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segunda-feira, 21 de março de 2016

Dois exemplos das artes [O Brasil em tempos de cólera e golpe]

Em meio ao país em fervura por conta do golpe (eufemisticamente chamado de impeachment), destaco dois exemplos vindos do mundo artístico.
O primeiro é de Mônica Iozzi, atriz da rede Globo (um dos poucos artistas que sei identificar, por termos freqüentado a Unicamp na mesma época). Confesso que fiquei surpreso com sua atitude: depois de trabalhar com um dos neofascistas mais velhacos da Grande Imprensa brasileira e se tornar uma das mais queridinhas da rede Globo, a atriz preferiu pôr em risco seu futuro na televisão e enfrentar a opinião dos patrões, não somente ao participar de vinheta chamando para os atos pela democracia e contra o golpe, realizados dia 18, como chamando a atenção de seus seguidores do Tuíter para a precariedade da opinião senso comum brasileira, formada com apenas de manchetes do jornalismo viciado da rede Globo. Por ser uma artista ainda em início de carreira e no seu ápice, sua atitude denota não apenas sua gradeza como a situação avançada em que o golpe se encontra.
O segundo exemplo é do também global Cláudio Botelho, que após criticar a presidenta e o ex-presidente em meio à apresentação "Todos os musicais de Chico Buarque em 90 minutos", foi interrompido aos gritos de "não vai ter golpe" por parte da platéia, no sábado. O Estadão noticiou a reação vinda da platéia como fruto de um grupelho que havia ido com a clara intenção de perturbar a peça. Pelos vídeos divulgados na internet, percebe-se claramente que não é um grupo que grita contra o golpe, mas quase metade da platéia. Em condições normais, eu criticaria um espetáculo ser interrompido por discordância política. Como estamos em uma condição excepcional, o ato muda de perspectiva. Vejo a reação do público mineiro como conseqüência direta dos atos de sexta, que demonstraram que os opositores ao golpe são a maioria da população (como disse, o ato deve ser comparado ao pró-golpe de quarta, e não ao de domingo), e que podem (e devem) manifestar sua posição sem receio de serem encurralados e agredidos pelos demais, acusados de párias que rompem a harmonia social. É também uma reação contra o monopólio da narrativa do golpe por parte da Grande Imprensa: tivéssemos uma imprensa plural, que permitisse a voz aos diversos atores e setores sociais, as vaias seriam um ato autoritário - na situação de monopólio da mídia, foi, pelo contrário, um grito pela democracia e contra o totalitarismo autoritário-midiático. A imprensa, claro, vai utilizar o episódio de Botelho como combustível para incentivar ainda mais o ódio dos neofascistas que se comportam como verdadeiros camisas negras do "morolismo global", e amedrontar uma classe média indignada, que é técnica, só tem técnica dentro da técnica, e fora disso é tola - com todo o direito a sê-lo, é certo, mas que não se sabe parva e mera massa de manobra.
Infelizmente, apesar das reações dos artistas e do público, o ódio tende a crescer enquanto a narrativa golpista seguir impingindo a dicotomia PT x moralidade. Ideal que se consiga mostrar que a questão é muito mais complexa, mas se conseguirmos fazer entender aos que se informam pelo JN que o que está em jogo é o Estado Democrático de Direito, e se haveria um dicotomia seria entre democracia liberal-burguesa x golpe autoritário midiático-judicial, já será um grande passo nestes tempos de cólera e cegueira.

21 de março de 2016.


PS: ia publicar este meu texto quando vejo que Iozzi cometeu o equívoco de dar entrevista à imprensa golpista - no caso, a Folha de São Paulo -, que não tem nenhuma ética e distorce falas ao sabor dos seus interesses. Reproduzo seu comentário:

A Folha de São Paulo publicou hoje em seu site uma entrevista feita comigo há alguns dias. Acredito que a edição feita pela repórter não deixou minha opinião clara o suficiente. Por isso, segue abaixo o conteúdo da entrevista feita por e-mail na íntegra.
1) Você é praticamente uma unanimidade entre os telespectadores da Globo e os usuários das redes sociais. Teme que demonstrar seu posicionamento político - ainda que não partidário - possa te prejudicar?
Não. Me sentiria prejudicada se não pudesse expor o que penso. Não posso deixar de me pronunciar só porque trabalho na TV. Sei que muitas vezes serei mal interpretada, principalmente num momento como este, em que o país parece estar dividido apenas entre "coxinhas" e "petralhas". Precisamos parar de nos comportar como torcidas organizadas de futebol e aprofundar a discussão política no Brasil. Participei do vídeo convidando as pessoas para as manifestações deste dia 18 com este intuito. Mas é preciso deixar claro que a ideia não é abonar as ações do PT. A ideia é cobrar que TODOS OS PARTIDOS sejam investigados e julgados de maneira clara, imparcial e justa. E que a imprensa divulgue da mesma maneira as acusações sofridas pelo PT, PSDB, PMDB, etc. O que não vem ocorrendo. Não sou petista, mas não sou cega.
2) Já recebeu alguma advertência ou conselho por parte da Globo a respeito dos comentários que tem feito na internet, sobretudo o que citava o Jornal Nacional?
Não. Minhas redes sociais expõem o que eu penso, de maneira completamente desvinculada da empresa em que trabalho. Usei o Jornal Nacional como exemplo por ser o telejornal de maior audiência do país. Minha intenção ao escrever aquele post foi de questionar como as pessoas vêm se informando. Não sejamos ingênuos. Não existe imparcialidade na imprensa. Todo veículo pertence a alguém ou a um grupo. E estas pessoas tem seus ideais, princípios e interesses. Por isso precisamos nos cercar de toda informação possível. Acompanho Veja, Carta Capital, IstoÉ, Piauí, Folha, Estadão, O Globo, JN, Jornal da Cultura, Jornal da Band, Mídia Ninja, Globo News, Revista Fórum, blogs, etc. Não podemos ser um povo que consome apenas as manchetes. Este debate raso e tendencioso é que vem alimentando a atual atmosfera de ódio, preconceito e intolerância na qual nos encontramos.

sábado, 19 de março de 2016

Sexta-feira: o contra-golpe está na rua, a mentira está no ar.

Meu irmão logo cedo me mandou o editorial da Folha, "Protagonismo perigoso". Achava que pelo menos um dos veículos do golpe de estado tinha se dado conta que Sérgio Moro havia exagerado no seu ímpeto e estava preocupada. Não compartilhei do seu otimismo: a Folha foi apoiadora do golpe civil-militar de 64 e servil aos ditadores do período até o momento em que sentiu que o regime começava a fazer água, quando tratou de pular fora - com isso conseguiu construir sua fama de jornal liberal, progressista e plural, quase de centro-esquerda, que se desfez como diarréia no Tietê ao longo do século XXI -; ou seja, golpista mas antes de tudo oportunista, li o editorial do jornalecão dos Frias como um aviso de "golpistas, volver", ao menos "esperar" - vai que o golpe não vingue e o governo do PT corte sua publicidade em retaliação por seu golpismo. Desconfiei que já vislumbravam um grande ato na sexta, que entornaria ainda mais o caldo para os representados por Sérgio Moro (que não é advogado mas age como, com o adendo de emitir o veridicto sobre a própria matéria que defende).
Sobre o ato de sexta, em defesa da democracia. O filósofo e urbanista francês Paul Virilio comenta que o verdadeiro poder está na rua, quem detém o poder da rua é quem deter o poder de fato - daí o "sistema", o "Poder" trabalhar sempre pelo esvaziamento das ruas através de suas inovações tecnológicas, do urbanismo haussmanniano aos condomínios fechados, dos carros aos shoppings centers, passando pela televisão e pela internet. Isso ajuda a explicar também a diferença de tratamento da polícia militar sob o comando do governador Geraldo Alckmin nas manifestações pelo passe livre ou do MTST e nas contra o PT - um questiona o status quo que o tucano representa e defende com lealdade protestante, sendo encarado como inimigo pela polícia militar, a ser dispersado com violência. Por isso também a tentativa da extrema-direita, inflamada pela Rede Globo e pelo juiz Sérgio Moro, de calar toda e qualquer dissidência, agredir qualquer camiseta vermelha que apareça na frente: mostrar quem domina a rua, quem detem o poder e tentar forjar, na base do silêncio-amedrontado, uma unidade que justifique o discurso de "todo o Brasil é contra o PT", "todos os brasileiros são a favor do impeachment" repetido à exaustão por Globo e pelos políticos golpistas. Levar cem mil pessoas - como inventou o DataFolha - à avenida Paulista foi, como disse Sakamoto [http://j.mp/1TXUADz], um momento de empoderamento da esqueda e dos democratas de todos os matizes e, se não intimida, ao menos deixa claro à extrema-direita que não há uma avenida aberta para eles passarem rumo ao golpe.
Ainda sobre a manifestação de sexta. Jean Wyllys escreveu em seu Fakebook um texto em que explica o óbvio a quem não consegue mais pensar: a transmissão calhorda da Rede Globo às manifestações, ainda mais se comparado à cobertura das manifestações de domingo ou de quarta: não teve entrevista dos presentes, não teve a cobertura integral por parte de nenhum de seus veículos (se tivesse futebol, aposto que não deixariam de transmiti-lo), não teve a fala do Lula ao vivo e sem cortes, pelo contrário, foi um repórter que contou o que o ex-presidente falou. Como questiona o deputado: "passamos dois dias inteiros assistindo sem parar pela televisão, em repetição continuada como no velho cinema, às conversas privadas do ex-presidente (uma espécie de Big Brother involuntário do qual ele não sabia que estava participando) e agora não temos direito, como audiência, público e cidadania, a ouvir o que ele diz num comício com cerca de cem mil pessoas na avenida Paulista? Não é notícia? Qual é o medo? Deixem as pessoas assistirem tudo e tirarem suas conclusões sozinhas!" ("Cadê o Jornalismo?" [http://j.mp/1RbZaIq], recomendo muito!). A Globo não é maluca de divulgar a íntegra da fala de Lula ou de Haddad, ela precisa insistir na visão simplista e maniqueísta de que existem apenas dois lado: o do PT ou o do impeachment. Não por acaso, a Grande Imprensa na maioria dos casos tem falado em "atos em favor de Lula e da presidenta Dilma", quando na verdade foram atos em favor da democracia, em favor das garantias democráticas - de privacidade e de respeito à vontade da maioria. A fala de Lula - assim como a de Haddad - mostraria aos globoespectadores que é possível se posicionar contra o governo sem aderir ao projeto golpista (no grupo de discussão do partido Raiz há um sem número de pessoas que se dizem decepcionadas pelo governismo da maioria dos que apóiam o novo partido). Talvez uma das tarefas mais importantes dos defensores da democracia seja reforçar o discurso de que há mais do que dois lados, de que não coadunar com o golpe (via impeachment ou via TSE) não é aprovar o governo, não é dar carta branca a Dilma: é aprovar o regime democrático, é saber que em 2018 outro governante estará no Palácio do Planalto, conforme a escolha sua e da maioria.

Me estendo sobre a má-fé na cobertura da manifestação de sexta, acerca de algo que ainda não vi nenhum comentário: a comparação entre os atos do dia 18 e as manifestações do domingo. É um cotejar impudente: são os atos do dia 31 de março que devem ser comparados aos do dia 13: para ambos houve tempo para organizar e mobilizar seus partidários - o do dia 13 ainda com propaganda em horário nobre (com sabe-se lá que dinheiro) e transmissão completa pela Grande Imprensa. Dia 18 deve ser comparado aos atos de quarta, dia 16, quando as pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma, com base na sua conversa com Lula. Os atos desta sexta foram organizados às pressas, em resposta à tentativa de golpe, como um primeiro combate: os 100 mil da Paulista (que foram muito mais) devem ser comparados, portanto, aos cinco mil (5.000) de quarta, também mobilizados às pressas [http://j.mp/1SaGF9V]. Me repito: o ato na Paulista a favor da democracia foi vinte (20) vezes maior que o da Globo, o dos apoiadores do impeachment. 
Sem força suficiente nas ruas, os golpistas trabalham duro para dominar o discurso sobre este momento, no intuito de enfraquecer os legalistas e inflar os abarbados fascistóides golpistas com uma massa de cidadãos atolados de boa-fé.

19 de março de 2016

PS: para não me alongar aqui e para dormir, escrevo sobre a decisão de Gilmar Mendes amanhã

João Pessoa (PB), com população equivalente a dois distritos de São Paulo, levou 4 vezes mais manifestantes a favor da democracia que a Globo levou à Paulista contra, na quarta.


Relato da manifestação de sexta (sem maiores pretensões)

Meu plano era ir do início da Paulista até seu fim. Chego à manifestação de sexta às 18h. Até a avenida Brigadeiro Luís Antônio trata-se de uma sexta-feira normal. É a partir da avenida que a CET faz o bloqueio e a manifestação acontece. Logo na esquina da Paulista com a Brigadeiro, três manifestantes apontam a três policiais militares uma janela com a bandeira do Brasil, no alto do edifício Nações Unidas: "foi daquela da bandeira, tenho certeza!", diz um dos manifestantes aos policiais que olham com pouca vontade - afinal, o que é uma tentativa de homicídio que não passou de uma tentativa?, ainda se o objeto atirado tivesse acertado a cabeça de um daqueles comunistas. É o que temo para manifestação, violência dos que se acham do lado do bem contra nós, que nos achamos do lado da democracia liberal burguesa - com tudo o que ela tem de mal. Por garantia, não visto vermelho, mas a camisa do Paraná Clube - até para mostrar que não sou bairrista. Na quadra seguinte é que a aglomeração começa de verdade - e é curioso que o próprio ar da avenida parece mudar radicalmente. Batucadas, gritos de "não vai ter golpe", carros de som, pessoas de vermelho, bandeiras do PT, bandeiras da Dilma, bandeiras da CUT, bandeiras do Brasil. Desisto de chegar ao fim da Paulista na alameda Casa Branca: levo cerca de vinte minutos para atravessar a rua, quase uma hora para avançar uma quadra, tamanha a aglomeração de pessoas próximas ao carro de som onde discursavam políticos e lideranças diversas, e onde poderia acontecer o discurso do ex-presidente Lula. Algumas das falas denunciam o golpe, convocam a manter a mobilização; outros, veladamente cobram o governo federal de abandonar a adesão ao projeto vencido nas eleições de 2014-2016 (levando em conta que a oposição conseguiu forçar um terceiro turno e a gestão Dilma ainda não pôde começar de fato); Haddad faz um discurso ressaltando que não se trata de defesa de um governo ou de um partido, mas da democracia. O público presente vibra com o prefeito, como se as pesquisas de opinião não dissessem que ele é muito impopular. A DataFolha fala em cem mil pessoas, diante de 350 mil no domingo, apesar das fotos - uma ainda do início da manifestação de sexta, outra do ápice da de domingo - não apontarem tamanha diferença de concentração de pessoas - vai ver o DataFolha adota as idéias liberais de Stuart Mill, que dá maior peso ao voto das pessoas de posses, de modo que um manifestante do Jardim Europa vale por três do Jardim Ângela. Enquanto atravesso a rua, é anunciado que Lula comparecerá, sim, à manifestação - o público vibra. Vibrará mais em pouco tempo, quando o ex-metalúrgico subir no palanque. Lula não fala em conflito, mas em respeito - respeito à democracia, ao Estado de Direito, às últimas eleições, ao adversário político. Ele parece crer também que boa parte dos que vociferam junto com a rede Globo contra a corrupção do PT são apenas parvos, e não neofascistóides. Eu torço para que as ações do governo não sejam tão conciliadores - o momento de tensão não convida a instigar ainda mais a população, entretanto nas instâncias legais é preciso fazer valer os seus direitos e os da população que participou da grande farsa da democracia em 2014. Encontro alguns conhecidos ao fim da manifestação, a sensação geral é de certo alívio: não estamos sozinhos, e temos muita força para resistir à "morosidade" da justiça. Em 2016 o golpe não vai ser tranqüilo como foi em 1964.

19 de março de 2016


domingo, 13 de março de 2016

Querem que o Brasil se torne uma grande favela

Há um certo ethos corrente nestes Tristes Trópicos que tento entender, sem muito sucesso. É uma forma de pensar e se posicionar com relação ao mundo, em especial diante do Outro, que me soa absurda - por mais corriqueira que seja. O "complexo de vira-latas", enunciado por Nelson Rodrigues ajuda, mas não dá conta de tudo, pois parece se aplicar melhor à relação com o estrangeiro, em que nos vemos inferiores em tudo - menos no futebol, único momento da nação cantar que é brasileira, "com muito orgulho, com muito amor", apesar que depois daquele lindo 7 a 1... O que me intriga é a forma como essa auto-imagem caquética é reorganizada nas relações entre as classes sociais, no interior do território.
Parece que precisamos o tempo todo de comprovação do Outro de nosso valor, e essa comprovação se dá pela negativa do Outro - que beira a negação, almeja a negação do Outro, mas não sobrevive se negá-lo -, com o regozijo do fracasso alheio (acho que isso se destaca tanto pra mim por meu pai sempre ter combatido essa forma de apreender o mundo, recordo a vez que tentei justificar minha nota baixa comparado à de colegas). Me vem como um exemplo o professor de ética que tive na graduação em filosofia: não perdia uma oportunidade de tentar diminuir seus colegas ou sua desafeta-mor, Marilena Chauí - em compensação, raríssimas vezes foi que demonstrou ter algum conteúdo além de ressentimento e ego. Outro exemplo eu já trouxera em crônica antiga, em que questionava a satisfação desditosa de pessoas abusarem de pequenos poderes, quando tem a oportunidade (como ficar no lado esquerdo da escada rolante propositadamente), que nada acrescentam à sua vida pífia [http://j.mp/cG161009]. Um terceiro exemplo: os tais "privilégios" que muitos se indignam e querem ver abolidos (como os marajás colloridos), na maioria das vezes não passam de direitos legítimos e que deveriam ser extendidos a toda a população - dois meses de férias, trabalho remoto, trinta horas, se tanto, de expediente por semana, salário na casa dos cinco dígitos: isso deveria ser uma possibilidade factível à maioria da população, e não apenas a meia dúzia de togados.
Somos movidos a ressentimentos e, incapazes de nos atribuir uma valoração positiva, sustentamos nossa auto-imagem na derrota do nosso próximo, que nos faz esquecer temporariamente o fracasso que também somos.
Vejo Donald Trump "caosando" nas prévias republicanas. Penso nas tais "pessoas de sucesso" (sem entrar no mérito de que sucesso é esse) daquelas terras, que estufam o peito para contar sua história de vida, que se tornam modelos para seus conterrâneos. Aqui, no Brasil, não teriam vez: seriam vistos não apenas sem admiração, mas com inveja, dessas sangue nos olhos, das pessoas que trazem o olhar sempre atento, sempre esperançoso de uma queda triunfal no próximo passo - "aqui se faz, aqui se paga", justificam. Exceção feita à nossa commodity for export, jogador de futebol, e ao Sílvio Santos. Talvez porque saibamos, ainda que não queiramos admitir, que a mobilidade social no Brasil é para inglês ver e nunca ascenderemos à casta dos senhores da Casa Grande, que nos incomoda os poucos exemplos que confirmam a regra.
Lula, principalmente após a vitória nas eleições de 2002, assumiu com ênfase esse discurso positivo sobre si, sobre seu passado, sua história - ao invés de se fazer sobre o negativo do Outro, como fez FHC. Foi o que recordou no seu discurso após os eventos bananeiros de 4 de março, ao comentar, por exemplo, o quanto cobra por palestra. Um migrante sem nível superior negar o complexo de vira-latas para o mundo? Uma afronta dupla para a classe-média, média-alta brasileira. Para piorar: pressionado, cresceu ainda mais na auto-afirmação de si.
A prisão, seqüestro, condução coercitiva ou que nome se queira dar ao ocorrido com Lula dia 4, além do pedido cafajeste dos promotes do Ministério Público de São Paulo, dia 10, trouxe a uma significativa parcela da população esse prazer pusilânime de ver o Outro se dar mal - mais, de mostrar a esse nordestino petulante seu devido lugar. O que esses brasileiros não se deram conta - porque a Grande Imprensa não entregou mastigado, e seu funcionários são covardes e atiram no próprio pé na esperança de ganhar um bônus no fim do ano - é que aplaudir o ato ilegal contra Lula e o pedido de prisão contra o ex-presidente (independente de a suspeita de corrupção vir a ser confirmada no futuro ou não), é aceitar que a polícia, a justiça e quem mais for aja fora da lei, conforme a conveniência de momento a si e aos seus interesses - banditismo, para usar o termo que Datenas da vida tanto gostam de aplicar aos pretos pobres periféricos. Diante de pessoas acima da lei, corrupção e desvio de dinheiro se tornam problemas menores diante da violação dos direitos humanos e de crimes contra a humanidade. Esses brasileiros, que hoje ocuparam as ruas de várias cidades do país e tem a fé cega de que estão do lado certo, do lado "do bem", podem, mesmo sem mudar de posição, serem vistos como "do mal" pelas mesmas pessoas que agora apóiam, e serem perseguidas, presas, torturadas, mortas - vide Nelson Rodrigues, entusiasta do golpe de 64, até prenderem seu filho.
Mas essas pessoas - classe-média, média-alta, branca, nível superior, moradora de bairros abastados - que vibram com as agruras injustas contra Lula não deixam de ser coerentes: o fazem também quando polícia mata "bandido", quando prendem preto pobre periférico em poste, quando chacinam craqueiros, quando prendem e espancam sem-terra e sem-teto. Sua ignorância crassa (apesar do diploma da USP) não permite que entendam que a igualdade é boa quando estão todos sob o abrigo da lei, e que quanto mais direitos todos tiverem, melhor. Só enxergam sua realidade mais estreita, por isso acham sublime a igualdade que rebaixa todos ao seu nível, que põe seus iguais junto a eles, como moradores da senzala. Seu ressentimento não permite que percebam sua verdadeira condição: acham que por serem escravos domésticos e servirem diretamente a mesa do senhor, não são escravos. Se achavam ruim Lula ter transformado aeroporto em rodoviária, mal esperam a vez de Globo e Moro transformarem o Brasil todo numa favela - terra sem lei, em que o Estado é tão criminoso quanto o dito "bandido", onde ninguém tem direito a nada, onde todos são suspeitos e não há para onde correr.


13 de março de 2016

segunda-feira, 16 de março de 2015

Uma conversa banal sobre o 15 de março [Qual gigante acordou?]

Dois respeitáveis senhores, bem vestidos, sem espalhafato, num mercado da zona cerealista, em São Paulo, conversam sobre os protestos contra a Dilma, no dia anterior. São contra o PT, e isso soa óbvio. Na ala de bebidas do estabelecimento, talvez parte da explicação: o governo que diz que a inflação está sob controle, como justifica um reajuste de quase vinte por cento em dois anos, em uma garrafa de conhaque Louis XIII: de nove mil e quinhentos para onze mil e duzentos reais (nunca tinha visto tudo isso de número em víveres, o que muito me impressiona, toda vez que vou a essa venda)? 
Mas é a conversa entre ambos que realmente me impressiona:
Viu a Dilma, ontem? Tomou no cu - fala, polidamente, o primeiro.
Pois eu achei é pouco: tinha que queimar ela em praça pública - responde, muito cordato, o segundo.
E eu com meus botões me pergunto como falar em democracia com gente que tem mentalidade da época da inquisição medieval.

16 de março de 2015

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A rua – local político

São sete e meia da noite de uma terça-feira qualquer. Não chove mais, faz frio. Na Paulista, em direção ao seu início, umas vinte pessoas ocupam uma pista da avenida com um protesto pelo “Padrão Fifa na educação”. Entendo o motivo da manifestação: educação, não resta dúvida, é importante – e não apenas porque agora viveríamos numa pretensa sociedade do conhecimento, como apregoam na mídia. Entendo também o slogan do “padrão Fifa”. Desconfio, contudo, que a profundidade dos manifestantes sobre o assunto seja a mesma do slogan: o que seria o tal padrão Fifa? Aulas iguais para todos os alunos de todo o território nacional, seguindo os parâmetros curriculares da Suíça? Uma educação pasteurizada, sem qualquer identidade, destruidora de identidades, mas com alguns recursos a mais? Os alunos ficarem mais tempo na escola, como não fazem na Finlândia? É preciso uma discussão ampla sobre o papel e os objetivos da educação, para então discutir os métodos. Claro, começar com um aumento nos investimentos, principalmente no salário dos professores, é um imprescindível começo. Porém, mais sensato seria defender o “padrão Felipão” de salário para professores da rede pública de ensino básico. Contudo, como cartaz divulgado: “os protestos não são contra a seleção, são contra a corrupção”. E seleção brasileira, CBD, toda nossa cartolagem, com Marins, Teixeiras, Petraglias, Sánchez, são exemplos notórios de pessoas ilibadas.

Na mesma hora, na mesma avenida, mas na direção contrária, um grupo um pouco maior – uma sessenta pessoas? – atravanca a avenida e o obriga o trânsito a ser desviado. De início o protesto é contra o pastor Feliciano. Talvez por não estar angariando o apoio esperado, resolvem mudar o grito para “Vem para a rua, vem, contra o governo”. A nova jabuticaba tupiniquim, os “sem-partido com partido”, que prega a união nacional sem fissuras e sem divergências. Recém havia trocado mensagens com uma amiga, sobre a manifestação de sexta contra o político do PSC, e meu receio (na verdade, escaldo) em participar dela era ir para uma manifestação e acabar engrossando outra, diferente, quando não de bandeiras opostas às que defendo ou simpatizo.

No vão do MASP, outra manifestação: não caminha, tem mais vulto, tem discurso. Se bem entendo, é dos movimentos sociais – não sei se diretamente ligados, mas o discurso pegava carona nos protestos feitos pela manhã, em três locais da periferia de São Paulo. A moça que tem a palavra fala do descaso da mídia para com as manifestações organizadas das pessoas marginalizadas – mesmo depois do abraço da Grande Imprensa ao protestos da semana passada. Tenho a impressão de que conheço a moça, do DCE-Unicamp-Psol e eleições campineiras. Mesmo que não seja, me bate uma tristeza ver que estou quase defendendo uma turma abertamente corrupta (frauda eleições estudantis para manter um naco ridículo de poder, por exemplo [http://j.mp/137E1uP]), por sentir necessidade de me opor ao movimento fascistóide que tomou a Paulista, dia 20.

Por falar em corrupção, se a direita soube se aproveitar da movimentação levantada pela esquerda, essa não soube pôr suas bandeiras nas vagas indignações daquela: sejamos todos contra a corrupção: além de prisão para os corruptos, por que não expropriação das empresas corruptoras em favor dos seus empregados? Um ano e o Brasil se tornava uma república proletária como nunca visto antes no mundo.

“Essa meia dúzia de gato pingado dava pra ter feito o protesto na Santos, não precisava ser na Paulista”, ouço dois transeuntes conversando. Um mês atrás aposto que essa frase seria sensivelmente diferente. Até agora, me parece que o principal legado dos atos agitados pelo Movimento Passe Livre em São Paulo tenha sido o de quebrar com a noção de ordem que prevalecia na opinião geral, muito próxima da ordem ditatorial: trancar rua e atrapalhar trânsito com protesto era coisa de baderneiros, caso de polícia e porrada; agora, apesar de incomodar, é aceito como legítimo, não merece mais esse tipo de desqualificação e tratamento. A rua – em São Paulo, a avenida Paulista – passou a ser aceita como um espaço de disputa política. Mais: a política passou a ser aceita – talvez mostrando esgotamento não do Lulismo, antes da tecnocracia posta pelo tucanato, seguida pelo petismo, defendida pela Grande Mídia. Se manifestar no mundo real, fora do Fakebook, passou a ser aceito como parte do jogo político – seja para se opor ou para defender a ordem, ainda que os gritos sejam sempre de “contra”. Claro, há quem se oponha ao diferente, mas eles são minoria (ainda que muito bem organizados).

Ponto positivo nas ocupações deste dia vinte e cinco: contrariamente ao ato do dia 20, as diversas manifestações que presenciei se organizaram por conta (não pegaram carona em uma maior), gritavam suas reivindicações e não tentavam calar as demais. Havia, portanto, espírito democrático nelas. Ao mesmo tempo, me ponho a questão: quanto tempo vão durar essas manifestações etéreas, organizadas e com a participação de pessoas que não tinham o hábito da rua como local político – e, creio eu, nem da política em local algum, fora da cabine de votação, no máximo dos comentários em blogues? E, principalmente, me pergunto quanto tempo vai durar essa percepção de manifestações de rua como legítimas em uma democracia. Se perdurar tal visão, será um passo importante para, quem sabe um dia, deixemos de ser uma mera democracia pro-forma, tal qual hoje.

São Paulo, 26 de junho de 2013.



sexta-feira, 21 de junho de 2013

A internet ocupou a Paulista.

Pouco depois das 21h do dia 13 de junho de 2013, após subir por uma Augusta cheia de lixo e restos de alguns focos de incêndio, eu chegava ao cruzamento com a Paulista. Havia uma névoa das bombas de gás lacrimogêneo no ar. O choque estava a uma quadra de distância e vinha em direção à Consolação, distribuindo balas de borracha e bombas democraticamente, sem distinção de cor, gênero, opção sexual, renda. Manifestantes, curiosos e moradores de rua eram obrigados a correr. Dois partidos ali estavam bem representados: os contestadores e os defensores da ordem.

Dia 20 de junho de 2013, chego na Paulista com a Augusta pouco depois das 21h, após percorrer a avenida mais importante de São Paulo desde seu início. Há fumaça de churrasquinhos. Ambulantes também vendem cerveja. Na Hadock Lobo, dois carros de cachorro-quente. A polícia está ali, sem nada para fazer com aquele excesso de contingente. Dois partidos? Nada: integração! O povo é um só! O clima, comparado ao da quinta-feira anterior, é outro, é certo, mas está longe de ser a festa unânime que tenta aparentar.

Uma semana depois do excesso de excessos da polícia militar, dois dias depois da omissão da mesma polícia militar no início da manifestação e de truculência no seu final – pouca gente viu ou soube, há algum registro no twitcasting do pos_tv [http://twitcasting.tv/pos_tv] –, vejo manifestantes tirando foto ao lado de policiais militares, a poucos metros dos integrantes do Movimento Passe Livre. De duas uma: ou há uma revolução, ou há uma farsa.

Passo uma primeira vez pela manifestação, logo em seu início – temporal e espacial. Vejo uma faixa de “Fora Alckmin”, bandeira de “Todos contra a corrupção”, muitas pessoas com caras pintadas e enroladas em bandeiras do Brasil. A estas últimas, dou um desconto: como li comentário de amiga no Fakebook: há gente que só conhece manifestação de dia de jogo na Copa e a única referência que tem de protesto político é o “Fora Collor”. As outras duas, algo me diz que não estão no seu devido lugar – ou, como passarei a achar depois: eu não estou no meu devido lugar.

Na República e Cracolândia, onde vou bater um rango com uma amiga, a vida segue normal. O garçom comenta a goleada da Espanha, a feirinha dos barrados do baile acontece na São João, como sempre. Há mais policiais militares do que de costume, mas não vejo carros da Rota, diferentemente da quinta passada. O clima é bem mais leve – e não só porque a manifestação começou longe dali: quinta retrasada, no primeiro ato do Movimento Passe Livre, o clima já era tenso na República.

Volto com minha amiga pra Paulista. Ela acha positivo as pessoas na rua, mesmo que estejam ali por motivos aleatórios, mesmo que tenham ido mais pra ver como é que é. Tenderia a concordar com ela: pessoas na rua, em contato umas com as outras, é oportunidade de diálogo e de convivência com o diferente. Contudo, algo me enrosca essa noite.

A primeira impressão é de que está parecendo a parada gay sem trios elétricos, com blocos no lugar. Vemos alguns vários. Há o bloco dos “Fora Dilma”. Há o dos “Pela democracia – Fora PT”. Há os “Contra a ditadura” (que gritam, “quem não pula quer PT”). Há um contra o Lula (querem tirar ele do New York Times, será isso?). Há os contra a corrupção (e quem é a favor para precisar de um ato?). Há os “Fora Renan”. O grito, não é de se surpreender, é um só: “Vem pra rua, vem, contra o governo”. Sem qualquer organização, munidos de toscos cartazes de cartolina – os acima possuíam faixas feitas em gráficas com ótima qualidade de impressão –, passávamos por vários manifestantes contra Feliciano e a cura gay. Amigo meu depois disse que havia ainda um bloco de anarquistas. O “Fora Alckmin” que vi no início, não viria mais, nem na ida, nem na volta da Paulista. Em compensação depararia com cartazes “Pela vida, contra o aborto”. Leio na internet que, logo no início, havia também um bloco das esquerdas – escorraçadas por portarem bandeiras de partidos, afinal, o povo é um só. Vejo, no fim da Paulista, que há também, como já disse, o bloco do Movimento Passe Livre, praticamente insignificante no ato que ele próprio chamou. Ah, sim! Havia também uma grande faixa que indiretamente se punha contra o passe livre, ao pregar o fim dos impostos.

Em casa ficaria sabendo das agressões contra aqueles que manifestavam positivamente sua preferência política. “O movimento é apolítico”, justificavam – porque manifestar negativamente contra o PT não é partidarismo. Expulsaram aqueles que estavam desde o primeiro ato reivindicando: haviam apanhado da polícia militar, agora apanhavam de civis. A idéia era construir um povo só, unido e unânime, e para isso se valiam de truculência maior do que a do Choque: porque a tropa de Choque reagia com bombas, mas não calava vozes; a PM teve suas ações (fardadas) documentadas e expostas àqueles que achavam que vândalos eram os manifestantes. Ali, no meio da multidão, os grupos anti-esquerda, muito bem organizados, se sobrepunham a qualquer voz dissonante – com fogos de artifício, se preciso. Com agressões e fogo nas bandeiras, se ainda insistissem. O clima era para ser de comunhão: cante com todos ou caia fora. Preferi sair – o quanto antes. Mesma sensação teve o amigo que mora comigo, que chegou logo depois. Tudo me cheirou a golpismo – e eu espero ser uma impressão muito equivocada, causada pela emoção da noite.
Afinal, como diz um dos cartazes desse Gigante que acordou: não é contra a seleção, é contra a corrupção

Supondo que o cheiro de golpe seja delírio meu e de meio milhar de amigos meus, não resta dúvida que o ato deste dia vinte de junho foi uma grande derrota. A começar que a massa de pessoas – que nas primeiras quatro manifestações do passe livre se guiava por São Paulo, enfrentando a polícia militar, o Estado, os políticos, o trânsito, a nossa vida quotidiana de pequenas frustrações – se tornou uma massa de manobra: eram bois que passeavam pela Paulista e reprimiam quem não mugisse como eles – adestrados nos comentários raivosos de internet, regurgitando preconceitos, babando agressividade gratuita (que não era vandalismo, porque pessoas não podem ser vandalizadas, conforme a Grande Imprensa).

Isso por si já seria uma derrota acachapante. Havia mais: a esquerda calada, o movimento passe livre marginalizado, ambos acuados.

Não apenas isso: aquela sensação de insatisfação difusa contra as condições de vida – a vida pobre de viver para trabalhar, a vida precária de cada um em sua bolha, a vida insuficiente que tenta se bastar pelo consumo – rebaixada a uma disputa entre partidos, e a política, novamente, reduzida a uma parte dela, a institucional-partidária – a parte mais precária (e mais visível) da política quotidiana. Fora Alckmin, fora Dilma, fora Lula. Fora Feliciano, fora Fifa. Alckmin pode ir. Para pôr o que no lugar? Palocci? Skaf e a bandeira brasileira projetada na Fiesp? Fora Dilma para entrar quem? Temer? Serra? Fora Feliciano? Feliciano é mosca na sopa: tem Bolsonaro (que elogiou as manifestações do dia 20, não por acaso), tem Garotinho, tem Marina Silva, tem uma série de políticos de conservadorismo extremo para ocupar seu lugar. “Vem pra rua, contra o governo”, não contra o Estado: tudo pode continuar como está, desde que mude o nome de quem manda. Debate sobre mobilidade urbana? Sobre contratos entre poder público e poder privado? (Amigo meu disse que as vaias do passe livre em frente à Fiesp foram duramente combatidas). Debate sobre direito à cidade? Sobre uso da rua, dos espaços públicos? Debate sobre prioridades dos governos? Discussão sobre a extinção da polícia militar? Contestação da forma de democracia representativa? Todos esses pontos, que em alguma hora foram levantados nas últimas duas semanas, morreram na alegria ufanista (proto-fascista) que não tolerava diferenças – desconfio seriamente que a marcha para Jesus deva ser mais democrática do que se tornou a manifestação de hoje.

Contrariamente a uma semana atrás, hoje, quando passei no cruzamento da Paulista com a Augusta, não havia dois partidos se expressando na rua – e a polícia militar estava ostensivamente presente.

São Paulo, 20 de junho de 2013.

ps: o ato era tão contestador que não só a Fiesp ajudou com seu prédio verde-amarelo, como também o banco Safra, ao liberar seu sinal wi-fi ao manifestantes.

ps2: conveniente pro momento:

ps: conveniente para este momento:

"Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem.
Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.
Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais.
A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional, na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País."

quarta-feira, 19 de junho de 2013

É mais do que vinte centavos – é menos do que contra tudo

Alguns elementos ajudam a explicar a perplexidade da Grande Imprensa para com os atos que agitam São Paulo há duas semanas e avançaram com força Brasil adentro esta semana. Um deles, muito comentado, é a falta de lideranças nos moldes típicos de sindicatos, partidos e organizações afins: os tais líderes do Movimento Passe Livre têm pouca ascendência sobre a massa que se reúnem ao seu chamado – resultado do angariamento de pessoas ter origem na internet e não fruto de um trabalho de longa data de “conscientização”. Um segundo é a ausência de bandeiras claras – demorou para os ideólogos da Grande Imprensa se darem conta de que vinte centavos não eram o motivo de juntar tanta gente. Soma-se a isso que outro fato incomum é seu caráter não-reativo. Nos últimos dez anos, desde a chegada do PT ao executivo federal e conseqüente desarticulação dos movimentos sociais organizados, o que se vê são movimentos reagindo a pautas postas desde cima, pelos governos de turno – as poucas exceções que lembro são alguns movimentos de minorias e os movimentos por moradia, apesar d'estes só terem conseguido visibilidade quando num momento de luta reativa, a desocupação de Pinheirinho, em janeiro de 2012.

Os tais vinte centavos foram tão-somente o estopim para uma insatisfação generalizada, que não possui foco claro – é uma insatisfação com a situação social do país. Os motivos (em um primeiro momento) são muitos, variados e até mesmo contraditórios. Isso não desmerece o movimento, pelo contrário. Pode prejudicá-lo, é certo: a massa de pessoas, não estando sob o cabresto de uma ou algumas lideranças, tão fácil se aglomerou, tão fácil pode se dispersar. Ou pior: pode achar quem dê as rédeas da situação. Por outro lado, a ausência de uma vocalização clara do que querem atrapalha os movimentos dos donos do poder: o que atender, com quem dialogar? (Com todos, como se vivêssemos literalmente em uma democracia?). Na década de 1960, Herbert Marcuse já levantava que uma das formas de enfraquecer movimentos reivindicatórios e a tomada de consciência era identificar problemas pontuais e saná-los (a genérica “insatisfação pelas condições de vida” viraria um problema de baixo salário ou de transporte público).

Na ausência de bandeiras definidas, a Grande Imprensa e os donos do poder vão tentando impôr as suas – aquelas cheias de boas intenções que servem para mudar absolutamente nada. É o que comenta com propriedade Paulo Motoryn: “a grande imprensa já está mobilizada para maquiar o movimento de acordo com um ideário conservador” [http://j.mp/15kmj30]. Apesar do estopim ser o reajuste nos transportes públicos, não é contra o aumento do custo de vida, como foi dito no Jornal Nacional. Não é contra a corrupção, como tentam definir e confinar os protestos, pois como Alex de Castro fala em seu artigo “O problema com o movimento anti-corrupção” [http://j.mp/11ZS6Zd]: existe alguém abertamente pró-corrupção? Se o motivo para tantos irem às ruas fosse esse moralismo rasteiro apregoado por Veja e seus novos (não tão novos) seguidores diários – Folha e Estadão –, desde o início da república não sairíamos dela. As reivindicações por migalhas, contra bodes expiatórios, até juntam algumas pessoas, mas não duzentas mil.

Se não consegue seqüestrar, esvazia-se. Se as reivindicações não viram à direita, que sejam todas, a ponto de não ser nenhuma. “Contra tudo”, como foi capa da Folha. O esvaziamento do discurso pode ser sentido em uma presença vazia de conteúdo nas manifestações: me chamou a atenção no ato de segunda uma foto publicada pela Folha, de uma família que fora até o largo da Batata “protestar” com um cartaz com dizeres algo como “filho, pai, avô presentes no ato”. No ato de terça, na Paulista, li alguns relatos no Fakebook (não estou em SP para acompanhar in loco) de que o protesto de tão pacífico se tornara uma micareta, praticamente um aquecimento pro jogo da canarinho na copa das confederações, com direito a ufanismo e ambulantes. Caras pintadas enrolados em bandeiras do Brasil são uma excrescência que logo deve ser alçada pela Grande Imprensa como a cara das manifestações.

A questão não é tirar essas pessoas dos atos, antes como fazer com que essa participação seja minimamente pensada e sentida como protesto. Com ou sem partidos, os atos motivados pelo Movimento Passe Livres são políticos, aberta e escancaradamente políticos. Retomar métodos da esquerda tradicional, como vejo em análises pela internet? Defendo antes a derrota do movimento do que seu retrocesso.

Chama a atenção que dos movimentos que chamei de não-reativos, ou seja, que conseguem impôr uma pauta de discussões e não seguir a ditada pelo governo, dois deles, o movimento por moradia e o passe livre, são movimentos urbanos – papel que durante a década de 1990 foi do MST. E é do passe livre que sai o estopim para esse levante que ainda deixa a todos perplexos.

Não acho que os manifestantes sejam incapazes de compreenderem a ligação dos problemas locais com questões globais – talvez preguiçosos, admito. Entretanto, grandes temas não conseguem mais mobilizar como faziam até meados do século passado. São problemas pontuais, ainda que longe de serem problemas menores, que abrem para uma questão mais ampla: a da cidade. Penso que talvez esteja aí uma das chaves para compreender esse movimento e possíveis desdobramentos na política institucional. Não chega a ser plausível, por ora, mas dá pra sonhar em ver políticos no cargo de prefeito não abandonando a prefeitura por cargos mais “nobres”, nas esferas estadual e federal: a política (em qualquer nível) como vocação e não como carreira e profissão.

*

Sobre os acontecimentos não-pacíficos das manifestações desta terça-feira. Eu comentava antes do ato de segunda que a briga era pela opinião pública. A pecha de vândalos e violentos migrou dos manifestantes para a polícia militar e o governador Geraldo Alckmin. Eu chutava que a tentativa seria taxar novamente os manifestantes de arruaceiros. Eu arriscava: “é bem provável que a ordem do governador Alckmin e seu secretário de segurança pública (sic), Fernando Grella Vieira, seja infiltrar mais homens do que geralmente ocorre. A solitária pedra que citei em outra crônica terá a companhia de outras, e pode ser o estopim para a polícia militar reprimir com 'rigor' manifestantes que nada tem a ver com policiais à paisana. Ou pode ser que a polícia não use de toda a violência do dia 13, apenas o suficiente para inflamar os ânimos amainados de alguns, e deixe o 'vandalismo' correr solto. Diga-se de passagem, os tais atos de 'vandalismo', supondo terem sido cometidos pelos manifestantes, são bem leves e ordeiros: barricadas com lixo são necessárias para atrapalhar o avanço da polícia, e a quebra de vidros é coisa pouca, perto do que uma multidão pode fazer. Mostra disso é o respeito às vacas sagradas brasileiras – os carros –, que seriam barricadas bem mais eficientes”.

Respeitaram o ato de segunda: talvez porque seria dar muito na cara infiltrar homens logo no primeiro ato após aquele que descortinou quem eram os violentos na história. Para a sexta manifestação, usaram um pouco de cada tática que levantei: alguns infiltrados para agitar alguns mais exaltados – sempre há – e a omissão da polícia militar para dar conta dessa meia dúzia. A completa ausência da polícia militar só pode ser ter sido deliberada – ou então é de uma incompetência que justificaria sua extinção até por aqueles que a defendem. De qualquer forma, a inação dos fardados não foi menos incompetente (mesmo para seus objetivos), e o recado que fica é que parece que a polícia militar só sabe agir com violência – do contrário, não age.

Os atos de vandalismos desta feita foram muito diferentes de todas as outras: nas demais aconteceram quando a manifestação estava em estágio mais avançado e, salvo na quinta, em reação à truculência da polícia militar. Os atos contra a prefeitura aconteceram logo no início, puxados por uma meia dúzia que se movia com desenvoltura e poderiam ter sido impedidos muito facilmente – se as forças de segurança não tivessem se omitido.

Os demais atos que se seguiram, nada mais que conseqüência do primeiro. Achar que a partir dali a polícia militar, o Estado, ou qual outro órgão da “ordem” que possa estar interessado em causar tumulto não esteve presente soa certa ingenuidade: conforme o portal Ig, no “minuto a minuto” das manifestações: “o prédio onde fica a agência bancária incendiada foi um antigo hotel. Nele há uma ocupação de sem-tetos. Aproximadamente 300 pessoas moram no local, mas não há informação de feridos”. Com centenas de agências bancárias pelo centro da cidade, os “vândalos” acertam de incendiar justo a de um prédio ocupado pelo movimento de luta por moradia? É um senso de coincidência muito grande por parte dessas pessoas!


PBco, 19 de junho de 2013.