Mostrar mensagens com a etiqueta Shop Sui. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Shop Sui. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

O homem sem resistência

(Livre interpretação de Black Out, da Plataforma Shop Sui)


"O homem sem resistência" - se eu precisasse resumir em uma frase a coreografia Black Out, de Fernando Martins, da Plataforma Shop Sui. Algo bastante pertinente, diante do que diz o programa, de que a obra "relata os demônios interiores que atormentam um ser nas últimas horas de sua existência": há como resistir ao indefectível? Minha leitura, contudo, não foi de alguém em suas últimas horas, mas de um indivíduo em seu dia-a-dia, alguém que vive a vida que lhe permitem, se adaptando ao que há, sem questionar o porquê, tentando poupar o peito para evitar a dor.
Diante de um trecho de música repetido exaustivamente, compulsivamente, presenciamos um corpo que parece não pertencer ao seu sujeito - o qual está mais preocupado em desviar das luminárias e seguir para o próximo foco aceso. Em um trabalho corporal de impacto, vemos o intérprete fazer alegorias a, citações de movimentos estereotipados. Movimentos executados com precisão, mas que não lhe pertencem. E nesse estranhamento do sujeito consigo, não só os movimentos se desfazem, como o próprio corpo se desfaz. Mais: se desfaz enquato pessoa, em quanto sujeito. De não resistir em não resistir, de foco em foco, de ordem em ordem, ao não encarar essas pequenas e banais violências mudas, não opôr resistência a elas, fugir do enfrentamento, da dor, o sujeito vai sendo reduzido e massacrado em sua humanidade, ele se zoomorfiza - em boi, em pavão. Não por acaso seu grito - amplificado por um megafone - é metálico, não-humano. Um grito de desespero de quem não é mais ouvido em sua aflição. 

São Paulo, 05 de setembro de 2014.