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quarta-feira, 17 de julho de 2019

A grande imprensa e sua condescendência com atos fascistas

Começo falando o óbvio: diante do fascismo, ou você o afronta abertamente, ou você está pactuando com ele, na medida que dá brecha para que seja naturalizado como uma posição aceitável - até mesmo razoável - dentro do espectro político e das diversas formas de sociabilidade que uma sociedade moderna comporta. Por ser uma posição extremista, exige uma contraparte extrema também. A mídia brasileira já tem um débito enorme com o país por seu apoio ou sua omissão diante da ascensão de Bolsonaro e Moro (para não falar no golpe de 2016). Era sabido quem eram, de onde vinham, havia razoáveis indícios de por quais caminhos obscuros trilhavam suas trajetórias. Se calaram foi por não acharem tão grave, por acharem que controlariam os fascistas depois de assumirem o poder - assim como a direita liberal europeia confiou nas suas instituições, no século XX. A história não se repete, mas isso não quer dizer que não vá por sendas semelhantes.
Feita a desgraça de esgarçamento do pacto social de 1988 e da fraude nas eleições de 2018 (depois de quatro tentativas frustradas de golpes brancos), parte da mídia pula fora do barco fascista e finge criticidade - e ignora de que lado estava até um mês atrás. Não que não seja válido esse movimento, porém não se deve aceitar como um dos nossos, dos anti-fascistas, dos progressistas, apenas como aliados de ocasião, cujo apoio é importante agora e cabe abandonar tão logo não sejam mais úteis - sim, estou pregando uma ética estritamente utilitária (como defendem os neoliberais, ou seja, eles próprios) nestes casos.
Folha de São Paulo talvez seja o veículo mais avançado na oposição light a Bolsonaro. Já se fez de virgem no bordel quando o mandatário da nação disse que cortaria sua verba publicitária (e alguns amigos, infelizmente, caíram, fazendo assinatura digital, ao invés de apoiarem o jornalismo independente e deveras crítico); trocou críticos mais agudos por outros suaves, que batem em Bolsonaro mas contemporizam com parte da elite que apoia o governo, e atualmente tem publicado trechos da #VazaJato, o que mira o coração do projeto neofascista de periferia que as elites nacional e internacional têm para estes Tristes Trópicos. 
Contudo, o caminho para a integração do fascismo como norte político razoável persiste. Como já disse em outro texto, o fascismo entra pelas frestas [http://bit.ly/cG170601], está oculto no que nos pareceria, à primeira vista, uma afronta a ele [http://bit.ly/cG170315]. A forma como o jornal mancheteou as recentes investidas fascistas contra a cultura, na Flipei, em Paraty (RJ), e na feira do livro de Jaraguá do Sul (SC), mostra como nem mesmo a Folha faz oposição séria ao fascismo - talvez por não considerá-lo tão perigoso quanto o petismo conciliador de soma positiva (para usar jargão econômico) de Lula.
Sobre o cancelamento de Miriam Leitão e Sérgio Abranches no evento catarinense, a Folha, dentre os grandes veículos de fake news autorizada, digo, grandes veículos de mídia corporativa, é quem mais se preocupou em dar nome aos bois, mas fez isso discretamente, longe da manchete ou do texto de destaque: “Após protestos, feira do livro em SC cancela presença de Miriam Leitão - Evento em Jaraguá do Sul recebeu mensagens contra a participação da jornalista e do sociólogo Sérgio Abranches”. Mensagens de quem? É preciso ler a notícia para saber. Os outros veículos foram ainda piores. O Zero Hora, de Porto Alegre, por exemplo, tem como manchete: “Após receberem ameaças, Miriam Leitão e Sérgio Abranches são cortados de evento literário“. Sabendo quem é Miriam Leitão, um leitor desavisado mas não de todo desinformado, pode muito bem achar que a pressão se deu por “esquerdistas” - afinal, a esquerda que é violenta, vide a facada em Bolsonaro,e Miriam é uma reconhecia antipetista. A Folha, no trecho que a salva, comenta: “Ela é vista como oposicionista ao governo Jair Bolsonaro (PSL), presidente que teve na cidade 83% dos votos válidos na última eleição”. As demais publicações não foram além de divulgar o tom da petição online que barrou a jornalista, sem especificar de onde vinham as ameaças: “Por seu viés ideológico e posicionamento, a população jaraguaense repudia sua presença, requerendo, assim, que a mesma não se faça presente em evento tão importante em nossa cidade”. Ou seja, uma petição que pode ser tanto dos extremistas fascistas quanto dos "extremistas" "esquerdistas" - a mesma estratégia errada para a eleição de 2018, de pintar o PT e a centro-esquerda como extremo.
O caso da tentativa de atentado a Glenn Greenwald, em Paraty, também teve uma cobertura vergonhosa. O jornal dos Frias fala em “protestos”, “atos” e fogos para atrapalhar. Nada de atentado, de fogos para impedir de falar e tentar machucar [http://bit.ly/32pRjV4]. Pior foi o UOL, portal do grupo, que tinha como manchete: “‘Gringo de m...' e 'Lula Livre': Glenn leva gritos à Flip e polariza Paraty” [http://bit.ly/2YWYQsr], pondo o jornalista estadunidense como culpado pelos transtornos causados pelos fascistas: não fosse Greenwald e Paraty não teria polarização, seria o perfeito éden da harmonia social - faltou também dizer que os agressores eram cidadãos de bem agindo dentro do seu direito de tentar calar, ferir e, por que não?, matar alguém.
Não adianta Folha publicar reportagem contra a Lava Jato e seus métodos mafiosos, eventualmente se posicionar contra o governo Bolsonaro, se anunciar favorável ao diálogo e à razão, se ela tolera ações fascistas e as trata como expressões de que a democracia no Brasil vigora, de que “as instituições estão funcionando normalmente”. Mas falta à Folha sinceridade, coragem e boa fé (e vergonha na cara, também). Se tivesse, ela teria que assumir que não apenas se "equivocou" ao apoiar Bolsonaro, como mentiu ao tratar a esquerda brasileira como disruptiva da democracia ou das instituições - o único risco que PT e congêneres trazem é de diminuição dos lucros dos seus patrocinadores. O que a Folha segue a ignorar é que ou ela combate abertamente o fascisco - e isso significa, sim, "Lula Livre" -, ou não adianta depois ficar #chateada porque o fascista no poder não quer lhe abrir os cofres, ou resolver fechá-la de vez. Com fascista não se dialoga, não se pactua, a não ser que você seja um também.

17 de julho de 2019


sábado, 19 de março de 2016

Sexta-feira: o contra-golpe está na rua, a mentira está no ar.

Meu irmão logo cedo me mandou o editorial da Folha, "Protagonismo perigoso". Achava que pelo menos um dos veículos do golpe de estado tinha se dado conta que Sérgio Moro havia exagerado no seu ímpeto e estava preocupada. Não compartilhei do seu otimismo: a Folha foi apoiadora do golpe civil-militar de 64 e servil aos ditadores do período até o momento em que sentiu que o regime começava a fazer água, quando tratou de pular fora - com isso conseguiu construir sua fama de jornal liberal, progressista e plural, quase de centro-esquerda, que se desfez como diarréia no Tietê ao longo do século XXI -; ou seja, golpista mas antes de tudo oportunista, li o editorial do jornalecão dos Frias como um aviso de "golpistas, volver", ao menos "esperar" - vai que o golpe não vingue e o governo do PT corte sua publicidade em retaliação por seu golpismo. Desconfiei que já vislumbravam um grande ato na sexta, que entornaria ainda mais o caldo para os representados por Sérgio Moro (que não é advogado mas age como, com o adendo de emitir o veridicto sobre a própria matéria que defende).
Sobre o ato de sexta, em defesa da democracia. O filósofo e urbanista francês Paul Virilio comenta que o verdadeiro poder está na rua, quem detém o poder da rua é quem deter o poder de fato - daí o "sistema", o "Poder" trabalhar sempre pelo esvaziamento das ruas através de suas inovações tecnológicas, do urbanismo haussmanniano aos condomínios fechados, dos carros aos shoppings centers, passando pela televisão e pela internet. Isso ajuda a explicar também a diferença de tratamento da polícia militar sob o comando do governador Geraldo Alckmin nas manifestações pelo passe livre ou do MTST e nas contra o PT - um questiona o status quo que o tucano representa e defende com lealdade protestante, sendo encarado como inimigo pela polícia militar, a ser dispersado com violência. Por isso também a tentativa da extrema-direita, inflamada pela Rede Globo e pelo juiz Sérgio Moro, de calar toda e qualquer dissidência, agredir qualquer camiseta vermelha que apareça na frente: mostrar quem domina a rua, quem detem o poder e tentar forjar, na base do silêncio-amedrontado, uma unidade que justifique o discurso de "todo o Brasil é contra o PT", "todos os brasileiros são a favor do impeachment" repetido à exaustão por Globo e pelos políticos golpistas. Levar cem mil pessoas - como inventou o DataFolha - à avenida Paulista foi, como disse Sakamoto [http://j.mp/1TXUADz], um momento de empoderamento da esqueda e dos democratas de todos os matizes e, se não intimida, ao menos deixa claro à extrema-direita que não há uma avenida aberta para eles passarem rumo ao golpe.
Ainda sobre a manifestação de sexta. Jean Wyllys escreveu em seu Fakebook um texto em que explica o óbvio a quem não consegue mais pensar: a transmissão calhorda da Rede Globo às manifestações, ainda mais se comparado à cobertura das manifestações de domingo ou de quarta: não teve entrevista dos presentes, não teve a cobertura integral por parte de nenhum de seus veículos (se tivesse futebol, aposto que não deixariam de transmiti-lo), não teve a fala do Lula ao vivo e sem cortes, pelo contrário, foi um repórter que contou o que o ex-presidente falou. Como questiona o deputado: "passamos dois dias inteiros assistindo sem parar pela televisão, em repetição continuada como no velho cinema, às conversas privadas do ex-presidente (uma espécie de Big Brother involuntário do qual ele não sabia que estava participando) e agora não temos direito, como audiência, público e cidadania, a ouvir o que ele diz num comício com cerca de cem mil pessoas na avenida Paulista? Não é notícia? Qual é o medo? Deixem as pessoas assistirem tudo e tirarem suas conclusões sozinhas!" ("Cadê o Jornalismo?" [http://j.mp/1RbZaIq], recomendo muito!). A Globo não é maluca de divulgar a íntegra da fala de Lula ou de Haddad, ela precisa insistir na visão simplista e maniqueísta de que existem apenas dois lado: o do PT ou o do impeachment. Não por acaso, a Grande Imprensa na maioria dos casos tem falado em "atos em favor de Lula e da presidenta Dilma", quando na verdade foram atos em favor da democracia, em favor das garantias democráticas - de privacidade e de respeito à vontade da maioria. A fala de Lula - assim como a de Haddad - mostraria aos globoespectadores que é possível se posicionar contra o governo sem aderir ao projeto golpista (no grupo de discussão do partido Raiz há um sem número de pessoas que se dizem decepcionadas pelo governismo da maioria dos que apóiam o novo partido). Talvez uma das tarefas mais importantes dos defensores da democracia seja reforçar o discurso de que há mais do que dois lados, de que não coadunar com o golpe (via impeachment ou via TSE) não é aprovar o governo, não é dar carta branca a Dilma: é aprovar o regime democrático, é saber que em 2018 outro governante estará no Palácio do Planalto, conforme a escolha sua e da maioria.

Me estendo sobre a má-fé na cobertura da manifestação de sexta, acerca de algo que ainda não vi nenhum comentário: a comparação entre os atos do dia 18 e as manifestações do domingo. É um cotejar impudente: são os atos do dia 31 de março que devem ser comparados aos do dia 13: para ambos houve tempo para organizar e mobilizar seus partidários - o do dia 13 ainda com propaganda em horário nobre (com sabe-se lá que dinheiro) e transmissão completa pela Grande Imprensa. Dia 18 deve ser comparado aos atos de quarta, dia 16, quando as pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma, com base na sua conversa com Lula. Os atos desta sexta foram organizados às pressas, em resposta à tentativa de golpe, como um primeiro combate: os 100 mil da Paulista (que foram muito mais) devem ser comparados, portanto, aos cinco mil (5.000) de quarta, também mobilizados às pressas [http://j.mp/1SaGF9V]. Me repito: o ato na Paulista a favor da democracia foi vinte (20) vezes maior que o da Globo, o dos apoiadores do impeachment. 
Sem força suficiente nas ruas, os golpistas trabalham duro para dominar o discurso sobre este momento, no intuito de enfraquecer os legalistas e inflar os abarbados fascistóides golpistas com uma massa de cidadãos atolados de boa-fé.

19 de março de 2016

PS: para não me alongar aqui e para dormir, escrevo sobre a decisão de Gilmar Mendes amanhã

João Pessoa (PB), com população equivalente a dois distritos de São Paulo, levou 4 vezes mais manifestantes a favor da democracia que a Globo levou à Paulista contra, na quarta.


domingo, 15 de março de 2015

O Quarto Poder para além do Estado Democrático de Direito no Brasil

Do século XV ao século XVIII a burguesia, ao mesmo tempo que financiou, se utilizou do Estado pré-burguês – as monarquias absolutistas de união nacional – para deitar as bases para seu crescimento e para a consolidação da sua influência e do seu poder. Uma vez certa do seu poderio, a burguesia pôde, finalmente, tomar o Estado, de forma a não ser mais seu principal financiador, assim como fazê-lo servir aos seus interesses. A grande preocupação na implementação desse novo Estado burguês foi que ele fosse forte o suficiente para controlar a turba (que se mostrava pela primeira vez ferramenta útil e eficiente para convulsionar Estados), mas não o bastante como o era o anterior, capaz de prejudicar o bom andamento "natural" dos negócios. Ou seja, um Estado, sim, forte, mas limitado – garantidor da ordem e respeitador da declaração dos direitos do homem e do cidadão.

Dentro dessa lógica de controle do Leviatã, ganha destaque o modelo mais bem apresentado por Montesquieu, em fins do século XVIII, da divisão dos três poderes – legislativo, executivo, judiciário –, criando assim um sistema de pesos e contrapesos garantidor de um equilíbrio entre os poderes estatais que pode não ser perfeito, mas ao menos evita o perigo de arroubos despóticos do executivo. Tal modelo tripartite, cuja justificativa ainda hoje é essa de equilíbrio entre os poderes, pode ter funcionado realmente conforme proposto enquanto os cidadãos eram apenas uma pequena parcela do povo. Conforme o populacho foi conseguindo adentrar no sistema político, sem que este se adaptasse à nova realidade, dando peso desiguais ao voto dos desiguais – como desesperadamente propunham os liberais, crentes de que o povo ignaro, inculto e incapaz iria utilizar desse poder injustamente ganho para usurpar legalmente a propriedade alheia, tal qual hoje a classe-média burra-porém-diplomada fala do Bolsa Família –, esse equilíbrio entre os poderes foi também se alterando. Quando, finalmente, o Estado foi adquirindo a forma necessária para atender aos desejos da burguesa, com o cidadão sendo identificado primeiramente com o eleitor, o aumento quantitativo destes implicou também na sua mudança qualitativa, surgindo o fenômeno da chamada democracia de massas. Nesta, o legislativo deixou de ser um contrapeso ao executivo, sendo antes um freio a ele. O governo da maioria é o governo da fração que possui o controle de toda a máquina representativa do Estado, executivo e legislativo, sendo a cisão dessa representatividade, a divisão real dos poderes, vista como a paralisia da administração. Esse freio é feito via oposição parlamentar, em especial pela necessidade de maioria qualificada em matérias fundamentais. É assim no Brasil com seu executivo hipertrofiado. Mas é assim também nos parlamentarismos europeus, em que executivo e legislativo estão umbilicalmente ligados. É assim nos EUA, em que o aparente sistema de contrapesos implica antes no imperativo de maioria do partido que controla o executivo tê-la no legislativo.

É de se questionar se apenas essa oposição parlamentar é capaz de frear a maioria. Institucionalmente, é claro que sim. Porém me parece haver um outro elemento capaz de influenciar a disputa entre os poderes de situação e oposição: o da comunicação de massa – que mesmo estando no século XXI, ainda se apresenta como "opinião pública".

A comunicação de massa surgiu pouco depois da democracia, mas é fruto da mesma sociedade de massas. Como a democracia, trouxe profundas mudanças nos hábitos e parece ter tido uma influência muito mais profunda. “Me parece” porque não sou entendido nos assuntos, e é claro que, bombardeado pela indústria cultural, é difícil não aceitar sua versão de que ela foi muito penetrante. Tendo a aceitá-la, mas não me comprometo tão cegamente.

Não falo aqui da opinião pública do século XIX, temida por Stuart Mill, por ser capaz de dar poder à massa para que esta pressione politicamente – já não bastasse a turba poder votar de igual para igual! Opinião pública, tal como é usada pela indústria cultural nos séculos XX e XXI, é uma sutil corruptela daquilo que foi teorizado no início do Estado Moderno e Contemporâneo, muito útil aos propósitos dos donos do poder – não só do Brasil, que fique claro.

Desde o início opinião pública tem ligação com a idéia de sociedade civil e, assim como esta, tem sido empobrecida em favor de uma noção de mercado - um empobrecimento paralelo não poderia deixar de acontecer com o conceito de opinião pública. Ora, no mercado não há opinião pública simplesmente porque não há a noção de Público. Ademais, mercado não tem opinião, tem apenas o pensamento utilitário de maximização de utilidades.

Partidos políticos, originalmente espaços de discussão e formação de opinião, há muito – uns cento de cinqüenta anos – são prioritariamente espaços de formação de quadros burocráticos – atualmente apenas isso. No espaço privado, a discussão é cortada pelo calaboca! da tv e agora da internet. Calaboca! necessário para evitar questionamentos não somente ao conteúdo como ao próprio meio, o que poderia perturbar o trabalho de adestramento e amansamento público.

Já a imprensa, dada sua estrutura industrial, unidirecional, não-dialogal, hierárquica, burocratizada – tanto quanto o Estado –, ao se arrolar o papel de formadora e divulgadora da opinião pública tem razão em assim afirmá-lo apenas na medida em que opinião pública passa a significar a opinião da mídia, a opinião de um segmento muito pequeno da sociedade, com interesses muito específicos, precisos, e nada interessados em dar voz à sociedade civil, a vozes destoantes. Em suma, em nada interessados em tornar o que eles chamam de opinião pública próximo daquilo que de fato significa opinião pública – e que é o conceito com o qual eles dizem trabalhar e que nos forçam a engolir.

Bem, nada de novo até aqui. E provavelmente nada de novo a partir daqui. Tudo tão gasto quanto as novidades da indústria cultural.

Indústria que desde a década de 1920 tem um poder fortíssimo – Hitler seria o melhor exemplo dessa época, porém não o único –, mas que só a partir da década de 1960 não conseguiu mais disfarçar sua hegemonia – o marco é a eleição de John Kennedy nos EUA.

Apesar de ser uma indústria, a indústria cultural guarda importante diferença para as demais – ao menos no que aqui nos interessa. A indústria automobilística em boa parte do século XX, e a indústria financeira desde o último quartel do século passado, são as indústrias motrizes do sistema capitalista. Isso não as impede, claro, de correr o risco de quebrarem – por culpa delas, como a crise de 2008, ou de terceiros, como as crises do petróleo na década de 1970. Quebras que não ocorrem de fato, porque o Estado é avalista dessas indústrias, por uma singela questão de auto-sobrevivência. E no caso da mídia, o que ocorreria no caso da quebra da indústria cultural? Eis uma pergunta que não faz sentido: apesar de ser uma indústria, não parece haver possibilidade de quebra, nos moldes das demais indústrias, porque o papel da mídia no jogo de forças de sociedade é outro. Nestes tristes trópicos, por inabilidade, ela acabou escancarando que outro papel é esse nos últimos anos, e o fez de maneira grosseira nas últimas eleições: é o que tentarei tratar a partir de agora, me atendo ao caso brasileiro. Antes, um parênteses: outra indústria que não quebra é a bélica, por razão similar à da cultural.

Com base nos ensinamentos de Goebbels, a mídia conseguiu construir uma mitologia acerca de si mesma – especialmente para seu braço chamado jornalismo –, de que é porta-voz da opinião pública (o conceito do século XIX), e que com base nos interesses da sociedade civil (que ela sabe melhor do que ninguém) fiscaliza o governo e o Estado. O Quarto Poder, como ela mesma se nomeia. E está correta. Mais correta do que admite quando pressionada. 

As últimas demonstrações da Grande Imprensa deixam à mostra que se trata realmente de um poder institucionalizado de fato – como o Executivo, o Legislativo, o Judiciário –, ainda que não de direito. E a briga desse Quarto Poder é justamente poder permanecer à margem da lei – o que significa, na prática, acima dela. Há, claro, uma série de leis e regulamentos que recaem sobre a imprensa, a mídia, o jornalismo, pondo-os sob o Estado Democrático de Direito. Ocorre, porém, que ao ignorar o real poderio desses veículos, a real função na sociedade, o estatuto de fato no jogo de forças e no equilíbrio entre os poderes, o Quarto Poder acaba por se tornar um poder independente, paralelo, “auto-regulado”, além do Estado Democrático de Direito, na prática acima da Constituição Federal.

Os exemplos do poder da imprensa tupiniquim e de como se imiscui nos outros poderes são fartos. Proconsult e Collor são exemplos de como se interfere (ou tenta-se) nas eleições, logo, no legislativo e no executivo diretamente – para não falar indiretamente, como nos arrastões de 1992, ou em reportagens de capa da Veja. Escola Base, caso Nardoni e caso goleiro Bruno, são exemplos do quarto poder assumindo o poder legislativo e judiciário: queda do princípio da presunção de inocência e julgamento “sumário em capítulos” ou novelesco (todo mundo sabe o final, mas vai enrolando para ter audiência e garantir a venda de espaço publicitário): nestes casos mais recentes tem-se mostrado impossível ao poder judiciário inocentar, mesmo que não haja provas suficientes para incriminar os suspeitos, porque a imprensa, com base na “opinião pública”, já incriminou os culpados. Ponto, está decidido. No primeiro caso, ainda que a justiça – anos depois – tenha notado o equívoco do julgamento da imprensa, a polícia da imprensa – o povo – já havia destruído a escola, e a vida dos donos havia sido bastante prejudicada pelo fato não-acontecido-mas-a-imprensa-disse-logo-aconteceu. Pode-se entrar na justiça pedindo direito de resposta. Uma palavra contra mil imagens, de que vale? Se apareceu na Globo.

Toda tentativa de dar à imprensa um estatuto legal condizente com seu tamanho, contudo, é encarado por esta como tentativa de censura, um retorno à época da ditadura, o aflorar de idéias stalinistas que perduram na esquerda que domina o subcontinente sul-americano. Curiosamente, dos principais veículos da Grande Imprensa alérgicos a qualquer regulamentação externa, dois deles foram entusiastas apoiadores do golpe militar de 64, Folha e Estadão – se hoje reescrevem sua história, a la 1984, é outra história. O outro, é quase uma BBC brasileira – porém para-estatal e sem a mesma qualidade –, criada já tendo em vista a força estratégica do quarto poder: a rede Globo de televisão. Somente a Veja não esteve nessa festa, mas que com o tempo, por conta própria, se tornou uma revista neofascistóide (com as peculiaridades que haveria num fascismo do século XXI, o qual mereceria um novo nome, deveras). Na América do Sul, Cháves se mostrou um ditador ao fazer uso de prerrogativas constitucionais ordinárias e não renovar a concessão pública de uma emissora de tv. Os Kirchner, na Argentina, há muito mostram seu caráter autoritário ao bater de frente com a imprensa – característica do casal, que fez o mesmo com os militares, por exemplo. No Brasil, todo e qualquer questionamento de uma autoridade pública à imprensa é tentativa de censura. A criação do Conselho Federal de Jornalismo foi uma tentativa de censura sem paralelos na história da humanidade e sem direito a ser discutido – deveu simplesmente ser combatido. A criação de uma tv pública pelo governo federal foi considerada como absurdo sem tamanho – enquanto PSDB deixar a qualidade da TV Cultura definhar por conta de ingerência política na emissora não é problema. A pulverização do orçamento publicitário do governo federal, antes concentrado na Grande Imprensa, foi outro sinal de ingerência em assuntos que não competiam ao executivo. Por fim, vem agora o ataque do legislativo ao quarto poder, por intermédio do Controle Social da Imprensa, tentativa de censura que partiu de deputados “stalinistas do PT”, como já denunciou em editorial o jornal Valor Econômico, e que teve início no Estado do Ceará e vem se alastrando por todo o país – inclusive um deputado stalinista do DEM de São Paulo fez proposta similar. Veja a audácia: executivo e legislativo se unindo para calar a voz do povo! Curiosamente, toda tentativa de discussão que o governo abre, a Grande Imprensa democraticamente se recusa a participar. E toda auto-regulação o governo democraticamente não tem o direito de passar perto.

Tudo isto é muito novo no Brasil: de 1964 a 2002 não houve conflito grave de interesses entre os poderes. A única tentativa, a criatura contra o criador, Collor, não conseguia sequer agir em nome do poder executivo. Assim, as eleições este ano no Brasil, principalmente a presidencial, além de uma disputa entre partidos e entre egos – porque entre projetos de país e mesmo de governo, essa disputa foi bem marginal –, acabou assumindo também – e de maneira consideravelmente visível – a disputa entre poderes. De um lado o poder executivo, do outro, o quarto poder da Grande Imprensa – nada muito diferente dos últimos oito anos, em suma. A imprensa muito criticou Lula por este não ter seguido a liturgia do cargo, e saído pelo Brasil fazer comício junto com sua candidata. Não nego que Lula adora um palanque, coisa que FHC não era tão afeito: preferia uma tribuna, um jantar solene, uma honraria qualquer no primeiro mundo. Mas FHC só seguiu a tal liturgia do cargo em 2002 porque ninguém além de Ruth Cardoso queria ele por perto – e isso porque ela não era candidata. Deixemos de lado o palanquismo do presidente, e nos centremos na presença dele na imprensa, ou como a imprensa lidou com a presença dele na eleição. Me centro no episódio da bolinha de papel.

A reação exagerada do candidato da oposição, não precisava falar, foi patética – quase teve um traumatismo craniano por causa de uma bolinha de papel? Nem FHC mandando o exército fazer exercícios com ovos chegou ao mesmo nível. Covas, com a cabeça sangrando por causa de uma paulada, não fez drama parecido, se recusou a se vitimizar desse tanto. Porém, mais impressionante foi a dimensão dada ao episódio: mais de uma semana de noticiário sobre, com microfones abertos ao ferido acusar livremente o partido adversário de inimigo da diferença, da democracia, da liberdade, da ordem, da paz social – um passo para o fascismo, em suma. Episódio parecido ocorrido com Dilma, o dos balões d'água em Curitiba – cidade que congrega vários grupos neonazistas, diga-se de passagem e sem relação –, mereceu bem menos destaque. Curiosamente, Lula foi um dos personagens que fez questão de que o episódio seguisse em relevância. Havia, por um lado, o cálculo político de expôr Serra ao ridículo por mais tempo, e este não poderia voltar atrás, deveria reiterar sua versão, sua vitimização por conta de uma bolinha de papel. A Grande Imprensa, contudo, fez marcação serrada (com o perdão do trocadilho) no presidente. Não lembro qual foi a comentarista de política (ou era de economia?) da CBN que disparou que o presidente, tendo traquejo no lidar com a mídia, deveria maneirar no tom de agressividade, que não cabia a ele fazer o tipo de crítica que vinha fazendo nem ao candidato Serra nem à cobertura do episódio. A nada imparcial Eliane Cantanhêde, da nada imparcial Folha de domingo, 24 de outubro, fez a mesma crítica: Lula não deveria ter dito nada sobre o episódio – outro fato que só faria com que saísse menor do que entrou na eleição. Para a Grande Imprensa, essa é a versão: um presidente diminuído por ter feito sua candidata vencer. Para a vida para além do quarto poder, a história muda um pouco.

Não que Lula não erre, não possa ou não pudesse cometer erros. Mas ele está escolado demais para erros tão grosseiros a uma semana da eleição, sendo O pilar de sustentação de uma candidata que disputa contra um candidato que tem toda a máquina do quarto poder a seu favor – como Collor tinha em 1989 contra ele. "Nunca o povo foi respeitado como agora, e a gente não pode jogar isso fora por um bando de mentira que está sendo contado (...). É uma vergonha a farsa que tentaram jogar na cabeça do povo”. Lula não acusou diretamente Serra de armar uma farsa, porque se tratava de um recado para Globo, Folha, Veja e companhia: “povo avisado de que foi tentada uma farsa, em eventual nova tentativa, não será preciso convencer ninguém, basta dizer 'eu já havia avisado daquela farsa, e está aí uma nova prova de tentativa de golpe nas eleições, porque eles não querem o povo no poder'”. O quarto poder teve que engolir o andamento normal da eleição, sem um novo Xerife Tuma como diretor de figurino de seqüestradores ou nova antológica edição no Jornal Nacional do último debate para, democraticamente, tentar alterar o resultado.

Porém, fica a pergunta: se Lula é tão sagaz no seu trato com a imprensa (ao menos após a derrota de 1998, ele, que já sabia fazer bom uso do palanque, aprendeu a dominar de maneira impecável o palanque eletrônico), por que não conseguiu segurar a Grande Imprensa durante seu governo? Por que o quarto poder segue como um poder extra-legal? Por que não fez aquilo que falou que era imprescindível fazer com relação à imprensa, em 1993, no documentário Beyond Citizen Kane?

Vejo durante o governo Lula um jogo um tanto ambíguo com relação à imprensa. Parece haver uma estratégia de longo prazo para diminuir a concentração de mídia no país e colocá-la sob o manto legal. É, como disse, uma estratégia ambígua, um tanto medrosa, outro tanto sutil (e esperta) – e conservadora, de qualquer forma. Começa com o privilégio que Lula desde sua primeira entrevista deu à Rede Globo. Segue que dois de seus ministros das telecomunicações – Miro Teixeira e Hélio Costa – tinham fortes ligações com os Marinho. O Conselho Federal de Jornalismo foi uma das poucas, se não a única grande tentativa positiva do governo de limitação não da mídia, mas do seu braço jornalístico. O que houve foram ações de fortalecimento da pequena e média imprensa, da mídia alternativa, da mídia local. Isso implica em certa perda de poder da Grande Imprensa, mas não é democratização da informação ou da mídia, visto que essa mídia, via de regra, pertence a pequenos coronéis locais – salvo a imprensa alternativa da internet, mas este é um caso complexo. Também as concorrentes televisas da Rede Globo ganharam fôlego do governo federal – tudo via pulverização da publicidade oficial. Além de diminuição do poder da rainha do quarto poder sobre a sociedade toda – Band e Rede TV!, por exemplo, não boicotaram a Conferência Nacional de Comunicação, a primeira, inclusive, não se opôs ao Conselho Federal de Jornalismo –, são medidas que permitirão aos poderes executivo e legislativo, quem sabe, enquadrarem o quarto poder ao Estado Democrático de Direito. Nada revolucionário, nada questionador do status quo, nada que prejudique sobremaneira a indústria cultural instalada no país ou a que ainda vai se instalar – ao contrário do que acreditam e ainda apregoam boa parte de militantes ou apenas deslumbrados com o PT. Afinal, trata-se de um partido institucionalizado e bem adaptado ao sistema. Pode ter objetivos reformistas de melhorias sociais e maior democracia – tudo dentro do que está estabelecido. Porque medidas fora dos parâmetros significa dar um tiro no próprio pé, atacar o próprio sistema que o sustenta. E o quarto poder é parte que sustenta o próprio PT.

Quando Veja, Folha, Globo, Estadão e tantos outros estampam em suas capas e manchetes de domingo que as tentativas de regulação e enquadramento da Grande Imprensa vão favorecer o PT, estão corretos. Porém mente quando dizem quem perderá com isso. A liberdade? A democracia? Sejam menos hipócritas! Eles, apenas: os Marinho, os Civita, os Frias, os Mesquita, os Saad, os Abravanel, os Magalhães, etc. E a nós, o povo, o populacho, favorecerá ou prejudicará? Não sei dizer ao certo, fica ao critério do consumidor decidir o que acha. Ao menos teremos mais opções de mentiras para escolher.

publicado originalmente na revista Casuística. artes antiartes heterodoxias. Edição 101 (janeiro de 2011). pp 93-97. www.casuistica.net

terça-feira, 15 de julho de 2014

Política travestida de análise: quando distorcer os fatos é sinônimo de bom jornalismo.

Costumo dividir os formadores de opinião da Grande Imprensa tupiniquim (em letras maiúsculas pra serem grandes ao menos em alguma coisa) em três grandes grupos: os que fazem análise política, os que fazem política travestida de análise e os que latem o que os donos querem. Estes últimos são os tais polemistas: Sheherazade, Jabor, Pondé, Mainardi (alguém lembra dele?), Azevedo, entre tantos, que destilam ódio e intolerância mal disfarçados em silogismos constrangedores pela precariedade. Talvez num passado longínquo já tenham escrito algo razoável, digno de reflexão. Hoje, o que refletem é a ignorância que assola o país, o pior do senso comum classe-média-alta conservadora. Os primeiros são raros de encontrar. Antes da vejanização da Folha de São Paulo e conseqüente folhização do Valor Econômico, este tinha a fantástica Maria Inês Nassif, analista do mais alto quilate que, sem esconder suas preferências políticas, busca deixá-las de lado quando faz suas análises (lembro um artigo sobre o PFL-DEM, seu risco de sumir e as alternativas que lhe restava, parecia ter escrito para o partido). O Estado de São Paulo, não sei como, mantém um patinho feio desse naipe, às segundas-feiras: José Roberto de Toledo, que antes da copa do mundo já avisava que haveria uma surpresa àqueles que criam nas manchetes dos jornais sobre as eleições de outubro. A Folha, mesmo a contragosto, mantém Jânio de Freitas e alguns poucos outros, ciente que eles sustentam boa parte das suas assinaturas, resquícios de quando o jornal dava credibilidade aos colunistas e não o contrário.
Já os que fazem política travestida de análise, esses proliferam aos borbotões na Grande Imprensa: mais do que pregar aos convertidos, como os tais polemistas, ele tentam legitimar os desejos dos chefes, ao justificar manchetes fictícias (para não usar um termo muito pesado), ao tentar argumentar o porquê do que eles querem ser o mais provável. As apresentações das pesquisas de intenção de voto para a eleição de outubro são um ótimo exemplo: falam em risco real para o PT de vitória da oposição, sendo que as pesquisas, mesmo depois de mais de um ano de fogo intenso contra a presidenta Dilma, apontam vitória da petista ainda no primeiro turno. Diante dos dados de hoje, essa possibilidade de vitória de Aécio está mais ou menos equivalente à do Brasil contra a Alemanha, no intervalo do jogo: pode ganhar? Pode. Mas vai ter que suar um bom tanto a mais, ou esperar qualquer milagre, um apagão alemão, um escândalo atingindo diretamente a chefe do executivo e sem equivalente no campo oposicionista, um proconsult, uma edição um pouco enviesada do último debate.
Exemplifico um pouco mais este grupo majoritário com dois exemplos do jornal Valor Econômico, jornal que assino (sim, sou um jurássico que gosta de tomar café sujando o jornal) não por mérito dele, mas por demérito dos concorrentes. No jornal do dia nove de julho, Cristiano Romero escreve artigo intitulado "Inflação em 12 meses supreende governo" (na semana anterior ele já havia escrito "Indicadores de crise"). O texto serve para reafirmar o que seria o ponto fraco do governo petista, depois que mensalação petista, Petrobrás e fiasco da copa parecem ter perdido sua capacidade de comover o eleitor. O próprio título já sinaliza um governo pouco preparado, que é pego de surpresa com algo que a Grande Imprensa tem dito, dia sim, outro também, desde que o tomate teve sua elevação sazonal de preços, no ano passado. As medidas para conter a inflação são postas em dúvida, há inflação represada nos preços administrados, o governo petista tem histórico de descumprir o centro da meta. O resultado disso tudo, ele não anuncia, mas é alardeado em todo lugar: inflação alta é igual a crise, país na bancarrota, população na miséria. Discurso que parece não ter surtido muito efeito no eleitorado, talvez porque o país tenha taxa de desemprego abaixo de 5% e aumentos reais dos salários. Na página seguinte à coluna de Romero há uma reportagem com Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, entre 1995 e 1998 - durante o primeiro governo tucano, portanto -, e sócio de uma consultoria. Vaticina ele, que não pode ser acusado de petista, não apenas que a inflação de 2014 fica abaixo da meta, como que analisar a inflação dos últimos doze meses, tal qual o colunista ao lado, não faz muito sentido: primeiro, dado os solavancos naturais no índice de preços; segundo porque o que vale é a inflação do ano (no caso, 2014), não a acumulada em um ano; terceiro, porque é a previsão para os próximos doze meses que deve ser levada em conta (hoje em 5,89%) - o que está afim à teoria das expectativas racionais que economistas neoliberais tanto gostam e se utilizam para criticar a indexação de salários (nunca dos preços).
No mesmo dia nove de julho, o incauto leitor do Valor é alertado pela sagaz colunista Rosângela Bittar, chefe de redação do jornal (reparem que não me rebaixei ao precário Raymundo Costa), de uma "armação ilimitada" da petista: votar em Dilma é votar em sabe-se-lá-o-que: enquanto os adversários já anunciaram suas equipes econômicas e delimitaram com clareza o caminho que seguirão, a presidenta, não diz nomes e só aponta linhas mestras para um eventual segundo mandato: "noutras palavras, quem quiser votar em Dilma, que o faça no escuro (...). O que ela apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral como programa de sua candidatura foi um plano fantasia, para cumprir tabela legal. O eleitor que crie a expectativa que quiser sobre o que vem aí, prenúncio de que boa coisa não é, senão o governo propagaria". Para chamar o eleitor da petista de idiota só faltou o adjetivo - por isso incluo ela nos analistas que fazem política e não nos que latem, porque ela tem um resquício de educação, mesmo que honestidade intelectual não seja seu forte. Ou então ela não lê o jornal que paga seu salário. Dois dias antes, reportagem de Vandson Lima e Raqual Ulhôa mostrava o festival de chavões lugares-comum e desconectados do discurso efetivo dos três principais postulantes ao Planalto, em que é quase impossível saber quem apresentou o que no seu programa de governo registrado no TSE. Bittar fala meia verdade ao dizer que Dilma apresentou um plano fantasia: esqueceu de dizer que não foi a única. Dois dias depois, Bittar foi contradita no mesmo Valor Econômico por Leandra Peres, em seu artigo "Dilma continuará na Fazenda em 2015". Ué? Mas não era um voto no escuro? Como, então, Leandra diz que ao votar em Dilma sabe-se bem o que virá? Para complicar a situação de Bittar: Peres tem argumentos bem mais consistentes que a chefe.
O que mais me irrita nesse tipo de "análise" é o pressuposto de que o leitor é incapaz de ler e interpretar fatos e gráficos e, principalmente, incapaz de perceber que eles estão distorcendo os fatos e não interpretando. Em outras palavras: pressupõem que o leitor é um apedeuta microcéfalo. Um burro. (Folha é especialista nesse em tratar o leitor com essa falta de respeito). O que me assusta é que se esses são os exemplos de formadores de opinião ponderados, o que nos resta é um rebaixamento ainda maior do debate - não por acaso o desprezo à "verdade factual" (por mais que falar em verdade ao se tratar de sociedade seja difícil, há pontos mínimos que não se pode negar) já é replicado em blogues, à direita e à esquerda (e sequer me refiro aos blogueiros raivosos).

São Paulo, 15 de julho de 2014.