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domingo, 29 de novembro de 2020

Análise geral das eleições de 2020: derrota das esquerdas, mas com sinais de alento

Terminado de contar os votos, é a vez das análises sobre os resultados, tentativa de definir quem ganhou, quem perdeu, quais as tendências, que lições tirar.

Para começar esta análise, parto de um fato objetivo: vivemos em democracia liberal burguesa, marcada por eleições periódicas livres (teoricamente, bem teoricamente), onde sai vencedor quem tem o maior número de votos e leva o executivo (e consegue garantir o legislativo, mas isso dá para resolver depois das eleições). 

Assim, em 2020, ganharam os partidos ultra-fisiológicos, do (mal) chamado "centrão", partidos que são sempre aliados do governo de turno: mais uma vez mostraram que sabem se apropriar das verbas federais para fazer valer seus interesses em suas praças, desta vez com a novidade de fazerem-no sem se atrelar ao governo; e que sabem utilizar a máquina estadual para tratorar dissidências, como é o caso do Paraná, governado pelo filho do apresentador Ratinho.

A extrema-direita só pode ser considerada como uma das perdedoras do pleito municipal se entrarmos na velha ladainha dos analistas da grande mídia (em especial durante os anos petistas), de querer comparar as eleições municipais às eleições legislativas de meio de mandato nos EUA. Nada mais equivocado: ainda que tenham influência da política federal e estadual - e seja de grande influência nas eleições legislativas de dali dois anos -, o pleito municipal tem sua dinâmica própria. Não cabe comparar 2020 com 2018, e sim com 2016. PSL, PSC, PRTB, Republicanos e Novo elegeram 467 prefeitos em 2020, sendo Vitória a única capital, contra 234 em 2016. Se formos comparar ao PT do início do século, o Partido de Lula tinha elegido 200 prefeitos em 2000 (é certo que dentre eles estava São Paulo e outras 5 capitais) e foi para 411 em 2004 (sendo 9 capitais). O tal fogo de palha que muitos vêem no resultado fraco da extrema direita parece ser uma tendência porém não pode ser comprovado com os resultados de 2020: a extrema direita não tem força e penetração como o PT com o qual comparei, o discurso de ódio e as fake news tem encontrado seus limites, mas isso não quer dizer que não possam reencontrar o caminho.

O PSDB, transformado em Partido à Serviço de Dória e seu Balcão de negócios, em aliança com o DEM, garante força no tabuleiro para 2022. Preparando o discurso para daqui 2 anos, o atual governador engole seu discurso fascistóide e agora fala contra o ódio. A estratégia do detentores do capital já se mostra clara e será a mesma de 2018: apresentar seu candidato como o centro moderado, contra extremismos - e agora contra aventureiros também, como foi o discurso de campanha de Covas contra Boulos. (Tenho realmente dúvidas se o prefeito disputará o governo do estado daqui dois anos: não por qualquer coerência à sua promessa de campanha, mas porque se mostrou fraco demais para uma disputa majoritária - que o diga o apelo à máquina do município, conforme denúncia registrada em vídeo -, e além da rejeição que pode adquirir ao deixar a prefeitura, pode acrescentar pouco com seu estilo). É um discurso que deu certo por um tempo, mas tenho dúvidas se vai vingar novamente: ainda que a tendência seja essa volta ao centro, a crise econômica-social que se avizinha pode embaralhar novamente o cenário, como foi a crise econômica-política em 2018.

As esquerdas, por seu turno, são as grandes perdedoras. Não adianta retomar o discurso de Freixo em 2016 e falar em vitória moral: o que conta acima de tudo numa eleição, aos partidos que entram em disputas visando a vitória e não candidaturas de denúncia, é vencer nas urnas. Há outros elementos a serem considerados, mas em termos factuais, o ponto é o quanto ganhou.

O PCdoB bem que tentou em Porto Alegre, mas no fim, se tornou um partido maranhense e baiano (respectivamente 22 e 16 prefeitos, de um total de 46). O PDT se manteve com seus trezentos e poucos, com destaque aos 68 do Ceará, mostrando que o partido não tem projeção nacional para os anseios de Ciro. O PSB também perdeu prefeitos: é um partido sem base e sem grande projeção, tentou em São Paulo manter o discurso ambíguo que vinha da época de Eduardo Campos e não teve sucesso; mancha sua reputação quando João Campos abandona qualquer pudor e adere às piores práticas consagradas pelo gabinete do ódio, na disputa por Recife.

O PT segue caindo, fruto de anos de perseguição midiática-judiciária, que fez com que muitos de seus quadros mudassem para siglas do mesmo campo, como forma de contornar o macarthismo que perseguiu o partido. Ainda é um partido com considerável base militante, espalhada pelo país e que ao menos em São Paulo mostrou vontade de voltar a atuar - a escolha de Tatto, volto a dizer, foi acertadíssima. As três grandes questões para o PT são: se livrar da Luladependência, algo por ora fora do horizonte, conseguir atualizar seus quadros e suas formas de mobilização, aceitar que mesmo sendo o principal e mais bem estruturado partido de esquerda, pode ser mais sensato ceder o protagonismo nas próximas eleições (algo como fez Cristina Kirchner na Argentina). O PSOL é um dos exemplos em quem o PT deve se inspirar: abrindo o partido para movimentos sociais, sabendo usar as redes sociais, e garantindo militância nas ruas e não de gabinete, o partido de Boulos e Erundina retoma a velha forma do PT de fazer política, baseado em trabalho de base, com outros objetivos que não o mero resultado eleitoral (comentarei de Boulos em outro texto). É um alento, porém tem limitações graves, e é nesse ponto talvez por onde o PT possa utilizar da sua experiência e sua capilaridade para avançar: conforme apontou Alceu Castilho, editor do site De Olho nos Ruralistas, em comentário nas redes sociais, essa renovação política nas câmaras municipais é um fenômeno urbano dos grandes centros: no Brasil profundo, a tendência é manutenção daquela política que nada deixa a desejar à república velha: conservadora, violenta, sem espaço para qualquer respiro (não que as mesmas práticas não sejam encontradas nos grandes centros, vide os eleitos para as câmaras de São Paulo e Rio de Janeiro).

Diante desse quadro, pode-se dizer que a tendência não é das piores para a esquerda e para o campo progressista como um todo. A questão essencial é não se limitar à política parlamentar, disputar o discurso com o que a mídia chama de 'centro' (uma extrema direita que bebe água Perrier e segue a cartilha Globo News de análise), o que implica se reapropriar das ruas, se apropriar das redes sociais e da internet, recomeçar e reconstruir o trabalho de base - em suma, religitimar a política e os partidos. É trabalhoso, mas é como se faz política para além dos conchavos de gabinete - Boulos é prova disso.


29 de novembro de 2020

segunda-feira, 12 de março de 2018

Boulos, o próximo impedido?

O PT tem reiteradamente falado que não possui plano B para caso Lula não possa disputar as (previstas) eleições - o que deve deveras ocorrer (ele não disputar; as eleições, isso ainda há sérias dúvidas). Certamente o partido faz seus cálculos. Contudo, há indícios, pela movimentação observável (não tenho contatos para saber o que se passa nos bastidores), da possibilidade do PT não disputar a presidência da república nas (eventuais) eleições de outubro. Fosse dois anos atrás, qualquer análise que falasse em PT não encabeçar uma chapa poderia ser descartada como estapafúrdia; os tempos sinistros em que vivemos, entretanto, tornam não somente factível não ser cabeça de chapa como sequer ficar com a vaga de vice.
Seria um ato simbólico importante para evidenciar o estado em que se encontra o Brasil: o maior partido do país, aquele que ainda é o partido mais forte do país, um dos maiores partidos de esquerda do mundo, não disputará a eleição presidencial, não por não ter um nome viável, e sim por não confiar no processo judiciário-eleitoral.
Além de não se estar ventilando nenhum nome do partido, o vídeo de apoio de Lula à candidatura Boulos, pelo PSOL, é uma sinalização nesse sentido. O líder do MTST, além de formação nas lutas sociais, tem também formação acadêmica - acusação feita contra Lula por dez entre dez ignorantes com diploma na parede -, e se é atingido pela rebarba da criminalização da esquerda, foge do foco principal da mídia, que é o PT - pode, inclusive, se utilizar desse discurso, caso posto contra a parede, de que o partido surgiu em resposta às falhas petistas. Pode ser o nome ultrapolítico contra o candidato antipolítico que deve correr pela direita - Bolsonaro, Huck ou algum outro -, e se conseguir decolar nas pesquisas, pode até mesmo trazer o debate um pouco mais para a esquerda (que ficaria pelo centro, dado a direitização atual), com boa distância das armadilhas moralistas - o que seria um avanço civilizatório.
Antes dos ataques da direita, a primeira tarefa será com os do próprio PSOL. Desde sua fundação tenho dito que o PSOL é um partido sem base social (além de responsável pelo retorno de Collor ao senado, em 2006), o que é um equívoco: sua base social é uma de meia dúzia de acadêmicos, que figuram entre os 3% mais rico da população. Ainda que parte da crítica do outro pré-candidato do partido, Plínio de Arruda Sampaio Jr, seja pertinente, seu esperneio me faz lembrar dos meus tempos de editor do Trezenhum. Humor sem graça., em que havia o "Prêmio Peter Pan de Resistência", dado o alienação social que a esquerda da Unicamp vive e a briga para recusar toda realidade em favor dos seus ideais. Plínio é professor da Unicamp, e à sua visão do Brasil como Terra do Nunca, soma-se um ego de enorme tamanho, bem ao gosto dos acadêmicos brasileiros. Longe de pensar no partido ou no país, pensa em seu desejo de ser candidato a presidência da república, como fora seu pai - ainda que renovar os nomes e manter os sobrenomes seja prática consagrada da direita brasileira. Resta saber o quanto vai aceitar ser instrumentalizado pela direita para prejudicar Boulos. 
Pela direita, o jogo promete ser duro, caso Boulos cresça nas pesquisas - por ser tomado como candidato do Lula, por exemplo. As acusações de incentivar a desordem e o crime serão de hora em hora. Reportagens e mais reportagens mostrarão exemplos isolados de contraventores penais ("bandidos") que compõem o MTST; ou boatos (hoje chamados de fake news, prática consagrada pela Globo e afins) de que, assim como ocupam prédios abandonados, com a vitória, Boulos obrigará as pessoas a dividirem suas casas com sem-tetos, ou outras pataquadas requentadas de 1989. Contudo, os tempos são outros, e se não bastar um calmante na água do debate e uma edição tendenciosa, Boulos tem tudo para ser preso, sob acusação qualquer - provavelmente terrorismo. Já falei em outra análise que Bolsonaro é boi de piranha das elites para a eleição prevista para outubro. Seu impedimento - possibilidade que ainda paira - seria uma tentativa de dar lustro de imparcialidade à justiça e permitir que ela cace todo candidato de esquerda ou progressista, cuja plataforma seja estancar e reverter o golpe. Sem Lula, talvez sem PT na disputa, Boulos é forte candidato não apenas ao segundo turno, como a uma nova arbitrariedade dos golpistas vestidos de toga e armados de concessões de tevê.

12 de março de 2018.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Retrato de momento para 2018 (se houver eleições)

Capas da Veja, da Isto É, da Isto É Dinheiro, entrevista na TV Bandeirantes: a direita do atraso dá mostras de agir coordenadamente com vistas a 2018, tanto no plano partidário quanto midiático - ainda chamado de jornalístico, quando na verdade é mera agencia de publicidade oficiosa de interesses razoavelmente bem definidos e pouco falados.
Em tese é um tanto cedo tentar traçar um cenário para 2018, ainda mais quando nem se sabe haverá eleições e em que condições elas acontecerão - se terão relevância maior ou menor para o país -, contudo, mesmo assim, parece importante mapear estratégias - da esquerda e da direita.
Começo pelo campo mais bem organizado, a direita.
Há mostras de medo da possibilidade de Lula vir a concorrer, sem ser impedido pela justiça. Certamente esse medo vem não pela questão da justeza da justiça, que isso ninguém mais tem dúvidas, mas por possível cálculo político desta, e notar que barrar Lula seria jogar o país em um estado de confronto social que exigira a presença do exército - o que implicaria em pôr o judiciário em segundo plano, fazendo com que a casta perdesse muito do poder político que hoje possui. A questão que permeia o judiciário, ao que tudo indica, é se é melhor um presidente do qual não gosta mas está acuado e tentando reagir, ou um "presidente" mais afim aos seus propósitos que, pelo argumento das baionetas, vai enquadrar o judiciário.
Enquanto o judiciário não se decide, resta tentar desqualificar Lula - mais um pouco. Isto É ataca mais genericamente, anuncia que "começa a cedo a campanha da mentira" (certamente quem lê essa revista não vai notar que a campanha da mentira está a galope desde 2014, pelo menos), pondo no seu site Lula, Ciro, Bolsonaro e Marina (ela ainda está viva?). Bola levantada para, na mesma semana, Veja ("A política que assusta") e de Isto É Dinheiro ("Eles assustam o mercado") chutarem. Ambas tentam criar uma polarização não mais entre PT e PSDB, como de 1994 até 2014, mas entre Bolsonaro e Lula, com um sendo o antípoda exato do outro - dois extremistas, um de direita, outro de esquerda. Vamos assim descobrindo que a função atribuída pelos donos do poder a Bolsonaro é a de boi de piranha - função cumprida por Russomano nas últimas duas eleições de São Paulo. A questão é se vão conseguir pôr o monstro de volta na caixa, uma vez Bolsonaro não é um apresentador televisivo com discurso genérico, e as ideias que defende começam a ecoar na sociedade e nos grandes partidos - Doria Júnior que o diga.
Bolsonaro tenta se gabaritar como político sério, o que é muito difícil de conseguir. É político de discurso de extrema-direita belicista, sem qualquer proposta legislativa ou sucesso de vida para mostrar e sem qualquer estofo para discutir questões nacionais. Ganha destaque em certos estratos sociais mais altos, por se pintar como anti-político, por "dizer o que pensa" (como se pensasse), porém, já disse alhures, sua verve belicista não me parece encaixar no ethos da maioria tupiniquim, seu patriotismo se encerra na caça ao inimigo interno, e sua tentativa de formar uma equipe econômica o leva para se tornar uma espécie de Doria Júnior Troglodita e fracassado, um PSDB Jr. Talvez a grande validade da sua candidatura seja cacifar-se para barganhas futuras.
Por falar no João Trabalhador que usa o cargo de prefeito (prefake) para se promover, este claramente recua da estratégia adotada desde a eleição do ano passado. Portas fechadas no DEM e sem ânimo para arriscar no Novo, se adequa ao novo figurino PSDB-Mídia. Ademais, deve ter sido avisado pelo seu pessoal de marketing que sua administração (que ele chama de gestão) catastrófica à frente de São Paulo vai desqualificando-o para qualquer novo vôo político, e que na disputa pelo coração anti-petista como o mais bronco, machão e valentão da boca para fora, o almofadinha que joga flores no chão não é páreo para o ex-militar que faz flexão de pescoço [https://youtu.be/4RSs-6XeIrI]. Para anunciar sua nova fantasia, duas horas de publicidade travestida de entrevista na TV Bandeirantes, onde ele reafirma o mito de PSDB de centro, põe a si como alguém cordato e de centro, e se vangloria de sua humildade em aceitar ser vice de Alckmin.
Nessa briga de raposas, a velha raposa Alckmin parece estar mostrando ao seu pupilo que a coisa é menos simplória do que o "self-made man com dinheiro do papai e do erário público" e seus marqueteiros imaginavam. O bom moço da Opus Dei e da pena de morte extra-judicial autorizada para seus subordinados ("quem não reagiu está vivo"), começa a tentar se situar mais à esquerda do seu partido, como a provar seu centro, de equidade diante dos extremos (Lula e Bolsonaro), e participou recentemente de evento de corrente de esquerda do PSDB (?). Não dá para acreditar que seja algo além de estratégia de marketing, porém o gesto não deixa de ser importante para o momento atual de florescência neofascista. Se esse caminho de moderação fortalece Bolsonaro por um lado, por outro o isola ainda mais e ajuda a romper com a radicalização plantada pela mídia até agora. Em afinidade com essa mídia, a construção do bom moço firme de centro pode garanti-lo como nome da direita, sem espaço para aventureiros (pretendo escrever mais sobre esse movimento de Alckmin em outra análise).
Outro que ameaça despontar, parece estar apenas aguardando o melhor momento, é Luciano Huck, pelo DEM. Esse melhor momento deve ser o mais próximo possível das eleições: quanto menos se expuser enquanto candidato, menos chance de ser "desconstruído". Ventila seu nome vez ou outra, mas não sai em campanha. Ao mesmo tempo que é sua inspiração, Doria Júnior pode ser o seu calcanhar de Aquiles: se se forçar uma similitude entre os dois apresentadores, os resultados do João Trabalhador à frente da prefeitura podem desmerecer o novo não-político na disputa. Por seu lado, diferentemente do discurso de gestor, self-made man de sucesso, tecnocrata, Huck pode vir com discurso mais família: o bom pai de família, carinhoso e atencioso (sic) com a mulher e os filhos, ao mesmo tempo alguém que conhece os problemas do povo mais simples, nos seus anos e anos de quadros com assistencialismo hipócrita em seus programas, ou seja, alguém que sabe ser carinhoso e compreensivo, que gosta de ajudar a todos, e, quando preciso, sabe ser duro e firme para evitar que o filho se perca em seu caminho.
Marina Silva perdeu completamente o tempo político. Queimou pontes com eleitorado progressista ao apoiar Aécio "Um que a gente mata antes da delação" Neves em 2014 e ao se ausentar das grandes questões ambientais desde então. Na verdade, ao se ausentar de praticamente toda questão desde então - e quando apareceu foi discretamente, para ficar em cima do muro, queimando também as pontes com a direita. Agradava a um eleitorado reacionário que gostava de posar de prafrentex porque compartilhava denúncias de desmatamento na floresta amazônica (ao mesmo tempo que aplaudia e apoiava o agronegócio), porém é pouco para uma candidata à presidência. Talvez ainda imagine que possa ser alçada à condição de grande líder do centro, na falta de nome melhor, mas há muitos nomes para a vaga, e uma mulher negra do norte nunca será a opção preferencial das elites brasileiras.
Não me parece que Henrique Meirelles, Rodrigo Maia ou algum nome do PMDB sejam atores relevantes na ribalta - o são, sem dúvida, nos bastidores, e não será surpreendente se embarcarem em um candidatura de direita e, diante de uma vitória evidente de Lula, trocarem de lado no meio do processo eleitoral.
No espectro da direita, da reação, a estratégia está mais ou menos traçada, até para o caso mais terrificante (Lula poder disputar a eleição; na ausência desse, imaginam que vencerão fácil, pelas urnas ou pelos coturnos), no campo progressista e/ou de esquerda, os cenários e estratégias estão ainda sendo rascunhados, aparentemente com desorganização e velhas falhas, com o narcisismo das pequenas diferenças aflorando com vigor.
Lula, Ciro, Manuela D'Ávila (PCdoB), e Psol (por ora com Boulos) são os nomes ventilados neste campo. As discussões internas ao espectro já começaram: traição, favorecimento das direitas, necessidade de candidatura única - conversa muito similar à eleição de São Paulo, quando Erundina decidiu disputar a prefeitura. Vale lembrar que nesse caso, não fosse Erundina e seria bem provável que a vitória de Doria Júnior no primeiro turno seria ainda mais acachapante. Falta à esquerda entender que primeiro turno é momento de todos apresentarem suas ideias. O grande ponto é evitar o que Erundina fez ao menos em um debate de 2016: bater na própria esquerda. Candidatos próprios, com propostas independentes, mas o compromisso de cerrar fileiras contra a direita e os golpistas, denunciando os retrocessos sociais aprovados por Temer, PMDB, PSDB e demais, evitando ao máximo críticas dentro do espectro - por mais que sejam críticas pertinentes e em grande medida necessárias -, deveria ser esse o compromisso dos candidatos deste campo.
Muitos dizem que essa fragmentação das esquerdas, em especial com a possibilidade de candidatura própria do PCdoB como decadência do PT, perda de seu poderio. Não é o que demonstram pesquisas. Apesar de todo o ataque, Lula segue com um terço do eleitorado, e o PT ainda é o partido mais admirado. É de acreditar, contudo, que muitas pessoas fiquem em silêncio diante de toda essa campanha de massacre midiático, mas votem no partido que trouxe grande melhoria na sua qualidade de vida - um voto racional. À pecha de corrupto, haveria a alegação de que todos são, mas o PT faz; ou mesmo o descrédito de todas essas denúncias - uma mentira repetida um milhão de vezes se torna uma verdade, dizia Goebbels, mas é preciso saber mentir com propriedade, ou o efeito pode ser o oposto. Ainda sobre a tal decadência, vale lembrar que o PT nunca foi unanimidade - nem mesmo no próprio partido, havia correntes contrárias aos rumos do partido -, e apesar de talvez ter perdido a hegemonia no campo da esquerda, o PT segue como principal força.
PT como principal força, e Lula como principal candidato. Além do risco da condenação em segunda instância, o judiciário já deu mostras de querer podá-lo por outros caminhos se for necessário - como a acusação no TSE de campanha antecipada, por conta da sua caravana. Se não o condenarem, a campanha mal feita para torná-lo a encarnação do mal irá levá-lo à presidência - salvo algum outro golpe muito baixo, o que não deve ser descartado. O PT diz não trabalhar com plano b, porém é evidente que Haddad figura como alternativa natural - e, contrariamente a Dilma, um quadro politicamente capacitado. Faz caravana com Lula e dá entrevistas - se não for para presidente, é nome forte para o governo de São Paulo, sem nenhum grande nome até agora, visto que Doria Júnior seria um dos nomes, mas resta saber se vai conseguir reverter a deterioração de sua imagem.
Ciro Gomes (PDT) costuma ser posto no campo progressista. Tenho várias reticências quanto a isso, mas diante do quadro atual do Brasil, sim, ele é do campo progressista. Ciro é um candidato que perdeu seu momento. Se conseguir deslanchar, não precisará de nenhuma nova frase infeliz: as que possui já são suficientes para fazer com que naufrague, como em 2002, quando sua frase infeliz sobre o papel de sua esposa nas eleições custou-lhe não apenas a liderança nas pesquisas como a participação no segundo turno. Para 2018, já soltou a frase infeliz sobre o momento testosterona e Marina - convenientemente descontextualizada e manipulada à esquerda e à direita -, e novas devem vir, se deixarem ele falar. Teve sua segunda chance em 2006: se se anunciasse como um voto crítico à esquerda ao governo Lula, poderia ter se gabaritado para 2010. Manteve-se leal ao líder, e agora tenta se descolar de um modo até raivoso. Pelo momento atual, novembro de 2017, não entra em 2018 para vencer. Na verdade, fora do PT ainda não apareceu nome algum cuja vitória na eleição (se houver) seja factível.
A exemplo de todas as outras eleições, o Psol deve lançar candidatura própria. Desde sua criação é  bastante claro a quem quiser ver com alguma imparcialidade que o Psol é uma dissidência intelectual-acadêmica do PT, um PT sem base social. Promete começar a mudar essa escrita - finalmente - em 2018, ao aventar o nome de Guilherme Boulos, do MTST, como candidato. Com remotas chances por enquanto, sua presença seria um grande ganho para o debate, dado seu histórico de militância e sua sólida formação intelectual, ao trazer um líder de um movimento popular em plena efervescência para o centro do debate eleitoral.
O PCdoB, surpreendendo a muitos, pretende lançar a deputada gaúcha Manuela D'Ávila. Outro nome que deve enriquecer o debate - desde que saiba quem atacar, e não tente disputar eleitorado na base de desqualificação de quem está mais próximo. Gilberto Marigoni, do Psol, louvou a pré-candidatura, chamou de "desprendimento grandioso" a troca de uma eleição certa para a câmara dos deputados por uma candidatura com remotíssimas chances - diz o professor acadêmico que essa troca é importante para discutir projetos de país. Ouso discordar de Maringoni. Por mais que a política brasileira seja altamente personalista, é de se questionar se precisamos aceitar esse padrão. Convém lembrar que a eleição de Collor ao senado, em 2006, pode ser creditada na conta do Psol e de Heloísa Helena, mesmo que indiretamente; e se se trata de discutir projetos de país, é de se imaginar que o PCdoB possua um projeto para além de quem seja o candidato. 
Esse desdém para com o legislativo (e, consequentemente, com as eleições para deputado e senador) mostra o quanto a esquerda ainda patina em estratégia para 2018 (caso haja eleições). Vencer a majoritária e acabar refém de um novo Eduardo Cunha e de uma câmara reacionária como a atual será uma vitória de Pirro - a história recente do país deveria ter nos ensinado, porém ignoramos. Enquanto a direita trabalha também candidatos para o legislativo, com MBL, ou o tal do "Fundo Cívico" de Huck, Diniz e Guanaes, a esquerda abdica de nomes capazes de trazer votos - e coerentes com as bandeiras progressistas: alguém do naipe de um André Sanchez (que recentemente propôs a cobrança de mensalidade no ensino público), é um desserviço que se presta ao país (neste caso, o PT, mas Psol, PCdoB, PDT não deixam nada a desejar nesse quesito) -, em nome de campanhas propositivas e com poucas chances de vitória. Diante de todos os retrocessos sociais vividos desde o golpe, a esquerda não pode se dar ao luxo beletrista de promover o debate em detrimento de vitórias efetivas - até porque o debate pode ser conduzida por outra pessoa, sendo o próprio Maringoni um exemplo de ilustre desconhecido que disputou eleição majoritária.
Como disse, trata-se de um panorama do que se projeta a partir de um momento bem específico: novembro de 2017, e uma nova estratégia da direita e da mídia para o PSDB. Até a eleição, cabe antes garantir que ela acontecerá, e acontecerá sem um golpe judiciário - ou seja, que fique apenas suscetível a um golpe midiático branco, a exemplo de 1989, 1998, e do que se tentou em 2002, 2006, 2010, 2014. E além de pensar em disputa institucional, é preciso encontrar modos de ampliar a mobilização popular, na tentativa de evitar maiores retrocessos e engajar as pessoas nas eleições, ou mesmo na sua defesa. Se parte da esquerda permanecer deitada em berço esplêndido esperando a eleição chegar, quando se der conta, mesmo que ganhar a presidência, não vai ter muito mais a fazer que administrar o caos e os cacos de um resto de país.

09 de novembro de 2017

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Câmara de Deputados 2016: a casa do clichê e da desilusão

Leio no portal da Câmara dos Deputados entrevistas com os líderes dos partidos na casa. Nossa legislação, ao não ter uma cláusula de barreira, permite a bizarrice de partidos sem expressividade e sem qualquer ideologia tenham direito a líder de bancada e toda as vantagens com apenas cinco deputados - parece até propaganda de aparelho de exercício mágico da década de 1990. As breves entrevistas das lideranças são feitas basicamente de clichês sobre tópicos postos pelo governo e ecoados pela Grande Imprensa, já na primeira pergunta, "Quais serão as prioridades da sua bancada em 2016?": ajuste fiscal, reforma da previdência, reforma (sic) tributária, recriação da CPMF, desvinculação das receitas da união (DRU), agenda positiva, crise, impeachment da presidenta da República ou do presidente do congresso. A principal variação é se o discurso fala em "direitos" ou "impostos", o que distinguiria um partido mais à esquerda de outro, mais à direita. No fim, pobreza de idéias e a subordinação extrema ao poder executivo e à Globo e afins impera - incluo aqui o necessário impeachment de Eduardo Cunha, ele próprio já rebaixa a Câmara.
O discurso do líder do PSC, André Moura, parece ser press release da Globo, da Veja ou da Folha. O PSD, fiel à sua filosofia de não ser nem de esquerda, nem de direita, nem de centro, nem a favor, nem contra, produz três parágrafos para não dizer nada. De diferente, apenas a fala de Sarney Filho, líder do PV, sobre a prioridade do partido à caça ao Aedes aegypti; e de Ivan Valente, do PSOL, que lembrou a necessidade de reverter a marcha para o obscurantismo posta em movimento acelerado desde a eleição de Eduardo Cunha. O PPS, partido satélite do PSDB e cada vez mais próximo da extrema direita reproduz o discurso das pessoas felizes comentada pelo historiador Leandro Karnal [http://j.mp/1KEN9hl], pessoas que substituíram cultos como do Papai Noel e do Coelhinho, pelo culto da corrupção isolada: "A crise brasileira, seja econômica, política, social, tem um nome: Dilma Rousseff".

Enfim, me centro na entrevista do deputado baiano Antonio Imbassahy, líder da principal força de oposição partidária ao governo federal, o PSDB. Sem reproduzir o Febeapá dos populares socialistas, ele diz logo a que veio o partido: "trabalhar o impeachment, o afastamento da presidente Dilma a partir de uma convicção de todo o PSDB, das oposições e da maioria esmagadora da população, que com Dilma no Palácio do Planalto o Brasil só vai piorar ainda mais (...). Ela cometeu crime de responsabilidade e, portanto, numa democracia, tem que ser afastada". Mais interessante contudo, é o que ele não diz: que o que anima o partido é unicamente o poder: não possui um projeto alternativo a ser contraposto - seja econômico, político ou para a Câmara dos Deputados, já que ele fala em corrupção -, não fala em transformar o Brasil no paraíso, como Rubens Bueno, nada: fala em disputar a chave do cofre. Inclusive, diz no fim da entrevista: "não dá para o governo federal ficar com essa montanha de dinheiro e essa corrupção exagerada", sem dúvida uma idéia bastante Veja (ou rasa, se preferir) do uso do dinheiro público: ficar com o governo federal, como se esse dinheiro não fosse gasto no custeio da máquina pública, pagando professores, médicos, agentes de controle de epidemias, reforma de estradas, etc. O dinheiro público, montanha ou montinho, não deve ficar em lugar nenhum: deve voltar à população. Teria sido um ato falho, que indica a visão de partido de butim estatal que o PSDB possui?

Não há como não lembrar das manifestações de junho de 2013: grande parte dos analistas atribuiu as manifestações a uma crise de representação política. Essa crise continua e os atuais partidos nada fazem para tentar alterar sua relação com a sociedade e com os poderes. Uma parte dos desiludidos foi facilmente cooptada pelos movimentos das pessoas felizes, encabeçada pela lastimável figura de Jair Bolsonado e logo seguida pelo PSDB de Aécio Neves, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira e Geraldo Alckmin. Outra parte segue à deriva, em busca de um modus operandi político que fuja da burocratização, do ativismo binário, da briga pelo poder ser anterior à briga pelos ideais. Essa parte aderiu ao PT na última eleição por medo de retrocesso e não por acreditar no partido: ela segue em busca e, mais importante, começa a se articular na construção de alternativas - o partido RAiZ Movimento Cidadanista, da deputada Luiza Erundina, tem se mostrado como a principal aposta daqueles que crêem em um outro mundo possível, feito de uma outra forma de política, de uma outra forma de se pôr na sociedade; todos ganhamos se a aposta se mostrar frutífera.

22 de fevereiro de 2016

domingo, 5 de outubro de 2014

Junho x eleições [Eleições 2014]

A quatro dias das eleições, no vão do MASP, na avenida Paulista, alguns jovens fazem campanha para o PSOL, panfletam e discursam. O que primeiro me chama a atenção é que todos ali aparentam, no máximo, vinte e dois, vinte e três anos. A ausência de qualquer pessoa um pouco mais madura me fez lembrar da definição lapidar de Lula, em 2006, para a distribuição de papéis na sociedade do espetáculo: "se você conhece uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema. Se você conhece uma pessoa muito nova de direita, é porque também está com problema". Me pergunto se algum desses jovens será mais que carta marcada nessa encenação que parte da rebeldia sem causa, passa pela contestação legalista e acaba na assunção da inefabilidade do status quo. Se se tornarem conservadores de esquerda - a exemplo do PT ou dos "antigos" do próprio PSOL -, uma elite intelectual, sindical e política com preocupações sociais, que reivindica melhor distribuição de renda e oportunidades, desde que não se mexa no seu status quo, podemos considerar um ganho, dado o atual estado da arte política no Brasil,
O que mais me chamou a atenção, todavia, foi a frase dita pelo adolescente ao microfone, que, no meu ver, aponta o quanto a política partidária e representativa está distante das reivindicações das chamadas jornadas de julho, e o quanto a esquerda tupiniquim organizada em partido é ou fraca ou conservadora (fico com a segunda opção). Dizia o jovem que o período de eleição presidencial era a época para a discussão de idéias para o país. Nada mais equivocado: eleição é época de síntese dessas discussões e apresentação de propostas de governo. A discussão de idéias deve ser feita todos os anos, todos os dias. Não é o que a esquerda partidária brasileira faz (menos ainda a direita): guiada por um calendário externo, ela encampa discussões postas pelo governo, pelo poder, e é incapaz de estabelecer uma pauta própria de discussões - mesmo que sejam discussões derivadas. Aí está a diferença de PT, PSOL e demais partidos para o MST na década de 1990, o MTST nos últimos quatro anos, em especial, e o Passe Livre, ano passado: esses movimentos foram e ainda são capazes de impôr uma agenda ao governo de turno, obrigam o poder a mudar sua rota para debater com o povo organizado, tendo que se pôr, muitas vezes, em situação delicada frente à uma pretensa sociedade organizada, que representa os de cima e tem seu status legitimados pelo poder. FHC não falou em debater a reforma agrária para o MST começar a se organizar, foi o contrário: a pressão do MST fez com que a reforma agrária não saísse da pauta do governo e da Grande Imprensa durante o tucanato. A mesma coisa o passe-livre e a questão da mobilidade urbana: posso estar errado, mas até junho a gestão Haddad investia nos corredores de ônibus e o modal bicicleta estava reduzido aos passeios de domingo - agora Higienópolis e Santa Cecília ameaçam pegar em armas para defender o direito da vaca-sagrada brasileira ir e vir e parar onde quiser.
Hoje tem eleições (escrevo domingo pela manhã), e independente do vencedor, os partidos que compõem nossa democracia devem seguir no seu caminhar de sempre: de costas para o povo, até que ele ocupe as ruas, grite e se faça ouvir. Se forem capazes de ouvi-lo e trazer essas reivindicações para dentro da arena institucional, sem ser pela via da criminalização, será pouco, mas já podemos nos dar por felizes.

São Paulo, 05 de outubro de 2014.