possibilidades - em 2006, vale lembrar, Alckmin perdeu três milhões de votos, com relação ao primeiro. Bolsonaro recuperado, se verá forçado a ir aos debates, até para não ficar com a fama de covarde. Exposto, seu discurso moralista e antissistema se desfaz, e é possível que muitos antipetistas menos radicais acabem por optar votar nulo. Por isso as sondagens de segundo turno pouco valem, antes do segundo turno começar para valer. Para Haddad e o PT, uma das questões é tomar as rédeas do discurso do comunismo, explicar o que é e que o partido nunca foi comunista.
Peça 6: A única chance de vitória de Bolsonaro é no primeiro turno
O fascista já dava por perdida a eleição, tanto que cantava golpe, falava em não admitir a derrota. A união da mídia, com apoio explícito de Edir Macedo, é a grande (se não única) chance de vencer o PT: com vitória em primeiro turno, sem exposição do candidato. Dias atrás havia lido a hashtag no Twitter, hoje ouvi conversas no metrô, e fui atrás de alguns vídeos da direita hidrófoba convocando para uma mobilização em busca da vitória em primeiro turno contra o "perigo comunista". Uma amiga me mostrou post de uma transexual, que dizia que queria ir de Marina, mas se via obrigada a votar logo no fascista, para não dar chance ao PT ("bicha burra nasce morta", diziam os gays nos anos 1980, quando sair do armário era sério risco de vida, mais que hoje).
Peça 7: Antecipar voto útil e forçar desistência dos eleitores do outro campo
Para vitória de Bolsonaro, foi montado uma estratégia de guerrilha psíquica, pela internet e pela mídia convencional. Primeiro, antecipou o voto útil contra o PT,  com o discurso de possibilidade de vitória em primeiro turno. Contribuiu a estratégia equivocada do PSDB (seguida por Ciro e Marina) de pintar o PT como antítese de esquerda do Bolsonaro - logo, Bolsonaro como o antipetista da gema [bit.ly/cG181001]. Com isso, enterra-se de vez as candidaturas antipetitas que não decolaram, e sequer vão saber qual sua real dimensão - Alckmin, Marina, Álvaro Dias. Ciro, ao sinalizar o abandono do pós-petismo (que dividia com Meirelles e Boulos) pelo antipetismo arrisca mergulhar na mesma vala. Ainda assim, apenas a migração de voto não parece ser suficiente, é preciso desestimular o voto que não de bolsonaristas. Eis o segundo momento da estratégia: forçar um aumento dos votos brancos, nulos e abstenções: o factoide político de Moro desta semana seria uma tentativa extra de deslegitimar o sistema como um todo, favorecendo não apenas voto no candidato antissistema mas, principalmente, descrédito e abstenção dos que votaram em candidatos do sistema. Em alguma medida foi a estratégia de 2016, e vale lembrar que vitória em São Paulo de Dória Jr, em primeiro turno, teve quase 10% menos votos que Haddad em 2012, mesmo com base maior de eleitores.
Peça 8: Como ler as recentes pesquisas
As pesquisas que sinalizam crescimento de Bolsonaro e estagnação de Haddad podem ser manipuladas ou não. Pode, de fato, que a estratégia de forçar eleitores antipetistas a antecipar o voto útil já seja palpável; como é possível que os institutos tenham forçado a situação desejada, para criar o factoide e forçar uma profecia auto-realizável. Tão importante quanto é como a mídia adentrou no discurso de "possível vitória em primeiro turno", "empate no segundo turno", "líderes de rejeição", contribuindo para desestimular os votos nos demais candidatos: o discurso subliminar é de que "se não for agora, Bolsonaro ganha no segundo turno". Então, melhor nem perder tempo. Sem falar no discurso de que Bolsonaro ou Haddad são a mesma coisa, então tanto faz quanto tanto fez.
Peça 9: A reação do campo democrático e antifascista
Como disse, em seis oportunidades de golpe branco (sete, se contarmos o caso Procunsult de 1982), a Globo teve sucesso apenas em dois, e nos primórdios da nossa democracia, sendo que o de 1998 por omitir informação (da eminente quebra do país) que por forçar um factoide. A estratégia não é garantia de vitória, mas não se deve descuidar, e é preciso reação das forças democráticas, populares e antifascistas. Ainda espero uma postura à altura do momento por parte de Ciro. Como assinalou Luis Costa Pinto em seu Fakebook, esperamos que Ciro não siga os passos de Marina e destrua toda sua história de vida pública por ressentimento. A ver como se comportará no último debate. Porém, o principal para evitar a vitória fascista é a mobilização das pessoas comuns, mobilização de base, das mulheres que foram às ruas, e de todos aqueles que se dão conta do que significa a vitória de Bolsonaro. Partir para a conversa, na internet e no boca a boca, com parentes, amigos, conhecidos e desconhecidos, tentando convencê-los a votar em algum candidato que não o do PSL. Algo na linha "não se precipite, marque qual sua real opção no primeiro turno, para dar força a esse projeto político para negociar no novo governo, e no segundo turno, ouça com atenção as propostas do Bolsonaro, para ver se ele é mesmo uma opção viável". Para o voto de protesto, cabe campanha para Cabo Daciolo. A questão é: manter a mobilização, partir para o corpo a corpo, em busca de votos para quem quer que seja, que não Bolsonaro. O segundo turno é outra eleição, e Haddad é favorito, até pela precariedade do fascista.

03 de outubro de 2018

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Eleições 2018: duas questões tornadas uma, Bolsonaro agradece

Minha primeira aula da minha primeira faculdade - psicologia na USP -, foi de filosofia. Em tese era só apresentação da disciplina, mas o professor já se perdia em seus pensamentos - marca registrada do "filósofo da goiabeira" -, quando entrou uma veterana em busca de calouros voluntários para um trabalho de alguma matéria. Interrompeu a aula gracejando: "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, ou é ao contrário, Furlan?". Quando a veterana saiu, o professor adentrou por essa nova senda e passou a falar da importância em saber distinguir as coisas, que nem sempre conseguimos perceber que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. 
Me lembrei dessa aula do Reinaldo Furlan ao assistir ao primeiro bloco do debate da Record do golpe (e do Bolsonaro). Com outros afazeres, não assisti aos demais blocos, mas esse foi significativo: bombardeio pesado contra Bolsonaro (sem muita mira, na minha opinião), com artilharia cerrada também contra Haddad e o PT, apresentado como antípoda de extrema-esquerda do fascista. É a estratégia traçada há mais de um ano pela mídia e o PSDB, que até agora não deu resultado (ou melhor, deu, para Bolsonaro), e não sei se dará certo agora - ainda que haja novidades no contexto, como a facada e o #elenão, não acredito. Não sei se algum analista já comentou isso, eu só tive o insight ontem: nossa elite não é exatamente das mais espertas (mesmo a que posa de intelectual, como atestam, a título de exemplo rápido, os erros primários de português de FHC e Moro), no máximo eficiente para blietzkriegs - não para estratégias de médio e longo prazo que não passem pela porrada pura e direta -, e uma das suas falhas está em notar que Bolsonaro é um problema, o PT é outro. Salvo Boulos e Haddad, por razões óbvias, e Daciolo, por razões que a razão desconhece, todos os demais candidatos seguiram, ao menos nesse primeiro bloco que presenciei, essa toada: bater forte em Bolsonaro e por o PT como a outra face da moeda. Não notaram que essa é uma moeda que está bastante valorizada, em qualquer um dos lados - são 66% dos votos válidos, conforme o último DataFalha [http://bit.ly/cG180717].
Ao tentar pôr o PT como Bolsonaro de esquerda, a estratégia acaba legitimando Bolsonaro como o antipetista autêntico - e depois de trinta e oito anos da grande mídia atacando o PT, com especial ênfase nos últimos dezesseis, parte dos zumbis-fascistas-vestidos-de-patos não querem meio termo, querem a destruição "dessa raça" (como disse um ex-senador catarinense) apresentada como "câncer" da nação. Que Alckmin busque essa linha é o natural, uma vez que o PSDB se tornou herdeiro do ranço antipetista do malufismo, abandonou qualquer projeto de país - de governo, que seja (não estou considerando rapina do Estado e divisão do butim um projeto, talvez devesse) -, e se centrou apenas no antipetismo moralista udenista ou, mais recentemente, num neofascismo de compadrio vestido de cashmere. Marina e Ciro, por sua vez, possuem outras possibilidades de discurso, poderiam bater em Bolsonaro como fizeram, mas se apresentar como alternativa ao petismo, desvinculando as duas questões: uma é combater o fascismo, outra é superar o petismo (seja lá o que isso signifique). A estratégia, caso vingue agora, tende a favorecer Alckmin. Caso não vingue, tende a tornar ainda mais envenenado o ar do segundo turno, encaminha para um "todos contra o PT", nem que para isso vingue o fascismo, que está cada vez mais naturalizado como opção política legítima.
Será preciso muita mobilização, na internet, nas conversas ocasionais e nas ruas para vencer as eleições. E será preciso manter essa mobilização pelos próximos anos para garantir que valores democráticos prevaleçam.

01 de outubro de 2018

Ao acatar a pós-verdade criada pela mídia para Alckmin, Ciro e Marina saem perdendo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Eleições 2018: Haddad no segundo turno e Ciro (ou Alckmin) por um bola para desbancar Bolsonaro

Pesquisas eleitorais não são apenas retrato de momento, são retratos muito falhos, com erros grosseiros mesmo a um dia do pleito. Ainda assim, é o que se tem para fazer alguma análise sobre o cenário eleitoral.
Quando comentei o primeiro debate, na Bandeirantes do golpe, falei que parecia que os candidatos estavam cientes de que disputavam a segunda vaga para o segundo turno - a primeira era do PT. O crescimento de Haddad era esperado e óbvio - só algum acontecimento muito fora do comum impediria seu crescimento: o PT nacionalmente conta com cerca de 30% do eleitorado, teve uma queda nesse índice com os ataques promovidos pelo consórcio golpista, mas diante do exagero na dose da mídia e da condenação sem provas de Lula por crime que sequer foi especificado, houve um efeito rebote e o PT está no mínimo no mesmo patamar, com a militância mais aguerrida que em tempos não muito distantes. Por mais que fosse dificultada a transferência de votos de Lula a Haddad, sua identificação com o PT já tenderia a garantir votos suficientes para uma das vagas. Sua escolha também se mostra acertada por quebrar a resistência de antipetistas menos radicais, daí a insistência da mídia e dos adversários de marcá-lo como sendo do PT.
Alckmin parte para o tudo ou nada. Sobe o tom dos ataques contra Bolsonaro, marca posição como antipetista da gema, e ameaça o Brasil de se tornar uma nova Venezuela da mídia, se elegerem um dos "extremistas", tentando fazer valer a clivagem que há mais de um ano a mídia tenta produzir, sem sucesso, de que o PT seria um extremista de esquerda, um Bolsonaro de sinal invertido. O problema é que por não empolgar corre risco de definhar ainda mais para Ciro Gomes, que se mantém firme perto dos 15% das intenções de voto, faz discurso de alguém muito bem preparado e não exatamente antipetista, mas pós petista, que acaba palatável não apenas aos não petistas que nada tem contra o partido de Lula, como entre antipetistas lights, com alguma capacidade de discernimento entre um candidato do campo democrático e um maluco com fortes pendores ditatoriais e sádicos. Ciro, se se mantiver onde está, crescendo um pouco, pode chegar ao segundo turno. Alckmin primeiro precisa derrubar Bolsonaro e então partir para uma operação abafa tentando superar Ciro. Ainda não conseguiu a primeira tarefa, pode ser que consiga, porém acredito que dificilmente conseguirá também a segunda, a tendência é definhar ainda mais, caso Bolsonaro caia também.
Bolsonaro é, desde o início, o outro nome forte para o segundo turno, mas não está garantido. Não porque o sistema político tenderia para a polarização de sempre, PT-PSDB, como certos analistas e cientistas políticos desejavam, e sim porque é um candidato fraco, mesmo. Tem uma base de fanáticos e alguns tolos que se deixaram levar pela onda. Por um lado a facada foi uma sorte: quanto mais ficar quieto, melhor. Por outro lado, não: além de dúvidas sobre seu real estado de saúde, sua equipe dá mostras de ser mais estúpida que o próprio - quase um representante da Sorbonne entre seus partidários. Uma frase infeliz dele, de seu vice ou de seu guru econômico, se bem explorada pelos adversários (Ciro, Alckmin e a mídia), pode desidratá-lo a metade do que tem hoje, creio. Segurança pública (pouco explorada, na minha opinião), CPMF e aumento de impostos para a maioria da população, e agora Mourão atacando não apenas as mulheres, mas as mães - essa entidade semisanta - e seus filhos. Bolsonaro se defende com o discurso de que tudo o que se fala dele é invenção de esquerdista, fake news. Se em algum momento se conseguir furar essa defesa, ele cai. Duro é que falta pouco tempo, ao menos para o primeiro turno.
A disputa contra Bolsonaro pela sua vaga no segundo turno me lembra meu Paraná Clube, na série A, em especial quando ainda comandado pelo Micale (meu outro time, que torço por influência de meu avô, o Operário Ferroviário, se tudo der certo, se consagra campeão da série C amanhã): o time é muito limitado, ainda assim não chega a jogar mal, porém joga tudo por uma bola; duro que na grande maioria das vezes não apenas toma o gol primeiro, como dificilmente aproveita a bola do jogo que tem para fazer o gol. A comparação com o Paraná não foi sem propósito: o time não é apenas lanterna, mas caminha para a pior campanha dos pontos corridos, e isso serve de analogia para a dificuldade em se desbancar o candidato fascista de onde está - mesmo com alguma ajuda da mídia.
Há quem o veja como um novo Collor, com mídia e empresariado dispostos a apoiá-lo, para vencer o sapo barbudo, repaginado em dupla de galãs de novela. Não me parece ser o caso. A mídia hesita: se não bate, tampouco apoia. Creio que há dois pontos para esse comportamento: o primeiro, por saber que é candidato com grandes chances de derrota, então tentar, quem sabe, barganhar neutralidade com Haddad (com Ciro não vai ser preciso, por ora), em troca do partido não comprar briga quando assumir. O segundo, que Bolsonaro não tem um "vice-caução", como tinha Collor: o aventureiro alagoano podia ser posto no Planalto porque, qualquer coisa, tirava-se (como de fato se tirou) e no lugar havia um político sério, de carreira: Itamar Franco (o tal vice-caução é minha tese também sobre a aceitação das vitórias petistas nos últimos anos). Se eleito, eventual impedimento de Bolsonaro poria alguém ainda pior: não haveria escapatória fácil, com verniz legal, para os próximos quatro anos, e não há uma burocracia consolidada para freá-lo - pelo contrário, parte das altas esferas estatais já mostrou estar disposta a apoiar a instalação aqui de um estado neofascista aos moldes das Filipinas.
Luis Nassif fala em um início de pacto pela democracia [http://bit.ly/2QPGOEP], com supremo, com tudo - o que não deixa de ser bom, em alguma medida, mesmo que com efeitos colaterais. Pode ser não apenas a percepção de algumas frações golpistas (minoritárias, me parece) do quanto se perde com um governo Bolsonaro, como uma tentativa de manter a democracia brasileira em baixa intensidade, obrigada a ceder aos interesses dos de sempre, e ainda assim democracia - o que cai bem no exterior. Bolsonaro fora do segundo turno permitira um rearranjo mais tranquilo, com maior aparência de normalidade democrática - inclusive a própria derrota do candidato petista, com uso de todo aparato de terrorismo midiático para (mais) um golpe branco do tipo.


21 de setembro de 2018.


sábado, 18 de agosto de 2018

Eleições 2018: Impressões sobre o debate na Rede TV

Foi perceptível que equipes de marketing e professores de teatro e oratória trabalharam duro nessa semana que separou o primeiro do segundo debate entre os presidenciáveis-menos-o-favorito. Ciro, Cabo Daciolo e Bolsonaro não alteraram seu estilo, Boulos fez pequenos ajustes - mas há algo ainda desajustado no candidato do PSOL -, enquanto Meirelles, Alckmin, Dias e Marina correram atrás de recuperar a imagem do primeiro debate.
Cabe antes observar que se o nível dos debatedores seguiu baixo, a organização do debate da Rede TV do golpe foi muito superior ao da Band do golpe: os âncoras tinham o controle e mantiveram a compostura do início ao fim - diferentemente da triste figura do Boechat -, as regras permitiram que todos participassem igualmente, o pôr os candidatos frente a frente no centro deu um ar de pugna interessante - poderia ser lido como onde devem ser tratadas as diferenças políticas, na arena, no ringue político, não na covardia anônima da internet ou das milícias -; e os jornalistas foram mais "plurais" - ao menos não estavam ali para levantar a bola para a direita e tentar sinucar a esquerda. Foi, inclusive, curioso notar a postura de Reinaldo Azevedo, arrependido dos seus arroubos fascistas tentando retornar ao velho figurino de jornalista de direita liberal da época das primeiras edições do Primeira Leitura (que eu lia eventualmente), ainda no governo FHC - foi praticamente um cirista no debate, levantou a bola para o pedetista chutar. Tagliaferri e Masson ficaram em terreno mais "neutro". Pardellas me fez lembrar um texto antigo do Pondé, em que o filósofo (sic) da boca torta lamentava que ser de direita "é péssimo para pegar mulher" [bit.ly/2BnimHh]. Pardellas deve ter lido esse texto e achado a verdade suprema: a culpa é da esquerda, e não de tudo o que se reprime, dando a impressão de que até suas articulações são rígidas - parecia personagem caricato de filme adolescente. Chegou a pôr Alckmin na fogueira, na ânsia de preparar o terreno para os candidatos de extrema direita - Bolsonaro e Dias.
Ficou mais claro onde cada candidato decidiu correr atrás de votos, por enquanto: são três de extrema direita, quatro de "centro" (no sentido de evitar tomar muitas posições, para desagradar o menor número de eleitores, o tal "catch all party" da teoria política), um de esquerda, e um bode na sala. 
Pela esquerda, Boulos vai sozinho, mas tem um problema de formação: por mais que seja líder de movimento social, genuíno intelectual orgânico, é filho de professores universitários, com mestrado em psicanálise na USP, tem um quê de distinção indelével - no sentido bourdieusiano. O tal "gente como a gente" soa com um quê de falso. Talvez devesse explorar mais a questão de ter 36 anos, e se apresentar como o único de uma nova geração política, que surge não da velha política (para usar a expressão de Pardellas na pergunta a Alckmin e Dias), mas da labuta do dia a dia. Poderia também adentrar certos temas caros à esquerda, como segurança, de modo a desbancar Bolsonaro: falar em inteligência é importante, mas faltou falar de valorização do profissional, pagar melhores salários, oferecer melhor estrutura, exigir mais respeito aos cidadãos em troca, de modo que a população (o "cidadão de bem" da direita) possa viver sua vida tranquilamente, sem medo e sem precisar carregar arma. No enfrentamento com Bolsonaro (aqui penso na sua tática do primeiro debate com a questão do segundo), poderia acusar o fascista de esconder parte de sua vida, de ser hipócrita, por defender armar a população, mas quando foi assaltado, em 1995, ciente de que reagir não é a melhor opção, perdeu o carro E a arma para os "bandidos" - se nem um militar reage a um assalto, por que um zé ninguém mal preparado deveria reagir? Se bem calibrada essa questão, pode trazer alguma desilusão aos bolsonaristas. Sua postura de apresentação de propostas é boa, mas precisa aproveitar o debate para partir para o enfrentamento, ainda mais numa eleição em que a tônica não é gestão, porque tudo vai bem.
No campo que defini como centro, Meirelles é surreal. Difícil acreditar que leve a sério sua candidatura, ela é tão descolada da realidade quanto um manual de economia - começo a desconfiar de que é capaz de ele acreditar de verdade nos manuais ortodoxos. Melhorou nos dedinhos, tentou ser assertivo e até partiu para o confronto com o Bolsonaro, ao questionar sobre igualdade de salários entre homens e mulheres, sem sucesso: o fascista deitou e rolou, disse que nunca disse o que sempre diz, que basta cumprir a lei, e teve ali, talvez, seu momento alto para seu séquito de fanáticos - Meirelles sequer conseguiu revidar. Reiterou seu discurso de self made man made in USA que largou o sucesso para se dedicar ao Brasil. Talvez fosse útil para algum candidato, para ele, não há salvação. Mesmo com MDB e toda a máquina, não me surpreenderá se ficar atrás de Cabo Daciolo. Fiquei imaginando se a elite brasileira não fosse tão burra e tosca, e ao invés de tentar desestabilizar o governo PT, deixasse que o partido seguisse a trilha da póspolítica neoliberal, de gestão de migalhas em favor do capital: Palocci sucedendo Lula, quem sabe agora Meirelles - o ideal tecnocrático neoliberal - sucedendo Palocci. Imaginou um discurso dele, essa figura meio Sancho Panza meio família Adams, como presidente da república? Enfim, temos o Temer como "consolo".
Com relação a uma semana atrás, Alckmin foi mais firme na fala e menos didático nas propostas, deu menos a impressão de estar chamando o eleitorado de burro. Ainda assim, falta carisma, falta firmeza, e sobra discurso técnico em um tom tecnocrático - um Meirelles repaginado. Tentou, pela primeira vez, tratar das questões "geográficas", falando dos problemas do nordeste - num tom de quem se dirige ao eleitorado sulista, "problemas de uma terra distante que é preciso resolver". Insiste na questão dos impostos às empresas, sem conseguir fazer a ponte disso com a vida comum - diferente do nome no SPC de Ciro. Bem provável que esteja planejado uma jogada em conjunto com a mídia corporativa, que passará a tratar dos assuntos que o candidato mais explora. Buscou marcar presença no antipetismo, sem exagerar, porque essa raia está bem congestionada. Talvez esteja arrependido de ter escolhido uma fascista como vice, queimando pontes importantes com um eleitorado mais moderado ou então de fora do eixo sul-sudeste. Sentiu o baque de ser vinculado ao governo Temer, tentou jogar a culpa no PT, mas ainda teve o azar de ter que fazer suas considerações finais antes do Boulos, que assinalou o golpe. Vi pessoas que falaram que não houve enfrentamento com ele, que passou tranquilamente por todo o debate. Contudo, para Alckmin, ficar onde está não é nada positivo, ele precisa crescer - logo e rápido - para não ser descartado. Não achou ainda por onde correr, e isso deve desesperar sua equipe.
Marina Silva notou o fracasso que foi no primeiro debate, onde não conseguiu sequer tomar posição sobre assunto que tem posição tomada e afim à maioria - a possibilidade de aborto legal. Sem encampar o antipetismo de Álvaro Dias, com quem trocou figurinhas nas perguntas, tentou surfar na onda da antipolítica, do "contra tudo o que está aí". Seu ponto alto foi no enfrentamento (ao que tudo indica sem planejamento prévio) com Bolsonaro, sobre a questão de Meirelles acerca do salário de mulheres: não tirou um voto do fascista, mas pode ter ganho alguns dos até então desiludidos com ela, graças ao seu discurso emocionado de mulher e mãe, daquela que cresce pra proteger os filhos - inclusive foi corporalmente para cima do fascista. Na verdade, parece ter demorado para notar que é a única mulher cabeça de chapa, e ao invés de tentar reconstruir o mito de herói a la Lula, ou da líder que enfrentará todos (que exige uma postura mais "testosterona", no linguajar de Ciro, uma postura mais assertiva e agressiva que não ornam com seu estilo), devesse marcar sua candidatura nessa nota, de mulher e mãe, explorando o estereótipo de que mulher e mãe é mais sensível aos problemas pequenos, esses que afligem as pessoas comum.
Ciro ficou onde esteve no último debate. Cirinho paz e amor, que vai tirar o nome do SPC e entendido em economia e do Brasil. Sua insistência em perguntar a Alckmin mostra com quem está disputando - parece haver uma crença de que Bolsonaro desidrate o que é uma aposta de risco. Ou então que a chapa petista seja impugnada por completo. Mais simpático que o tucano e mais bem articulado, dando a impressão de entender do que fala e não de estar repetindo algo que decorou, pode tirar votos do paulista. A ver o quanto cresce e se vai precisar buscar votos no antipetismo para sonhar com o segundo turno - o que é sempre um risco para o campo progressista.
No campo da extrema-direita, Bolsonaro tenta ficar onde está, mas é perceptível que corre perigo e sabe disso: estão todos esperando seu momento Celso Russomano 2012 (ou mesmo Ciro 2002), uma frase infeliz que vai fazer ele murchar inevitavelmente. Pode não acontecer, e o ideal seria forçá-lo a uma escorregada, talvez em algum campo que ele aparentemente domine. Repetiu duas vezes o discurso proferido no primeiro debate - pior, segue mal decorado e falado sem firmeza e convicção. É ver se vestir o figurino de candidato sério, pró establishment, vai agregar votos suficientes para compensar os que vai perder entre os desiludidos com sua tibieza ou seduzidos pelos outros dois candidatos dessa raia - até no seu enfrentamento com Cabo Daciolo saiu perdendo. Azevedo prestou um desserviço a ele (e um serviço à nação), ao pôr para discutir economia com Ciro. Entretanto, ao notar as interações no youtube e no fakebook da Rede TV, foi possível notar que Bolsonaro provavelmente focará sua campanha em guerrilha de internet. Ao que tudo indica, ele tenta criar uma onda de "a maioria é a favor de mim, só que a mídia não mostra" que, aliado à tal ideia de "não perder o voto" de muitos eleitores - isto é, votar no candidato que ganhou a eleição ou que vai ao segundo turno -, pode fazer a diferença - para não falar na utilização de big data e afins para publicidade ultrafocada. É algo que tanto seus adversário direitos  do campo conservador/reacionário, quanto os adversário do campo progressista/democrático devem estar atentos.
Álvaro Dias mudou de figurino, deixou de lado o camicie nere em favor de um terno mais tradicional e diminuiu a dose do que usou antes do primeiro debate - o que o torna mais palatável à família brasileira. Suas bandeiras são o antipetismo e o moralismo anticorrupção/lavajatismo - basicamente um recall do PSDB das duas últimas eleições federais e da última para a prefeitura de São Paulo, o que aponta provável erro tucano de não indicar Doria Jr. ao Planalto, depois do partido debandar para extrema direita nos últimos anos. Inclusive por ser ex-tucano e se vincular tão fortemente à Lava Jato, deve tirar votos de Alckmin. Carregou na tinta do antipetismo, mas carregou tanto que não foi muito esperto: ao começar atacando, logo na primeira pergunta, a insistência da candidatura de Lula fez muita propaganda para o petista. Seu discurso, inclusive, também pode ser lido como propedêutico para novas etapas do golpe, ao dizer que se Lula for candidato não há democracia - logo, partamos logo para a ditadura explícita, fica dito no subtexto. Quem sabe espere ser nomeado marionete dos togados numa eventual ditadura judiciária aberta. Tenta fazer o papel da extrema direita assumida e ilustrada, diferentemente dos dois militares, extrema direita xucra, e de Alckmin, extrema direita ilustrada mas envergonha (por sinal, o paulista fez suas propostas fascistas de derrubada do estado de direito, ao falar em inversão do ônus da prova "para políticos", ou seja, quem quer que queira mudar por dentro as instituições terá que ser aprovado por elas, ao provar que é inocente; se quiser mudar por fora, já conhecemos o "porrada, bomba e tiro" com que ele trata reivindicações sociais). Por falar em antipetismo, são três candidatos abertamente nessa raia - Dias, Alckmin e Bolsonaro -, outros três que tentam marcar distância para o petismo - Ciro, Marina e Meirelles - e Cabo Daciolo como anticomunista antitudo geral. São sete candidatos para dividir 30% do eleitorado.
Cabo Daciolo eu sigo achando que é um nome a ser observado com mais seriedade e menos desdém, tal como faz a esquerda ilustrada tupiniquim. Não é candidato para ganhar, mas pode surpreender - tivesse alguma estrutura partidária e cresceria mais. Acredito que sua maior falha seja o excesso de religião - cabe a ele seguir na toada religiosa, reafirmando que não faz pregação de uma religião (?!), apenas cortar a ideia (implícita) de transformar o Brasil numa república teológica. Falar que a primeira semana de sua presidência será para louvar o senhor pode ter custado votos de quem o levava minimamente a sério, ainda que siga com apelo dentre os que querem fazer um voto de protesto - e ele deixou dito que esse é o voto que busca. Porém Daciolo vai além do voto de protesto "zueiro": ao trazer teorias conspiratórias - URSAL e urna eletrônica - para rede nacional ganha fama de "não ter medo de falar o que os poderosos tentam esconder", tem pose coerente de antissistema - quem mais tem essa coerência, na minha opinião -; se porta como um pastor, linguagem corporal familiar a muitos brasileiros dos estratos mais baixos; prega um anticomunismo maluco mas que não descamba para o ódio puro - como quando teve que enfrentar no centro do auditório Boulos -, no confronto dele com Bolsonaro, cresceu pra cima do candidato do PSL: fala com firmeza (e fanatismo), enquanto Bolsonaro titubeia, quase um recruta diante do sargento; também reafirma o Bolsa-Família, inclusive naquele discurso de pai severo e amoroso; seu estilo é naturalmente o mais próximo do "gente como a gente" que Boulos tenta encarnar; ademais, junto com Ciro, parece o candidato que melhor encarna a reunificação do norte e sul do Brasil, assinalado na coluna de Marcos Nobre [bit.ly/2L3KAGC].
Restou o bode na sala, o candidato favorito - ou o que for posto no seu lugar -, o que não pode ser dito, o desdito, mas é falado o tempo todo - o risco para a democracia (porque pode fazer valer a vontade popular e não dos donos do poder), o que dividiu o país antes unido na fraterna comunhão ideológica da casa-grande e senzala. A forma como tentam tratar Lula me faz lembrar da letra da fase áurea de um decrépito roqueiro destes Tristes Trópicos: "Eu sou a Explosão, o Exu, o Anjo, o Rei/O samba-sem-canção, o soberano de toda a alegria que existia (...) Eu sou o terror da próxima edição dos jornais/Que me gritam, me devassam e me silenciam". 
Ao que indicam as pesquisas, seja em primeiro ou em segundo lugar, a disputa explicitada por mais esse debate-menos-o-favorito foi pela outra vaga no segundo turno. E com mais o imbróglio da ONU, pode ser que Lula entre mesmo na corrida eleitoral - o que trará grande reviravolta a todo o cenário, com possibilidade de vitória petista no primeiro turno, que faria com que se tornasse praticamente o foco único nos debates posteriores, levando chuva de ataques, sem direito a resposta. Não vivêssemos tempos sombrios, de estado de exceção e ditadura (ditabranda, pelo ditadômetro da Folha), e eu diria que é uma eleição das mais interessantes e instigantes.

18 de agosto de 2018

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Eleições 2018: segundas impressões sobre o primeiro debate

Penso um pouco mais sobre o primeiro debate entre os presidenciáveis-menos-o-favorito, na Bandeirantes do golpe, dia 9. Talvez eu tenha me equivocado quanto à pretensa união do campo conservador: se as várias candidaturas serviriam para inflar o candidato do establishment mais bem posicionado ou decidido a sê-lo - Alckmin, por enquanto, até que mostre definitivamente que não consegue crescer -, a ausência de uma candidatura robusta nesse campo faz com que se torne um  salve-se quem puder num campo minado.
Bolsonaro, sem dúvida, foi o grande perdedor do debate, e isso ele sabia que seria desde o início, tanto que a princípio anunciara que não participaria de debate ou sabatinada alguma. Como fugir da luta queimaria parte do seu capital político, a construção do machão destemido, teve que ir para o sacrifício, correndo risco de definhar a cada vez que abre a boca, que não seja para falar de armas e porrada. Bolsonaro está onde está por completo acaso, não houve qualquer cálculo - diferentemente de Trump, que uniu seu estilo afim ao zeitgeist, o espírito do tempo, com uma equipe de marketing.
Cabo Daciolo foi, sem dúvida, uma surpresa. E para além da pecha de ridículo que ganhou entre a esquerda ilustrada - a URSAL é uma realidade entre grupos de whatsapp, ele pode ser visto como corajoso ao tratar em rede nacional o que a "mídia vendida e esquerdista" tenta esconder -, cabe ver que sua fala deve encontrar eco em parte do eleitorado: seu discurso firme, messiânico, de "eu sou diferente, e eu resolvo", um Bolsonaro que fala em "nação brasileira" e "amor", tende a tirar votos do destrambelhado do exército entre aqueles que o viam como voto de protesto ou candidato firme, ainda que um pouco exagerado - Daciolo encarna o pai severo e amoroso, Bolsonaro é apenas um sádico.
Outro ponto a ser percebido é como Boulos e Ciro confrontaram Bolsonaro: Boulos, ao enunciar as "qualidades" do candidato do PSL (sua base de apoio vê machismos e quetais como positivos ou como irrelevantes, não adianta repetir) e levantar a questão da funcionária fantasma, recebendo como resposta uma mentira e o desdém, não tirou um voto do fascista, e ainda pode ter feito ganhar votos como candidato antiesquerda, antibaderna. 
Ciro, em compensação, foi simplesmente genial ao questioná-lo sobre inadimplentes e prometer tirar o nome dos brasileiros do SPC: além de aproveitar para se vender como uma possibilidade razoável para 60 milhões de brasileiros - 40% da população adulta do país -, num momento de descrédito com o coletivo e desespero individual, aliando questão individual e coletiva (Luis Nassif salienta que a proposta, além de factível, é necessária: a elevada inadimplência mostra que se trata de uma questão política, e que credores, devedores e o país sairiam ganhando [bit.ly/2nBRoBW]), fez o capitão do exército deixar claro que não tem proposta nenhuma para os problemas comuns das pessoas comuns, além de fazê-lo chamar parte desses 60 milhões de "bandidos" - o que não afetará o ânimo dos bolsonaristas, mas aqueles que não são fanáticos porém cogitavam voto nele certamente pensarão um pouco mais antes de se decidir. Repenso: talvez ao reafirmar a defesa da democracia, sem falar diretamente em Lula, tenha sido acertado para ganhar o eleitorado antipetista light. A ver como seguem as campanhas, eu não descartaria um segundo turno entre PT e Ciro - e defendo que o PT feche logo um acordo de apoio mútuo no primeiro turno: dois candidatos antigolpe seria o fim de toda narrativa Globo-golpista, a prova por A+B que o golpe foi golpe e antipopular, contra o pretenso  anseio "das ruas".
A outra novidade que embaralhou o campo conservador foi o apoio do Inquisidor Moro ao candidato Álvaro Dias: ao dizer que não se manifestaria sobre a proposta de ser nomeado ministro da justiça [bit.ly/2OE24f1], pelo não-dito deixou dito que aprova o uso de seu nome como carro-chefe da campanha do paranaense - que se arrisca até a fazer conjecturas sobre futuros pensamentos e atitudes do juiz camicie nere. É bem provável que o movimento tenha sido combinado pela República de Curitiba, e seja utilizada como termômetro do fascismo lavajatista no país [bit.ly/2OBbpUM]. Sem dúvida poderiam ter escolhido alguém com um pouco mais de carisma, porém será interessante observar o resultado de Dias nas urnas, saber in loco onde a Lava-Jato reverbera forte, onde encontra resistência, talvez até para calibrar novas ações do avanço do estado de exceção no Brasil - e o candidato não poderá alegar que a Lava Jato que se utilizou dele, já que parte de um patamar baixo nas pesquisas e por si não iria além dos 3% que já tem. Será interessante observar também como o partido todo vai se utilizar do mote da Lava Jato para as eleições legislativas - e aqui novamente minha questão do quanto o campo progressista dormiu em berço esplêndido e ainda cochila gostosamente quando se trata do legislativo.
O segundo debate, já calibrado a partir do que se viu no primeiro, dará uma mostra melhor das estratégias (pensadas ou aleatórias) dos candidatos. Provavelmente Alckmin deve rever a sua, Boulos deve fazer pequenos ajustes - assim como Marina, se é que isso fará alguma diferença para ela -, e os demais seguirem pela toada do primeiro debate. 

14 de agosto de 2018

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Eleições 2018: percepções sobre o primeiro debate

Teria sido uma noite de quinta-feira divertida, não fosse assunto sério o debate na rede Band - uma das estimuladoras do golpe, a reboque da Globo. O debate entre os presidenciáveis-menos-o-favorito esteve muito além de boa parte do humor tupiniquim (porém aquém do Choque de Cultura), e mais que memes, pode fornecer vários personagens de humor - seriam muitos dos candidatos humoristas disfarçados de presidenciáveis?
Há uma mania, não entendo o porquê, de tentar achar um vencedor para debates, como se fosse uma luta e valesse algo vencer debate. Salvo em debates na antevéspera do dia da votação, com calmante na água e edição malandra no jornal do dia seguinte, não se pode falar exatamente em vencedor e perdedor de um debate - ainda mais sendo o primeiro, onde serve mais para ver por onde cada candidato tentará se vender, ao menos num primeiro momento. Pesquiso na internet e vejo que os apoiadores de Bolsonaro anunciam como o capitão, mesmo murcho (eu diria brochado), venceu o debate. Apoiadores do Boulos também cantam vitória - se eu fosse ver o que dizem os eleitores dos demais, seria a mesma história.  Mas se é preciso declarar um vencedor, foi Cabo Daciolo. De ilustre "ninguém sabia quem ele era muito menos que estava concorrendo" despontou como terceiro mais pesquisado na internet durante do debate, segundo o Google. Se não confundisse palanque com púlpito poderia provocar uma sangria grave em Bolsonaro; mesmo assim, sua verborragia indignada extremista e sem noção, saída diretamente do MBL e grupos de whatsapp, aliado à tentativa do capitão de parecer um político sério, normal, podem custar ao candidato do PSL os votos de protesto - esses que elegem Tiriricas ou vereadores semianalfabetos de cidades pequenas. Se conseguir segurar a pregação, corre o risco de ganhar os votos dos extremistas anticomunistas.
Álvaro Dias parecia o Coringa disfarçado de tia carola bêbada em almoço de família. Mal articulado tentou surfar na lava-jato e no antipetismo, tentando colar ao seu o nome do inquisidor Moro, numa estratégia que é de se perguntar se durará um dia mais, ou será desautorizado pelo próprio camicie nere de Curitiba [PS: foi autorizado, e isso traz uma novidade importante ao cenário]. Tentou traçar seu caminho na extrema-direita entre Alckmin e Bolsonaro.
Alckmin deve tentar mudar radicalmente de estratégia. Sua insistência nos cinco dedinhos pra explicar como vai diminuir de cinco impostos para um só faltou ser completada com um "pra você que é burro e não entende nada". É de se questionar se o tempo de propaganda irá salvá-lo de si próprio, ou vai chafurdar na própria insipidez - nos momentos mais enfáticos soou pastoso e sem viço. Ainda tem contra si o fator "Hillary Clinton" de ser muito establishment - fato explorado por seus adversários -, e foi ousado (e não muito esperto) ao expôr em linhas gerais suas ideias - menos estado, privatização, menos impostos empresariais. É o discurso hegemônico, repetido como solução pela Grande Mídia - resta saber quanto do eleitorado ainda compra essa bravata.
Marina Silva é outra que compete na insipidez, tentando algo do discurso de Lula - de alguém que sofreu mas venceu na vida. Busca votos como um Alckmin mais centrista, evitando desagradar quem for - e de agradar quem for também. Fora isso, tão insossa que não há o que dizer, nem quando podia assumir enfaticamente uma postura - de contrária ao aborto - fica em cima do muro e diz preferir um plebiscito.
Meirelles eu não conseguia ficar sem rir nas suas aparições, seja pela sua expressividade morta, aquela voz de Maluf insosso, seja pelo seu gestual descolado da fala, seja pelo gestual em si - parece ter feito um curso rápido à distância de libras e se esqueceu de tudo mas tenta usar assim mesmo. Achou um bom discurso, o de alguém dedicado à vida pública à despeito de seus interesses e além de qual governo for, tentou se vincular ao Lula, porém sem dizê-lo explicitamente. De qualquer modo, não parece haver discurso que o salve.
Com esses candidatos, não é de se admirar o desespero do campo golpista/conservador/reacionário em cancelar ou postergar as eleições. Para um dos quatro nomes oficiais do sistema ganhar, só com fraude. Resta ainda Bolsonaro, patinho feio do campo, mas que deve ser ungido a principal muito em breve, se não houver reação de Alckmin ou de um dos azarões.
Bolsonaro têm um séquito de fieis que o vêem como O falo, a despeito da besteira que fale. É o que o mantém no patamar de votos há tanto tempo. Sua suavizada no discurso, tentando se apresentar como um político para ser levado a sério, com proposta "para o Brasil" (leia-se para os especuladores e donos do poder) é uma tentativa de ganhar simpatia dos donos do poder e os votos dos antipetistas que não chegaram ainda ao extremismo fora do tucanato. Ainda é uma ótima estratégia para se consolidar como o nome desse campo, porém Cabo Daciolo pode atrapalhar, ao falar com uma firmeza que o capitão não conseguiu demonstrar no debate - sua tibieza é outro possível ponto fraco para seus apoiadores: fora dos vídeos controlados e arroubos onde reage com pura testosterona, parece um aluno temeroso que gagueja a lição lembrada pela metade.
No campo progressista, Lula teria feito melhor presente que ausente, mas sua ausência se fez sentir e se for bem explorada pela campanha, pela militância, pode valer votos - o tal candidato antissistema não aventureiro.
Boulos escolheu bem o figurino: enquanto todos falam em mudança e contra todos os que estão aí, era não apenas o candidato virgem de eleição e de mandatos como aquele, dentre os homens, que não se apresentou de terno - preferiu uma camisa mais comum. No início da redemocratização o tal "igual a você" do Lula não deu certo - o eleitorado preferia alguém importante -; em 2018 quem sabe o significado não seja outro? Seu uso de ironias, contudo, pode ser encarado como esnobismo, não sendo bem visto por certo eleitorado. Como seu objetivo é marcar posição e não vencer, não fugiu de questões tidas por espinhosas, como o aborto. Talvez tenha errado ao começar atacando Bolsonaro, reforçando o capitão como candidato antiesquerda e perdendo oportunidade de se contrapôr no campo de propostas a Alckmin ou Meirelles, por exemplo.
A participação de Ciro mostra como o trabalho do PT para isolá-lo foi equivocado do ponto de vista de país e momento histórico, mas talvez acertado do ponto de vista eleitoral. Sem negar um posicionamento claro, nacional-desenvolvimentista, sacou uma proposta apelativa de limpar nomes no SPC/Serasa. Com o campo conservador sem qualquer nome que empolgue, tivesse tempo de tevê, correndo pela faixa do centro moderado mas firme, meio establishment, meio outsider, e poderia desbancar Bolsonaro na vaga para o segundo turno contra o PT - porque a impressão que deu foi que a disputa era quem confrontaria Lula ou Haddad no segundo turno. Ainda que no meio do debate tenha se posto contra não apenas Temer, mas contra o golpe, evitou falar explicitamente de Lula - como fez Boulos -, na ânsia de angariar um eleitorado antipetista; a estratégia me parece equivocada, e a perda pode ter sido maior que o ganho - uma sinalização de que Lula deveria estar participando do debate, por respeito à democracia e ao direito, teria sido mais inteligente.
No mais, o debate foi preparado para favorecer os "50 tons de Temer", afinal, quanto mais Boulos e Ciro forem expostos, mais fica evidente a fraqueza de todos os candidatos conservadores. Pela possibilidade de livre escolher quem responde, os dois pouco falaram. Na hora das perguntas dos jornalistas, era evidente a tentativa de catapultar os candidatos reacionários e complicar os progressistas: perguntar de segurança para Bolsonaro é levantar a bola para ele chutar, e de aborto para Boulos e Marina, é deixar evidente ao eleitorado conservador o perigo da esquerda ateia - Marina tão fraca que sequer conseguiu aproveitar essa bola levantada. Boechat foi a personificação lastimável do nível lastimável dos jornalistas da empresa, com destaque para seu jeito grosseiro e desrespeitoso com os candidatos da esquerda. Nada de novo nem de inesperado, portanto. 
Sem vencedores, mas com estratégias delimitadas e pontos fracos mais evidentes que pontos fortes de cada um. A ver o que nos espera nos debates seguintes. E a esperar se o judiciário vai mudar e passar a respeitar a lei ou seguir no casuísmo quanto à candidatura Lula.

10 de agosto de 2018

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Eleições 2018: análise dos candidatos antes de iniciada a campanha de fato

Meu texto anterior tinha como objetivo sublinhar que a eleição presidencial de 2018 nada tem de normal, que não se trata "apenas" de escolha entre projetos de país e de como lidar com a coisa pública, e sim entre dar um verniz democrático ao golpe em curso - com poder judiciário agindo como poder moderador extraconstitucional - ou tentar retomar um caminho de democracia efetiva, ainda que bastante limitada, a princípio [bit.ly/cG180807]. Entretanto, as movimentações que resultaram nas candidaturas por ora postas apontam numa aparente normalidade, com polarização entre PT e PSDB. Falta, contudo, combinar com os russos, ou melhor, os eleitores. Ainda que se consagre essa polarização, nada há de normal - eu já havia dito, quando no imbróglio tucano para o candidato à prefeitura paulistana, que a escolha por Doria Jr era o fim do PSDB enquanto opção democrática [bit.ly/cG160201], e a gestão do ex-prefeito confirmou o pouco apreço da legenda com princípios democráticos e republicanos básicos (corroborado pelo desejo de FHC de lançar Huck à presidÊncia, para não falar na não aceitação da derrota em 2014 por parte de Aécio Neves e o apoio ao golpe de estado de 2016). E por mais que julgue atual e pertinente a divisão do espectro político em esquerda e direita, por conta do contexto do golpe prefiro falar em campo progressista e campo conservador/reacionário/de extrema direita. Deixo de lado os candidatos do Patriotas, DC, PPL e PSTU. 
No campo conservador são seis candidatos. A aparente divisão é apenas aparente: efetivamente são dois candidatos - Alckmin e Bolsonaro -, dois azarões aguardando uma reviravolta de última hora para serem ungidos como eleitos do establishment - Marina Silva e Álvaro Dias - e dois candidatos de apoio - Meirelles e Amoêdo. Estes dois últimos devem ser candidatos propositivos de direita, deixando mais evidente as propostas gerais desse campo. Devem ir a combate contra a esquerda e levantar a bola para alguém da direita chutar.
Meirelles tem papel importantíssimo na eleição: servirá principalmente para que Alckmin tente se descolar de Temer - afinal é ele o candidato do MDB -, e poderá, ainda, tentar trazer o PT para algo próximo do Usurpador - para além de ter sido vice de Dilma -, por ter trabalhado em ambos governos. Com tempo de tevê, pode fazer deliberadamente o que Ulysses Guimarães fez por omissão em 1989, e contribuir decisivamente para um candidato conservador no segundo turno - certamente seu trabalho não será em vão. Parece pouco provável que aja com bom MDBista e troque de canoa no meio do caminho, ao notar que o PT avança inconteste, mas não cabe descartar essa possibilidade.
Marina Silva e Álvaro Dias tentam correr como azarões, ela mais pelo centro, ele mais pela extrema-direita. Se conseguirem emplacar seus discursos, Marina pode tirar votos tanto dos candidatos do campo conservador quanto do campo progressista, enquanto Dias tende antes a enfraquecer Bolsonaro. Se Alckmin não decolar, apesar de todo seu tempo de exposição, podem ganhar a vez de brigar com o capitão pela vaga num eventual segundo turno: seriam candidatos mais confiáveis ao establishment que o destrambelhado do exército. Devem tentar encarnar um discurso antipetista e antissistema light (se comparado à propaganda de ódio de Bolsonaro), de quem está dentro mas nunca compactuou com "tudo o que está aí", apelando principalmente para o discurso ético. São candidaturas em stand by, prejudicadas pela redução do tempo de campanha. 
Alckmin é o presidente do Brasil a partir de 2019, se os eleitores "votarem certo", de acordo com os donos do poder. Comentei em outro texto [bit.ly/cG180717] que Alckmin é muito "Hillary Clinton" em uma eleição na qual o eleitorado sinaliza saturação com o centro. Atraiu para sua aliança as forças do establishment (o que sinaliza um eventual presidente fraco, completamente  à mercê do tal centrão e das forças que o patrocinaram), mas eles sabem que não é garantido sequer sua ida ao segundo turno, daí provavelmente o alto preço que devem estar cobrando desde já, e a possibilidade de abandonarem o barco a qualquer momento. Uma das apostas de Alckmin deve ser no tempo de tevê e na brevidade da campanha, que permitiria a construção de uma blietzkrieg narrativa sem chance de desconstrução, que o catapulte como uma onda, como foi Doria Jr em 2016, ou mesmo Haddad em 2012 (e quase em 2016) - a questão é que Alckmin é suficientemente conhecido para ser construído do zero, a estratégia, portanto, não tende a ter grande efeito, sem falar que ele terá tempo demais para tentar falar o mínimo possível, uma vez que não pode expôr seu projeto de governo. A escolha de Ana Amélia, um Bolsonaro de saias e sem farda (mas com milícias), do agronegócio, depois de longo flerte com o ex-comunista Aldo Rebelo, que trocou de partido duas vezes para estar disponível a Alckmin, mostra que o tucano tem como preocupação primeira passar para o segundo turno. A aposta inicial em Rebelo daria o verniz de alguém aberto ao diálogo e com uma ponta na esquerda, tentativa de ganhar, no segundo turno, indecisos simpáticos à centro-esquerda porém desagradados com o PT. Ana Amélia é a sinalização do namoro sério com o neofascismo, o discurso aberto de ódio, e a queima de pontes com eleitores mais à esquerda. Pode, a depender das pesquisas, deixar Bolsonaro quieto e atacar fortemente - junto com as outras candidaturas de apoio do campo - o PT, para no segundo turno ganhar o voto do "mal menor". 
Bolsonaro, por enquanto, é um dos nomes desta eleição - junto com Lula. Seu parco tempo de tevê, se por um lado prejudica sua exposição, por outro é positivo ao evitar que fale muito - o que garante não desagradar os que não são fanáticos -, além de reforçar seu discurso de antissistema - que apresenta aliado ao discurso antipolítico e antipetista, de necessidade de ordem para garantir a segurança, e fim de democracia e direitos sociais, apresentados como favorecimentos, privilégios de vagabundos, ao custo para os "cidadãos de bem" (termo que deve ser usado à exaustão nesta breve campanha). Os absurdos que profere - frases racistas, misóginas, de incitação à violência - costumam ser relevados em favor desse discurso: na ânsia de pertencimento nesta modernidade líquida, muitos de seus eleitores preferem enxergar a si e aos seus próximos apenas como cidadãos de bem, a despeito de serem gays, mulheres ou negros, na crença de que sejam vistos assim também pelos seus futuros carrascos - a descoberta da realidade será amarga e inevitável. Encontrou um tal "ponto ótimo", que o deixa numa situação confortável, sendo seu principal desafio se mexer sem sair do lugar: deve ser atacado pela direita e - equivocadamente - pela esquerda, e isso tende a reforçar seu discurso "contra tudo o que está aí". Se não for atacado, pode crescer igual. A questão é que chegou onde está por acaso, não por cálculo, e um passo em falso é perigo eminente à sua candidatura. (Minha grande dúvida: em um segundo turno entre Bolsonaro e PT, o PSDB declará apoio a um dos candidatos? Meu palpite: entre alguns falando em apoiar o PT e muitos silentes, se declarará neutro). 
O campo progressista tem a faca e o queijo na mão - se não houver fraude ou novo golpe -, mas dá sinais de ser capaz de esfaquear a si mesmo. Parte da esquerda acha que unidade é candidato único - e não objetivo em comum -, e o narcisismo das pequenas diferenças dá sinais de ser mais forte que a necessidade histórica do momento. 
Boulos entra como candidato sem pretensões de vitória, mas com objetivo de marcar posição, pôr os movimentos sociais na vitrine política (e não policial, como tentam grande imprensa, PSDB e demais partidos do campo reacionário), e qualificar o debate. Se tiver oportunidade em debates e na grande mídia, pode fazer diferença, tirando votos, inclusive, de Bolsonaro, ao se apresentar como opção antissistema porém política. Pode significar uma mudança na forma como se vê movimentos sociais de reivindicação de direitos - uma candidatura desse tipo faz muita falta desde 1994, um candidato ainda em trabalho de base, sem se deixar levar pelo canto da sereia tecnocrática. Ademais, o PSOL pela primeira vez tenta ampliar sua base para além dos acadêmicos revolucionários de gabinete com teses impecáveis teoricamente exemplificadas em vocabulário parnasiano. 
Ciro Gomes, ao que tudo indica, é o grande perdedor das últimas movimentações, seja com a o apoio da direita fisiológica a Alckmin, seja com a "neutralidade" do PSB - e isso não é positivo para o campo progressista, assim como para o próprio PT. Não apenas pelo risco de Ciro despejar fogo amigo, como principalmente pela diminuição de seu tempo de ataque ao campo adversário. Com fama de falar sem medir as palavras - como Bolsonaro -, Ciro pode tirar votos do fascista ao mesmo tempo que fustiga Alckmin (ou Haddad...). A escolha de Kátia Abreu para vice, depois de flertar com o centro fisiológico do congresso, mostra que sua candidatura é a sério e propõe reviver o pacto lulista - expus em outro texto minha tese de "vice-caução" como condição de elegibilidade para candidatos de esquerda ou progressistas [bit.ly/cG180509]. Mais: Abreu abre Ciro para certo potencial eleitor tucano, afim ao agronegócio mas reticente com Ana Amélia e com o excesso sulista da chapa tucana - a senadora tocantinense pode ser apresentada como mais pragmática, "genuinamente ruralista", e mesmo como "empreendedora de sucesso". Muitos da esquerda criticam tal escolha, como prova de que Ciro não é da esquerda. Quanto a isso, dois pontos: talvez Ciro não seja mesmo de esquerda, seja apenas um progressista, um nacional-desenvolvimentista a la Dilma. Segundo: quem critica "alianças espúrias" ainda acha que política democrática real pode ser feita com selo de pureza: pureza em política só em congresso de anjos ou em ditaduras totalitárias; em democracia, vai ter abraço e acordo com adversários ou não vai ter espaço para nada. Pode-se dizer que é o azarão do campo progressista, à espera da eventualidade de Haddad não despontar como é esperado - tivesse mais tempo e poderia ser adversário de Haddad num eventual segundo turno, talvez o grande medo do PT. Me parece o nome mais apto para deslocar Bolsonaro do confortável ponto onde está; o risco de isso dar certo e ele crescer e vislumbrar chances de vitória é apelar para algum grau de antipetismo e ambos afundarem abraçados, quando o melhor para o campo progressista é que se afirme como um não-petismo, um pós-petismo, sem anti. 
Enfim, Haddad. Novamente prejudicado pela mudança na legislação eleitoral que diminuiu o tempo de campanha, ainda assim é o nome mais forte do campo progressista. Vai se apresentar como o emissário de Lula. Como disse alhures [bit.ly/cG180717], a perseguição a Lula e ao PT foi tão forte que teve "efeito rebote": em 2015, a rejeição ao ex-presidente era de 55% [bit.ly/2OTD8AU], o que tornava muito difícil uma vitória; em 2018 volta aos patamares normais do antipetismo: 31% [bit.ly/2KDpKxr]. Mais: a saturação com "tudo o que está aí" fez com que tal perseguição desse naturalmente ao PT o ar de partido antissistema light: que ao mesmo tempo incomoda os poderosos (por isso a perseguição), mas não é de aventureiros (vide os mandatos presidenciais). Haddad, curiosamente, é talvez o nome mais "Hillary Clinton" do PT - sua vantagem sobre Alckmin é essa marca imposta ao seu partido. Se conseguir marcar sua ligação com Lula, dificilmente não herda os 20% que este tem na espontânea - por isso deve haver da justiça (sic) eleitoral alguma proibição à vinculação de Lula nas propagandas e nas falas -, mais alguns pontos dos que simpatizam com sua figura, outro tanto dentre aqueles que querem fugir de "extremismos" (como a Grande Imprensa tentou marcar Lula e Bolsonaro), podendo tirar votos que seriam para o centrista tecnocrata convertido ao extremismo de direita, Alckmin. Assim como sua vice, é bem articulado e bem apessoado (soa tosco, mas isso conta), dificilmente perde as estribeiras e sabe revidar com delicadeza - resta saber se isso atrairá certo tipo de eleitores, seja pela delicadeza, seja pelo linguajar mais rebuscado, e neste ponto o enfraquecimento de Ciro é prejudicial a si, ao menos no primeiro turno. Vai sofrer ataques da Grande Imprensa sem cessar até outubro, e se não conseguirem acertar um bom golpe, a tendência é que cresça com tais ataques. A grande falha de sua candidatura foi a atuação nas alianças, ou melhor, nas não alianças, com o intuito de isolar Ciro. Nesse ponto o PT agiu como se estivéssemos numa eleição absolutamente normal, e não em um momento crítico e dramático para o país. O medo de perder a eleição para Ciro pode significar perder a eleição para Bolsonaro, Alckmin ou algum azarão conservador tutelado pela mídia e judiciário. Faltou ao PT o óbvio: reconhecer o contexto e se pautar por uma visão mais ampla que a eleitoral: ainda que difícil de acontecer, mesmo se tivesse o apoio do PSB, um segundo turno entre Ciro e Haddad poderia ser um banho de civilidade e a derrota cabal do golpe. Ao forçar uma polarização com os reacionários, o espectro do golpe e do lava-jatismo seguirá rondando o país.
Talvez uma "novidade" nesta eleição seja uma maior mobilização das bases desde 1989 - seja pela direita, seja pela esquerda. A esquerda ainda está mais tímida, intimidada: ser de esquerda ou ser petista virou praticamente uma ofensa, e as respostas de militantes da extrema-direita (que foi o que se tornou nossa direita, PSDB incluído, sem pôr nem tirar) tendem a ser intimidantes pela sua agressividade. Grupos de Whatsapp terão grande influência, mas não se deve achar que substitui o cara a cara. A diferença é que há um ponto aglutinador no campo conservador - o antipetismo -, enquanto a esquerda, se não se policiar, vai partir para a guerra fratricida - daí a necessidade do campo progressista se centrar numa militância positiva, de elogio aos seus candidatos, deixando a desconstrução do campo adversário para segundo plano. Ataques mútuos entre candidatos progressistas, ou mesmo ataques a Bolsonaro, me parecem o caminho mais equivocado.
Por fim, se a campanha presidencial no Brasil já costuma ser sempre de baixo nível, com golpes brancos ou tentativas de por parte da Globo e dos donos do poder (1989, 1998, 2002, 2006, 2010, 2012; 1994 o plano real prescindiu de jogo mais sujo), imagina agora que está sob ameaça a fina flor do entreguismo das elites, que por dois anos pode florescer sem amarras e sem lastro social. Por isso tenho repetido: uma fraude eleitoral não é algo remoto e absurdo, é possibilidade efetiva (e vale lembrar a Globo e o caso Procunsult de 1982). Também tenho repetido: é preciso também se mobilizar nas eleições legislativas: uma vitória progressista na eleição presidencial com um congresso como o atual vai praticamente inviabilizar o novo governo.

08 de agosto de 2018

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Eleições 2018: a escolha é entre a possibilidade democrática e a democracia de fachada.

O filósofo político John Rawls, no início da década de 1970, dizia que em um sistema democrático liberal bem ajustado era possível tolerar posições extremistas, pois pela própria dinâmica do sistema elas se suavizariam e tenderiam para o centro. Não apenas por obra do golpe, mas desde sempre, com nossa iniquidade pornográfica, o Brasil estaria longe de ser qualificado como bem ajustado pela teoria da justiça rawlsiana - daí podermos questionar se alguém como Bolsonaro e Malafaia teriam direito a expressar suas posições com toda a liberdade que o fazem. Contudo, se se abandonar veleidades ideais e trabalhar a partir de questão “ajustado para quem?” podemos ver, sim, um sistema bem ajustado - para os interesses dos de sempre, das elites -, com a peculiaridade de que as posições extremistas podem ser toleradas não porque tenderiam para o centro, mas porque o centro se volatiza de modo a abarcar os extremos (ao menos certo extremo) dentro de uma pretensa normalidade. Se a política seria a possibilidade de introjetar antagonismos sociais de modo a diminuir a violência bruta, aqui ela serve como caixa de ressonância para estimular ainda mais a violência crua das ruas - a liberdade de expressão sem limites e sem conseqüências serve como estímulo a mais para violências reais: abuso de autoridade, genocídio negro, feminicídio, e crimes de ódio diversos. E nem penso no Bolsomico, mas naquele ex-governador paulista, de alcunha Santo, que autoriza e estimula seus subordinados a cometerem assassinatos extra-legais, portanto criminosos.
É um sistema funcional: a normalização dos extremos, em especial da extrema-direita - via Veja, Globo, Folha, Bolsonaro e afins -, faz com que a política institucional antes de veículo para mudanças sociais que favoreçam a maioria, seja um freio (quando não uma marcha à ré) para buscas de modos de convivência mais pacíficos em prol de uma pretensa "voz das ruas" que justifica a manutenção dos privilégios baseado no escravismo secular do país - o judiciário assumir esse discurso é apenas a assunção de que o reformismo light e republicano do petismo foi demais para o país da Casa Grande e seus patos-sabujos. E quando o judiciário, autoinstituído poder moderador (versão pusilânime e antinacionalista da Guarda Revolucionária do Irã), se põe como serviçal da direita, em aberta defesa não da propriedade, mas dos privilégios (que ele também desfruta, por ser parte da elite), e se arrola amiúde o papel de civilizador destes Tristes Trópicos, crer na justeza das eleições e no respeito ao desejo popular é uma aposta de risco: o que vai tornar as eleições de 2018 legítimas para o judiciário - e a elite que nele se apega como em 1970 se apegava aos militares - é o povo "votar certo" (como dito por muitos anônimos seguidores do pato quando na derrubada de Dilma), daí a necessidade de censurar candidaturas e ideias.
O fato das eleições (ao que tudo indica) serem realizadas normalmente, em outubro, nestes tempos anormais não é por qualquer apreço à lei e à democracia por parte de nossas elites, mas se deve ao isolamento internacional que o golpe trouxe, ao medo de represálias e ao complexo de vira-latas de nossa classe média made in Miami: Trump, curiosamente, acabou por se tornar o grande fiador da consulta popular deste ano, ao negar a entrada do Brasil na OCDE por julgar que Temer não tinha legitimidade para uma decisão dessas; ao agir assim, jogou um balde de água fria em algum golpe branco do tipo semipresidencialismo ou adiamento das eleições por conta de uma pretensa violência fora do controle que justificasse intervenção militar em outras áreas do território nacional. O golpe no Brasil sofreu não apenas com a perda dos aliados democratas como ainda teve que se ver com um presidente ressentido, e isso complicou muito o fechamento do regime em uma democracia anódina, apenas para cumprir porcamente os ritos formais (como no caso do impeachment ou da condenação de Lula).
A estratégia de Lula e do PT de comprar a briga até o final com o establishment foi acertadíssima - isso todos sabemos, inclusive é dito (pelo não-dito) o tempo todo pela Grande Imprensa. É uma aposta de alto risco para o país, porém a única possível, visto que outra estratégia seria aceitar o golpe como normal - que não por ser corriqueiro deve ser tido por aceitável. O custo interno e externo para os golpistas é alto, e o cálculo que deve estar sendo feito, nas reuniões com Coronel Mendes e tucanos de alta plumagem, é em que momento tirar Lula da disputa traria menos "externalidade negativas": cassar sua candidatura a tempo de garantir a participação do PT ou não? A ausência do PT na urna pode ser usada como denúncia internacional, além de ser evidenciado pelo número de nulos ou abstenções - seria de se esperar menos de 50% de votos válidos, o que iria ser usado como fator a mais de propaganda petista. Garantir o PT na urna, com Haddad, tem como risco a vitória petista e o desmonte do "projeto" golpista - nesse caso, apelar para fraude é uma alternativa, e não nos iludamos, o Brasil é uma republiqueta bananeira, onde isso cabe sem muitos constrangimentos.
Essa discussão toda, que tem norteado esquerda, direita e imprensa, diz respeito ao executivo nacional. Como é de praxe na esquerda nacional, as eleições legislativas foram relegadas a irrelevantes, praticamente ignoradas - faz um ou dois meses que vejo alguma mobilização de pré-candidatos, enquanto a direita há dois anos prepara e fomenta seus jovens empreendedores políticos. Essa é a arma reserva que o golpe possui: ainda que autorizem o PT a assumir o Planalto em 2019, nada garante que o partido conseguirá governar - um novo Cunha ou mesmo um novo Botafogo como presidente da Câmara garantem a ingovernabilidade por quatro anos. 
O que temos para este ano, portanto, não é uma eleição onde está em jogo a escolha de governantes e projetos de país, é uma eleição onde se deve escolher por forçar em direção a um regime democrático legítimo (ainda que limitado e enfraquecido) ou uma pseudodemocracia de fachada, onde só vale "voto certo", tutelada por um judiciário temeroso da Grande Mídia, compactuada com interesses externos e antinacionais.

07 de agosto de 2018


terça-feira, 17 de julho de 2018

Lula, o candidato antissistema [Eleições 2018]

Tenho dito em conversas que o capitalismo liberal (mesmo que sob a alcunha de neo) parece ter uma única solução na manga para as crises que ele próprio engendra: o fascismo. Falo isso sem acreditar em qualquer previsibilidade ou lei histórica, de que o futuro seria predizível, ou que a história acontece primeiro como tragédia e se repete como farsa: cem anos depois da experiência fascista, a resposta ao desalento neoliberal e à crise de 2008 segue pela mesma senda, Europa, EUA, nestes Tristes Trópicos e alhures. Precisa ser assim? Não, mas é a solução mais fácil ao capitalismo. Outra pergunta: quem são os personagens políticos (individuais, coletivos e coletivos "encarnados" em uma figura) capazes de fazer frente a esse zeitgeist do capitalismo de exceção ancorado no Estado totalitário? O que seria fazer frente a esse capitalismo de exceção e seus ferrenhos defensores? Mais liberalismo, como defendem os que ainda acham que a ascensão da extrema direita é apenas um lapso?
Em 2015, durante as prévias para a eleição presidencial do império decadente, enquanto no partido Republicado Bush era tido por moderado e varrido de cara por pré-candidatos de verve mais radical, e o azarão Trump já despontava como futuro candidato, com fortes chances de vitória, li análises que apontavam que o partido Democrata precisava escolher entre uma trabalhosa possível vitória da candidata do establishment e uma vitória quase certa de Bernie Sanders. Optou por Clinton, e Trump pôs fim a quase três décadas de revezamento entre duas famílias nos principais cargos do país. Seu discurso era antipolítico e antissistema, o extremo oposto de Clinton, imersa no fazer político estadunidense (que não deixa de ser antipolítico, a depender de como se encare o termo) e abertamente comprometida com o sistema. Sanders, por seu turno, pode ser visto como um meio termo: assumia o comprometimento político, ao mesmo tempo que era antissistema - inclusive ao propôr um aprofundamento político, com seus comitês que permaneceram ativos mesmo depois da campanha. Há algo muito de errado no mundo, e os resultados das eleições ao redor do globo sinalizam isso. Que saída escolher?
O Brasil não tem prévias ao estilo estadunidense: aqui o debate público entre pré-candidatos é substituído por balões de ensaio lançados na mídia e postos à prova em pesquisas de opinião. O que tem se visto em tais pesquisas, desde que ficou claro, para parte da população que de boa fé seguiu o pato golpista, de que Lula é um perseguido político por parte do sistema, são posições consolidadas. Lula disparado, Bolsonaro firme, Marina, Ciro e eventual outsider da vez com razoável percentual, Alckmin e demais candidatos do establishment passando vergonha.
Falei acima do zeitgeist, o espírito do tempo atual, e creio que ele ajuda a explicar tais posições. Ainda que não caiba simplesmente transferir a situação dos EUA para o Brasil, guardada as distâncias, há pontos em comum no contexto de ambas as eleições, e o discurso dos candidatos mais bem posicionados aqui acaba, sem querer, mimetizando muito do espírito de Trump e Sanders - Alckmin poderia ser visto como a versão tupiniquim de Clinton. Se lá se discutia a decadência do império, aqui se discute o que fazer diante da terra arrasada após o golpe, a perda da qualidade de vida ganha nos anos dourados do PT no Planalto. Lá, Wall Street vista como vilã, comprando políticos para favorecer sempre os mesmos; aqui, ainda que o vilão não seja dito por interdição da mídia - que tenta imputar aos políticos e à esquerda -, parece ficar cada dia mais forte a sensação de instituições sequestradas por uma elite financeira e burocrática que tem como interesse apenas a si própria - políticos são a face mais visível do descrédito, mas o judiciário corre para fazer companhia, como apontou Marcos Lisboa em sua coluna desta semana na Carta Capital. Se parte da população ainda crê em juízes e procuradores - a ponto de se falar em bancada da Lava Jato - parte também ainda crê em políticos. A disputa é pelos corações, almas e votos dos que perderam a crença - mas terão que comparecer às eleições, por força da lei.

Bolsonaro, apesar de político profissional e bem inserido no sistema, se apresenta como o candidato anti: antipolítico e antissistema. Se de fato nada tem fora do sistema dominante, peitar o que foi definido pela direita xucra como politicamente correto, sem medo da justiça, bancando o macho valentão basta para cativar muitos dos que estão "cansados de tudo o que está aí" - e vemos não apenas a falha de politização da população quando o PT esteve no poder federal, como um completo fracasso educacional, incapaz de formar pessoas que enxerguem o óbvio. Sua movimentação política é claramente inspirada em Trump - e para esse tipo de argumentação não me parece que o esquerdismo esclarecido e bem intencionado de um Duvivier tenha qualquer apelo, é convencer as paredes do quarto para dormir tranquilo. Seus eleitores não se pautam em argumentos racionais: o voto em Bolsonaro é um voto feito com as entranhas - com o fígado, com o cu do machão que coça diante de outro homem -, são contra não sabem o que, mas são contra, e não querem pensar - Bolsomito, que também não pensa, fala por mim. Três são os desafios do homem que se afirma detentor do maior pau do certame: manter a pose e reforçar a ideia de alguém que não foge à luta, ao mesmo tempo que não se expõe, não fala, não tem tempo de propaganda para falas cuidadosamente calculadas. Pretendia fugir dos debates e sabatinadas, mas teve que recuar, ao menos diz que irá aos debates, justo porque isso arranha seu principal "capital político", o de valentão; resta saber se a imprensa vai aceitar as regras que ele impuser, ou vai colocar limites à verborragia de ódio do capitão-terrorista - se ele puder falar o que quiser, pode até se sair bem nos debates, se for bem enquadrado, acaba no segundo debate. Ademais terá que aguentar ataque contínuo de todos os adversário, à esquerda, por razões óbvias, e à direita, por estar na mesma raia que PSDB e afins.
Alckmin, como disse, pode ser visto como a Clinton: alguém completamente inserido e aceito pelo sistema - político, econômico, judiciário. A exemplo do que houve em 2002, esta eleição dá sinais de que discurso de mudança, ruptura - e ordem - terá apelo. Um candidato "do bem" não apresenta as credenciais que os eleitores querem - eu não me surpreenderia se numa pesquisa qualitativa Alckmin fosse muito bem avaliado: suas qualidades não são as demandadas pelo momento. Possivelmente vai abusar no discurso da ordem e do apoio irrestrito da mídia. Curiosamente, soa quase um azarão para esta eleição.
Ciro e Marina tentam equilibrar seu discurso entre palatável ao sistema e antissistema ao mesmo tempo - Marina também tenta se pôr como antipolítica. Podem, sem querer, achar um ponto que os catapulte para o segundo turno - algum ponto do fígado dos eleitores desiludidos com Bolsonaro. Marina, correndo como outsider de centro-direita, deve ter menos apelo que Ciro - que corre como semi-outsider de centro-esquerda - entre eventuais desertores de Bolsonaro. Como dito de maneira um tanto infeliz por Ciro, Marina carece da pose de valentão que o momento pede - além de outros preconceitos que tiram votos seus entre os que ela flerta, o fato de ser mulher, negra, do norte. Ciro, é sabido, tem como grande adversário sua própria língua - mas o tom de coronel do sertão que muitas vezes adquire pode ser encarado como valor positivo neste momento. Conforme Luis Nassif, Ciro seria, caso Lula seja deveras alijado da disputa, o nome mais à esquerda capaz de governar.
A presença de Boulos e Manuela tende a elevar o nível dos debates e dar um mínimo alento de política ao pleito, são candidatos antissistema porém políticos - a questão é como desfazer em quarenta dias os anos de doutrinação ideológica (para usar termo que a direita tanto adora) da mídia satanizando movimentos sociais e de minorias. Suas candidaturas devem servir antes para pôr suas bandeiras em evidência, sem chances de vitória - salvo se forem ungidos por Lula -, por mais que sejam bem articulados e devam crescer. Inclusive, penso que uma vitória deles, por mais que sejam bem preparados e qualificados, seria uma vitória de Pirro: dada as correlações de forças atuais e das expectativas que engendrariam, não durariam um ano no Planalto.
E Lula, enfim, a peça em torno do qual se move todo o tabuleiro político, eleitoral, midiático, judiciário, golpista - ele pode ser visto como agnus dei de direitos sociais e um projeto de nação independente. Costuma-se dizer que a diferença entre o veneno e o remédio é a dose. As elites brasileiras, ao que tudo indica, tem se envenenado bastante - e não apenas de agrotóxicos que ela bebe no almoço. Não há como negar o caráter político de Lula - mesmo que durante seu governo tenha sido usado, conforme acusam muitos, para despolitizar a população. Seu tom conciliador - esse que despolitizou a população durante seu governo - tampouco pode ser encarado como antissistema. Ou poderia. Quando se tem uma percepção geral - da esquerda à direita, dos alienados aos ilustrados - de falência das instituições, do sistema, e uma busca de alguém que rompa "com tudo o que está aí", se possível mantendo as partes boas, positivas, pode-se preparar um discurso de "eu sou contra", como Bolsonaro, ou pode ser apresentado em atos, sem necessidades de palavras, como esse pária do sistema - é o que tem sido feito com Lula. Lula é o cara contra tudo o que está aí,  não porque ele afirme sê-lo, mas porque as instituições o dizem, diariamente, em atos. Com uma vantagem: se "sabe", por conta de seus oito anos à frente da nação (quando o Brasil ainda era algo como uma nação e não mera pátria de chuteiras e enxadas high-tech), que ele também traz ganhos. Daí ver muitas pessoas na internet (sem formação específica nem capacidade de compreensão da realidade, mesmo de si própria) defendendo uma chapa Lula-Bolsonaro [http://bit.ly/2uFJxXe]. A implacável perseguição ao líder petista, aliado à narrativa da mídia e aos resultados do golpe perpetrado por mídia, judiciário, endinheirados e políticos têm feito Lula falar dia sim, outro também, mesmo preso, incomunicável: Lula se torna cada dia mais a afirmação da política contra o sistema de privilégios - o que era para ser veneno ao petista se torna remédio, cura até as lembranças das debilidades do seu governo. (Parênteses: se os partidos de direita definham por errarem na dose do antipetismo, a esquerda e forças progressistas precisam estar atentos para ganhar a batalha narrativa, e conseguir enquadrar a mídia, esse quarto poder sem freios ou contrapesos). Para minha surpresa, parece que foi acertado seu se entregar à polícia, apesar do julgamento injusto - e isso não apenas num plano de "a história me absolverá", mas de eleições 2018 -, assim como é forçar sua candidatura até o judiciário assumir mais uma vez seu lado, o golpe, e o ônus à sua imagem. Se deixarem o homem concorrer, sua vitória não apenas parece líquida e certa, como tende a ser acachapante - o que lhe daria mais poder de pressão para reformas profundas (finalmente!) assim que assumisse o poder, desarticulando as forças golpistas. Força que seria ainda maior caso tivesse sido dado a devida atenção às eleições legislativas - esquecidas pela esquerda, como sempre.
A questão agora é quem seria seu vice/plano B, para caso sua candidatura seja registrada e depois cassada. Há três nomes principais sendo alentados: Fernando Haddad, Jacques Wagner e Celso Amorim. Quão inserido no sistema deve aparentar seu vice? Ainda cabe esse tipo de avaliação, ou esse vice seria apenas o cavalo de Tróia do projeto lulopetista de volta ao poder e desarticulação do golpe? Haddad me parece o nome mais "Clinton" e Amorim o mais "Sanders", por dar a impressão de estar não apenas fora dos conchavos do poder, mas acima deles - uma espécie de Eduardo Suplicy sem filhos chatos e ex-mulher traidora. De qualquer modo, independente de quem seja o vice-alçado a cabeça de chapa, será acusado de "petismo" e de ser de "esquerda" - nossa mídia já mostrou incapacidade de reflexão, para notar que essa tática não funciona para além dos 30% que não votarão no PT ou na esquerda de forma alguma -, com fortes chances de vencer. 
É por essa sinuca de bico que, creio, Bolsonaro não será cassado: acreditava nessa possibilidade - até o chamava de "boi de piranha" - por ser um candidato que não agrada ao sistema, com pendências na justiça, e a cassação de sua candidatura permitiria não apenas tirar do jogo alguém que está na frente do Alckmin como tentar passar a imagem de judiciário isento, imparcial: cassou um candidato da esquerda como cassou um da direita. Questão que muitos brasileiros não compreendem o que é esquerda e direita, e vão ver apenas como mais um arbítrio contra alguém que é contra o sistema - e esses votos não devem ir para o PSDB, MDB ou partidos desse espectro.
Para encerrar esta análise de momento, duas observações gerais: da consumação do golpe até abril eu tinha seríssimas dúvidas sobre a realização das eleições. A derrota quase certa dos golpistas e o (des)arranjo institucional me faziam crer no seu adiamento - com qualquer desculpa esfarrapada por conta da intervenção militar no Rio de Janeiro -, ou na mudança do regime para semi-presidencialismo ou qualquer gambiarra mal feita. Creio ser graças a Donald Trump que nossas eleições devem ocorrer - a se conferir se sem grandes fraudes, se de repente Alckmin não dispara sem motivo nas pesquisas de opinião de institutos enviesados e acaba por vencer até mesmo o Lula: ao recusar a entrada do Brasil na OCDE, por falta de respaldo democrático, deixou claro que tipo de relação o Brasil teria caso insistisse na senda golpista (orquestrada pelos democratas ligados a Clinton e ao establishment estadunidense?), e acabou com qualquer clima para uma nova etapa no golpe, ao menos tão descarada.
Estamos aqui, desde sempre, discutindo eleições executivas, tratando as legislativas como perfumaria. O golpe parece não ter nos ensinado da importância de deputados e senadores - que seja das suas funções negativas. É urgente começar campanha de rua, de internet, de Fakebook, boca a boca, whatsapp a whatsapp, para candidatos progressistas ao congresso nacional, senado federal e assembleias estaduais. Se for eleito um congresso como o atual, e se o próximo presidente for do campo progressista, dificilmente conseguirá fazer muita coisa - que seja desfazer as absurdidades golpistas. Vai depender de ser um líder carismático com forte apoio popular, alguém com prática em negociações espúrias para compactuar com as raposas legislativas, ou vai ser derrubado em pouco tempo - na falta de crime de responsabilidade vale até acusação de não ter dado a descarga, é só pro-forma mesmo. Penso que a campanha para legislativo não deva ser uma semana, dois dias antes das eleições postar uma foto e declarar voto, mas desde o início, todos os dias, anunciar candidatos ao qual cabe conhecer melhor e votar.
Por fim, ainda me soa absurdo estar escrevendo isso como se estivéssemos numa democracia minimamente séria. Mas é preciso forçar: ou uma reforma que permita uma democracia de fato, ou mídia, judiciário, donos da grana, políticos, militares assumem de vez o golpe e o escancaram para o mundo.

17 de julho de 2018