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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O que é isso?!

Quando acordo, Mafalda, minha gata, costuma estar dormindo no pé da cama. Ao tocar o despertador, ela levanta a cabeça e me observa: se apenas desligo o aparelho e volto a dormir, também ela volta aos braços de Hypnos; se dou sinal de que irei acordar, ela também desperta e de pronto começa a miar seu miado reclamão - descobriu cedo que, pela manhã, é gastar ATP à toa tentar me acordar. Se Guile está com ela, já sei: falta comida no pote ou a caixa de areia está muito suja, daí o reforço do irmão para reclamar. O esquema não muda se Natália dorme na minha casa - pela manhã está ela no pé da cama, a ocupar o espaço que Natália não alcança.
Esta semana veio dormir aqui em casa também o Vinícius, seis anos, filho da Natália. Apesar de muito sociáveis, Mafalda e Guile ainda guardam reservas para com esse ser humano diminuto com muita energia que pula e grita e berra e corre atrás deles ("correr" é aqui utilizado como licença poética, aos quatro ou cinco passos que meu apartamento permite que sejam dados antes de encontrar uma parede ou um móvel) e o máximo que sossega é por dois minutos, quando tenta pescá-los com algum fio sem graça. Já foram mais ariscos, porém ainda não se entregam tranqüilamente aos seus agrados - é perceptível uma certa tensão enquanto recebem festinha, e correm ao primeiro berro do garoto, o que não costuma demorar sequer um minuto.
Enfim, dormiu o Vini aqui, em um colchão no chão, já que minha cama sequer é de casal para dar conta de comportar três corpos humanos neste calor paulistano. No outro dia, sei da manhã, Natália acorda e vai para sua aula, fecho a porta para ela e volto para a cama. É quando reparo nos dois gatos. Estão parados ao lado da cama, no chão, entre minha cama e o colchão onde Vini dorme. Tão logo notam que os observo começam a miar inconformados, como a perguntar o que significa aquele colchão atrapalhando a livre circulação da sala até o quarto e, pior, com o pequeno ser elétrico escarrapachado nele. Alternam observações ao Vini e miados para mim, que ao invés de responder ou tomar qualquer atitude, pego meu tablet e tiro uma foto da inusitada cena, antes de voltar a dormir. Os gatos, não sei o que fizeram, a partir de então. Talvez tenham voltado a seus afazeres, ou aproveitado para descansar um pouco mais, já prevendo que em breve a casa estaria tomadas por gritos e risadas altas e tentativas de pescaria de gatos e outras atividades que me cansam só de olhar, às oito da manhã.

20 de fevereiro de 2017


sábado, 24 de outubro de 2015

O horror

O horror. Se meus gatos falassem, muito provavelmente teriam usado essa palavra para descrever o que passaram com a utilidade doméstica que recém comprei. Sentimento bastante contrastante com a curiosidade que enfiavam seus focinhos enquanto eu abria a caixa e montava o aparelho - estavam tão interessados que nem notaram que havia o fio da tomada para eles brincarem. Aparelho montado, ligado na tomada, firme em punho, ligo o aspirador de pó. Meu irmão havia avisado que o modelo era barulhento. Eu, contudo, impregnado pela lembrança ensurdecedora do antigo aspirador de pó da casa de meus pais, achei-o barulhento pero no mucho. Não foi o que acharam Mafalda e Guile. Ao ligar, se assustaram - melhor: se atemorizaram. Mafalda foi para baixo da mesa e começou com seu miado curto - quase um latido; Guile correu para debaixo da cama (na minha última temporada na casa dos meus pais, eles aproveitaram minha ausência para abrir um buraco no forro da cama e fizeram ali uma cabaninha, na qual passam madrugadas brincando, quase sem dar trancos que balançam a cama toda). Comecei a limpeza pelo quarto, e Guile tratou de fugir de seu precário esconderijo, achando um local seguro sobre a cama: embaixo da colcha. Mafalda eu não vi até desligar o aparelho - o que não levou muito tempo, dez minutos, se muito, visto que minha casa tem trinta metros quadrados. 
Limpo o filtro, enrolo o cabo, e guardo o aspirador num dos poucos lugares ainda vagos na minha casa: embaixo da pia da cozinha. Vou em busca dos gatos, e tenho certa dificuldade em fazer as pazes - tenho que agarrar o Guile, que foge de mim como se eu fosse o próprio aspirador de pó. Já acalmados, notam o monstro guardado. Mafalda tão logo vê, tão logo sai da cozinha. Guile várias vezes inspeciona - sempre a prudente distância e cheio de cuidados. Dois dias depois, quando vou utilizar o aspirador de pó pela segunda vez, ao me verem com o monstro em mãos, ficam alerta. Ao soar do estrondo, fogem ambos para um lugar escondido e seguro - embaixo da colcha -, e só saem de lá depois do som ter cessado há um tempo. O horror, dá pra perceber em seus corpos.

24 de outubro de 2015
Os irmãos muito bem escondidos em lugar seguro

sábado, 18 de julho de 2015

Gatos mágicos somem com toalha!

Logo ao acordar notei que faltava a toalha de chão que eu havia deixado secando na porta da máquina de lavar (parênteses: minha casa é "estilo londrino", conforme uma amiga que morou em Londres, isto é, a lavanderia fica no banheiro. Fecha parênteses). Não fui tomado por nenhum espanto com esse sumiço, sabia que era coisa da dupla com quem divido apartamento. Procurei no banheiro, não achei. Estranhei que tivessem arrastado para fora dele sem deixar qualquer marca, uma vez que a toalha estava bem molhada. No quarto, embaixo da cama, nada. Na sala, nada. Na cozinha também não, já que ela fica fechada. Encafifei onde os dois teriam enfiado a toalha - e como?! Busquei mais uma, duas vezes, nada. Sai para meus afazeres, perplexo da toalhar ter desaparecido assim: seriam meus gatos mágicos? Descartei que pudessem tê-la comido: era muito grande, mesmo que cada um ficasse com metade. Mais plausível que tivesse conseguido enfiar no canto onde somem bolas, canetas e outras coisas que dou pra eles - ou eles pegam sem eu dar -, apesar de toalhas não rolarem, ainda mais molhadas. Voltei para casa, me pus a buscar a dita toalha - agora, com mais calma, eu daria conta que estava na minha fuça, mas me passara despercebido. A contar que eu sabia onde estava minha fuça, a toalha não estava junto a ela. Nem embaixo dos móveis, nem em cima deles. Nem embaixo da colcha - vai que na pressa para arrumar a cama, não tivesse notado que eles tinham subido ela para meu leito. Gatos mágicos? Comecei a ficar preocupado: eventualmente tenho o sono bem pesado - já perdi concurso por ter desligado quatro despertadores sem acordar de fato -, e sonhei algumas vezes que eles haviam tentado (e conseguido) escapar pela porta - num dos sonhos Guile se atirava do corredor, quatorze andares abaixo. Seria eu sonâmbulo, e parte do que eu achava que eram sonhos se tratavam, na verdade, de fatos mal-percebidos pela minha consciência semi-desperta no meio do deambular dormente? Teria eu levantando à noite, aberto a porta, posto a toalha no lixo e voltado a dormir? Temi não só pelos gatos, como por mim mesmo! Outra busca pela casa, nada. À noite eu conversava com minha mãe pelo telefone, falava justo dessa preocupação que ia me tomando, de que eu fosse sonâmbulo nível hard, abrisse a porta de casa pela madrugada, perseguisse gatos fugitivos e jogasse toalhas no lixo. Ou seriam meus gatos realmente especiais? Foi quando abri a janela da sala para eles irem um pouco "fora" (os cinco centímetros entre a janela e a rede de segurança): a toalha estava no trilho da janela (e assim que se chama?): então lembrei! Eu havia posto ela ali durante a madrugada, quando começou a chover forte e com vento, para evitar que entrasse água no apartamento. A sensação de alívio, admito, foi enorme! Resumo da história: nem gatos mágicos ou comedores de toalhas, nem sonambulismo hard, apenas um lapso causado pelo sono e uma crônica sem graça.


18 de julho de 2015.

E o medo que eles tivessem levado uma toalha molhada pra cima dos meus livros?

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Disputas na madrugada

Após ler minha última crônica sobre meus companheiros de apartamento, a voluntária da ONG Adote Um Gatinho que intermediou a adoção de Mafalda e Guile, hoje minha amiga no Fakebook, se disse espantada de eu ainda disputar com os peludos se eles dormirão comigo ou não. Se me conhecesse um pouco melhor, bem provável que se espantasse dos gatos ainda insistirem em dividir cama - e travesseiro! - comigo. Conto aqui um pouco dessa questão tensa que é dormir.
De início, as primeiras duas semanas, uma maravilha: eles dormiam na cadeira "deles", eu na minha cama. Se durante a noite precisavam ir ao banheiro - onde fica sua caixa de areia -, atravessavam meu quarto sem fazer barulho. É que ainda se consideravam visitas. Foi notarem que a casa era deles também e folgaram. Talvez tenha sido esse o período mais tenso da nossa relação noturna - até esta semana. Quando eu pensava em dormir, eles acordavam com a pilha toda. Não importava a hora: se num dia eu ia dormir à uma, eles estavam hiperativos às dez pra uma. Se no dia seguinte eu fosse dormir às três, à uma eles dormiam satisfeitos, e às dez pras trés eles acordavam - na pilha. Correm, pulam, derrubam, brincam, batem, sobem na cama, miam, sacolejam, alopram: tudo o que não haviam feito o dia todo, quando eu estava acordado - ou sequer estava em casa -, os dois dito cujos faziam na hora que eu ia dormir - e não havia o que fizessem param. Até então minha cama tinha um estatuto ainda ambíguo, certas noites era apenas um dos brinquedos desse apertado parque de diversões notívago, outras era a cama deles também. Meu irmão passou uma semana em minha casa nessa temporada, sofreu com a hiperatividade deles: houve uma noite que ele trancou os dois na sala, junto comigo, sem lembrar de pôr junto a caixa de areia. Foi durante a visita de meu irmão que eles, pelo visto, passaram a identificar a cama mais com o dono do que com a cama mesmo: antes de serem trancados sem banheiro novamente, passaram a me procurar para dormir.
Essa fase passou, felizmente. Digo, a fase de fazerem bagunça justo na hora em que vou dormir: agora eles esperam eu começar a roncar para só então tocarem o terror no apartamento, conforme verifico seguidamente pela manhã. Não me acordando, não me incomodo. A nova - e atual - fase, apesar de mais tranqüila, não o é de todo. Seria, se Mafalda seguisse os passos de Guile: ele chega, sobe pelos pés da cama, procura um lugar livre na metade de baixo, deita e dorme. Mafalda, não. Ela chega miando, não sei se anunciando sua chegada ou reclamando de não ter sido chamada, sobe na cama, passa por cima do meu rosto, cheira meu nariz, se preciso, passa por cima do meu rosto de novo, e insiste até achar uma brecha e dormir de conchinha: ou ela "por trás", uma pata entre meu braço e o corpo, se eles estão próximos, ou ela enconchada, se acaso deixo espaço entre o braço e o corpo suficiente para se enfiar. Para coroar, começa a roncar. Sim, também acho uma graça gato ronronar - mas não quando quero dormir! Aquele barulho bem junto ao meu ouvido e aquela mini britadeira me chacoalhando. Tento afastá-la, ela reclama, volta, afasto uma vez mais, ela demora pra voltar, e quando volta (se volta) já não estou mais neste mundo.
Esta semana, em outra (incomum) noite de insônia, Mafalda querendo dormir de conchinha, coloquei ela pra dormir junto com Guile, nos pés da cama - uma, duas, três vezes. Até os cobri com um outro cobertor - para ficarem mais à vontade. Ela reclamou, desceu da cama, logo voltou, ficou com o irmão e dormimos. Manhã seguinte, preparo minha vitamina para o café da manhã e vou me sentar na espreguiçadeira que tenho - um tecido em uma armação de metal. Ao sentar, sinto o pijama molhar. Me levanto, desacreditando que fosse o que parecia ser. E era: ela tinha mijado em minha espreguiçadeira (por sorte, para limpar é só jogar na máquina de lavar). Passou o dia arredia, mesmo à noite, quando tentei fazer as pazes. Na hora de dormir, se achegou direto com Guile. Gostei, e se ela se sentia vingada pela nova distribuição na cama, nem reclamaria mais da sua travessura. Por vias das dúvidas dormi com uma orelha em pé.


02 de julho de 2015

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Uma semana fora

Tendo passado uma semana fora, imaginava uma recepção mais festiva de meus gatos ao adentrar novamente em casa. Que nada! Faltou pouco para eu achar que eles sequer me reconheciam. Imaginava que ao menos Mafalda ficaria miando com a cara de quem sofreu todas as dores do mundo, como sói fazer quando volto para casa, no fim do dia, ou me tranco no quarto, de madrugada, e deixo "somente" a sala para os dois. Miou um pouco, assim como o Guile, quase como a dizer "ah, é você", e foram brincar. Tratei de ver pelo lado bom: sinal de que não passaram necessidades - como atestavam os potes de comida e de água ainda cheios -, e que Djalma, escalado para cuidar dos peludos, tratou-os bem - se eu fosse ciumento, talvez achasse que havia tratado bem até demais. Ao dar uma vistoriada no lar, ver se estava em devida ordem, notei que os dois se aproveitaram de minha ausência: não apenas subiram no armário que tento mantê-los longe, como se seviram do papel toalha que estava nele; as plantas fora do lugar que eu havia deixado denunciavam que também tinham caído vítimas da dupla, lascas de um candelabro de pedra-sabão mineiro se misturavam aos brinquedos que eu havia oferecido antes de partir, como luvas e potes de remédios e de balas; algumas pilhas de livros estavam desfeitas; no banheiro, um bom tanto do rolo de papel higiênico estava espalhado pelo chão, pela lavadora, pela caixa de areia; outro tanto ainda estava no rolo, mas devidamente desfiado. Ou seja, tocaram o terror no lar. Ao menos não se rebelaram contra a caixa de areia - fiz questão de olhar pelo lado positivo. Mais tarde me surpreenderia com o fato de os adesivos da parede estarem todos lá - todos os que eles haviam poupado antes de eu partir. Com o passar do dia, fomos nos enturmando novamente, e antes do anoitecer estávamos nas nossas já conhecidas disputas e dança das cadeiras - somos três irriquietos, quando dois parecem sossegar, o terceiro quer se levantar ou quer se ajuntar ou qualquer coisa que impeça que fiquemos mais que quinze minutos parados. À noite, a forma como se achegaram em minha cama, reclamando um canto junto à cabeceira, fingindo não reparar que eu os punha ou nos pés, ou fora da cama, mostrou que, por despeito pelo meu abandono ou esquecimento rápido, não respeitariam tão tranqüilamente os limites impostos. Para piorar: Guile, que sempre se deitava nos pés da cama, sem me incomodar, passou a imitar Mafalda, e querer dormir no meu peito - isso, claro, depois de longo vai e vem dos dois, sempre passando por cima de mim. Sem o hábito de dividir cama, não consegui dormir (se levo mais que dez minutos considero insônia). Com preguiça de pôr a caixa de areia na sala, dou o braço a torcer, pego um cobertor e o travesseiro, e vou dormir na sala. Em pouco tempo sinto estar me irmanando de Hipnos. É quando ouço um chamado não de Morfeu, mas de Mafalda, enquanto Guile, sem cerimônias, tenta achar um canto no travesseiro. Viro pro outro lado, ele reclama, eu também.

25 de junho de 2015


quarta-feira, 6 de maio de 2015

O banheiro coletivo

De início achei que fosse por algum prazer sádico: sempre que ia limpar a caixa de areia, os dois bichanos se punham a espreitar-me, em especial a gata (Mafalda?). Um pouco mais de convivência entre nós e vi que fazia um juízo equivocado acerca dos meus colegas de apartamento: a gata logo perdeu o medo e tem me ajudado na limpeza da caixa - o gato (Guile?), tem perdido o receio mais vagarosamente, ainda mais acompanha do que ajuda, mas já se insinua. Mafalda tem sido tão diligente na sua ajuda que continua o trabalho, mesmo quando já recolhi tudo o que havia para recolher, jogando areia por toda área próxima. Resultado: meu banheiro em estado lastimável, com barro por tudo. Não tive dúvidas: comprei uma caixa fechada, na esperança de tornar meu (nosso) banheiro minimamente habitável. Conseqüência: se recusam a entrar nela se estiver com a tampa. Sem a tampa, Mafalda segue ajudando ao seu modo.
E não é só a limpeza da caixa de areia que os atrai para o referido recinto: notei que minha ida ao banheiro é um evento para eles. No início era toda ida, agora estão um pouco mais seletivos: houve vez que eu tomava banho, porta obviamente fechada (o banheiro é pequeno, não tem box e se não fechar a porta molha o quarto), do outro lado uma sinfonia de miados reivindicava o direito de assistir às minhas abluções. Abri a porta e diante daquele mundaréu de água que caía, fugiram - e nunca mais quiseram me ver tomando banho. Escovar os dentes também não tem sido muito atrativo para eles: ficam um tempo a observar, logo cansam. Mas todo o resto que eu faço no banheiro, se acaso faço de porta aberta - e não tem porque fechá-la, se moro sozinho -, eles me acompanham e me assistem. Ficam a me observar, curiosos. Há vezes que sinto neles uma vontade de pularem e alcançarem aquele pedaço de mim que despeja água na retrete, mas até agora nunca tentaram de verdade. Penso que ganhamos todos com isso: eles evitam de cair no vaso, eu, de ter um arranhão em área delicada.


06 de maio de 2015
Imagem meramente ilustrativa do meu ideal para o banheiro.
Nesta foto, os irmãos assistem à máquina de lavar roupa.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Novos colegas de apê

Foi May quem primeiro respondeu meu e-mail. É nome de personagem de Dance, Dance, Dance, do Murakami. Poderia ser a própria, penso. Ornaria com o momento de minha vida, de pessoas que de repente aparecem, de repente somem, com explicações que tornam a história levemente surreal. Faça reiki, faço reiki, coincidências, perseguições de (e a) ex-namorados e ex-namoradas, mudanças de país e de planos, umbanda e búzios, especulação imobiliária e Dogde Dart V8, como em meu último conto. Por ora, faltam telefonemas do além e homens-carneiro - mas não me surpreenderá que logo deixem de faltar.
Há anos - uns oito - penso em arranjar um bicho de estimação. Abandono a idéia com dó do bicho: viajo com certa freqüência, há semanas que passo a maior parte do tempo fora de casa, deixaria ele solitário em meu lugar - não parece legal. Para não falar nas dificuldades mais mundanas: dar comida quando viajo, levar ao veterinário, aumento nos gastos, coisas do gênero. Voltei a pensar em adotar um no início do ano, com uma seriedade que não tivera até então, talvez influenciado por histórias de amigos e amigas com seus gatos. Pondero em terapia, converso com meus pais - recebo muitas objeções de meu irmão -, inquiro amigos, visito o site de uma ONG de adoção, e o principal empecilho - o gato ficar solitário - soa solucionável quando eles sugerem a adoção de dois - os custos, dizem, não aumentam na mesma proporção.
Os amigos felinófilos se dividiram quanto a minha decisão. Os que têm um gato, me criticaram pretender adotar dois. Os que têm dois ou mais, me apoiaram. Minha mãe sugeriu que eu visitasse os gatos antes de decidir, mas isso é difícil pra quem não tem carro. Escolho a partir das descrições do site, mesmo. Dois irmãos - apesar de a princípio querer dois gatos mais diferentes, como branco e preto, me conformo com um macho e uma fêmea. Separo deles o irmão anão que exigia maiores cuidados. A partir de então, minhas maiores preocupações são a integridade dos meus livros e o tamanho do apartamento: trinta e seis metros quadrados comporta dois gatos? Alguns amigos dizem que não, outros dizem que sim, desde que tenha lugar pra eles subirem e se enfiarem, o que não falta na minha casa, desde que não estraguem meus livros - por sinal, até animo com a idéia de eles passeando pelos livros me pouparem da maçada de tirar o pó. Da ONG, dizem que não é problema. Penso em nomes, discuto com amigos, tenho dúvidas: Arara Teresa e Trumbica, em homenagem à Misson? Joaninha e Beterraba? Uai e Tchê? Me sugerem uma convivência com os gatos antes de escolher.
Quem mos entregou tinha o nome de ex-namoradas e de amigas próximas: Mari. São tantas que quando vou me referir a uma delas, trato pelo sobrenome. Junto com a Mari, Denise, que hospedou temporariamente a mãe e a prole. Duas moças muito simpáticas. Vistoriam o apartamento. Sugerem que deixe as janelas fechada, pois como são filhotes, são capazes de passar pelas redes. Os gatos saem investigar a casa enquanto conversamos. Após as duas partirem, os gatos se escondem, ora embaixo de minha cama, ora atrás da cama-sofá da sala. Ao irem de um esconderijo a outro, passam por mim cheios de pó - parece que minha idéia pros livros funciona para rincões escondidos.
Início da noite resolvo socializar com eles. Bolinhas de papel e um cadarço para atraí-los, e um minuto com eles no colo, antes de fugirem. O macho é o mais desesperado - crava as unhas na minha perna. De certa forma funciona: passam a circular pela casa, de início timidamente, logo com desenvoltura. Evitam que eu chegue perto, mas aceitam freqüentar o mesmo ambiente que eu. Enquanto a fêmea descobre que o sofá é delicioso para cravar as unhas, o macho parece ter predileção pelos livros e pelos cantos apertados. Provam minha babosa, temo que comam o cacto ou a espada de São Jorge, que são venenosas para gatos.
De repente a fêmea (Arara Teresa? Joaninha? Uai? Borboleta? Maria Bonita?) sobe na minha cama e descobre que a casa já é habitada por outro gato - ou ao menos assim parece. Eriça o pelo e fica a encarar o espelho, estudando o adversário. O macho (Trumbica? Beterraba? Tchê? Banana?) tenta subir na cama e leva um corridão dela. Por um bom tempo, até eu conseguir tirá-lo de debaixo da cama, a fêmea investiga sozinha o ambiente.
Fico a observá-los, vários sentimentos me tomam. Da saudade da felinófila Misson à alegria de finalmente adotar um bicho de estimação. Da lembrança das cachorras que tive, à lembrança do meu avô - hoje o time dele, que adotei também, faz cento e três anos e pode ganhar seu primeiro título domingo. Penso na responsabilidade que terei pelos próximos quinze anos. Quinze anos... Parece muito mas é tão pouco! Quinze anos atrás eu saía da casa dos meus pais, parece que foi ontem. Lembro quando, ainda antes de me mudar, num dia de prova da segunda fase da Fuvest, da janela do quarto do hotel, em Sorocaba, avistei uma pomba que tocava seus filhotes para o vôo, que resistiam a abandonar o ninho. Me ponho a me perguntar quantas pessoas não conheci nesses quinze anos. Quantas ainda mantenho contato? Quantas nunca perdi contato nesse tempo todo? Ligo para o Paulo, ele comenta que quando arranjou a Faísca, cachorra de estimação, foi mesmo uma mudança na vida - ele não sabia explicar, mas algo mudava. Talvez seja esse o sentimento principal que me passa e que não consigo apreender: mudança. Uma primeira mudança me soa forte: ter uma responsabilidade a qual não é possível discutir a relação para resolvê-la - algo que passa aquém ou além do logos. Felizes eles, que podem conviver comigo sem ter que passar por intermináveis conversas cabeçudas sobre a existência - vide esta crônica.
É quase meia noite, os gatos finalmente se mostram despertos e cheios de energia - a noite promete ser longa. Pela manhã, sem falta, vou atrás de sílica pra caixa de areia.



01 de maio de 2015.

PS: o site de adoção onde encontrei os dois: www.adoteumgatinho.org.br
PS2: Dá-lhe Operário Ferroviário de Ponta Grossa!