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quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A foto da reforma do Vale do Anhangabaú e as críticas precipitadas e tardias

Foto de como está ficando o Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, gerou uma série de reações, de críticas, e algumas poucas reflexões. Como sói com críticas basicamente reativas, são rasas e pouco acrescentam, além de ressaltar a ignorância no assunto de quem a faz - há quem consiga fazer uma crítica com mais refletida, mas aí cai numa idealização que perde um bom tanto do contato com a realidade, como o caso do artigo “Como era verde o meu Vale: o Anhangabaú e o paisagismo inóspito de São Paulo”, por Antonio Hélio Junqueira, publicado no Jornal GGN, e falo isso como usuário pedestre frequente do Vale entre 2012 e 2018.
A crítica com base na foto atual é ao mesmo tempo precipitada e muito atrasada. Precipitada porque o vale ainda está sendo reformado. Poderia se questionar onde estão as árvores que constam no projeto. Contudo, para tal pressuporia o conhecimento do projeto - e nisso se mostra o quanto é tardia. Porque o projeto não é do Bruno Covas, e sim do Fernando Haddad. Foi pouco discutido com a sociedade, apresentado sem a mesma grita da esquerda que vejo agora em minha bolha branca-classe média-universitária-de esquerda, e desde o início era medonho, com poucas árvores, muito cimento - e centrado na gentrificação do centro.
Para agora, a grande questão - que chega a ser abordada muitas vezes, mas raramente como principal crítica - é a necessidade de uma reforma dessas, essencialmente cosmética (uma vez que não inaugura nada marcante, como um centro cultural ou esportivo), em um momento de crise econômica (mesmo antes da pandemia) e com uma série de problemas importantes e mais urgentes, inclusive no próprio centro - como a questão da moradia. Mas não deixa de suscitar outros temas importantes para o debate.
Para além da moradia, desde quando o projeto foi apresentado, ficou escamoteada a discussão dos usos - atuais e desejados - do centro da cidade e da população que o frequenta, e da qual se deseja que o frequente também. Pergunta mais que pertinente: esses novos frequentadores querem estar no centro, querem estar em contato com “gente diferenciada”? Porque dificilmente será apenas uma praça - ainda mais num país que costuma vê-las como mero locais de passagem ou de moradia de população marginalizada - que fará com que certas porções da população passem a ocupar um espaço (o exemplo do Largo da Batata citado por Junqueira não parece condizente, uma vez que se localiza numa região já devidamente habitada e gentrificada). Há um exemplo logo ao lado: o Sesc 24 de maio, na República, atraiu pessoas novas apenas o restrito espaço do seu interior super policiado, tanto que oferece transporte para o metrô e estacionamentos, como forma de evitar que seu público entre em contato com o populacho da região. 
Quais os usos que se quer do centro: moradia popular, moradia hipster, lazer para quem pode pagar? Lazer popular já há (ou havia, antes da pandemia), com vários bares com som ao vivo e grupos de pagode; e mesmo boa oferta cultural, com Galeria Olido (antigamente, andou sendo posta de lado, infelizmente), Centro de Referência da Dança, Trackers, cinema de rua, além do novo Sesc. Se é para lazer da classe média - poderia ser uma alternativa para a vida noturna, aproveitando que já é subaproveitado para moradia -, caberia pensar a reforma do Vale a partir do seu uso efetivo - mesmo que em transição - e não de uma ocupação idealizada e pouco factível no momento - a gentrificação por ora está (estava) centrada na região da República próxima à Vila Buarque e Santa Cecília, não aponta na direção da Sé. 
E, claro, outro ponto a se criticar: se é para gastar dinheiro público em praças e afins, é no centro que esse dinheiro deveria ser aplicado? Não faria mais sentido ampliar as áreas verdes e de convivência nas regiões de moradia já densamente povoadas?
As críticas que vejo na internet, via de regra, são de quem já não frequentava o Vale do Anhangabaú, desconhece que há muito não é arborizado (talvez tenha sido enquanto durou o projeto de Bouvard, de cidade jardim), e que nada ali convidava a estar, a permanecer, a ser local de convívio - quem a ocupava de fato eram os moradores de rua, como costuma acontecer nestes Tristes Trópicos. Não sei se o novo Anhangabaú mudará essa topologia humana, de qualquer forma, não vejo muita possibilidade de piorar - pode, quem sabe, ser uma alternativa menos radical à praça Roosevelt para skatistas, patinadores e afins. De qualquer modo, cabe criticar o momento em que se está executando e mais que isso, o projeto desde seu início; e isso implica em criticar a conversão do PT a ideais classe média hipster, em detrimento das necessidades e anseios das classes trabalhadoras das periferias.

06 de agosto de 2020

sábado, 31 de agosto de 2019

Talvez a vitória de Bolsonaro em 2018 tenha sido a melhor opção

Apesar de todas as críticas à psicologia do ego de Erich Fromm, admiro sua apresentação da ideia de liberdade, em O coração do homem: foi um marco na forma como passei a refletir sobre problemas que surgem. Grosso modo, diz ele que o último passo na tomada de um ato pouco tem de livre: há uma série de engajamentos prévios que tornam a desistência do ato, o passo derradeiro, de um custo tão elevado a ponto de ser difícil ao sujeito mudar de rota, uma vez que seria negar tudo o que foi feito até então e que levou até àquele ponto - contudo, o mais comum é nos atermos a esse último instante e acreditar que ali se tomou toda a decisão, que ali ainda havia plena liberdade de fazer ou não.
Fromm me veio à mente com o tal "dia do fogo", organizado e posto em prática por criminosos disfarçados de fazendeiros e ruralistas, apoiadores de Bolsonaro na Amazônia, com as reações grotescas do mandatário da nação, e com os alertas de "eu avisei" dos que mantiveram um mínimo de bom senso ano passado - o que exclui pretensos isentões do segundo turno.
O que ficou evidente para mim neste mês de agosto foi que, diante do que tínhamos em setembro de 2018, a vitória de Bolsonaro pode ter sido a melhor alternativa - claro, isso vai depender de como as esquerdas e as forças progressistas estão se organizando e vão se organizar. O ponto principal é que o clima de ódio provocado pelo consórcio mídia-PSDB-judiciário-ministério público e o estado de anomia no qual o país foi atirado pelo farsesco impeachment de Dilma foram instrumentalizados pelo ex-capitão e seus sicários, de modo que ganharam demasiado poder. Poder para além das urnas - e é o poder do estado que tem nas mãos que pode fazer com que desidratem.
Uma vitória de Haddad no segundo turno, além da hostilidade do congresso, teria que lidar ainda com oposição cerrada da mídia e constantes testes de autoridade por vários setores da sociedade, de organizadores do dia do fogo e milicianos a juízes e procuradores. Isso potencializado por crise econômica interna, boicote do empresariado, lawfare e crise comercial internacional. Dificilmente um candidato progressista - estou a incluir Ciro aqui, mesmo sendo de centro-direita - conseguiria encaminhar uma solução a todas essas crises: mais provável que o governo fosse uma tentativa de diminuir o caos estimulado por atores sociais importantes, com a mídia, o STF, Bolsonaro, sua família e suas milícias aumentando cada vez mais o tom do discurso e dos atos.
O "dia do fogo", arrisco dizer, aconteceria sim ou sim, fosse Bolsonaro ou Haddad o presidente. Se com o carioca aconteceu com beneplácito do líder, com Haddad as chances eram de que acontecesse para afrontar o presidente - eventuais prisões que impedissem o que foi feito na Amazônia seriam automaticamente vendidos pela mídia como "venezuelização" e arroubos autoritários, custariam muito de um sofrido apoio interno que ele pudesse ter.
A #VazaJato não teria a mesma repercussão e seria mais facilmente apresentada como "tentativa dos políticos corruptos do PT de impedir os arautos dos cidadãos de bens combaterem a corrupção dos políticos (do PT)". Qualquer sinalização de desmantelar a quadrilha que atua desde a República de Curitiba iria na mesma linha - e às favas o direito, a constituição, a humanidade. Seguiria o lawfare contra qualquer pessoa que pensasse diferente de Moro, Dallagnol e seus serviçais.
Esse clima de caos e desgoverno - ou de difícil governo - permitiria ao fascismo tupiniquim crescer sem oposição - talvez alguma amarra nos governos estaduais, uma vez que poderiam ser cobrados, mas governo estadual dificilmente tem o mesmo poder de ser teto de vidro que o federal. Bolsonaro pai poderia cometer seus festival de disparates sem nenhuma cobrança pela liturgia do cargo, já que não teria cargo oficial nenhum, nem nenhum confronto com a realidade, já que não possuiria poder efetivo nenhum. Seu poder seria paralelo, apoiado e estimulado por parte da mídia e do judiciário (sabemos agora, pela Lava Jato como um todo), no intuito de enfraquecer o PT e ainda crente de que conseguiriam domá-lo depois - uma espécie de Guaidó com mais respaldo. Isso permitiria um maior enraizamento das bravatas e do ideário fascista - com a complacência dos donos do poder -, e tenderia a dar uma enorme força e resiliência a esse espectro político em 2022.
Claro, o fato de Bolsonaro queimar parte do capital político da extrema-direita não anula todo o espectro. A vitória precoce do atual presidente incorreu no mesmo problema da extrema-direita europeia, onde tem sido um retumbante fracasso quando assume o poder, ainda mais sem o devido respaldo popular. É prepotência e incompetência. O Brexit talvez seja o melhor exemplo: é o putsch da cervejaria de Munique que deu certo e os bêubos tiveram que assumir sem ter a mínima ideia do que fazer ou de como o estado se organiza e funciona, daí tentarem recrudescer o golpe. O grande ponto: não tiveram tempo de se enraizar para além dos predispostos a abraçar o "movimento".
Não estou desculpando quem votou no capitão, ano passado, aceitando que era a melhor opção - não era. Estou aqui propondo que façamos nossas análises a partir de um pouco mais recuado, entender que o passo no abismo não foi dado na urna, em 2018, mas vem de antes, de uma série de fatores que foram negligenciados e/ou minimizados, que levaram ao ponto onde estamos. Seguir com essa de "eu avisei" é insistir no erro e achar que eleição é 45 dias de campanha mais a urna, e deixar a avenida aberta para o fascismo repaginado de um Doria Jr ou Luciano Huck tomar o imaginário popular e criar raízes na sociedade - além do que são mais vivos e tem total simpatia da mídia, poderiam atuar (como Doria Jr deveras atua) como tratores nas instituições democráticas sem serem confrontados ou incomodados.
Diálogo, mobilização e politização - se realmente queremos reverter o quadro político atual. Ou então vamos ficar esperando Godot, nos queixando aos astros e esterilmente gritando nas redes sociais "eu  avisei".

31 de agosto de 2019

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Eleições 2018: primeiras impressões pós resultados

Não há muito o que discutir quando se pensa quem foi o grande perdedor neste sete de outubro: o Brasil, nossa democracia capenga, nosso estado de direito pela metade, nossa Constituição violada. Como já alertavam Vladimir Safatle, Luis Nassif e outros, o pacto social que sustentava nossa aparente cordialidade foi esgarçadoa e cada vez mais dá lugar à brutalidade pura e crua - o Brasil tornado um grande Capão Redondo (que ao menos surjam mais Racionais MCs) -, e o pacto institucional firmado pelas elites no fim da ditadura chegou ao fim. Os resultados apontam um reassentamento das frações de elites - sem que sejam todas contempladas. Os vídeos (criminosos, segundo a lei eleitoral) de eleitores usando armas para digitar seu voto no candidato fascista é só uma mostra do efeito de seu discurso: tornar legítimo e socialmente valorizado a expressão da força brutal mais covarde. Institucionalmente, vai ser extremamente difícil governar com a dispersão de forças - vale para Haddad e Bolsonaro -, onde a maior bancada possui pouco mais de 10% dos assentos. Não é ironia, mas é significativo que a maior bancada seja a do PT, seguida da fascista - ainda que haja fascistas dispersos em outros partidos, como DEM, PSC, PSDB, PTB, Podemos, PP... O que assusta na composição legislativa vindoura é que, a despeito do que até os mais pessimistas alertavam - Alceu Castilho, do De Olho nos Ruralistas, foi um dos que mais chamou a atenção para isso -, o próximo congresso não é apenas mais conservador que o atual: o conservadorismo deu espaço para o fascismo aberto. Para aumentar o desalento, nomes de peso como Requião, Suplicy, Lindeberg, Dilma Rousseff foram rejeitados por políticos menores. E eiseste o ponto mais marcante de sete de outubro: a democracia está em risco (Bolsonaro, não duvide, não hesitará em um "autogolpe" quando se virver engessado pelo congresso) e ainda que ela se salve, não há mais possibilidade de jogo político com as regras atuais - uma ampla reforma política é imprescindível. Olhando para o micro, os dois partidos que lideraram o golpe de 2016 e as reformas antipopulares de Temer foram os derrotados nas urnas. MDB e PSDB, de segunda e terceira forças em 2014 (total de 120 deputados, quase 1/4 do congresso), ficaram em quarto e nono, respectivamente, com 63 deputados juntos. O definhamento do PSDB, a princípio, não tem o que ser comemorado, já que no seu lugar entrou o fascista PSL - por mais que os tucanos desde 2010 flertamflertem com o fascismo. Alckmin teve um desempenho sofrível, em parte por conta da migração do voto útil ao fascista já no primeiro turno, em parte pelo que o PSDB se tornou. Assim, os menos de 5% foram vergonhosos. Regionalmente, o partido foi para o segundo turno em cinco estados (SP, MG, RS, RO, RR), três dos quais de grande importância, porém sem ser franco favorito em nenhum dos cinco. É sua chance de sobrevivência enquanto partido, e possibilidade de voltar a ser uma força nacional, talvez. O ponto, porém, é por onde o PSDB correrá a partir de agora, se tentará voltar ao campo democrático, como sinalizou Tarso Jereissati, ou abraçará de vez o fascismo de cashmere de Doria Jr (vejo agora que FHC aponta esta segunda opção). Quem tende a perder também é a Rede Globo e a igreja católica. Paulo Ghiraldelli Jr. comentava que um dos pilares da campanha de Bolsonaro eram as igrejas evangélicas. O apoio explícito do bispo Edir Macedo, pondo a serviço do candidato a Rede Record (outro crime eleitoral), certamente virá com cobrança depois - ao custo da igreja católica e da Rede Globo, que perderá a vez de porta voz oficial do governo. É a movimentação dessas três forças: PSDB com sua intelectualidade (ou que se pretende) neoliberal e seus contatos na elite pretensamente esclarecida, a igreja católica entre a cruz e a espada - ajudar a vencer o "comunismo" e perder a primazia das almas, ou aceitar o PT e seguir na disputa aberta com evangélicos -, e a Rede Globo, que perdeu seu quintal para o bispo e agora pode perder o país todo para o rival. Menção rápida à outra perdedora do pleito, Marina Silva, que demonstrou que a política baseada no ressentimento não vai longe - Marta Suplicy foi mais esperta e saiu de campo antes de passar vergonha como sua ex-correligionária. Boulos, (apesar de ter sido o candidato do PSOL com menos votos na presidencial),; Ciro Gomes, Cabo Daciolo (recebendo votos de protesto), e João Amoêdo, não podem ser considerados perdedores. Ciro encarnou um trabalhismo esclarecido, o pós-petismo, música para os ouvidos para porção da classe média progressista. Precisaria ganhar base social, talvez apoio petista no futuro. Boulos trouxe os movimentos sociais para a ribalta, ajudou, ainda que discretamente, a minorar a resistência ao MTST e outros movimentos de luta, ao menos deu voz a eles em horário nobre, fora da crônica policial. Espero que siga como cabeça nas eleições futuras, com a ênfase do partido nas legislativas - em que conseguiu superar a cláusula de barreira. Amoêdo prometeu ser o neoliberal intelectual e de sucesso, mas foi apenas outra versão do neofascismo tupiniquim - como Álvaro Dias e, em menor medida, Geraldo Alckmin -, ainda assim teve mais da metade dos votos do tucano - o que pode indicar por outros meios o esgotamento do PSDB. Se souber moderar o discurso raivoso e adotar bandeiras menos conservadoras, a depender da movimentação do PSDB, pode substitui-lo no campo que se diz de direita-liberal (que nunca foi liberal). Agora é ver como serão os acordos para o segundo turno, e se o Brasil vai tentar se equilibrar numa crise ou pula direto no precipício. 08 de outubro de 2018

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Eleições 2018: Guerrilha psíquica para tentar vencer no primeiro turno

Faço minha análise da subida de Bolsonaro nas pesquisas ao estilo do Nassif, ver se consigo ser menos prolixo.
Peça 1: Pesquisa não é eleição
Pesquisa é pesquisa, eleição é eleição, e vale lembrar que os institutos de pesquisa no Brasil são pródigos em erros grosseiros - Aécio que o diga, mas vale lembrar que o Ibope errou por uns 10 milhões os votos de Aloysio Nunes para o senado, e nem citava Young, que acabou em quarto, apenas exemplos de 2014. Pesquisas podem ser manipuladas e ajudam a dar ânimo ou tirar o ânimo de apoiadores de certo candidato.
Peça 2: Adesão ao fascista
Diante do retumbante fracasso tucano, a mídia, seus antipetismo visceral, aderiu à candidatura fascista, que tem em seu projeto a submissão nacional bem ao gosto da rede Globo. O mantra de "as instituições estão funcionando" talvez guarde a ilusão de que será possível controlar Bolsonaro uma vez no poder, sem atentar que sua retirada não implica em um governo mais previsível. [bit.ly/2DTgaZ8]
Peça 3: Golpe branco
A rede Globo (e toda a mídia) é especialista em tentar golpes brancos contra nossa incipiente e precária democracia. Em sete eleições presidenciais, fez uso do que há de mais abjeto para tentar emplacar seu candidato em seis, apenas em 1994 com o Plano Real posto em ação no tempo eleitoral perfeito, não precisou usar de tal expediente. Não tem porque não fazer uso novamente em 2018. Contudo, vale lembrar que suas tentativas de influenciar na eleição tiveram resultado efetivo apenas em 89 e 98 (levar 2006 para segundo turno e perder não conta). Curiosamente, o golpe branco deste ano retoma parte da retórica de 1989, com o antipetismo ganhando apoio por medo do "comunismo" (!?) - além dos motes principais dessa corrente, o falso moralismo contra a corrupção e o ódio a pobre e periférico que "não sabe seu lugar".
Peça 4: Facada da sorte
A facada em Bolsonaro, logo no início da campanha, provavelmente foi o que permitiu a ele se manter onde esteve e se garantir com a segunda vaga para o segundo turno (a primeira vaga, pouco importa se em primeiro ou segundo lugar, desde sempre foi do PT, partido em torno do qual orbita a disputa nacional desde 1989). Sem precisar se expôr, tanto em entrevistas quanto em debates, ganhou blindagem natural de tudo o que diria e tiraria seus votos (seu vice e seu economista deram mostras do que seria Bolsonaro em forma), além de não poder ficar com a pecha de covarde por ter fugido dos debates, como já anunciara. Sem poder ser atacado diretamente, pode reforçar seu discurso de antissistema com os ataques recebidos de todos os demais candidatos [bit.ly/2IA1cWI]. Que erraram na estratégia ao polarizar PT e Bolsonaro, garantindo que ele é o antipetista real, sem essa conversinha de terceira via, de centro.
Peça 5: Segundo turno é outra eleição
Ainda mais quando não há um candidato disparado na frente, 49% dos votos válidos, o segundo turno abre novas possibilidades - em 2006, vale lembrar, Alckmin perdeu três milhões de votos, com relação ao primeiro. Bolsonaro recuperado, se verá forçado a ir aos debates, até para não ficar com a fama de covarde. Exposto, seu discurso moralista e antissistema se desfaz, e é possível que muitos antipetistas menos radicais acabem por optar votar nulo. Por isso as sondagens de segundo turno pouco valem, antes do segundo turno começar para valer. Para Haddad e o PT, uma das questões é tomar as rédeas do discurso do comunismo, explicar o que é e que o partido nunca foi comunista.
Peça 6: A única chance de vitória de Bolsonaro é no primeiro turno
O fascista já dava por perdida a eleição, tanto que cantava golpe, falava em não admitir a derrota. A união da mídia, com apoio explícito de Edir Macedo, é a grande (se não única) chance de vencer o PT: com vitória em primeiro turno, sem exposição do candidato. Dias atrás havia lido a hashtag no Twitter, hoje ouvi conversas no metrô, e fui atrás de alguns vídeos da direita hidrófoba convocando para uma mobilização em busca da vitória em primeiro turno contra o "perigo comunista". Uma amiga me mostrou post de uma transexual, que dizia que queria ir de Marina, mas se via obrigada a votar logo no fascista, para não dar chance ao PT ("bicha burra nasce morta", diziam os gays nos anos 1980, quando sair do armário era sério risco de vida, mais que hoje).
Peça 7: Antecipar voto útil e forçar desistência dos eleitores do outro campo
Para vitória de Bolsonaro, foi montado uma estratégia de guerrilha psíquica, pela internet e pela mídia convencional. Primeiro, antecipou o voto útil contra o PT,  com o discurso de possibilidade de vitória em primeiro turno. Contribuiu a estratégia equivocada do PSDB (seguida por Ciro e Marina) de pintar o PT como antítese de esquerda do Bolsonaro - logo, Bolsonaro como o antipetista da gema [bit.ly/cG181001]. Com isso, enterra-se de vez as candidaturas antipetitas que não decolaram, e sequer vão saber qual sua real dimensão - Alckmin, Marina, Álvaro Dias. Ciro, ao sinalizar o abandono do pós-petismo (que dividia com Meirelles e Boulos) pelo antipetismo arrisca mergulhar na mesma vala. Ainda assim, apenas a migração de voto não parece ser suficiente, é preciso desestimular o voto que não de bolsonaristas. Eis o segundo momento da estratégia: forçar um aumento dos votos brancos, nulos e abstenções: o factoide político de Moro desta semana seria uma tentativa extra de deslegitimar o sistema como um todo, favorecendo não apenas voto no candidato antissistema mas, principalmente, descrédito e abstenção dos que votaram em candidatos do sistema. Em alguma medida foi a estratégia de 2016, e vale lembrar que vitória em São Paulo de Dória Jr, em primeiro turno, teve quase 10% menos votos que Haddad em 2012, mesmo com base maior de eleitores.
Peça 8: Como ler as recentes pesquisas
As pesquisas que sinalizam crescimento de Bolsonaro e estagnação de Haddad podem ser manipuladas ou não. Pode, de fato, que a estratégia de forçar eleitores antipetistas a antecipar o voto útil já seja palpável; como é possível que os institutos tenham forçado a situação desejada, para criar o factoide e forçar uma profecia auto-realizável. Tão importante quanto é como a mídia adentrou no discurso de "possível vitória em primeiro turno", "empate no segundo turno", "líderes de rejeição", contribuindo para desestimular os votos nos demais candidatos: o discurso subliminar é de que "se não for agora, Bolsonaro ganha no segundo turno". Então, melhor nem perder tempo. Sem falar no discurso de que Bolsonaro ou Haddad são a mesma coisa, então tanto faz quanto tanto fez.
Peça 9: A reação do campo democrático e antifascista
Como disse, em seis oportunidades de golpe branco (sete, se contarmos o caso Procunsult de 1982), a Globo teve sucesso apenas em dois, e nos primórdios da nossa democracia, sendo que o de 1998 por omitir informação (da eminente quebra do país) que por forçar um factoide. A estratégia não é garantia de vitória, mas não se deve descuidar, e é preciso reação das forças democráticas, populares e antifascistas. Ainda espero uma postura à altura do momento por parte de Ciro. Como assinalou Luis Costa Pinto em seu Fakebook, esperamos que Ciro não siga os passos de Marina e destrua toda sua história de vida pública por ressentimento. A ver como se comportará no último debate. Porém, o principal para evitar a vitória fascista é a mobilização das pessoas comuns, mobilização de base, das mulheres que foram às ruas, e de todos aqueles que se dão conta do que significa a vitória de Bolsonaro. Partir para a conversa, na internet e no boca a boca, com parentes, amigos, conhecidos e desconhecidos, tentando convencê-los a votar em algum candidato que não o do PSL. Algo na linha "não se precipite, marque qual sua real opção no primeiro turno, para dar força a esse projeto político para negociar no novo governo, e no segundo turno, ouça com atenção as propostas do Bolsonaro, para ver se ele é mesmo uma opção viável". Para o voto de protesto, cabe campanha para Cabo Daciolo. A questão é: manter a mobilização, partir para o corpo a corpo, em busca de votos para quem quer que seja, que não Bolsonaro. O segundo turno é outra eleição, e Haddad é favorito, até pela precariedade do fascista.

03 de outubro de 2018

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Eleições 2018: duas questões tornadas uma, Bolsonaro agradece

Minha primeira aula da minha primeira faculdade - psicologia na USP -, foi de filosofia. Em tese era só apresentação da disciplina, mas o professor já se perdia em seus pensamentos - marca registrada do "filósofo da goiabeira" -, quando entrou uma veterana em busca de calouros voluntários para um trabalho de alguma matéria. Interrompeu a aula gracejando: "uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, ou é ao contrário, Furlan?". Quando a veterana saiu, o professor adentrou por essa nova senda e passou a falar da importância em saber distinguir as coisas, que nem sempre conseguimos perceber que uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. 
Me lembrei dessa aula do Reinaldo Furlan ao assistir ao primeiro bloco do debate da Record do golpe (e do Bolsonaro). Com outros afazeres, não assisti aos demais blocos, mas esse foi significativo: bombardeio pesado contra Bolsonaro (sem muita mira, na minha opinião), com artilharia cerrada também contra Haddad e o PT, apresentado como antípoda de extrema-esquerda do fascista. É a estratégia traçada há mais de um ano pela mídia e o PSDB, que até agora não deu resultado (ou melhor, deu, para Bolsonaro), e não sei se dará certo agora - ainda que haja novidades no contexto, como a facada e o #elenão, não acredito. Não sei se algum analista já comentou isso, eu só tive o insight ontem: nossa elite não é exatamente das mais espertas (mesmo a que posa de intelectual, como atestam, a título de exemplo rápido, os erros primários de português de FHC e Moro), no máximo eficiente para blietzkriegs - não para estratégias de médio e longo prazo que não passem pela porrada pura e direta -, e uma das suas falhas está em notar que Bolsonaro é um problema, o PT é outro. Salvo Boulos e Haddad, por razões óbvias, e Daciolo, por razões que a razão desconhece, todos os demais candidatos seguiram, ao menos nesse primeiro bloco que presenciei, essa toada: bater forte em Bolsonaro e por o PT como a outra face da moeda. Não notaram que essa é uma moeda que está bastante valorizada, em qualquer um dos lados - são 66% dos votos válidos, conforme o último DataFalha [http://bit.ly/cG180717].
Ao tentar pôr o PT como Bolsonaro de esquerda, a estratégia acaba legitimando Bolsonaro como o antipetista autêntico - e depois de trinta e oito anos da grande mídia atacando o PT, com especial ênfase nos últimos dezesseis, parte dos zumbis-fascistas-vestidos-de-patos não querem meio termo, querem a destruição "dessa raça" (como disse um ex-senador catarinense) apresentada como "câncer" da nação. Que Alckmin busque essa linha é o natural, uma vez que o PSDB se tornou herdeiro do ranço antipetista do malufismo, abandonou qualquer projeto de país - de governo, que seja (não estou considerando rapina do Estado e divisão do butim um projeto, talvez devesse) -, e se centrou apenas no antipetismo moralista udenista ou, mais recentemente, num neofascismo de compadrio vestido de cashmere. Marina e Ciro, por sua vez, possuem outras possibilidades de discurso, poderiam bater em Bolsonaro como fizeram, mas se apresentar como alternativa ao petismo, desvinculando as duas questões: uma é combater o fascismo, outra é superar o petismo (seja lá o que isso signifique). A estratégia, caso vingue agora, tende a favorecer Alckmin. Caso não vingue, tende a tornar ainda mais envenenado o ar do segundo turno, encaminha para um "todos contra o PT", nem que para isso vingue o fascismo, que está cada vez mais naturalizado como opção política legítima.
Será preciso muita mobilização, na internet, nas conversas ocasionais e nas ruas para vencer as eleições. E será preciso manter essa mobilização pelos próximos anos para garantir que valores democráticos prevaleçam.

01 de outubro de 2018

Ao acatar a pós-verdade criada pela mídia para Alckmin, Ciro e Marina saem perdendo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Eleições 2018: Haddad no segundo turno e Ciro (ou Alckmin) por um bola para desbancar Bolsonaro

Pesquisas eleitorais não são apenas retrato de momento, são retratos muito falhos, com erros grosseiros mesmo a um dia do pleito. Ainda assim, é o que se tem para fazer alguma análise sobre o cenário eleitoral.
Quando comentei o primeiro debate, na Bandeirantes do golpe, falei que parecia que os candidatos estavam cientes de que disputavam a segunda vaga para o segundo turno - a primeira era do PT. O crescimento de Haddad era esperado e óbvio - só algum acontecimento muito fora do comum impediria seu crescimento: o PT nacionalmente conta com cerca de 30% do eleitorado, teve uma queda nesse índice com os ataques promovidos pelo consórcio golpista, mas diante do exagero na dose da mídia e da condenação sem provas de Lula por crime que sequer foi especificado, houve um efeito rebote e o PT está no mínimo no mesmo patamar, com a militância mais aguerrida que em tempos não muito distantes. Por mais que fosse dificultada a transferência de votos de Lula a Haddad, sua identificação com o PT já tenderia a garantir votos suficientes para uma das vagas. Sua escolha também se mostra acertada por quebrar a resistência de antipetistas menos radicais, daí a insistência da mídia e dos adversários de marcá-lo como sendo do PT.
Alckmin parte para o tudo ou nada. Sobe o tom dos ataques contra Bolsonaro, marca posição como antipetista da gema, e ameaça o Brasil de se tornar uma nova Venezuela da mídia, se elegerem um dos "extremistas", tentando fazer valer a clivagem que há mais de um ano a mídia tenta produzir, sem sucesso, de que o PT seria um extremista de esquerda, um Bolsonaro de sinal invertido. O problema é que por não empolgar corre risco de definhar ainda mais para Ciro Gomes, que se mantém firme perto dos 15% das intenções de voto, faz discurso de alguém muito bem preparado e não exatamente antipetista, mas pós petista, que acaba palatável não apenas aos não petistas que nada tem contra o partido de Lula, como entre antipetistas lights, com alguma capacidade de discernimento entre um candidato do campo democrático e um maluco com fortes pendores ditatoriais e sádicos. Ciro, se se mantiver onde está, crescendo um pouco, pode chegar ao segundo turno. Alckmin primeiro precisa derrubar Bolsonaro e então partir para uma operação abafa tentando superar Ciro. Ainda não conseguiu a primeira tarefa, pode ser que consiga, porém acredito que dificilmente conseguirá também a segunda, a tendência é definhar ainda mais, caso Bolsonaro caia também.
Bolsonaro é, desde o início, o outro nome forte para o segundo turno, mas não está garantido. Não porque o sistema político tenderia para a polarização de sempre, PT-PSDB, como certos analistas e cientistas políticos desejavam, e sim porque é um candidato fraco, mesmo. Tem uma base de fanáticos e alguns tolos que se deixaram levar pela onda. Por um lado a facada foi uma sorte: quanto mais ficar quieto, melhor. Por outro lado, não: além de dúvidas sobre seu real estado de saúde, sua equipe dá mostras de ser mais estúpida que o próprio - quase um representante da Sorbonne entre seus partidários. Uma frase infeliz dele, de seu vice ou de seu guru econômico, se bem explorada pelos adversários (Ciro, Alckmin e a mídia), pode desidratá-lo a metade do que tem hoje, creio. Segurança pública (pouco explorada, na minha opinião), CPMF e aumento de impostos para a maioria da população, e agora Mourão atacando não apenas as mulheres, mas as mães - essa entidade semisanta - e seus filhos. Bolsonaro se defende com o discurso de que tudo o que se fala dele é invenção de esquerdista, fake news. Se em algum momento se conseguir furar essa defesa, ele cai. Duro é que falta pouco tempo, ao menos para o primeiro turno.
A disputa contra Bolsonaro pela sua vaga no segundo turno me lembra meu Paraná Clube, na série A, em especial quando ainda comandado pelo Micale (meu outro time, que torço por influência de meu avô, o Operário Ferroviário, se tudo der certo, se consagra campeão da série C amanhã): o time é muito limitado, ainda assim não chega a jogar mal, porém joga tudo por uma bola; duro que na grande maioria das vezes não apenas toma o gol primeiro, como dificilmente aproveita a bola do jogo que tem para fazer o gol. A comparação com o Paraná não foi sem propósito: o time não é apenas lanterna, mas caminha para a pior campanha dos pontos corridos, e isso serve de analogia para a dificuldade em se desbancar o candidato fascista de onde está - mesmo com alguma ajuda da mídia.
Há quem o veja como um novo Collor, com mídia e empresariado dispostos a apoiá-lo, para vencer o sapo barbudo, repaginado em dupla de galãs de novela. Não me parece ser o caso. A mídia hesita: se não bate, tampouco apoia. Creio que há dois pontos para esse comportamento: o primeiro, por saber que é candidato com grandes chances de derrota, então tentar, quem sabe, barganhar neutralidade com Haddad (com Ciro não vai ser preciso, por ora), em troca do partido não comprar briga quando assumir. O segundo, que Bolsonaro não tem um "vice-caução", como tinha Collor: o aventureiro alagoano podia ser posto no Planalto porque, qualquer coisa, tirava-se (como de fato se tirou) e no lugar havia um político sério, de carreira: Itamar Franco (o tal vice-caução é minha tese também sobre a aceitação das vitórias petistas nos últimos anos). Se eleito, eventual impedimento de Bolsonaro poria alguém ainda pior: não haveria escapatória fácil, com verniz legal, para os próximos quatro anos, e não há uma burocracia consolidada para freá-lo - pelo contrário, parte das altas esferas estatais já mostrou estar disposta a apoiar a instalação aqui de um estado neofascista aos moldes das Filipinas.
Luis Nassif fala em um início de pacto pela democracia [http://bit.ly/2QPGOEP], com supremo, com tudo - o que não deixa de ser bom, em alguma medida, mesmo que com efeitos colaterais. Pode ser não apenas a percepção de algumas frações golpistas (minoritárias, me parece) do quanto se perde com um governo Bolsonaro, como uma tentativa de manter a democracia brasileira em baixa intensidade, obrigada a ceder aos interesses dos de sempre, e ainda assim democracia - o que cai bem no exterior. Bolsonaro fora do segundo turno permitira um rearranjo mais tranquilo, com maior aparência de normalidade democrática - inclusive a própria derrota do candidato petista, com uso de todo aparato de terrorismo midiático para (mais) um golpe branco do tipo.


21 de setembro de 2018.


quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Eleições 2018: análise dos candidatos antes de iniciada a campanha de fato

Meu texto anterior tinha como objetivo sublinhar que a eleição presidencial de 2018 nada tem de normal, que não se trata "apenas" de escolha entre projetos de país e de como lidar com a coisa pública, e sim entre dar um verniz democrático ao golpe em curso - com poder judiciário agindo como poder moderador extraconstitucional - ou tentar retomar um caminho de democracia efetiva, ainda que bastante limitada, a princípio [bit.ly/cG180807]. Entretanto, as movimentações que resultaram nas candidaturas por ora postas apontam numa aparente normalidade, com polarização entre PT e PSDB. Falta, contudo, combinar com os russos, ou melhor, os eleitores. Ainda que se consagre essa polarização, nada há de normal - eu já havia dito, quando no imbróglio tucano para o candidato à prefeitura paulistana, que a escolha por Doria Jr era o fim do PSDB enquanto opção democrática [bit.ly/cG160201], e a gestão do ex-prefeito confirmou o pouco apreço da legenda com princípios democráticos e republicanos básicos (corroborado pelo desejo de FHC de lançar Huck à presidÊncia, para não falar na não aceitação da derrota em 2014 por parte de Aécio Neves e o apoio ao golpe de estado de 2016). E por mais que julgue atual e pertinente a divisão do espectro político em esquerda e direita, por conta do contexto do golpe prefiro falar em campo progressista e campo conservador/reacionário/de extrema direita. Deixo de lado os candidatos do Patriotas, DC, PPL e PSTU. 
No campo conservador são seis candidatos. A aparente divisão é apenas aparente: efetivamente são dois candidatos - Alckmin e Bolsonaro -, dois azarões aguardando uma reviravolta de última hora para serem ungidos como eleitos do establishment - Marina Silva e Álvaro Dias - e dois candidatos de apoio - Meirelles e Amoêdo. Estes dois últimos devem ser candidatos propositivos de direita, deixando mais evidente as propostas gerais desse campo. Devem ir a combate contra a esquerda e levantar a bola para alguém da direita chutar.
Meirelles tem papel importantíssimo na eleição: servirá principalmente para que Alckmin tente se descolar de Temer - afinal é ele o candidato do MDB -, e poderá, ainda, tentar trazer o PT para algo próximo do Usurpador - para além de ter sido vice de Dilma -, por ter trabalhado em ambos governos. Com tempo de tevê, pode fazer deliberadamente o que Ulysses Guimarães fez por omissão em 1989, e contribuir decisivamente para um candidato conservador no segundo turno - certamente seu trabalho não será em vão. Parece pouco provável que aja com bom MDBista e troque de canoa no meio do caminho, ao notar que o PT avança inconteste, mas não cabe descartar essa possibilidade.
Marina Silva e Álvaro Dias tentam correr como azarões, ela mais pelo centro, ele mais pela extrema-direita. Se conseguirem emplacar seus discursos, Marina pode tirar votos tanto dos candidatos do campo conservador quanto do campo progressista, enquanto Dias tende antes a enfraquecer Bolsonaro. Se Alckmin não decolar, apesar de todo seu tempo de exposição, podem ganhar a vez de brigar com o capitão pela vaga num eventual segundo turno: seriam candidatos mais confiáveis ao establishment que o destrambelhado do exército. Devem tentar encarnar um discurso antipetista e antissistema light (se comparado à propaganda de ódio de Bolsonaro), de quem está dentro mas nunca compactuou com "tudo o que está aí", apelando principalmente para o discurso ético. São candidaturas em stand by, prejudicadas pela redução do tempo de campanha. 
Alckmin é o presidente do Brasil a partir de 2019, se os eleitores "votarem certo", de acordo com os donos do poder. Comentei em outro texto [bit.ly/cG180717] que Alckmin é muito "Hillary Clinton" em uma eleição na qual o eleitorado sinaliza saturação com o centro. Atraiu para sua aliança as forças do establishment (o que sinaliza um eventual presidente fraco, completamente  à mercê do tal centrão e das forças que o patrocinaram), mas eles sabem que não é garantido sequer sua ida ao segundo turno, daí provavelmente o alto preço que devem estar cobrando desde já, e a possibilidade de abandonarem o barco a qualquer momento. Uma das apostas de Alckmin deve ser no tempo de tevê e na brevidade da campanha, que permitiria a construção de uma blietzkrieg narrativa sem chance de desconstrução, que o catapulte como uma onda, como foi Doria Jr em 2016, ou mesmo Haddad em 2012 (e quase em 2016) - a questão é que Alckmin é suficientemente conhecido para ser construído do zero, a estratégia, portanto, não tende a ter grande efeito, sem falar que ele terá tempo demais para tentar falar o mínimo possível, uma vez que não pode expôr seu projeto de governo. A escolha de Ana Amélia, um Bolsonaro de saias e sem farda (mas com milícias), do agronegócio, depois de longo flerte com o ex-comunista Aldo Rebelo, que trocou de partido duas vezes para estar disponível a Alckmin, mostra que o tucano tem como preocupação primeira passar para o segundo turno. A aposta inicial em Rebelo daria o verniz de alguém aberto ao diálogo e com uma ponta na esquerda, tentativa de ganhar, no segundo turno, indecisos simpáticos à centro-esquerda porém desagradados com o PT. Ana Amélia é a sinalização do namoro sério com o neofascismo, o discurso aberto de ódio, e a queima de pontes com eleitores mais à esquerda. Pode, a depender das pesquisas, deixar Bolsonaro quieto e atacar fortemente - junto com as outras candidaturas de apoio do campo - o PT, para no segundo turno ganhar o voto do "mal menor". 
Bolsonaro, por enquanto, é um dos nomes desta eleição - junto com Lula. Seu parco tempo de tevê, se por um lado prejudica sua exposição, por outro é positivo ao evitar que fale muito - o que garante não desagradar os que não são fanáticos -, além de reforçar seu discurso de antissistema - que apresenta aliado ao discurso antipolítico e antipetista, de necessidade de ordem para garantir a segurança, e fim de democracia e direitos sociais, apresentados como favorecimentos, privilégios de vagabundos, ao custo para os "cidadãos de bem" (termo que deve ser usado à exaustão nesta breve campanha). Os absurdos que profere - frases racistas, misóginas, de incitação à violência - costumam ser relevados em favor desse discurso: na ânsia de pertencimento nesta modernidade líquida, muitos de seus eleitores preferem enxergar a si e aos seus próximos apenas como cidadãos de bem, a despeito de serem gays, mulheres ou negros, na crença de que sejam vistos assim também pelos seus futuros carrascos - a descoberta da realidade será amarga e inevitável. Encontrou um tal "ponto ótimo", que o deixa numa situação confortável, sendo seu principal desafio se mexer sem sair do lugar: deve ser atacado pela direita e - equivocadamente - pela esquerda, e isso tende a reforçar seu discurso "contra tudo o que está aí". Se não for atacado, pode crescer igual. A questão é que chegou onde está por acaso, não por cálculo, e um passo em falso é perigo eminente à sua candidatura. (Minha grande dúvida: em um segundo turno entre Bolsonaro e PT, o PSDB declará apoio a um dos candidatos? Meu palpite: entre alguns falando em apoiar o PT e muitos silentes, se declarará neutro). 
O campo progressista tem a faca e o queijo na mão - se não houver fraude ou novo golpe -, mas dá sinais de ser capaz de esfaquear a si mesmo. Parte da esquerda acha que unidade é candidato único - e não objetivo em comum -, e o narcisismo das pequenas diferenças dá sinais de ser mais forte que a necessidade histórica do momento. 
Boulos entra como candidato sem pretensões de vitória, mas com objetivo de marcar posição, pôr os movimentos sociais na vitrine política (e não policial, como tentam grande imprensa, PSDB e demais partidos do campo reacionário), e qualificar o debate. Se tiver oportunidade em debates e na grande mídia, pode fazer diferença, tirando votos, inclusive, de Bolsonaro, ao se apresentar como opção antissistema porém política. Pode significar uma mudança na forma como se vê movimentos sociais de reivindicação de direitos - uma candidatura desse tipo faz muita falta desde 1994, um candidato ainda em trabalho de base, sem se deixar levar pelo canto da sereia tecnocrática. Ademais, o PSOL pela primeira vez tenta ampliar sua base para além dos acadêmicos revolucionários de gabinete com teses impecáveis teoricamente exemplificadas em vocabulário parnasiano. 
Ciro Gomes, ao que tudo indica, é o grande perdedor das últimas movimentações, seja com a o apoio da direita fisiológica a Alckmin, seja com a "neutralidade" do PSB - e isso não é positivo para o campo progressista, assim como para o próprio PT. Não apenas pelo risco de Ciro despejar fogo amigo, como principalmente pela diminuição de seu tempo de ataque ao campo adversário. Com fama de falar sem medir as palavras - como Bolsonaro -, Ciro pode tirar votos do fascista ao mesmo tempo que fustiga Alckmin (ou Haddad...). A escolha de Kátia Abreu para vice, depois de flertar com o centro fisiológico do congresso, mostra que sua candidatura é a sério e propõe reviver o pacto lulista - expus em outro texto minha tese de "vice-caução" como condição de elegibilidade para candidatos de esquerda ou progressistas [bit.ly/cG180509]. Mais: Abreu abre Ciro para certo potencial eleitor tucano, afim ao agronegócio mas reticente com Ana Amélia e com o excesso sulista da chapa tucana - a senadora tocantinense pode ser apresentada como mais pragmática, "genuinamente ruralista", e mesmo como "empreendedora de sucesso". Muitos da esquerda criticam tal escolha, como prova de que Ciro não é da esquerda. Quanto a isso, dois pontos: talvez Ciro não seja mesmo de esquerda, seja apenas um progressista, um nacional-desenvolvimentista a la Dilma. Segundo: quem critica "alianças espúrias" ainda acha que política democrática real pode ser feita com selo de pureza: pureza em política só em congresso de anjos ou em ditaduras totalitárias; em democracia, vai ter abraço e acordo com adversários ou não vai ter espaço para nada. Pode-se dizer que é o azarão do campo progressista, à espera da eventualidade de Haddad não despontar como é esperado - tivesse mais tempo e poderia ser adversário de Haddad num eventual segundo turno, talvez o grande medo do PT. Me parece o nome mais apto para deslocar Bolsonaro do confortável ponto onde está; o risco de isso dar certo e ele crescer e vislumbrar chances de vitória é apelar para algum grau de antipetismo e ambos afundarem abraçados, quando o melhor para o campo progressista é que se afirme como um não-petismo, um pós-petismo, sem anti. 
Enfim, Haddad. Novamente prejudicado pela mudança na legislação eleitoral que diminuiu o tempo de campanha, ainda assim é o nome mais forte do campo progressista. Vai se apresentar como o emissário de Lula. Como disse alhures [bit.ly/cG180717], a perseguição a Lula e ao PT foi tão forte que teve "efeito rebote": em 2015, a rejeição ao ex-presidente era de 55% [bit.ly/2OTD8AU], o que tornava muito difícil uma vitória; em 2018 volta aos patamares normais do antipetismo: 31% [bit.ly/2KDpKxr]. Mais: a saturação com "tudo o que está aí" fez com que tal perseguição desse naturalmente ao PT o ar de partido antissistema light: que ao mesmo tempo incomoda os poderosos (por isso a perseguição), mas não é de aventureiros (vide os mandatos presidenciais). Haddad, curiosamente, é talvez o nome mais "Hillary Clinton" do PT - sua vantagem sobre Alckmin é essa marca imposta ao seu partido. Se conseguir marcar sua ligação com Lula, dificilmente não herda os 20% que este tem na espontânea - por isso deve haver da justiça (sic) eleitoral alguma proibição à vinculação de Lula nas propagandas e nas falas -, mais alguns pontos dos que simpatizam com sua figura, outro tanto dentre aqueles que querem fugir de "extremismos" (como a Grande Imprensa tentou marcar Lula e Bolsonaro), podendo tirar votos que seriam para o centrista tecnocrata convertido ao extremismo de direita, Alckmin. Assim como sua vice, é bem articulado e bem apessoado (soa tosco, mas isso conta), dificilmente perde as estribeiras e sabe revidar com delicadeza - resta saber se isso atrairá certo tipo de eleitores, seja pela delicadeza, seja pelo linguajar mais rebuscado, e neste ponto o enfraquecimento de Ciro é prejudicial a si, ao menos no primeiro turno. Vai sofrer ataques da Grande Imprensa sem cessar até outubro, e se não conseguirem acertar um bom golpe, a tendência é que cresça com tais ataques. A grande falha de sua candidatura foi a atuação nas alianças, ou melhor, nas não alianças, com o intuito de isolar Ciro. Nesse ponto o PT agiu como se estivéssemos numa eleição absolutamente normal, e não em um momento crítico e dramático para o país. O medo de perder a eleição para Ciro pode significar perder a eleição para Bolsonaro, Alckmin ou algum azarão conservador tutelado pela mídia e judiciário. Faltou ao PT o óbvio: reconhecer o contexto e se pautar por uma visão mais ampla que a eleitoral: ainda que difícil de acontecer, mesmo se tivesse o apoio do PSB, um segundo turno entre Ciro e Haddad poderia ser um banho de civilidade e a derrota cabal do golpe. Ao forçar uma polarização com os reacionários, o espectro do golpe e do lava-jatismo seguirá rondando o país.
Talvez uma "novidade" nesta eleição seja uma maior mobilização das bases desde 1989 - seja pela direita, seja pela esquerda. A esquerda ainda está mais tímida, intimidada: ser de esquerda ou ser petista virou praticamente uma ofensa, e as respostas de militantes da extrema-direita (que foi o que se tornou nossa direita, PSDB incluído, sem pôr nem tirar) tendem a ser intimidantes pela sua agressividade. Grupos de Whatsapp terão grande influência, mas não se deve achar que substitui o cara a cara. A diferença é que há um ponto aglutinador no campo conservador - o antipetismo -, enquanto a esquerda, se não se policiar, vai partir para a guerra fratricida - daí a necessidade do campo progressista se centrar numa militância positiva, de elogio aos seus candidatos, deixando a desconstrução do campo adversário para segundo plano. Ataques mútuos entre candidatos progressistas, ou mesmo ataques a Bolsonaro, me parecem o caminho mais equivocado.
Por fim, se a campanha presidencial no Brasil já costuma ser sempre de baixo nível, com golpes brancos ou tentativas de por parte da Globo e dos donos do poder (1989, 1998, 2002, 2006, 2010, 2012; 1994 o plano real prescindiu de jogo mais sujo), imagina agora que está sob ameaça a fina flor do entreguismo das elites, que por dois anos pode florescer sem amarras e sem lastro social. Por isso tenho repetido: uma fraude eleitoral não é algo remoto e absurdo, é possibilidade efetiva (e vale lembrar a Globo e o caso Procunsult de 1982). Também tenho repetido: é preciso também se mobilizar nas eleições legislativas: uma vitória progressista na eleição presidencial com um congresso como o atual vai praticamente inviabilizar o novo governo.

08 de agosto de 2018

terça-feira, 3 de abril de 2018

O PT quer uma vitória emblemática em São Paulo - poderia se contentar apenas com a vitória

Não acompanhei os bastidores da escolha do candidato do PT ao governo de São Paulo (isso, claro, se houver de fato eleições em outubro - ainda por cima livres e democráticas), e admito ter sido com surpresa que vi o nome de Luiz Marinho, ex-prefeito de São Bernardo do Campo - como expectador distante, imaginava Haddad como nome natural do partido, até por toda a exposição que o ex-prefeito paulistano possui. 
Ao ler a entrevista de Marinho para a Carta Capital [http://bit.ly/2IpYIJk], a impressão que se tem é que a análise de conjuntura do partido, ainda que em boa medida correta, é exagerada e ingenuamente otimista - o que reflete na ausência de Haddad das prévias e a escolha de Marinho. O PT, diga-se de passagem, é exímio em traçar estratégias eleitorais ruins - para ficar num contraexemplo: pelo que se diz na história oficial, o "Lulinha paz e amor" que sacramentou a consagração do partido, em 2002, foi um atitude do candidato mais que do partido.
Com o campo hegemônico do estado rachado, com duas candidaturas de peso - Márcio França, com a máquina estadual e Doria Jr, com dinheiro, muito dinheiro, a máquina federal e um pouco mais de dinheiro -, aumentam as chances de derrota do condomínio tucano que governa São Paulo há vinte e quatro anos. A análise explicitada por Marinho esquece que a eleição é em dois turnos, e com ao menos três nomes fortes - incluído aqui o do PT -, dificilmente alguém consegue levar no primeiro turno, e não é de se esperar apoio de PSDB ou PSB ao candidato petista num eventual segundo turno. Aí falta conhecer melhor o eleitorado do estado, de modo a montar uma candidatura mais eficiente em "ludibriá-lo" (porque o eleitor paulista demonstra uma capacidade analítica na qual não há muito espaço para convencimento pelo discurso racional: ele tem um fraco bem forte pelo engodo). Uma vitória de Marinho seria de uma simbologia gigantesca, não apenas pela vitória no bunker tucano, como por se tratar de alguém da base do partido, um ex-sindicalista (por mais que o sindicalismo, fora as greves de 79/80, e em especial após a "rosa neoliberal", não seja nada muito animador), isso numa terra em que consumidores são chamados de "patrão" ou "empresário" - numa versão pós-moderna do "meu rei", gíria pretensamente baiana, com mais cara de novela da Globo.
O discurso de Marinho, conforme a entrevista, é um tanto solto, abstrato: questões de administração, de prefeitos a passar o pires, tentativas de "desconstruir" o discurso tucano - que é o discurso afinado com a grande mídia -, apontamentos ao que não foi feito nessas mais de duas décadas de Tucanistão - mais do que se fez. Tem sua experiência na prefeitura como atestado de conhecimento do manejo da máquina executiva, e por ter sido ministro da Previdência de Lula, pode tentar federalizar a eleição, num ponto muito fraco do governo golpista - e Doria Jr tem muitas declarações públicas de amor a Temer. Não se trata de pôr em questão sua competência, mas sua simbologia em um estado muito conservador: Marinho é do PT - o "partido do mal", conforme mídia e seguidores do pato (mesmo muitos dos arrependidos) -, é ex-sindicalista, e não há grandes feitos a apresentar como ministro da previdência, que não que não fez o que Temer tentou fazer. Marinho precisa encorpar seu discurso, além de tentar suavizar sua imagem para melhor deglutição desse eleitorado - não é tarefa fácil.
Haddad tem um perfil eleitoral muito mais palatável: descolado, bonitão (isso é besteira, mas influencia, e não se aprendeu com Collor), educado - professor universitário -, "aparenta ser de boa família, tem essa pinta de pai em propaganda do Itaú Personnalité" - como descreveu certa feita Antonio Prata [http://bit.ly/2Gzg3mE]. Marinho tem aquele jeitão de funcionário da "adm", um cara ok, que não desperta maiores suspiros - talvez seja excelente de palanque (virtual e real) e consiga reverter isso sem maiores dificuldades, mas começa atrás. Ademais, Haddad teria a vantagem de se contrapor diretamente a Doria Jr, comparando ações e intervenções enquanto prefeitos da capital: iria além de acusações e mostras do que Doria Jr não fez, apresentando ao mesmo tempo suas realizações - ainda sou da tese que se Haddad tivesse trocado um hospital por mais publicidade teria ganho fácil em 2016; apesar que acho que era estratégia eleitoral não fazer muita propaganda durante a gestão e aparecer como uma onda que leva tudo na campanha, mas foi traído pela mudança nas regras eleitorais implementadas para 2016, que cortou pela metade o tempo de campanha (de 90 para 45 dias).
Se Marinho talvez seja capaz de reanimar a velha militância petista, me parece que o foco, pela situação do país assim como pelo contexto eleitoral do estado, pede uma estratégia de vitória pelo caminho mais curto. Não se trata de vencer a qualquer custo, mas Haddad é visto com alguém do meio classe média, quase uma "pessoa de bem" infiltrada no PT - como foi Marta um dia e Suplicy ainda é -, o tipo de pessoa que não precisa se justificar tanto para ganhar simpatia dos conservadores: há o risco de termos que ouvir um "Rota na rua" novamente de um candidato petista - como Genoíno em 2002 [http://bit.ly/2Gur1cU] -, e isso é tudo o que não precisamos neste momento de golpe e violência cada vez mais aberta e "democrática" - mas pode ser vital para conseguir a vitória.
Como disse, a opção por Marinho é uma escolha que implica num enorme simbolismo em caso vitória - é por conta desse simbolismo que o preço para sua vitória é mais alto. É um candidato viável, com boas chances de vitória - o massacre midiático do PT está tendo efeito rebote e hoje é óbvio que o partido recupera um pouco da sua imagem, enquanto os demais derretem como gelo sob o sol de verão do Saara -, mas não é o nome mais forte do partido. Ao assumir o risco, o PT pode estar perdendo sua melhor oportunidade desde 2002 - e São Paulo perde mais ainda.

03 de abril de 2018

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Retrato de momento para 2018 (se houver eleições)

Capas da Veja, da Isto É, da Isto É Dinheiro, entrevista na TV Bandeirantes: a direita do atraso dá mostras de agir coordenadamente com vistas a 2018, tanto no plano partidário quanto midiático - ainda chamado de jornalístico, quando na verdade é mera agencia de publicidade oficiosa de interesses razoavelmente bem definidos e pouco falados.
Em tese é um tanto cedo tentar traçar um cenário para 2018, ainda mais quando nem se sabe haverá eleições e em que condições elas acontecerão - se terão relevância maior ou menor para o país -, contudo, mesmo assim, parece importante mapear estratégias - da esquerda e da direita.
Começo pelo campo mais bem organizado, a direita.
Há mostras de medo da possibilidade de Lula vir a concorrer, sem ser impedido pela justiça. Certamente esse medo vem não pela questão da justeza da justiça, que isso ninguém mais tem dúvidas, mas por possível cálculo político desta, e notar que barrar Lula seria jogar o país em um estado de confronto social que exigira a presença do exército - o que implicaria em pôr o judiciário em segundo plano, fazendo com que a casta perdesse muito do poder político que hoje possui. A questão que permeia o judiciário, ao que tudo indica, é se é melhor um presidente do qual não gosta mas está acuado e tentando reagir, ou um "presidente" mais afim aos seus propósitos que, pelo argumento das baionetas, vai enquadrar o judiciário.
Enquanto o judiciário não se decide, resta tentar desqualificar Lula - mais um pouco. Isto É ataca mais genericamente, anuncia que "começa a cedo a campanha da mentira" (certamente quem lê essa revista não vai notar que a campanha da mentira está a galope desde 2014, pelo menos), pondo no seu site Lula, Ciro, Bolsonaro e Marina (ela ainda está viva?). Bola levantada para, na mesma semana, Veja ("A política que assusta") e de Isto É Dinheiro ("Eles assustam o mercado") chutarem. Ambas tentam criar uma polarização não mais entre PT e PSDB, como de 1994 até 2014, mas entre Bolsonaro e Lula, com um sendo o antípoda exato do outro - dois extremistas, um de direita, outro de esquerda. Vamos assim descobrindo que a função atribuída pelos donos do poder a Bolsonaro é a de boi de piranha - função cumprida por Russomano nas últimas duas eleições de São Paulo. A questão é se vão conseguir pôr o monstro de volta na caixa, uma vez Bolsonaro não é um apresentador televisivo com discurso genérico, e as ideias que defende começam a ecoar na sociedade e nos grandes partidos - Doria Júnior que o diga.
Bolsonaro tenta se gabaritar como político sério, o que é muito difícil de conseguir. É político de discurso de extrema-direita belicista, sem qualquer proposta legislativa ou sucesso de vida para mostrar e sem qualquer estofo para discutir questões nacionais. Ganha destaque em certos estratos sociais mais altos, por se pintar como anti-político, por "dizer o que pensa" (como se pensasse), porém, já disse alhures, sua verve belicista não me parece encaixar no ethos da maioria tupiniquim, seu patriotismo se encerra na caça ao inimigo interno, e sua tentativa de formar uma equipe econômica o leva para se tornar uma espécie de Doria Júnior Troglodita e fracassado, um PSDB Jr. Talvez a grande validade da sua candidatura seja cacifar-se para barganhas futuras.
Por falar no João Trabalhador que usa o cargo de prefeito (prefake) para se promover, este claramente recua da estratégia adotada desde a eleição do ano passado. Portas fechadas no DEM e sem ânimo para arriscar no Novo, se adequa ao novo figurino PSDB-Mídia. Ademais, deve ter sido avisado pelo seu pessoal de marketing que sua administração (que ele chama de gestão) catastrófica à frente de São Paulo vai desqualificando-o para qualquer novo vôo político, e que na disputa pelo coração anti-petista como o mais bronco, machão e valentão da boca para fora, o almofadinha que joga flores no chão não é páreo para o ex-militar que faz flexão de pescoço [https://youtu.be/4RSs-6XeIrI]. Para anunciar sua nova fantasia, duas horas de publicidade travestida de entrevista na TV Bandeirantes, onde ele reafirma o mito de PSDB de centro, põe a si como alguém cordato e de centro, e se vangloria de sua humildade em aceitar ser vice de Alckmin.
Nessa briga de raposas, a velha raposa Alckmin parece estar mostrando ao seu pupilo que a coisa é menos simplória do que o "self-made man com dinheiro do papai e do erário público" e seus marqueteiros imaginavam. O bom moço da Opus Dei e da pena de morte extra-judicial autorizada para seus subordinados ("quem não reagiu está vivo"), começa a tentar se situar mais à esquerda do seu partido, como a provar seu centro, de equidade diante dos extremos (Lula e Bolsonaro), e participou recentemente de evento de corrente de esquerda do PSDB (?). Não dá para acreditar que seja algo além de estratégia de marketing, porém o gesto não deixa de ser importante para o momento atual de florescência neofascista. Se esse caminho de moderação fortalece Bolsonaro por um lado, por outro o isola ainda mais e ajuda a romper com a radicalização plantada pela mídia até agora. Em afinidade com essa mídia, a construção do bom moço firme de centro pode garanti-lo como nome da direita, sem espaço para aventureiros (pretendo escrever mais sobre esse movimento de Alckmin em outra análise).
Outro que ameaça despontar, parece estar apenas aguardando o melhor momento, é Luciano Huck, pelo DEM. Esse melhor momento deve ser o mais próximo possível das eleições: quanto menos se expuser enquanto candidato, menos chance de ser "desconstruído". Ventila seu nome vez ou outra, mas não sai em campanha. Ao mesmo tempo que é sua inspiração, Doria Júnior pode ser o seu calcanhar de Aquiles: se se forçar uma similitude entre os dois apresentadores, os resultados do João Trabalhador à frente da prefeitura podem desmerecer o novo não-político na disputa. Por seu lado, diferentemente do discurso de gestor, self-made man de sucesso, tecnocrata, Huck pode vir com discurso mais família: o bom pai de família, carinhoso e atencioso (sic) com a mulher e os filhos, ao mesmo tempo alguém que conhece os problemas do povo mais simples, nos seus anos e anos de quadros com assistencialismo hipócrita em seus programas, ou seja, alguém que sabe ser carinhoso e compreensivo, que gosta de ajudar a todos, e, quando preciso, sabe ser duro e firme para evitar que o filho se perca em seu caminho.
Marina Silva perdeu completamente o tempo político. Queimou pontes com eleitorado progressista ao apoiar Aécio "Um que a gente mata antes da delação" Neves em 2014 e ao se ausentar das grandes questões ambientais desde então. Na verdade, ao se ausentar de praticamente toda questão desde então - e quando apareceu foi discretamente, para ficar em cima do muro, queimando também as pontes com a direita. Agradava a um eleitorado reacionário que gostava de posar de prafrentex porque compartilhava denúncias de desmatamento na floresta amazônica (ao mesmo tempo que aplaudia e apoiava o agronegócio), porém é pouco para uma candidata à presidência. Talvez ainda imagine que possa ser alçada à condição de grande líder do centro, na falta de nome melhor, mas há muitos nomes para a vaga, e uma mulher negra do norte nunca será a opção preferencial das elites brasileiras.
Não me parece que Henrique Meirelles, Rodrigo Maia ou algum nome do PMDB sejam atores relevantes na ribalta - o são, sem dúvida, nos bastidores, e não será surpreendente se embarcarem em um candidatura de direita e, diante de uma vitória evidente de Lula, trocarem de lado no meio do processo eleitoral.
No espectro da direita, da reação, a estratégia está mais ou menos traçada, até para o caso mais terrificante (Lula poder disputar a eleição; na ausência desse, imaginam que vencerão fácil, pelas urnas ou pelos coturnos), no campo progressista e/ou de esquerda, os cenários e estratégias estão ainda sendo rascunhados, aparentemente com desorganização e velhas falhas, com o narcisismo das pequenas diferenças aflorando com vigor.
Lula, Ciro, Manuela D'Ávila (PCdoB), e Psol (por ora com Boulos) são os nomes ventilados neste campo. As discussões internas ao espectro já começaram: traição, favorecimento das direitas, necessidade de candidatura única - conversa muito similar à eleição de São Paulo, quando Erundina decidiu disputar a prefeitura. Vale lembrar que nesse caso, não fosse Erundina e seria bem provável que a vitória de Doria Júnior no primeiro turno seria ainda mais acachapante. Falta à esquerda entender que primeiro turno é momento de todos apresentarem suas ideias. O grande ponto é evitar o que Erundina fez ao menos em um debate de 2016: bater na própria esquerda. Candidatos próprios, com propostas independentes, mas o compromisso de cerrar fileiras contra a direita e os golpistas, denunciando os retrocessos sociais aprovados por Temer, PMDB, PSDB e demais, evitando ao máximo críticas dentro do espectro - por mais que sejam críticas pertinentes e em grande medida necessárias -, deveria ser esse o compromisso dos candidatos deste campo.
Muitos dizem que essa fragmentação das esquerdas, em especial com a possibilidade de candidatura própria do PCdoB como decadência do PT, perda de seu poderio. Não é o que demonstram pesquisas. Apesar de todo o ataque, Lula segue com um terço do eleitorado, e o PT ainda é o partido mais admirado. É de acreditar, contudo, que muitas pessoas fiquem em silêncio diante de toda essa campanha de massacre midiático, mas votem no partido que trouxe grande melhoria na sua qualidade de vida - um voto racional. À pecha de corrupto, haveria a alegação de que todos são, mas o PT faz; ou mesmo o descrédito de todas essas denúncias - uma mentira repetida um milhão de vezes se torna uma verdade, dizia Goebbels, mas é preciso saber mentir com propriedade, ou o efeito pode ser o oposto. Ainda sobre a tal decadência, vale lembrar que o PT nunca foi unanimidade - nem mesmo no próprio partido, havia correntes contrárias aos rumos do partido -, e apesar de talvez ter perdido a hegemonia no campo da esquerda, o PT segue como principal força.
PT como principal força, e Lula como principal candidato. Além do risco da condenação em segunda instância, o judiciário já deu mostras de querer podá-lo por outros caminhos se for necessário - como a acusação no TSE de campanha antecipada, por conta da sua caravana. Se não o condenarem, a campanha mal feita para torná-lo a encarnação do mal irá levá-lo à presidência - salvo algum outro golpe muito baixo, o que não deve ser descartado. O PT diz não trabalhar com plano b, porém é evidente que Haddad figura como alternativa natural - e, contrariamente a Dilma, um quadro politicamente capacitado. Faz caravana com Lula e dá entrevistas - se não for para presidente, é nome forte para o governo de São Paulo, sem nenhum grande nome até agora, visto que Doria Júnior seria um dos nomes, mas resta saber se vai conseguir reverter a deterioração de sua imagem.
Ciro Gomes (PDT) costuma ser posto no campo progressista. Tenho várias reticências quanto a isso, mas diante do quadro atual do Brasil, sim, ele é do campo progressista. Ciro é um candidato que perdeu seu momento. Se conseguir deslanchar, não precisará de nenhuma nova frase infeliz: as que possui já são suficientes para fazer com que naufrague, como em 2002, quando sua frase infeliz sobre o papel de sua esposa nas eleições custou-lhe não apenas a liderança nas pesquisas como a participação no segundo turno. Para 2018, já soltou a frase infeliz sobre o momento testosterona e Marina - convenientemente descontextualizada e manipulada à esquerda e à direita -, e novas devem vir, se deixarem ele falar. Teve sua segunda chance em 2006: se se anunciasse como um voto crítico à esquerda ao governo Lula, poderia ter se gabaritado para 2010. Manteve-se leal ao líder, e agora tenta se descolar de um modo até raivoso. Pelo momento atual, novembro de 2017, não entra em 2018 para vencer. Na verdade, fora do PT ainda não apareceu nome algum cuja vitória na eleição (se houver) seja factível.
A exemplo de todas as outras eleições, o Psol deve lançar candidatura própria. Desde sua criação é  bastante claro a quem quiser ver com alguma imparcialidade que o Psol é uma dissidência intelectual-acadêmica do PT, um PT sem base social. Promete começar a mudar essa escrita - finalmente - em 2018, ao aventar o nome de Guilherme Boulos, do MTST, como candidato. Com remotas chances por enquanto, sua presença seria um grande ganho para o debate, dado seu histórico de militância e sua sólida formação intelectual, ao trazer um líder de um movimento popular em plena efervescência para o centro do debate eleitoral.
O PCdoB, surpreendendo a muitos, pretende lançar a deputada gaúcha Manuela D'Ávila. Outro nome que deve enriquecer o debate - desde que saiba quem atacar, e não tente disputar eleitorado na base de desqualificação de quem está mais próximo. Gilberto Marigoni, do Psol, louvou a pré-candidatura, chamou de "desprendimento grandioso" a troca de uma eleição certa para a câmara dos deputados por uma candidatura com remotíssimas chances - diz o professor acadêmico que essa troca é importante para discutir projetos de país. Ouso discordar de Maringoni. Por mais que a política brasileira seja altamente personalista, é de se questionar se precisamos aceitar esse padrão. Convém lembrar que a eleição de Collor ao senado, em 2006, pode ser creditada na conta do Psol e de Heloísa Helena, mesmo que indiretamente; e se se trata de discutir projetos de país, é de se imaginar que o PCdoB possua um projeto para além de quem seja o candidato. 
Esse desdém para com o legislativo (e, consequentemente, com as eleições para deputado e senador) mostra o quanto a esquerda ainda patina em estratégia para 2018 (caso haja eleições). Vencer a majoritária e acabar refém de um novo Eduardo Cunha e de uma câmara reacionária como a atual será uma vitória de Pirro - a história recente do país deveria ter nos ensinado, porém ignoramos. Enquanto a direita trabalha também candidatos para o legislativo, com MBL, ou o tal do "Fundo Cívico" de Huck, Diniz e Guanaes, a esquerda abdica de nomes capazes de trazer votos - e coerentes com as bandeiras progressistas: alguém do naipe de um André Sanchez (que recentemente propôs a cobrança de mensalidade no ensino público), é um desserviço que se presta ao país (neste caso, o PT, mas Psol, PCdoB, PDT não deixam nada a desejar nesse quesito) -, em nome de campanhas propositivas e com poucas chances de vitória. Diante de todos os retrocessos sociais vividos desde o golpe, a esquerda não pode se dar ao luxo beletrista de promover o debate em detrimento de vitórias efetivas - até porque o debate pode ser conduzida por outra pessoa, sendo o próprio Maringoni um exemplo de ilustre desconhecido que disputou eleição majoritária.
Como disse, trata-se de um panorama do que se projeta a partir de um momento bem específico: novembro de 2017, e uma nova estratégia da direita e da mídia para o PSDB. Até a eleição, cabe antes garantir que ela acontecerá, e acontecerá sem um golpe judiciário - ou seja, que fique apenas suscetível a um golpe midiático branco, a exemplo de 1989, 1998, e do que se tentou em 2002, 2006, 2010, 2014. E além de pensar em disputa institucional, é preciso encontrar modos de ampliar a mobilização popular, na tentativa de evitar maiores retrocessos e engajar as pessoas nas eleições, ou mesmo na sua defesa. Se parte da esquerda permanecer deitada em berço esplêndido esperando a eleição chegar, quando se der conta, mesmo que ganhar a presidência, não vai ter muito mais a fazer que administrar o caos e os cacos de um resto de país.

09 de novembro de 2017

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Meio fascismo, meio populismo: a vitória de Doria Jr em São Paulo

Ao ver o resultado das eleições em São Paulo, com vitória de Doria Jr. no primeiro turno, a sensação que se tem é de terra arrasada e triunfo do fascismo - campos de concentração bandeirantes, aqui vamos nós! Respiro e tento analisar a situação um pouco mais objetivamente: chego à conclusão de que vivemos tempos realmente preocupantes, mas não se pode vaticinar nada para um futuro breve - é possível reverter o quadro, ainda que o mais provável seja o aprofundamento de um Estado de Exceção aos moldes nazi-fascista, tal qual já acontece. A vontade é achar culpados por termos chegado aonde chegamos, porém penso que vale uma análise mais pontual, visando um próximo passo - a tal auto-reflexão que muitos da esquerda cobram de seus representantes é necessária e urgente, mas precisa ser feita junto com o embate político: não há possibilidade de fazer uma pausa para discutir e depois voltar a agir.
Sem mais delongas, à eleição paulistana.
As regras do jogo
Primeiro, é importante salientar que as regras do jogo têm influência direta no seu resultado. Um amigo tratou de levantar logo: "Gilmar Mendes é o presidente do TSE". Prefiro não acreditar em manipulação nesse nível no resultado das urnas, entretanto Coronel Mendes é o Coronel Mendes, tudo dele pode se esperar. Deixo de lado essa hipótese. Ao meu ver, o principal fator destas eleições foi a diminuição do tempo de campanha: a exemplo de Russomano, Doria Jr. também era um candidato-sabonete, e não suportaria nenhum embate direto: assim que fosse instigado a fazer propostas um pouco mais palpáveis, desidrataria. Entretanto, para achar esse flanco e explorá-lo, faz muita diferença se se tem 90 ou 45 dias de campanha - a regra favoreceu, portanto, candidatos oportunistas e antipolíticos, a exemplo do futuro prefeito paulistano.
Segundo ponto: o poder da mídia, cujo monopólio não foi atacado diretamente pelos governos petistas. Desde 1982 a Globo tenta diuturnamente, e em todas as eleições, dar golpes brancos. Conseguiu de 1989 a 1998, e vinha falhando fragorosamente desde 2002, a ponto de apelar para o golpe direto em 2016. Voltou ao modus operandi nestas eleições: eu estava numa cantina no sábado, o televisor ligado sem som, e pude ver no Jornal Nacional uma notícia em que se vinculava PT e algum crime eleitoral - só o PT. Entretanto seu maior triunfo, assim como dos golpistas, não foi a derrota do PT, foi a desmobilização da população: o desalento representado em votos brancos, nulos e nos que se abstiveram de votar - retorno a este ponto mais adiante, é aqui que vejo a possibilidade de reverter o ritmo acelerado para o fascismo.
Sobre os candidatos, em agosto eu comentava que a eleição seria uma verdadeira disputa pela sobrevivência política [http://bit.ly/cG160822], com Doria Jr. como o único apto a perder sem sofrer maiores danos com isso - no fim, o azarão venceu.
Luíza Erundida e o Psol-Raiz
O Psol, com Erundina, cresceu em relação a 2012. Ainda assim, esteve aquém do que se imaginava no início da campanha. Parte dessa queda se deve ao pouco tempo de exposição na mídia - ou seja às regras do jogo. É provável que outra parte seja por conta de voto útil no Haddad. Uma das falhas de sua campanha que me chamou a atenção foi seu colega de chapa: num momento em que se pede algo "novo" em política, uma chapa formada por um casal de velhinhos passa a imagem de antigo (estou aqui analisando em termos de marketing e imagem, independente de propostas e trajetórias políticas), um vice jovem passaria essa idéia - Erundina poderia mesmo inovar, tendo como vice uma mulher. Pessoalmente, não demonstrou querer usar esta eleição para outros vôos políticos - era mesmo uma questão do partido. Se no Rio Freixo dá novo alento à esquerda e ao Psol, em São Paulo, a esquerda ainda tem o PT como seu principal representante. Sem dúvida a participação de Erundina no pleito foi extremamente importante - união de esquerda não deve significar candidatura única (como eu disse alhures: é necessária a desunião sincrônica das esquerdas).
Celso Russomano
Russomano deve dar adeus a pleitos majoritários - talvez ainda tente senado em 2018 (caso haja eleições em 2018). Sem qualquer estofo político, e sem a mesma equipe de marketing e complacência da mídia que tem Doria Jr., não deu conta de manter sua vantagem. De positivo, sua campanha não se baseou em discurso de ódio ao PT e à esquerda, ficou ainda no esquema "catch-all party" - o discurso cata-tudo -, com tendência à direita. Propostas fracas, postura tímida e uma enxurrada de podres da sua vida pregressa minaram seu sonho de ser um novo Jânio Quadros.
Marta Suplicy
Como eu havia anunciado em agosto, Marta Suplicy era quem mais arriscava. Ao fim da eleição, definitivamente é quem mais perdeu: favorita se fosse ao segundo turno (onde ganharia os votos dos anti-petistas caso disputasse com Haddad ou da esquerda, caso enfrentasse a direita puro-sangue), esqueceu de combinar com os russos. Terminar em quarto lugar é um tremendo golpe em sua carreira política - e em seu enorme ego. Seus 10% mostram qual seu capital político real, provavelmente fruto da sua gestão à frente da prefeitura: sua adesão ao golpismo não deve ter lhe rendido um voto sequer. Mediu errado seu passo político e ao tentar se desvencilhar do PT indo para a direita, perdeu o discurso sem perder a pecha de petista - tentar voltar à esquerda me soa impossível, depois de ter votado pelo impeachment-golpe. É possível que perca ainda mais esse resto de simpatizantes daqui para a frente, e sobraria tentar se manter na política com base no fisiologismo de cúpula e currais eleitorais. Se tentar o senado em 2018 (caso haja eleições em 2018), pode perder novamente; suas chances maiores parecem ser na disputa do governo do Estado, ou costurando um amplo apoio dos partidos fisiológicos e de direita (aí precisa conversar com o Doria Jr), ou na expectativa de ir para o segundo turno e vencer com o voto "anti".
Eduardo Suplicy
Eduardo Suplicy não disputou a prefeitura, contudo, na disputa pela vereança, seus quase 6% dos votos mostram sua força. É nome forte para voltar ao senado em 2018 (caso haja eleições em 2018), se assim desejar, ou à Câmara dos Deputados, caso seja mais interessante ao partido garantir a maior bancada possível, para ter maior tempo de tevê e quetais.
Fernando Haddad e o PT
Ainda que tenha perdido a prefeitura, o segundo lugar do atual prefeito mostra uma força de resistência sua e do PT que não pode ser desprezada. Anunciado desde o início da campanha pelas pesquisas eleitorais como candidato sem quaisquer chances, com seu partido sofrendo feroz perseguição política da justiça, da polícia, e da imprensa nas datas próximas ao pleito, seus 16% são significativos - o PT não acabou, como alguns arautos da direita (e da extrema-esquerda) anunciavam em agosto. Se somarmos aos votos de Erundina e Marta, a esquerda (acredito que Marta teve seus votos ainda pela sua trajetória no PT) teve 31%, ou seja, mantém sua base de 1/3 do eleitorado - era o piso antigamente, hoje é o teto. Sem negar o quanto a esquerda foi golpeada, ainda mais o PT - que em 2012 se tornara a segunda força municipal e ganhara a principal cidade do país -, um terço do eleitorado da principal cidade do Brasil é um índice alto para um país cujo lema do governo central é "tirar o país do vermelho" (em outra demonstração nazi-fascista do presidente-golpista Michel Temer). No plano nacional, a queda do PT foi grande, mas chama a atenção não ter sido acompanhada do crescimento dos seus antípodas, da "direita-cheirosa" (PSDB+DEM+PPS), que cresceu menos de 10%, sem sequer recuperar o que perdera de 2008 para 2012 (1416, 1084, 1174 prefeituras, respectivamente). A grande tarefa das esquerdas é conseguir, a partir de agora e o quanto antes, formar a frente ampla, sem ir a reboque de um partido.
De volta a Haddad. Seu grande erro não é só de campanha, é de governo: não ter investido o suficiente em publicidade oficial. Infelizmente, é da regra do jogo: aparecer para ganhar: à mulher de César não basta ser honesta... A gestão Haddad priorizou o marketing de internet, mais barato, e deixou de lado grandes campanhas de publicidade. Começou a campanha com a fama de prefeito que não fez nada, e passou o período eleitoral enunciando tudo o que fizera - do bilhete único temporal a hospitais e creches nas periferias. Os 45 dias de campanha foram determinantes para que não conseguisse divulgar o suficiente sua gestão. Se por problema de comunicação ou realmente por ter não dado a devida prioridade, o mapa da eleição mostra que Haddad foi muito mal nos extremos da cidade, reduto habitual do PT - tendo melhor desempenho nas regiões central, oeste e sul-1.
Talvez o que tenha sido determinante para a derrota de Haddad foi o elevado índice de abstenções, brancos e nulos. Costuma-se dizer que cada um colhe o que planta. A Grande Mídia tem plantado intensivamente o desalento com a política, encontrando solo fértil naqueles que viam na política ideais mais nobres - como combate à pobreza e melhoria das condições de vida de todos -, e conseguiram desmobilizá-los o suficiente para garantir a vitória ao seu candidato, ao que tudo indica. A lógica é fácil de ser compreendida: por mais que ache Haddad melhor que os outros, ou que tenha feito um governo razoável, de que adiantaria votar nele se são todos "políticos", ou seja, são todos corruptos, são todos "bandidos"? Quase 40% dos paulistanos se absteve de votar ou não se sentiu representado por nenhum dos onze candidatos - isso num país cujo voto é obrigatório! Dos que foram às urnas, os votos válidos na capital caíram de 87% para 83% do eleitorado. Se esses 4% a mais que se abstiveram tivessem votado em algum dos candidatos derrotados, seria o suficiente para forçar o segundo turno. Eis nesse ponto onde ainda vejo esperança: construir uma contra-narrativa que dê conta de reabilitar a política e as esquerdas (poderia ser também a direita, mas uma direita de verdade, não esse atraso político que no Brasil assume a bandeira), de modo a trazer para política parte da população que sucumbiu ao canto da desolação. Isso, claro, implica em trabalho de base e diário, e não apenas em época eleitoral.
João Doria Jr.
Há diversos fatores a se levar em conta na vitória de Doria Jr. Um deles, que levantei acima, a desilusão com a política, que repercutiu no aumento no número de eleitores que não participaram do pleito ou não fizeram voto útil em algum candidato. Outro é que Doria Jr soube explorar quatro discursos diferentes: um discurso de direita, dois de extrema-direita e um populista de direita. Em tese, portanto, Doria Jr teve quatro tipos de eleitores: 1) os de direita, que votaram nele por acharem que um estado mais enxuto e concentrado em áreas prioritárias da administração é a melhor forma de se alcançar o bem-estar comum (proposta política apresentada de maneira muito tosca, mas ainda assim uma proposta política); 2) os anti-petistas radicais, que embarcaram no seu discurso de ódio de clara inspiração nazi-fascista: o candidato não se punha como crítico da administração Haddad, ele propunha a eliminação do PT e do prefeito - suas políticas seriam somente a conseqüência do PT ser a encarnação do Mal -; 3) os desiludidos com a política, que votaram no seu discurso de anti-político, também de inspiração nazi-fascista; e 4) os que compraram o sabonete Doria Jr-trabalhador.
Acreditar nesses quatro perfis de eleitores do Doria Jr que me dá alento de que não necessariamente começaremos o ano letivo de 2017 queimando em praça pública livros de autores degenerados.
Os eleitores de direita dificilmente formaram sua base: pelo racha dentro do próprio PSDB, pela ausência de uma opção razoável de direita e pela gestão econômica de Haddad, é de se acreditar que quem está nesse espectro político e é razoável (racional, diriam os economistas) votou no atual prefeito. A base cativa de Doria Jr - e do PSDB todo, cada vez mais - são os eleitores de extrema-direita, ou em um termo um pouco mais cru: o PSDB caminha a passos largos para se tornar um partido neofascista, se é que já não se tornou (uma das particularidades da extrema-direita século XXI tupiniquim, é que o "movimento" não funda um partido, conforme a análise do fascismo feita por Robert Paxton, e ainda hoje observável na França e na Alemanha, por exemplo, e sim é adotado por um partido já consolidado, como forma de sobreviver à sua iminente derrocada política e eleitoral). O discurso de extrema-direita do tucano teve duas frentes: de um lado, o discurso de ódio e contra o inimigo portador de todo o Mal; do outro, a exploração da desilusão com a política, causada pelos escândalos ocorridos também nos governos petistas - que antes de assumirem o governo federal eram os arautos da moralidade política no país -, mas principalmente pela forma como tais escândalos são explorados pelo "quarto poder" (que parou de se referir a si próprio assim desde que começou a ficar evidente que era de fato um poder para-estatal e que não estava sob qualquer controle legal). Mario Vargas Llosa (saliento: um autor descaradamente conservador, porém liberal), em La civilización del espectáculo, livro de 2011, comenta sobre a desvalorização da política: "Em muitos países e em muitas épocas, a atividade cívica alcançou um prestígio merecido porque atraía gente valiosa e porque seus aspectos negativos não pareciam prevalecer sobre o idealismo, a honradez e a responsabilidade da maioria da classe política. Em nossa época, aqueles aspectos negativos da vida política têm sido magnificados freqüentemente de uma maneira exageradamente irresponsável por um jornalismo amarelo com o resultado de que a opinião pública chegou ao convencimento de que a política é um fazer de pessoas amorais, ineficientes e propensas à corrupção" (p. 133-134). Berlusconi, na Itália, ascendeu pela porteira aberta por esse jornalismo nefasto; Doria Jr também - muito antes deles, em processo muito similar, na Alemanha dos anos 1930, Adolf Hitler. Ainda que muitas pessoas se sintam intimidadas e acabem emulando o comportamento raivoso dos neofascistas tupiniquins, não penso que só o discurso explícito de ódio dê voto suficiente - pode fazer muito barulho, é sua função fazer muito barulho, para parecer maior. Aí entra o discurso velado de ódio, contra a classe política e o fazer político; Doria Jr explorou isso não apenas se apresentando como o "novo", como reafirmando sempre e uma vez mais que não era político - deixando subentendido, até pelo seu "tenho todo respeito aos políticos, mas...", seu desprezo pelos seus colegas de profissão. Se apresentou, portanto como anti-candidato, apesar de fazer parte de um partido tradicional.
Só o discurso de extrema-direita talvez o pusesse na disputa pelo segundo turno (quero acreditar que não), certamente não foi o que o elegeu. Entretanto, será utilizado ao extremo pelos golpistas (Temer, PSDB, judiciário, Grande Mídia): as urnas da maior cidade do país legitimaram que a política seja substituída por gestores e tecnocratas totalitários - ordem e progresso.
Contudo, o grande lance da equipe publicitária do publicitário-patrão foi o produto "Doria Jr-trabalhador", construção populista digna de Jânio Quadros, apesar da incompetência de Doria Jr para aparentar popular - que o diga suas fotos provando pastel e café, que logo sumiram, visto que a Grande Imprensa acatou as regras dos publicitários do candidato. Eu realmente não acreditava que um populismo tão tacanho ainda tivesse vez na política - pelo visto, nem seus adversários. Prova do quanto nossa educação é falha e sofrível - e olha que ainda nem implementaram o "escola sem partido" ou a MP do governo golpista - e o quanto a esquerda e os movimentos de massa descuidaram da formação política: milhões de pessoas caíram no conto do vigário em pleno século XXI! Quando falo da responsabilidade da esquerda em permitir que esse tipo de candidatura encontre eco na população, claro que não tem como não atribuir a maior responsabilidade ao PT, por ter sido pólo das esquerdas até aqui e por ter ocupado o governo federal por 14 anos: a inclusão social via consumo e não via cidadania política foi o tapete vermelho para que o discurso do self-made man cativasse o recém-formado pelo Prouni, o tercerizado que conseguiu comprar seu carro em 60 prestações (e agora nem pode andar como se fosse o dono da rua, porque o limite de velocidade é 50 Km/h), a dona-de-casa aflita com o desemprego do filho. À diferença de Russomano, que no início se pôs como uma pessoa do povo, como qualquer eleitor; Doria Jr afirmava que já fora do povo, mas que agora era um vencedor - tudo conseguido com o suor de seu rosto, trabalhador que começou do nada e venceu por mérito próprio -, e que faria de todo paulistano disposto a trabalhar um clone do líder. Ainda que esse engodo publicitário que bebe no populismo aparente maior dificuldade em ser rebatido - num estado que já elegeu Janio Quadros, Adhemar de Barros e Paulo Maluf -, não penso que seja tarefa árdua em ser desmontado, pelo mesmo motivo que Russomano caiu: por mais que se diga anti-político e abuse do discurso de ódio, estamos numa situação política em que ainda, para a maior parte da população, o candidato precisa apresentar propostas para a cidade - propostas políticas, portanto -, as quais necessariamente surgem (ou mostram que não existem) quando o candidato é confrontado (Doria Jr precisa agradecer Marta pelo último debate). Em um eventual eventual segundo turno Doria Jr precisaria inventar um quinto discurso para não perder para Haddad. Levantar esse "se houvesse" é importante para sublinhar que a "vitória acachapante" de Doria Jr foi acima de tudo fruto de saber usar as regras do jogo, e não de necessariamente da adesão ao neofascismo por 3 milhões de paulistanos. Outra coisa: Doria Jr tem respaldo popular menor que teve Haddad. Deixemos de lado votos úteis e pensemos no total de eleitores: os 53% de votos úteis de Doria Jr, pouco mais de 3 milhões de votos, significam pouco mais de um terço do total de eleitores; ao ser eleito, em 2012, Haddad teve o voto de quase 40% dos eleitores (300 mil votos a mais que o tucano, em um universo de 250 mil eleitores a menos).
Administração Doria Jr e as esquerdas e forças progressistas
No atual quadro de crise político-institucional, qualquer tentativa de palpite para os próximos quatro anos é muito arriscada: nem se sabe se teremos eleições em 2018. De qualquer modo, se Doria Jr puser em prática sua retórica anti-PT radical, de acabar com tudo o que cheire a esquerda, é capaz de voltar até com os Palacetes Prates. Não acredito em ataque tão radical, por uma questão de, caso haja eleições, é bom não se queimar totalmente com os eleitores - Doria Jr é acima de tudo político, sua atividade empresarial é fachada para contratos com o Estado. A escolha das ciclovias e da velocidade das marginais mostra que o tucano vai marcar seu anti-petismo em questões menores, no sentido de que envolvem menor conflito com interesses poderosos - ao menos assim aparentam. Não é por não ser radical que não deverá ser temerária sua gestão: a depender da proposta que o PSDB tem há tempos apresentado à nação, privatização dos espaços públicos, sucateamento dos serviços públicos, repressão aos opositores por parte da PM transformada em política política estadual, nortearão a administração pública, e só não avançaram a trote rápido se houver oposição na câmara e nas ruas.
Às forças progressistas e democráticas, não apenas de esquerda, urge se unirem, não apenas politicamente, mas em ações coordenadas para recuperar o terreno perdido pela Blietzkrieg midiática e golpista. Lideranças políticas, intelectuais comprometidos com valores como direitos humanos e democracia, movimentos sociais e pessoas avulsas, precisam criar uma contra-narrativa que dê conta de não haver mais golpes (de Estado ou eleitorais) comprados com tanta facilidade - a exemplo do pós-impeachment-golpe, o pós-eleição foi impressionante morno no centro de São Paulo, muitos poucos comentários -, e que torne a política novamente um valor positivo. Importante nessa tarefa: ativismo de internet serve para sabermos que não estamos sozinhos, mas tem pouco influência fora do círculo dos convertidos: é preciso, sim sair da zona de conforto do Fakebook e ir para o embate, para o diálogo, para o desgaste do cara-a-cara com pessoas que não pensam como nós (mas que pensam).
Uma faixa da população, os 2% de Major Olímpio, da SS, digo SD, e parte do eleitorado de João Doria Jr, parece estar condenada à vidiotia pelos próximos anos, completamente zumbizados pela narrativa de Globo, Veja, Folha e congêneres, e sobre ela, pouco há o que fazer, que não impedir seu crescimento; outra parcela, os que não votaram ou anularam, e muitos dos que votaram em Doria Jr, mostra que gostaria de acreditar na política como transformadora (para melhor) da sociedade, mas sucumbiu ao bombardeio midiático: trazer essas para a política, não apenas a eleitoral, mas a quotidiana: que a cidade (e o país) se faz no dia-a-dia por todos e não a cada quatro anos, ao delegar poderes a representantes que não as representam. Vale lembrar que a esquerda - no Brasil e alhures - se forja na resistência, nas disputas nas ruas pela inclusão dos excluídos. É preciso despertar o fazer político que a década de sonolência petista nos desacostumou - reabilitar o "nós" coletivo que Haddad e Erundina puseram na campanha.

03 de outubro de 2016.

Ainda não acredito que esse cara conseguiu se vender como trabalhador, que já foi do povo.