Mostrar mensagens com a etiqueta Operação Lava Jato. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Operação Lava Jato. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

O machismo da Lava Jato

Max Weber, balizado pela noção kantiana de uso público e privado da razão, desenhou seu burocrata ideal-típico, algo próximo de um parafuso eficiente e resignado (e satisfeito?) na máquina bem azeitada do Estado. Gyorgy Lukacs tomou emprestado a construção do amigo para fazer uma análise crítica do capitalismo, em especial do seu sistema de justiça racional, pautado pela previsibilidade dos resultados, independente de quem julga. Os seguidores das concepções do filósofo húngaro (dessa fase) - Adorno, Horkheimer, Marcuse, Debord e outros - aprofundaram a crítica, pondo esse princípio de cumprimento de dever baseado na razão pública como esteio do horror nazista tanto quanto o mecanismo que sufoca e asfixia a vida do cidadão comum na sociedade burocratizada, controlada e codificada do capitalismo tardio - não apenas os funcionários do estado, que o diga o atendente do McDonald's padronizado até na forma como segura o esfregão para limpar o chão.
A noção de uma justiça racional e de um corpo burocrático dotado de uma “ética pública” que se sobrepõe às preferências e valores individuais não chegou a se efetivar plenamente em lugar algum, mas nestes Triste Trópicos ganha ares de alucinação, tamanha a distância entre a prática e esse ideal normativo: aqui não se trata apenas de interpretar a lei conforme a situação (ou o rosto do "cliente"), mas de inventar leis e crimes conforme o desejo do juiz - que o diga os "atos de ofício indeterminados" que garantiram o "triunfo da vontade" do então juiz/justiceiro Moro e sua equipe de procuradores delegados e outros agentes do estado, personificação de uma parcela da elite brasileira (e seus lacaios/sicários).
Na justiça brasileira a concepção de um juiz aplicador de leis decididas por um legislativo representativo da população, uma peça na engrenagem, não faz sentido, e nem precisa dos holofotes que Moro teve: cada juiz uma constituição, um código penal, um código civil: a depender da vara, um processo sairá vencedor ou perdedor, praticamente independente do que diz a lei e do que é argumentado pelo advogado - e muito dependente de quem é o impetrante.
Curiosamente, as duas juízas que ganharam destaque com a Lava Jato se comportam como peça numa engrenagem, seguem o que foi determinado com destemor. Infelizmente a determinação não se baseia nas leis, pelo contrário, está em contradição a elas, por temor da desaprovação das hostes fascistas - daí seguirem os mandos e desmandos do chefe desse “estado dentro do estado”, hoje ministro da justiça (sic). 
Recordo que ao aceitar ser ministro de Bolsonaro, muita gente se surpreendeu com o fato de Moro ser capaz de se comprometer com um governo abertamente machista, misógino e homofóbico. Sede de poder foi a explicação que pareceu mais razoável - poucos foram os que apontaram identidade de visão de mundo entre Moro-Lava Jato e Bolsonaro: havia apenas diferença de modo de apresentação das convicções (se um tosco power point ou uma verborragia agressiva tão tosca quanto).
O comentário de Moro, palhaço augusto do presidente (ele que se achava O branco em Curitiba), no Twitter, sobre a lei Maria da Penha, apenas reforça que a identidade com o capitão expulso do exército não está apenas no ódio ao "esquerdismo" (seja lá o que significa no fascismo tupiniquim), à democracia e ao estado de direito, está também na visão que tem das mulheres. Isso ficou explícito no tuíte, mas pode ser observado na Lava Jato e na #VazaJato. 
Disse o herói dos fascistas: “Talvez, nós, homens, percebamos que o mundo está mudando e, por conta dessa intimidação, infelizmente, por vezes, recorremos à violência para afirmar uma pretensa superioridade que não mais existe”. Nem cabe aprofundar nesse besteirol. Apenas ressalto que, para sua sorte, as mulheres do seu entorno não os intimidam, de modo que os homens podem manter sua pretensa superioridade que não existe mais - mas segue existindo e não apenas como pretensa, nas práticas do grupo. E isso sem espancamentos, veja que avanço civilizacional!
Na República de Curitiba poucas são as mulheres com alguma voz. Melhor: poucas são as mulheres. Conforme o site do MPF, de 19 procuradores que já integraram a força tarefa em Curitiba, apenas quatro são mulheres. Nunca em papel de destaque, e ainda substituídas a pedido do chefe, por ser muito fraca, como o caso de uma das procuradoras. Voz das mulheres, só as que ecoam a voz dos chefes - homens, brancos, heterossexuais (ao menos para o público): a elas cabe o papel subalterno, submisso - visão afim tanto ao nazifascismo “clássico”, do século XX, quanto ao do atual chefe de Estado do Brasil, quanto aos princípios bíblicos defendidos por agentes públicos “terrivelmente evangélicos”: lembro a história dos pais de um amigo de infância, que frequentava a mesma igreja que Dallagnol (sim, fomos paridos na mesma terra), cujo marido cobrou submissão da esposa ou o divórcio. Entre ajudar a cuidar da mãe doente ou preparar o jantar para o macho provedor, amparada pelo pastor, ela se manteve servil ao marido. A forma como os procuradores falam em usar as esposas como laranjas nem parece estar lidando com alguma pessoa, muito menos próxima: é um instrumento para lucrar dando palestras motivacionais de empreendedorismo (com que experiência?).
Quando as mulheres assumem algum protagonismo, o fazem de maneira masculinizadas e abusando da perversidade - lembram os casos dos judeus postos para cuidar dos campos de concentração, que se mostravam mais firmes que os nazistas. Não surpreende: são mulheres e precisam compensar o que seus colegas vêem como "falha". Recebem reforço positivo das hordas fascistas (em pesquisa no DuckDuckGo, sites de direita falam que as juízas do caso seriam exemplos de "empoderamento feminino"), mas sua perversidade e sua grosseria desmedida apenas sinalizam sua insegurança, indicam o quanto sabem valer nada fora do cargo, da aceitação do chefe e dos outros machos da horda, e da função que ocupam por causa dessa submissão ao todo poderoso Moro/Globo. Negar a humanidade do outro a ponto de pôr sua vida em risco - transferindo Lula para um presídio comum ou levando Cancellier ao suicídio - é a assunção implícita de quem tem sua humanidade negada, que elas são vistas como meio, e aceitam isso como destino, exultante de serem instrumentalizadas para fins outros - e não se trata aqui de razão pública, mas de negação da razão prática, em falta de toda ética, até a do crime. Impingir ao outro o sofrimento que sofre é uma forma de tentar compensar a própria impotência - mas a impotência segue. Não precisava ser assim, afinal são pessoas bem formadas (em tese), com toda estrutura para terem um pensamento crítico e reflexivo - não mero reflexo acrítico das estruturas patriarcais que as violam.
Diferente da experiência alemã de 1930/40, não se trata do paroxismo do princípio weberiano do burocrata racional, mas da sua perversão.

09 de agosto de 2019

PS: Talvez alguém tenha notado que o nome das mulheres não aparece aqui, foi proposital diante do papel que aceitaram assumir.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

#VazaJato: por onde vem, para onde pode ir?

O escândalo da #VazaJato, envolvendo judiciário, MP, mídia - enfim, setores das elites nacional e internacional -, traz aspectos inéditos para a correlação de forças nestes tempos ditos "da informação". Informar há muito não é apenas informar, é parte de estratégia de guerra, de desestabilização, tomada e perpetuação no poder. Houve tempo em que essa estratégia podia ser manipulada com o ocultamento da informação - como quando no golpe civil-militar de 1964 -, uma vez que a mídia corporativa e o estado detinham quase que integralmente a capacidade de comunicação de massa, fazendo com que as forças populares ficassem em desvantagem na contestação da verdade oficial e na construção de uma contranarrativa, por conta de seu tempo de difusão da reação mais lento. Não raro isso era trabalho para uma geração. Em tempos de internet, a força desse oligopólio diminui, sem necessariamente acabar - e sem necessariamente isso implicar em democratização. Ainda assim, a internet não tem mais permitido um controle do que é divulgado e do que é escondido, forçando outras estratégias de manipulação diante da exibição (ainda que apenas em potência) de tudo a todos. A extrema direita soube se aproveitar dos novos meios de comunicação e capturar suas possibilidades - com a complacência dos liberais esclarecidos do Vale do Silício, que não perdem dinheiro em nome de convicções políticas -, ao se aproveitar da avalanche de informações vindas de todos os lados para jogar com fake news e propôr a leitura da realidade em termos estritamente de convicções, sem provas - como dito pela própria Lava Jato, afim ao espírito do tempo, e não do espírito das leis -, sem se fiar em dados concretos da realidade - a tal da "pós verdade".
Glenn Greenwald e o The Intercept Brasil se mostram permeados pelo espírito de nosso tempo - a guerra híbrida, destacada por Piero Leiner, da UFSCar -, e sabem que jornalismo hoje não é apenas o mostrar, mas também como fazê-lo - ou então acaba como o Panama Papers, que foram divulgados, mas morreu rápido (até porque a grande mídia detinha o controle da narrativa e uma coisa é investigar, outra é se comprometer). O tempo da reportagem do The Intercept também foi extremamente oportuno: a reportagem despontou quando há uma onda virando contra o governo - não precisou ser ele a inaugurá-la. Tal onda é bem sintetizada nas três manifestações de rua no país ocorridas no mês de maio, duas contra e uma a favor do governo.
Se recordarmos as manifestações contra a Dilma, a direita sempre fazia a primeira manifestação - insuflada e inflamada por Globo e Moro/Lava Jato -, e a esquerda organizava uma em reação. Era uma disputa pela demonstração de força, em que a direita era evidentemente mais forte, e a esquerda tentava mostrar que não estava morta. Chama primeiro quem está mais forte: uma demonstração em resposta ao adversário (inimigo, no caso fascista) é mais fácil de mobilizar. Assim como se em 2015, 2016 a esquerda chamasse primeiro a manifestação, certamente seria muito menor e convidaria a uma reação que evidenciaria a força da direita, o mesmo ocorre agora, com sinais trocados: a esquerda chama manifestação, e diante do seu sucesso, os neofascistas chamam a sua, para mostrar que tem força, ainda que não tanto quanto (dia 26 não conseguiu sequer superar a do dia 30 de maio, e foi muito inferior à do dia 15). Além do descontentamento das ruas, uma vez que a promessa de paraíso imediato na Terra não se fez, o governo acumula dificuldade em lidar com o legislativo e desagrada aliados de primeira ordem. A revelação do The Intercept é uma pequena bomba nesse desarranjo. Vai forçar uma nova forma de tentar reordenar as forças de direita, porém não se sabe como isso se dará e quanto tempo resistirá.
Greenwald avisou que por enquanto foi apenas o começo, e o chumbo grosso ainda está por vir. Ele tem o controle da narrativa, conhecimento do espírito do tempo, paciência, e a direita batendo cabeça como quem entra numa roda de mosh/poga acidentalmente, temendo (ou talvez sabendo) o que o jornalista tem em mãos.
Os trechos soltos no domingo (09/06) são graves e serviriam para reforçar certas convicções, uma vez que apenas ressaltariam o que era evidente. Ao imitar o método de Moro e da Lava Jato, a VazaJato põe os críticos da República fascista de Curitiba em vantagem: não apenas temos convicção como temos provas. Porém, ao invés de negarem a veracidade dos diálogos, forçando um lance que a comprovasse, Moro disse que não havia nada de errado nos diálogos, enquanto Dallagnol esperneou sobre a pretensa ilegalidade do jornalista (do jornalismo?). O que seria um primeiro passo se tornou logo vários. Impressionante o grau de desespero e despreparo lavajatista (lembra a República de Salò de Mussolini, em 1943-45), porque não se tratou de um lance totalmente inesperado, visto que há duas semanas foi plantada a notícia de que o celular de Moro teria sido hackeado. Dois problemas dessa defesa preventiva: ao que tudo indica, as conversas vieram do Telegram do Dallagnol; segundo que Moro não conseguiu manter o discurso: ou hackearam o celular há duas semanas ou as conversas são antigas e por isso ele não as tem mais. Lógica porém é algo que não vale na pós-verdade.
As tentativas de reação estão na base de tentativa e erro. Negar a relevância e mudar o foco para o roubo das conversas e sua divulgação "ilegal" foi a tática primeira. Criar fake news para serem espalhadas como sendo parte dos diálogos entre Moro e Dallagnol, para depois deslegitimar tudo como invenção foi a segunda tentativa - em vão, porque a origem do material é bem específico e, portanto, na dúvida, basta ir até o Intercept ver o que é falso, o que não é. Forçou novamente a história do hacker, tentando estimular um sentimento de medo e de vulnerabilidade, como a sugerir que qualquer um pode ser alvo de hacker, e melhor então fechar com Moro. A estratégia parecia não estar dando certo, a ponto de Moro ter dito que parte foi inventada para prejudicá-lo, depois tentar nova estratégia, de bancar o que disse e relevar, dizendo que foi um “deslize”, até voltar, novamente para a história do "hacker criminoso" e do "não lembro, não gosto, logo foi inventado". A única estratégia mantida, e que tem tido algum respaldo, ao menos nas hostes neofascistas, é a de que isso tudo é uma reação dos corruptos por ele combater a corrupção.
E foi essa que o The Intercept começou a minar na quarta (12/06), com o "teaser" de Demori a Reinaldo Azevedo, se aproveitando do espírito do tempo, afim a teorias conspiratórias. O trecho do #InFuxWeTrust não insinua nada, mas deixa as portas escancaradas para as teorias conspiratórias soltas para virem com força. Não por acaso, na mesma noite eu já recebia textos “juntando os pontos” com o “com supremo com tudo”, de Jucá; e a morte de Teori Zavascki. Estratégia usada à exaustão pela Rede Globo durante o impeachment, e que pode fazer com que muitos apoiadores convictos da Lava Jato tenham um “insight próprio genial” de que algo de errado havia em Curitiba, e nisso baixar a guarda para o que mais virá.
Outro ponto interessante é como acusados e acuados estão tentando se organizar. Mesmo antes de ser anunciada, a Globo sabia que seria alvo próximo, e logo cerrou fileiras em defesa de Moro. Contudo, o governo Bolsonaro não cansou de dizer que “a Globo mente” e isso, além de dificultar a concatenação de ideias dos seus seguidores - incapazes de ir além do binário “bem x mal” -, também força a Globo a defender um governo que tem tirado suas verbas e favorecido a rival, se conseguir salvar Moro, atacará outros flancos do governo - caso salve Moro e caso Bolsonaro não aceite um acordo. Se Moro naufragar, Globo estará em grande risco e deve defender qualquer solução drástica que garanta seu poder - a ver como andam seus contatos externos. Parte da grande mídia, um pouco menos unha e carne com Moro e Lava Jato, talvez sem "batom na cueca" (para usar a mesma expressão dos doutores do Ministério Público), já tratou de pedir a cabeça do ministro - que se sair agora tem uma remota chance de se tornar o mártir da luta contra a corrupção para a porção fascista mais extremista, ainda que a cada revelação do The Intercept ele se complique mais e não há sinais que sua queda estancará as revelações.
O exército bolsonarista apoia Moro - na verdade repudia o PT e Lula, e na lógica binária destes tempos qualquer vitória de Lula é encarada como derrota total de Moro -, e está disposto a bancar o ministro e o capitão, como indica o general Heleno. Porém, a demissão do general Santos Cruz pode sinalizar algo mais que uma desavença com os filhos do presidente e Olavo de Carvalho. Mourão está ao lado, só observando e fazendo pose de democrata, provavelmente se articulando dentro das forças armadas. O exército teme sair queimado do governo Bolsonaro - já tinha esse risco sem escândalo, com o MoroGate fica ainda mais na berlinda - e perder a reputação que ganhou ficando quieto por trinta anos - ademais, a depender do tamanho dos equívocos que o exército se meter, pode fazer voltar à tona a verdade sobre os porões da ditadura que ele tenta esconder e negar que existe, apesar dos elogios do presidente.
Gilmar Mendes é figura ambígua nesse imbróglio. Convertido em garantista - ele que já defendeu a cassação do registro do PT -, talvez por ter percebido que o monstro que ele ajudou a criar fugiu do controle e agora lhe morde os calcanhares, aparentemente peita o exército e a mídia ao dizer que as conversas vazadas anulariam a sentença de Lula. Pode ser também mais lenha numa saída “heterodoxa”, de um fechamento do regime, de modo a evitar a soltura de Lula ao mesmo tempo que acaba com a Lava Jato e garante o grande acordo das elites de rapina do país, com supremo, com tudo.
O PSDB se afunda cada vez mais. Doria Jr segue aparecendo ao lado de Bolsonaro, e FHC, que foi um dos primeiros lumiares do partido a defender Moro diante da VazaJato, ganhou de presente de aniversário a comprovação da amizade e admiração de Moro-não-podemos-melindrar e Dallagnol-dar-a-impressão-de-imparcialidade. Quem pode herdar o discurso neofascista-neoliberal é João Amoêdo, o empreendedor que nunca empreendeu de fato (versão 2.0 do João trabalhador?), suas credenciais de nunca ter roubado dinheiro público (sic), uma verdadeira virgem com 20 anos de bordel, e sua defesa de pautas ultra conservadoras nos costumes e estado social zero.
Ao que tudo indica, se os primórdios da Lava Jato prometiam uma ruptura política, ferindo eleitoralmente de morte as esquerdas, em especial o PT - as eleições de 2016 seriam o primeiro sinal -, o erro na dosagem já havia enfraquecido a operação e reanimado o PT, a ponto de exigir um golpe menos branco e mais aberto em 2018, para evitar a vitória seja de Lula, seja de Haddad. A VazaJato, por seu turno, sinaliza a possibilidade de outra ruptura, porém do outro lado do espectro político, ou então uma ruptura aberta com a ordem democrática e o sepultamento definitivo do estado de direito - não por acaso, Greenwald passou a dividir o material recebido com outros jornalistas, de modo a forçar um escancarar da censura geral, sem possibilidade de individualizá-la a um "veículo estrangeiro", caso Moro e os neofascistas endureçam a perseguição ao veículo.

Parte da força narrativa da VazaJato é jogar na mesma moeda moralista da Lava Jato, uma vez que escancara a corrupção do judiciário (e logo mais teremos da mídia também). Infelizmente segue um discurso despolitizador. Ao The Intercept Brasil não cabe cobrar esse passo além - ao que tudo indica, eles escolheram seus alvos (a farsa da Lava Jato), tem suas metas (além da República de Curitiba e da Globo, não me surpreenderia em breve artilharia para cima do TRF4), e tem suas armas, que são limitadas -, cabe, sim, aos partidos políticos e seus quadros, movimentos sociais e demais forças progressistas: é urgente, a partir dessa narrativa, politizar o debate - quebrando, em especial, com essa ideia herdada do cristianismo de pureza nas ações sociais - e não se restringir a essa camada frágil do moralismo, facilmente capturável pela extrema direita. A esquerda não pode nem ir apenas a reboque nem errar na avaliação do que se passa e das alternativas que se insinuam. Vivemos tempos difíceis, porém a VazaJato abre possibilidades de mudanças significativas, se bem aproveitada - ou pode se tornar uma nova "jornadas de junho de 2013".

12-19 de junho de 2019

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Eleições 2018: segundas impressões sobre o primeiro debate

Penso um pouco mais sobre o primeiro debate entre os presidenciáveis-menos-o-favorito, na Bandeirantes do golpe, dia 9. Talvez eu tenha me equivocado quanto à pretensa união do campo conservador: se as várias candidaturas serviriam para inflar o candidato do establishment mais bem posicionado ou decidido a sê-lo - Alckmin, por enquanto, até que mostre definitivamente que não consegue crescer -, a ausência de uma candidatura robusta nesse campo faz com que se torne um  salve-se quem puder num campo minado.
Bolsonaro, sem dúvida, foi o grande perdedor do debate, e isso ele sabia que seria desde o início, tanto que a princípio anunciara que não participaria de debate ou sabatinada alguma. Como fugir da luta queimaria parte do seu capital político, a construção do machão destemido, teve que ir para o sacrifício, correndo risco de definhar a cada vez que abre a boca, que não seja para falar de armas e porrada. Bolsonaro está onde está por completo acaso, não houve qualquer cálculo - diferentemente de Trump, que uniu seu estilo afim ao zeitgeist, o espírito do tempo, com uma equipe de marketing.
Cabo Daciolo foi, sem dúvida, uma surpresa. E para além da pecha de ridículo que ganhou entre a esquerda ilustrada - a URSAL é uma realidade entre grupos de whatsapp, ele pode ser visto como corajoso ao tratar em rede nacional o que a "mídia vendida e esquerdista" tenta esconder -, cabe ver que sua fala deve encontrar eco em parte do eleitorado: seu discurso firme, messiânico, de "eu sou diferente, e eu resolvo", um Bolsonaro que fala em "nação brasileira" e "amor", tende a tirar votos do destrambelhado do exército entre aqueles que o viam como voto de protesto ou candidato firme, ainda que um pouco exagerado - Daciolo encarna o pai severo e amoroso, Bolsonaro é apenas um sádico.
Outro ponto a ser percebido é como Boulos e Ciro confrontaram Bolsonaro: Boulos, ao enunciar as "qualidades" do candidato do PSL (sua base de apoio vê machismos e quetais como positivos ou como irrelevantes, não adianta repetir) e levantar a questão da funcionária fantasma, recebendo como resposta uma mentira e o desdém, não tirou um voto do fascista, e ainda pode ter feito ganhar votos como candidato antiesquerda, antibaderna. 
Ciro, em compensação, foi simplesmente genial ao questioná-lo sobre inadimplentes e prometer tirar o nome dos brasileiros do SPC: além de aproveitar para se vender como uma possibilidade razoável para 60 milhões de brasileiros - 40% da população adulta do país -, num momento de descrédito com o coletivo e desespero individual, aliando questão individual e coletiva (Luis Nassif salienta que a proposta, além de factível, é necessária: a elevada inadimplência mostra que se trata de uma questão política, e que credores, devedores e o país sairiam ganhando [bit.ly/2nBRoBW]), fez o capitão do exército deixar claro que não tem proposta nenhuma para os problemas comuns das pessoas comuns, além de fazê-lo chamar parte desses 60 milhões de "bandidos" - o que não afetará o ânimo dos bolsonaristas, mas aqueles que não são fanáticos porém cogitavam voto nele certamente pensarão um pouco mais antes de se decidir. Repenso: talvez ao reafirmar a defesa da democracia, sem falar diretamente em Lula, tenha sido acertado para ganhar o eleitorado antipetista light. A ver como seguem as campanhas, eu não descartaria um segundo turno entre PT e Ciro - e defendo que o PT feche logo um acordo de apoio mútuo no primeiro turno: dois candidatos antigolpe seria o fim de toda narrativa Globo-golpista, a prova por A+B que o golpe foi golpe e antipopular, contra o pretenso  anseio "das ruas".
A outra novidade que embaralhou o campo conservador foi o apoio do Inquisidor Moro ao candidato Álvaro Dias: ao dizer que não se manifestaria sobre a proposta de ser nomeado ministro da justiça [bit.ly/2OE24f1], pelo não-dito deixou dito que aprova o uso de seu nome como carro-chefe da campanha do paranaense - que se arrisca até a fazer conjecturas sobre futuros pensamentos e atitudes do juiz camicie nere. É bem provável que o movimento tenha sido combinado pela República de Curitiba, e seja utilizada como termômetro do fascismo lavajatista no país [bit.ly/2OBbpUM]. Sem dúvida poderiam ter escolhido alguém com um pouco mais de carisma, porém será interessante observar o resultado de Dias nas urnas, saber in loco onde a Lava-Jato reverbera forte, onde encontra resistência, talvez até para calibrar novas ações do avanço do estado de exceção no Brasil - e o candidato não poderá alegar que a Lava Jato que se utilizou dele, já que parte de um patamar baixo nas pesquisas e por si não iria além dos 3% que já tem. Será interessante observar também como o partido todo vai se utilizar do mote da Lava Jato para as eleições legislativas - e aqui novamente minha questão do quanto o campo progressista dormiu em berço esplêndido e ainda cochila gostosamente quando se trata do legislativo.
O segundo debate, já calibrado a partir do que se viu no primeiro, dará uma mostra melhor das estratégias (pensadas ou aleatórias) dos candidatos. Provavelmente Alckmin deve rever a sua, Boulos deve fazer pequenos ajustes - assim como Marina, se é que isso fará alguma diferença para ela -, e os demais seguirem pela toada do primeiro debate. 

14 de agosto de 2018

terça-feira, 13 de junho de 2017

Lava Jato em dois tempos: há listras e estrelas - e há as nossas elites ineptas.

Fernando Horta sugere que sigamos devagar com o andor em apontar o dedo para o Tio Sam na orquestração do golpe e do colapso político (e econômico) brasileiro [http://bit.ly/2rWS8EJ]. Ainda que não ache que os Estados Unidos sejam os grande protagonistas do que vivemos atualmente, não consigo não vê-los em papel de destaque; e se nos faltam provas da participação estadunidense - afinal, ainda não foram disponibilizados os documentos dos EUA sobre este passado tão recente -, há uma série de elementos que reforçam a hipótese de influência externa.
Influência não quer dizer determinismo: sem nossas elites interessadas na defesa de seus privilégios e ávidas em reafirmar seu poderio frente os trabalhadores e os descamisados, não haveria golpe algum, participasse os EUA ou não. Como Horta comenta, os EUA não são exatamente um primor de eficiência quando buscam garantir seus interesses pelo globo - e cita o exemplo da Baía dos Porcos e do Afeganistão. Contudo, os EUA ainda são eficientes em desestabilizar o mundo, como no caso do próprio Afeganistão ou nos diversos conflitos que eclodiram após a chamada primavera árabe. Horta também fala de empresas e interesses capazes de ações internacionais por cima do governo - a questão é o quanto é possível fazer uma distinção drástica entre os interesses desses atores e do governo estadunidense, sempre em parcerias muito próximas, por mais que não possam ser tratados como uma coisa só.
Dado o papel principal às nossas elites, questiono a extensão da participação dos EUA. A Lava Jato possui claramente duas fases, dois momentos bem distintos. No primeiro deles (2014-2015), ações precisas, com provas e não convicções, acertam em cheio os pontos estruturantes do relativo protagonismo que o Brasil vinha ganhando com os governos petistas: empreiteiras, segurança nacional, com o submarino atômico, e, principalmente, petróleo. Dos grampos telefônicos da NSA à presidenta Dilma, além de uma série de outros grampos que é de se imaginar que correram solto no país, passando pelo treinamento de Moro e outros nos EUA, tudo leva a crer que se sabia onde estavam os pontos que poderiam ser "descobertos" e provados rapidamente. A novidade no uso das prisões preventivas como forma de tortura evitou questionamentos mais enfáticos à legalidade do método das "delações premiadas", assim como acusações de seletividade política eram caladas na medida em que o recorte era preciso em determinadas ilegalidades - sem, até então, a predominância do discurso messiânico-religioso de salvar o país da corrupção (atéia e comunista?) do pato Dallagnol. Pode-se definir essa fase como uma "operação asséptica", uma blietzkrieg econômica-geopolítica. E precisava ser rápida, porque seu fôlego era curto e logo seria tripudiada em seus métodos. Os resultados favoráveis aos EUA não demoraram para aparecer, não só com o enfraquecimento da Petrobrás, assim como na abertura do pré-sal às petroleiras internacionais, ainda no governo Dilma [http://bit.ly/2sk5sn9].
Ainda mais quando comparado ao segundo momento da Lava Jato, fica a forte impressão de que Moro e a república de Curitiba foram inicialmente atores de uma peça escrita alhures, e cumpriram bem seu papel. No segundo momento, os atores resolveram assumir a condição de autores e descambamos para o estado de exceção ao melhor estilo do III Reich. Prisões arbitrárias infinitas (ou até uma delação premiada falando em PT e Lula), delações sem provas, violação explícita da constituição, power points toscos, convicções como condição de prova de crime. A esbórnia tomou conta de Curitiba e da nação a partir de 2015. É quando, ao que tudo indica, nossa elite tomou as rédeas da situação. A perseguição política de Moro e pato Dallagnol ao PT e a Lula passaram a ser evidentes, e a falta de qualquer decoro do judiciário foi além de Coronel Mendes e seu pupilo D.T. e se tornou carne de vaca - não me refiro aqui à Operação Carne Fraca ou à delação da JBS. Em São Paulo, a PM foi usada como milícia tucana [http://bit.ly/2rrQ3gs], um oficial do exército agiu à revelia da Comandante em Chefe, espionando movimentos sociais por mais de um ano até forjar um ridículo flagrante contra adolescentes [http://bit.ly/2sYkwF5], e em Brasília, bem, em Brasília todos os piores estereótipos sobre políticos subiram o Planalto com Temer e sua camarilha, para melhor destruir a Constituição, os direitos sociais e qualquer possibilidade de vida minimamente digna a milhões de brasileiros.
Ainda que tenha participado de golpes similares anteriormente, em Honduras e no Paraguai - vale lembrar o nome da embaixatriz Liliana Ayalde -, não me parece que esse segundo momento fosse do interesse dos EUA, não só por permitir a eventual ascensão de um político progressista (Lula, no caso) ou destemperado (ninguém aqui, por enquanto), como por não ser nada positivo aos seus interesses geopolíticos ter a grande potência regional à deriva, sem poder contribuir para garantir a estabilidade na região.
Em resumo: sem nossas elites, não teria Lava Jato, não teria golpe, não teria o colapso político e caos econômico que vivenciamos. Concordo com Horta que buscar um inimigo interno é fugir das próprias responsabilidades e, mais, é deixar passar o principal - a conclusão de sua análise é precisa. Porém, até pelo primarismo de nossas elites, é difícil não acreditar na colaboração efetiva dos EUA - se governo, CIA, Departamento de Estado, think tanks, empresas, universidades ou o que for, não importa - como fator fundamental do sucesso inicial da Lava Jato - mentores e capitães da operação de desmonte do parco protagonismo brasileiro - e do caos que nos impusemos a seguir.

13 de junho de 2017

domingo, 6 de março de 2016

Um ponto de inflexão na crise político-institucional brasileira, e a necessidade de tomar partido

Até esta semana havia conhecidos que mantinham sua capacidade de reflexão e pensamento em um nível mínimo para não serem confundidos com um papagaio ou um cão adestrado, e que não estavam de todo convencidos de que se articulava um golpe jurídico-policial-midiaresco contra a presidenta e o Partido dos Trabalhadores. Não eram ingênuos a ponto de acreditar que todo o mal do Brasil e da Terra tem origem, meio e fim no PT, mas achavam que a idéia de golpe era teoria conspiratória - as evidências do golpe eram evidências, não provas, diziam. No máximo admitiam que havia uma cobertura desproporcional contra o PT, que seria justificada pelo fato de ser o partido no poder federal - o fato do PSDB ser poder estadual em São Paulo e ter acusações mais graves que as contra o PT, que em mais de vinte anos de prevaricação desviaram mais milhões do que as petistas, isso nunca entrou na conta.
Não os culpo de todo: o monopólio das concessões de rádio e TV por parte de algumas poucas pluto-famiglias, verdadeiras máfias espetaculares (ou pós-modernas, apesar de serem-na desde quando não se ia além da Modernidade), impede o desenvolvimento da democracia - em que o contraditório é condição necessária - nestes tristes trópicos: convivendo num meio em que as pessoas se limitam a assistir a Globo e afins, ouvir Band e CBN, ler Folha, Estadão, Veja e congêneres, é-se bombardeado a cada cinco minutos com notícias do "descalabro" da nação perpetrada por petralhas, comunistas, negros, nordestinos, ateus, putas, gays e favelados de toda sorte, de modo que não há como não ser convencido da sua verdade - a Grande Imprensa tem Goebbels como seu Manual de Redação -, ainda que a esses seres pensantes mal localizados seja perceptível certo exagero.
A situação mudou radicalmente de figura nesta sexta, dia 4 de março, com a condução coercitiva do ex-presidente Lula. A partir de então, não aceitar de que há uma tentativa de golpe de Estado em curso é burrice grande, ou má-fé exagerada. Má-fé do nível da do juiz Sérgio Moro, que hipocritamente justifica que visava com isso preservar a imagem do ex-presidente - afinal, é claro que a imagem de um dos principais líderes do Brasil de todos os tempos (concorde com ele ou não) sendo buscado em casa pela polícia não tem nenhum simbolismo.
Má-fé que tem pautado a operação Lava Jato e sua cobertura desde o início: prisões preventivas sem fim com o intuito de assinar uma delação premiada em troca de afrouxamento da pena - apesar de ainda não ter havido julgamento para que houvesse pena -; delações sigilosas aos advogados de defesa mas que são de conhecimento da Grande Imprensa; aviso prévio à imprensa sobre a prisão de Lula - como deixou claro o tuíter do editor do panfleto semanário Época, Diego Escosteguy -; descarte de toda evidência, ou mesmo prova, que atinja políticos ligados ao PSDB ou aos partidos de oposição - ignorando, inclusive, que FHC admite explicitamente em seu livro Diários da Presidência que sabia da corrupção na Petrobrás desde 1996.
Não adentro as evidências contra Lula alardeadas pelo juíz Moro e pela Grande Imprensa, afinal elas são meras formalidades em busca de um pretexto que justifique o golpe.
Um dos argumentos que tenho ouvido e lido tudo o que está acontecendo é amparado pela lei, logo, não é golpe. Para esse sofisma, convém rememorar que em 1961 o Congresso aprovou o golpe de Estado (super-brando, diria a Folha de São Paulo?), com a mudança do regime de governo o país de presidencialismo para parlamentarismo - ou seja, um golpe feito dentro da mais estrita legalidade. Um exemplo mais recente, ainda que adventício: Fernando Lugo foi afastado da presidência do Paraguai, em 2012, em processo legal de impeachment, que durou 24 horas e não enganou ninguém.
Mesmo sem aprovar mudanças constitucionais oportunistas e sem extrapolar as leis, abuso de direito é tipificado na nossa legislação, no artigo 187 do Código Civil: "comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico e social, pela boa fé ou pelos bons costumes". Sérgio Moro está descaradamente excedendo os limites impostos pela lei, a ponto do ministro do STF Marco Aurélio Mello, que está a anos-luz de distância de ser petista, se assombrar com o destempero do juiz paranaense. Disse o magistrado a Monica Bergamo: “só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado". Ele compara a ação de Moro à dos justiceiros - ou seja, à dos capangas que faziam a lei do coronel imperar nos sertões do país nos séculos XIX e XX, ou dos esquadrões da morte da segunda metade do século XX; nada mais longe do Estado de Direito, portanto.
Não é o que entende a Grande Imprensa. A colunista Miriam Leitão, arauta de seus chefes, comemorou que não haveria mais intocáveis no país. Primeiro que há aí uma mentira: a Grande Imprensa, para a qual ela trabalha e que se orgulha de ser o "quarto poder" da república (tem falado pouco nesse assunto, desde que começaram as pressões pela sua regulamentação legal), resiste a qualquer lei que vise enquadrá-la no arcabouço democrático e de direito, de modo que é intocável pelas leis. Segundo que a questão não é estar acima da lei: o que ficou evidente na fase Aletheia da Lava Jato é que o juiz Moro veste toga mas age à margem da lei (a exemplo de seu modelo, o ministro Gilmar Mendes, figura das mais nefastas da história recente do Brasil). O argumento de que isso seria preciso, pois de outra forma os acusados conseguiriam dar um jeito de prejudicar as investigações, ou que já há provas suficientes para medidas mais drásticas, é uma falácia das mais perigosas. Que o diga o dramaturgo Nelson Rodrigues, por oito anos grande entusiasta do golpe civil-militar de 1964 - o que significa também aprovar prisões extra-legais, torturas, desaparecimentos e ações do gênero -, até ter seu próprio filho preso e torturado pelos militares, em 1972. Só então ele se deu conta que fora do Estado Democrático de Direito todo mundo é potencialmente um inimigo prestes a ser abatido. Marco Aurélio Mello deixou isso claro na sua entrevista: “o atropelamento não conduz a coisa alguma. Só gera incerteza jurídica para todos os cidadãos. Amanhã constroem um paredão na praça dos Três Poderes”. Ironia: a direita brasileira, que grita vai para Cuba, e acusa o regime da ilha de assassinar opositores, é quem se aproxima de construir um paredão bem aos moldes do que ela diz haver em La Havana.
Dia 4 de março de 2016 é, portanto, um ponto de inflexão nesta crise institucional brasileira. Infelizmente, neste momento não é possível permanecer neutro: não se trata de disputa entre esquerda e direita, entre governo e oposição; é disputa entre democracia e ditadura, entre Estado de Direito e Direito de Estado - no primeiro, todos, inclusive juízes, procuradores, políticos, presidentes, governadores, donos de emissoras de tevê devem se submeter às leis; no segundo, o Estado, na figura de seus representantes políticos, judiciais, policiais ou militares tem direitos sobre os cidadãos que julguem inconvenientes ao "serviço do Brasil" (para usar o lema de um jornal golpista), e não precisam se submeter às mesmas leis que as pessoas comuns.

Dói ter que defender o governo Dilma: um governo que entrega o petróleo a multinacionais, que não faz reforma agrária, que aumenta juros para benefício de uma minoria, que aprova lei anti-terrorismo, que não altera nenhuma estrutura do país, beira o indefensável. Contudo, é preciso defender a democracia - sistema que permite não só que esse projeto de governo não perdure para além de quatro anos, como que permite que a pressão das ruas impeça a tomada de medidas que prejudiquem o grosso da população -, e neste ponto crítico defender a democracia é defender o mandato da presidenta. Entretanto, ao garantir a democracia política-formal, não é possível se acomodar: é preciso pressionar por reformas que implementem uma democracia de fato, a começar pela democratização da mídia. Ou então teremos crise institucional toda vez que os interesses dos poderosos do Brasil e do mundo foram minimamente contrariados.

06 de março de 2015.

Imagem do justiceiro Moro achada na internet. Fica a dúvida: o que significa "todos"?