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terça-feira, 15 de julho de 2014

Política travestida de análise: quando distorcer os fatos é sinônimo de bom jornalismo.

Costumo dividir os formadores de opinião da Grande Imprensa tupiniquim (em letras maiúsculas pra serem grandes ao menos em alguma coisa) em três grandes grupos: os que fazem análise política, os que fazem política travestida de análise e os que latem o que os donos querem. Estes últimos são os tais polemistas: Sheherazade, Jabor, Pondé, Mainardi (alguém lembra dele?), Azevedo, entre tantos, que destilam ódio e intolerância mal disfarçados em silogismos constrangedores pela precariedade. Talvez num passado longínquo já tenham escrito algo razoável, digno de reflexão. Hoje, o que refletem é a ignorância que assola o país, o pior do senso comum classe-média-alta conservadora. Os primeiros são raros de encontrar. Antes da vejanização da Folha de São Paulo e conseqüente folhização do Valor Econômico, este tinha a fantástica Maria Inês Nassif, analista do mais alto quilate que, sem esconder suas preferências políticas, busca deixá-las de lado quando faz suas análises (lembro um artigo sobre o PFL-DEM, seu risco de sumir e as alternativas que lhe restava, parecia ter escrito para o partido). O Estado de São Paulo, não sei como, mantém um patinho feio desse naipe, às segundas-feiras: José Roberto de Toledo, que antes da copa do mundo já avisava que haveria uma surpresa àqueles que criam nas manchetes dos jornais sobre as eleições de outubro. A Folha, mesmo a contragosto, mantém Jânio de Freitas e alguns poucos outros, ciente que eles sustentam boa parte das suas assinaturas, resquícios de quando o jornal dava credibilidade aos colunistas e não o contrário.
Já os que fazem política travestida de análise, esses proliferam aos borbotões na Grande Imprensa: mais do que pregar aos convertidos, como os tais polemistas, ele tentam legitimar os desejos dos chefes, ao justificar manchetes fictícias (para não usar um termo muito pesado), ao tentar argumentar o porquê do que eles querem ser o mais provável. As apresentações das pesquisas de intenção de voto para a eleição de outubro são um ótimo exemplo: falam em risco real para o PT de vitória da oposição, sendo que as pesquisas, mesmo depois de mais de um ano de fogo intenso contra a presidenta Dilma, apontam vitória da petista ainda no primeiro turno. Diante dos dados de hoje, essa possibilidade de vitória de Aécio está mais ou menos equivalente à do Brasil contra a Alemanha, no intervalo do jogo: pode ganhar? Pode. Mas vai ter que suar um bom tanto a mais, ou esperar qualquer milagre, um apagão alemão, um escândalo atingindo diretamente a chefe do executivo e sem equivalente no campo oposicionista, um proconsult, uma edição um pouco enviesada do último debate.
Exemplifico um pouco mais este grupo majoritário com dois exemplos do jornal Valor Econômico, jornal que assino (sim, sou um jurássico que gosta de tomar café sujando o jornal) não por mérito dele, mas por demérito dos concorrentes. No jornal do dia nove de julho, Cristiano Romero escreve artigo intitulado "Inflação em 12 meses supreende governo" (na semana anterior ele já havia escrito "Indicadores de crise"). O texto serve para reafirmar o que seria o ponto fraco do governo petista, depois que mensalação petista, Petrobrás e fiasco da copa parecem ter perdido sua capacidade de comover o eleitor. O próprio título já sinaliza um governo pouco preparado, que é pego de surpresa com algo que a Grande Imprensa tem dito, dia sim, outro também, desde que o tomate teve sua elevação sazonal de preços, no ano passado. As medidas para conter a inflação são postas em dúvida, há inflação represada nos preços administrados, o governo petista tem histórico de descumprir o centro da meta. O resultado disso tudo, ele não anuncia, mas é alardeado em todo lugar: inflação alta é igual a crise, país na bancarrota, população na miséria. Discurso que parece não ter surtido muito efeito no eleitorado, talvez porque o país tenha taxa de desemprego abaixo de 5% e aumentos reais dos salários. Na página seguinte à coluna de Romero há uma reportagem com Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, entre 1995 e 1998 - durante o primeiro governo tucano, portanto -, e sócio de uma consultoria. Vaticina ele, que não pode ser acusado de petista, não apenas que a inflação de 2014 fica abaixo da meta, como que analisar a inflação dos últimos doze meses, tal qual o colunista ao lado, não faz muito sentido: primeiro, dado os solavancos naturais no índice de preços; segundo porque o que vale é a inflação do ano (no caso, 2014), não a acumulada em um ano; terceiro, porque é a previsão para os próximos doze meses que deve ser levada em conta (hoje em 5,89%) - o que está afim à teoria das expectativas racionais que economistas neoliberais tanto gostam e se utilizam para criticar a indexação de salários (nunca dos preços).
No mesmo dia nove de julho, o incauto leitor do Valor é alertado pela sagaz colunista Rosângela Bittar, chefe de redação do jornal (reparem que não me rebaixei ao precário Raymundo Costa), de uma "armação ilimitada" da petista: votar em Dilma é votar em sabe-se-lá-o-que: enquanto os adversários já anunciaram suas equipes econômicas e delimitaram com clareza o caminho que seguirão, a presidenta, não diz nomes e só aponta linhas mestras para um eventual segundo mandato: "noutras palavras, quem quiser votar em Dilma, que o faça no escuro (...). O que ela apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral como programa de sua candidatura foi um plano fantasia, para cumprir tabela legal. O eleitor que crie a expectativa que quiser sobre o que vem aí, prenúncio de que boa coisa não é, senão o governo propagaria". Para chamar o eleitor da petista de idiota só faltou o adjetivo - por isso incluo ela nos analistas que fazem política e não nos que latem, porque ela tem um resquício de educação, mesmo que honestidade intelectual não seja seu forte. Ou então ela não lê o jornal que paga seu salário. Dois dias antes, reportagem de Vandson Lima e Raqual Ulhôa mostrava o festival de chavões lugares-comum e desconectados do discurso efetivo dos três principais postulantes ao Planalto, em que é quase impossível saber quem apresentou o que no seu programa de governo registrado no TSE. Bittar fala meia verdade ao dizer que Dilma apresentou um plano fantasia: esqueceu de dizer que não foi a única. Dois dias depois, Bittar foi contradita no mesmo Valor Econômico por Leandra Peres, em seu artigo "Dilma continuará na Fazenda em 2015". Ué? Mas não era um voto no escuro? Como, então, Leandra diz que ao votar em Dilma sabe-se bem o que virá? Para complicar a situação de Bittar: Peres tem argumentos bem mais consistentes que a chefe.
O que mais me irrita nesse tipo de "análise" é o pressuposto de que o leitor é incapaz de ler e interpretar fatos e gráficos e, principalmente, incapaz de perceber que eles estão distorcendo os fatos e não interpretando. Em outras palavras: pressupõem que o leitor é um apedeuta microcéfalo. Um burro. (Folha é especialista nesse em tratar o leitor com essa falta de respeito). O que me assusta é que se esses são os exemplos de formadores de opinião ponderados, o que nos resta é um rebaixamento ainda maior do debate - não por acaso o desprezo à "verdade factual" (por mais que falar em verdade ao se tratar de sociedade seja difícil, há pontos mínimos que não se pode negar) já é replicado em blogues, à direita e à esquerda (e sequer me refiro aos blogueiros raivosos).

São Paulo, 15 de julho de 2014.