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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Eleições 2016 em São Paulo: porque Haddad é favorito

Boa parte das análises que li sobre a disputa eleitoral para a principal cidade do país entoam um réquiem para o atual prefeito, Fernando Haddad. Como embasamento para essa visão, as pesquisas sobre a aprovação e reprovação do prefeito, e umas poucas sobre intenção de voto. Ainda que não considere descartáveis pesquisas de opinião, não me fio muito nelas, visto que Ibope, Datafolha, Vox Populi são especialistas em cometer erros retumbantes a cada eleição [http://j.mp/cG151010e], erros que nada têm de inocente.
Recentemente, o Ibope divulgou uma pesquisa, feita em fins de 2015, com a avaliação dos paulistanos sobre seu prefeito: apenas 13% aprovam sua gestam, com 56% de desaprovação [http://j.mp/20laEzr]. Índice que se aproxima dos apontados pelo Datafolha, em novembro do ano passado [http://j.mp/1TgGJqg]. Em comum aos dois institutos, o movimento de queda da aprovação e aumento da rejeição ao longo de 2015. Sobre intenção de voto, pelo Datafolha de novembro, Haddad estava tecnicamente empatado com Datena (PP) e Marta (PMDB) na segunda colocação, atrás de Russomano (PRB).
A despeito desses números, sigo acreditando que Haddad é o candidato com mais chances de vitória no pleito do segundo semestre, por mais que seu favoritismo seja muito tênue. Me explico.

Os opositores à direita
O PSDB, principalmente o de São Paulo, é a incompetência em partido: desde 2000, só duas vezes o partido teve outro nome que não Serra ou Alckmin em uma eleição majoritária, seja para prefeitura, governo estadual ou senado: nas disputas para o senado de 2002 e 2010, com José Aníbal e Aloysio Nunes Ferreira, quando eram duas as vagas em disputa [http://j.mp/cG150105ms]. Diante da falta de nomes novos de conhecimento público, o partido deverá ser figurante: pode no máximo lançar um candidato com vistas a 2018 ou 2020. Outra opção é a de assumir o papel de legenda de apoio, mantendo o discurso anti-PT, para depois negociar cargos. Uma escolha interessante - não apenas para a disputa como para o próprio partido - essa sobre qual linha o candidato tucano assumirá: se vai manter a retórica raivosa de direita, beirando o extremismo, ou vai tentar se construir com um discurso mais ponderado, buscando o centro, a centro-direita - mais próximo do modelo do "catch-all-party" da ciência política. Pode ser uma verdadeira refundação do partido, ou selar o seu fim enquanto opção política democrática para o país (João Dória seria a assunção do papel de legenda proto-fascista, a espera de Luciano Huck para presidente).
Datena desistiu de seu sonho político, e isso tende a favorecer Russomano. Ambos corriam na mesma raia, a de uma classe-média amedrontada com a possibilidade de perder o que conseguiu a duras penas (dizem). Uma classe-média (que vai da baixa à alta-classe-média) sem qualquer formação política - apesar da sua formação superior -, que entende cidadania como direito do consumidor, e defende a ordem e o progresso - na base do pau-de-arara, se for o caso. Datena seria o legítimo cadidato do público do "bandido bom é bandido morto", enquanto Russomano se vende como tendo o perfil de síndico de condomínio, que chama todos à ordem antes de chamar os militares (da polícia ou do exército), defensor do cidadão-consumidor pagador de impostos. Um PSDB desesperado pode tentar buscar os órfãos do Datena; se não o fizer, eles tendem a votar em Russomano, que deve vencer o primeiro turno - até pelo período mais estreito de propaganda política na televisão. A questão é se o candidato do PRB tem fôlego para um segundo turno. Em 2012, tão logo o candidato-sabonete do partido da Igreja Universal resolveu fazer uma proposta política, definhou espetacularmente. O PSDB pode ser seu fiador num segundo turno - mas isso não somaria muito, visto que essa seria a tendência natural dos atuais eleitores tucanos, movidos antes pelo ódio ao PT do que por alguma causa positiva.
Marco Feliciano, pelo PSC, ameaça disputar. Seria interessante ele como candidato, pois se trata de um nome de projeção nacional (graças ao PT!) que apresenta de forma crua o reacionarismo mais perigoso - sua candidatura poderia dar uma dimensão do tamanho da extrema-direita de maior pureza na principal cidade do país. Poucas chances teria, sua candidatura seria mais para ventilar seu nome para o governo do estado, daqui dois anos. Russomano agradece se ele ficar por Brasília.

A oposição com histórico à esquerda
Marta Suplicy deverá disputar com Haddad a segunda vaga para o segundo turno até o último minuto. Política que, a exemplo de José Serra, tem um projeto pessoal (e personalista) de poder, ganhou guarida no PMDB de Temer, Skaf e Chalita, e já demonstrou, em 2008, ao questionar a orientação sexual de Kassab, que não tem peias éticas para alcançar seus objetivos. A grande incógnita que a cerca é o tamanho de seu capital político na periferia paulistana: quanto é dela, quanto é do PT. É isso que vai fazer a diferença - tanto para concorrer pelo PMDB quanto para chegar ao segundo turno. Apesar de ter saído do PT - mais que isso, ter aderido ao discurso de ódio contra o partido -, ela segue como uma petista aos olhos de muitos anti-petistas, que só ousariam votar nela se com isso pudesse tirar o prefeito do segundo turno - ainda assim, é possível que muitos prefiram Haddad à "Martaxa". 
Apesar de ignorado pela Grande Imprensa corporativa, o PSOL é um coadjuvante que não pode ser ignorado. A princípio sem chances de vitória, deve cumprir seu habitual papel de "grilo falante", ser o contraponto às direitas, puxando o debate pelo menos um pouco para a esquerda. Se conseguir politizar o debate, pode ajudar a desidratar candidatos-sabonete ou candidatas-vira-casaca, mas pode também salientar contradições da administração Haddad, a ponto tirá-lo do segundo turno. 
Os demais candidatos, por PHS, Rede, PV, PTB, PDS PSDC, PPS tendem a fazer papel de legenda de apoio do candidato à direita mais bem posicionado.

São Paulo imprevisível
Ao prefeito, enfim! 
São Paulo é uma cidade politicamente traiçoeira: concentra as contradições destes Tristes Trópicos e as põe de modo muito afloradas: de um lado, uma classe-média numerosa e retrógrada, de outro, uma periferia politicamente ativa e relevante. Essa polarização é também visível espacialmente, nos dados sobre os votos em cada bairro da cidade: o centro costuma dar a maioria de seus votos ao PSDB, a periferia, ao PT. E, diante das questões da urbe, invariavelmente alguma significativa parcela da população precisa ser desagradada, para a implementação de políticas públicas.
Haddad tentou quebrar essa polarização, e sua bandeira mais vistosa é a prova dessa tentativa: as ciclovias atendem aos anseios de uma população jovem e descolada, de bom poder aquisitivo e viajada pelas principais cidades européias; ao mesmo tempo, atende também a uma população mais carente, que usa a bicicleta como principal meio de locomoção, principalmente por conta da questão econômica. Ocorre que só ciclovia não vence eleição. A equipe de Haddad sabe disso. Durante seu mandato, o prefeito investiu menos em propaganda institucional e mais em publicidade via redes sociais, nas quais foi vendida a imagem de um prefeito jovem e moderno - que toca guitarra e anda de bicicleta -,  sensível aos problemas "micropolíticos" e defensor das minorias - abordagem não-repressiva dos usuários de droga e ações afirmativas para os transexuais -, engraçado e crítico - que teve na página Haddad Tranqüilão sua principal ferramenta. Pelas pesquisas, o uso intensivo da internet e das redes sociais não teve maiores efeitos na sua popularidade, mas, como dito, não me fio tanto nelas.

A oposição da Grande Mídia
A despeito de tudo o que foi dito acima, o principal problema de Haddad até a eleição - que vem desde que assumiu - será a voracidade da Grande Imprensa corporativa, em seu ódio extremista contra o PT. Não seria problema se a democracia, para além do voto regular, estivesse consolidada no país. Entretanto, a concentração da mídia é uma afronta direta à democracia - curiosamente, desde que a sociedade civil começou a questionar o oligopólio das concessões estatais de rádio e tevê, a imprensa parou de se afirmar como "quarto poder", por mais que não tenha deixa-do de sê-lo. São dois os pontos pelos quais a Grande Imprensa tenta abater o político: na sua relação com a esquerda e na sua capacidade de administração.
Muita coisa ainda está por acontecer até outubro, e Haddad sabe que o caminho é escorregadio. Seu problema mais premente são as manifestações do Movimento Passe Livre (MPL), contra o aumento das tarifas do transporte público. Depois de 2013, em que o problema municipal e estadual atingiu o governo federal, todo cuidado é pouco. Ao compartilhar o poder com o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, político afeito aos direitos humanos da época da ditadura militar - bate, mata, depois pergunta -, a chance de Haddad ser posto como conivente com essa forma de tratar os movimentos sociais é grande, o que o desgastaria com setores de esquerda. Por outro lado, diante da lógica binária que impera em boa parte da sociedade - e principalmente na Grand Imprensa -, defender o direito de manifestação pode ser noticiado como "apologia à baderna", e afungentar um eventual eleitorado conservador de direita não extremista (eu acredito em conservadores de esquerda). Por enquanto ele tem se saído relativamente bem - em termos de marketing político -, ao fazer discurso de governante responsável, e que não pode aumentar os subsídios, pois teria que tirar de outro lugar. Setores à esquerda - como a urbanista Raquel Rolnik ou a ex-prefeita Luíza Erundina - dizem que se trata de uma falácia, pois haveria formas de financiar maiores subsídios no transporte público, a exemplo do que ocorre em outros países do mundo; a Grande Imprensa, agindo como grande partido de oposição ao PT, não perde a chance de fustigar o prefeito, como o portal El País, ao estampar como manchete "Luíza Erundina: 'Haddad não está resolvendo as coisas só porque faz ciclovias'", numa chamada bastante traiçoeira [http://j.mp/1KQ1GGS]. A esquerda não se equivoca em criticar - não deve se calar, como defendem muitos petistas -, contudo precisa ter mais cuidado com os termos e os veículos usados - a direita está pronta para deturpar qualquer frase minimamente dúbia.
Outro ponto fraco do atual prefeito é ser do Partido dos Trabalhadores, depois de todo o processo a la Goebbels de desgaste que a mídia tem impingido ao partido nos últimos doze anos - mensalão, Petrobrás, merenda escolar, palestras no exterior, dinheiro de empresas privadas e públicas para o Instituto FHC, trensalão, nenhum dos casos de corrupção perpetrado por políticos do PSDB mereceu manchete e reportagens intensivas -, não apenas cresceu o anti-petismo, que já era forte em São Paulo, como muitos se desiludiram com o partido - de início por conta da guinada à direita do partido, ultimamente por conta da propaganda da mídia. Ser do PT será usado à exaustão contra o candidato. Entretanto, Haddad tem conseguido ser um novo Suplicy (o Eduardo), ou seja, aparece como estando além do partido, consegue cativar eleitores que não simpatizam e até mesmo odeiam o partido - vale lembrar que Suplicy foi senador por três mandatos, vinte e quatro anos, perdendo em 2014 para José Serra, em uma campanha que apelava para a defesa do "orgulho paulista", num bairrismo vergonhosa e perigosamente tacanho.

Muito por mostrar
Ao começar o período de propaganda eleitoral, Haddad usará de estratégia de marketing mais convencional, enfatizando suas realizações nos seus quase quatro anos de mandato - muitas incorporadas ao dia-a-dia do paulistano que soa estranho pensar que há três anos não havia. São ações que favoreceram tanto o centro quanto as periferias, muitas de baixo custo e alto impacto. Alguns exemplos: os corredores de ônibus, a redução da velocidade nas marginais, que melhorou a fluência do trânsito; o bilhete único temporal, que foi imitado a seguir pelo governo estadual; o fim dos incêndios em favelas, formas alternativas e mais eficientes de abordar o problema de drogas na região central da cidade, assim como menor truculência ao lidar com moradores de rua e vendedores ilegais (ainda que o rapa siga acontecendo, como denuncia diariamente a Pastoral de Rua), um melhor uso dos espaços públicos, com fechamento de ruas aos domingos, sendo a avenida Paulista o grande exemplo.

Concluo reafirmando o que disse no início: Haddad é favorito para vencer as eleições de outubro. Seu favoritismo é pequeno, todos os seus atos serão seguidos de perto pela Grande Imprensa, afoita em noticiar qualquer deslize. Não apenas isso: muito provavelmente ouviremos até primeiro de outubro, véspera do primeiro turno, que Haddad está enfraquecido e dificilmente conseguirá vencer o pleito. Político hábil (nomear Chalita para a pasta de educação foi um belo golpe político), com uma equipe de marketing que parece ter uma estratégia clara de "fidelização" do eleitorado, e várias realizações efetivadas e não divulgadas pela imprensa, uma vitória de Haddad só será surpresa àqueles que observam o mundo pelos olhos de Veja, Globo, Folha e afins.

1 de fevereiro de 2016