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domingo, 20 de maio de 2018

Deus e os milagres de R$ 1,99

No mercado, passo um tempo diante do balcão refrigerado, hesitante entre as diferentes opções de massa fresca recheada, na esperança de uma delas não ser ruim como todas - logo mais terei outra decepção, o que atesta minha teimosia em achar que esse tipo de industrializado possa ser gostoso. Enquanto leio rótulos e pondero sabores, ouço a conversa do segurança com uma funcionária - falam de uma terceira pessoa. Explica ele que "...foi um chamado de Jesus, que insistiu, porque realmente queria ela, e ainda bem que ela aceitou...". A conversa vai por essa linha, o homem falando compenetrado dos desejos de Jesus, desnudados feito genitais de um filme pornô, à mulher que tem um olhar crédulo em meio à face aparvalhada. Não por menos: nestes tempos em que espíritos de porco fizeram com que pessoas sequer consigam saber o que desejam, o segurança do mercado fala com toda a propriedade não apenas dos desejos de deus, como dos sinais dados por Jesus - que dá pinta de ser uma histérica grave.
Minha vontade é falar para o homem cair na real e pôr em questão se ele é mesmo o psicanalista de Jesus, como se faz passar. Não me intrometo no assunto - que não me diz respeito enquanto ele não falar que "tem que matar" gays, vadias ou qualquer grupo que desperte nele desejos que não pode admitir - e sigo com minhas compras. A farta oferta de basicamente mais do mesmo do supermercado me deixa em permanente dúvida, e antes de ir ao caixa, volto ao local das massas, decidido a trocar de sabor - talvez.
O homem segue com a pregação: "...e quando precisei, pedi pra Jesus, rezei e fui atendido...". Olhei para ele, quase crédulo que Jesus devia ser o auxiliar de faxina, mas pela forma como segue sua história de milagre - algo não muito maior que uma unha encravada curada em quinze dias -, noto que é do cabeludo famoso que ele fala. Com algum pesar, admito, percebo que deus segue sua decadência: quem um dia criou o mundo, a luz e as trevas, é agora ajudante de serviços gerais de um segurança de mercado de bairro. "É de bairro de rico!", argumentarão alguns. Outros questionarão se tenho preconceito com profissões subalternas, o que nego veementemente, e se não falo do deus de Dallagnol e Bretas é porque gosto da exegese da Teologia da Libertação, e tenho certeza que esses engravatados não falam com deus, nem de deus - a Bíblia fala sempre dos falsos profetas, passagem que cristãos cheios da grana e de ódio sempre pulam, junto com algumas outras de menor importância, como a que fala em perdão, paz, amor, essas besteiras.
Enfim, volto para casa com a decepcionante (então ainda esperançosa) massa recheada e pensando que deus todo poderoso, agora voltado ao segmento de milagres de R$ 1,99, quem sabe "deus-parceiro" em algum aplicativo uber-god, uber-miracle da vida, se dedicasse a preparar massas recheadas prontas, talvez tornasse mais pessoas felizes - ou contentes, que seja.


20 de maio de 2018