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sexta-feira, 15 de abril de 2016

O que o Brasil tem ganho com o golpe em curso [O Brasil em tempos de cólera e golpe]

Independente de quem vença a votação de domingo sobre o golpe em curso, pode-se dizer que de alguma forma quem ganha é o Brasil. Uma vitória de Pirro, mas necessária para boa parte da população. Nosso Estado Democrático de Direito não é nem nunca foi de direito, sequer democrático; a cordialidade brasileira não resiste à primeira contraposição, nossa burguesia defensora dos ideais liberais não se sustenta sem Estado e os movimentos sociais voltam a se dar conta de que ou se mexem, ou perdem as migalhas que conquistaram com a Constituição de 1988. Dar-se conta disso pode ser de suma importância para os próximos anos. A questão é: parte da população, os ocupantes dos andares de cima, detentores de títulos pelas melhores universidades e cargos nos meandros do Estado, com alguma possibilidade de voz, estão dispostos a assumir nosso (meu, seu, deles, nosso) fracasso? Tenho minhas dúvidas, principalmente em caso de derrota do golpe - e não falo dos 10% de fascistas e 10% de ingênuos manipuláveis, falo dos que têm se posicionado em defesa da democracia.
Há uma série de falsas idéias que se utilizam e mostram o quão não estão enxergando a situação do país - e mesmo o quanto desconhecem princípios democráticos. Uma das mais correntes é que o impeachment desrespeitaria o voto de 54 milhões de brasileiros. Nada mais falso: o impeachment é um desrespeito ao voto de 105 milhões de brasileiros! Afinal, a democracia não é para quem vence, é para todos. Ok, podemos descontar uns 20% de eleitores do Aécio, declaradamente golpistas e saudosos do pau-de-arara (para os outros, claro), ainda assim, são 84 milhões de eleitores! Falar que o desrespeito é apenas aos eleitores de Dilma é da mesma pobreza que dizer que "a culpa não é minha, eu votei no Aécio": a culpa é de todos - inclusive dos que se abstêm de votar, num gesto inócuo de não legitimar nosso sistema falido, como este escriba, que se orgulha de nunca ter comparecido à farsa da democracia brasileira -, a responsabilidade pelos políticos eleitos é de absolutamente todos, e se é legítimo se opôr ao executivo de turno em matérias que sentem seriam lesivas aos seus interesses - tanto particulares quanto interesses de uma sociedade melhor para todos -, simplesmente impossibilitar o executivo democraticamente eleito de governar é uma temeridade (com o perdão do trocadilho) para com o país - como temos visto na atual crise econômica, em quem paga o pato, claro, são os mais pobres, que agora são chamados também a pagar o foie-gras dos patrões.
Outro equívoco é o #NãoVaiTerGolpe. O golpe está em curso faz mais de um mês, capenga por conta da sagacidade-ainda-que-tardia de Lula, ao voltar ao executivo para articular o governo de sua sucessora e se pôr à disposição de uma justiça minimamente imparcial e justa (excluído Gilmar Mendes) e não de um justiceiro de província. Na avenida Paulista, o robô dos Changerman transmutado em pato de borracha plagiado é a versão pós-moderna do Cavalo de Tróia, com as portas da cidade abertas pelo vice-presidente (o mesmo que negociou lei retroativa em favor de FHC em troca de sua eleição para a presidência da Câmara, um homem probo, que age pelos interesses do país). No pato de Tróia do Skaf, o golpe ao nosso precário estado social - em parte já encabeçado por Dilma. O que estamos tentando evitar é o golpe de se consumar: #EstáTendoGolpe #NãoVaiVingar, seria o mais preciso em se falar.
Para não me alongar, trato apenas de mais uma falácia dos democratas legalistas (grupo que tem meu total apoio, apesar destas críticas, deixo claro): dizer que defendem a democracia é demonstração de miopia grave. O que estamos defendendo é possibilidade de democracia - política e social. Eleições formais a cada quatro anos não implicam em uma democracia, querem dizer apenas que há uma farsa a cada quatro anos. No caso brasileiro, como temos visto, não conseguindo se valer de golpes brancos nas últimas quatro eleições, como em 1989, 1994 e 1998, nosso sistema político-econômico simplesmente atropela a Constituição, as urnas e a vontade popular (que, posto em aporia, preferiu votar em Dilma). Que democracia é essa em que o vencedor é dado de antemão, sob o risco de não ter a eleição validada, ou melhor, de não ter o governo eleito autorizado a governar? Convém recordar que em 2002, para poder assumir e governar, Lula já havia capitulado a esse mesmo setor que em 2014 rejeitou a capitulação humilhante de Dilma.
Exemplifico meus questionamentos sem sair do ninho tucano, São Paulo: que democracia é essa que só um lado tem direito a protestar? Que moralidade e eficiência é essa de um governador que rouba mas não faz e não tem problema alguma nisso? Que Estado de Direito é esse em que a Polícia Militar é transformada em milícia do governador, atacando movimentos sociais, invadindo sedes de sindicatos e torcidas organizadas que se mobilizam contra o golpe, que prende pré-adolescentes que reivindicam direitos constitucionais como educação, que bate e planta provas contra jovens que reivindicam o direito à cidade, que protege um pato de borracha e é linha de frente de manifestantes pró-golpe, como se viu na PUC-SP? Pior: que Estado de Direito é esse em que o governador do Estado legitima execuções sumárias extra-judiciais por parte de seus subordinados (isso depois de ter nos anais do Estado uma chacina covarde de 111 pessoas indefesas em uma tarde)? Diante de Alckmin e Alexandre de Moraes, delegado Fleury seria um reles amador. Como diz muitas letras de rap: quer intervenção militar? Vai morar na favela.

Respondo: esse é o Estado Democrático de Direito que vale para a maioria da população: seu voto é uma farsa, suas reivindicações são baderna, suas organizações são criminosas e terroristas, suas vidas, totalmente descartáveis. O que o golpe em curso mostra a nós, classe média branca e titulada, é que vivemos na Terra do Nunca: ainda que não ignorantes, não nos demos conta da real profundidade do Brasil da maioria da população, da precariedade de nosso Estado, de nossa sociedade, de nossa sociabilidade. Também nos sinaliza para aonde devemos rumar: sem uma reforma urgente dos meios de comunicação, seguida de reforma política e de aprofundamento da democracia, o que teremos serão eleições formais a cada quatro anos para decidir quem vai fingir que governa o país. Enquanto isso, os donos do pato riem e lucram.

15 de março de 2016.

O Batman (e não o Robin Hood) junto ao Skaf é simbólico.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Câmara de Deputados 2016: a casa do clichê e da desilusão

Leio no portal da Câmara dos Deputados entrevistas com os líderes dos partidos na casa. Nossa legislação, ao não ter uma cláusula de barreira, permite a bizarrice de partidos sem expressividade e sem qualquer ideologia tenham direito a líder de bancada e toda as vantagens com apenas cinco deputados - parece até propaganda de aparelho de exercício mágico da década de 1990. As breves entrevistas das lideranças são feitas basicamente de clichês sobre tópicos postos pelo governo e ecoados pela Grande Imprensa, já na primeira pergunta, "Quais serão as prioridades da sua bancada em 2016?": ajuste fiscal, reforma da previdência, reforma (sic) tributária, recriação da CPMF, desvinculação das receitas da união (DRU), agenda positiva, crise, impeachment da presidenta da República ou do presidente do congresso. A principal variação é se o discurso fala em "direitos" ou "impostos", o que distinguiria um partido mais à esquerda de outro, mais à direita. No fim, pobreza de idéias e a subordinação extrema ao poder executivo e à Globo e afins impera - incluo aqui o necessário impeachment de Eduardo Cunha, ele próprio já rebaixa a Câmara.
O discurso do líder do PSC, André Moura, parece ser press release da Globo, da Veja ou da Folha. O PSD, fiel à sua filosofia de não ser nem de esquerda, nem de direita, nem de centro, nem a favor, nem contra, produz três parágrafos para não dizer nada. De diferente, apenas a fala de Sarney Filho, líder do PV, sobre a prioridade do partido à caça ao Aedes aegypti; e de Ivan Valente, do PSOL, que lembrou a necessidade de reverter a marcha para o obscurantismo posta em movimento acelerado desde a eleição de Eduardo Cunha. O PPS, partido satélite do PSDB e cada vez mais próximo da extrema direita reproduz o discurso das pessoas felizes comentada pelo historiador Leandro Karnal [http://j.mp/1KEN9hl], pessoas que substituíram cultos como do Papai Noel e do Coelhinho, pelo culto da corrupção isolada: "A crise brasileira, seja econômica, política, social, tem um nome: Dilma Rousseff".

Enfim, me centro na entrevista do deputado baiano Antonio Imbassahy, líder da principal força de oposição partidária ao governo federal, o PSDB. Sem reproduzir o Febeapá dos populares socialistas, ele diz logo a que veio o partido: "trabalhar o impeachment, o afastamento da presidente Dilma a partir de uma convicção de todo o PSDB, das oposições e da maioria esmagadora da população, que com Dilma no Palácio do Planalto o Brasil só vai piorar ainda mais (...). Ela cometeu crime de responsabilidade e, portanto, numa democracia, tem que ser afastada". Mais interessante contudo, é o que ele não diz: que o que anima o partido é unicamente o poder: não possui um projeto alternativo a ser contraposto - seja econômico, político ou para a Câmara dos Deputados, já que ele fala em corrupção -, não fala em transformar o Brasil no paraíso, como Rubens Bueno, nada: fala em disputar a chave do cofre. Inclusive, diz no fim da entrevista: "não dá para o governo federal ficar com essa montanha de dinheiro e essa corrupção exagerada", sem dúvida uma idéia bastante Veja (ou rasa, se preferir) do uso do dinheiro público: ficar com o governo federal, como se esse dinheiro não fosse gasto no custeio da máquina pública, pagando professores, médicos, agentes de controle de epidemias, reforma de estradas, etc. O dinheiro público, montanha ou montinho, não deve ficar em lugar nenhum: deve voltar à população. Teria sido um ato falho, que indica a visão de partido de butim estatal que o PSDB possui?

Não há como não lembrar das manifestações de junho de 2013: grande parte dos analistas atribuiu as manifestações a uma crise de representação política. Essa crise continua e os atuais partidos nada fazem para tentar alterar sua relação com a sociedade e com os poderes. Uma parte dos desiludidos foi facilmente cooptada pelos movimentos das pessoas felizes, encabeçada pela lastimável figura de Jair Bolsonado e logo seguida pelo PSDB de Aécio Neves, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira e Geraldo Alckmin. Outra parte segue à deriva, em busca de um modus operandi político que fuja da burocratização, do ativismo binário, da briga pelo poder ser anterior à briga pelos ideais. Essa parte aderiu ao PT na última eleição por medo de retrocesso e não por acreditar no partido: ela segue em busca e, mais importante, começa a se articular na construção de alternativas - o partido RAiZ Movimento Cidadanista, da deputada Luiza Erundina, tem se mostrado como a principal aposta daqueles que crêem em um outro mundo possível, feito de uma outra forma de política, de uma outra forma de se pôr na sociedade; todos ganhamos se a aposta se mostrar frutífera.

22 de fevereiro de 2016