quarta-feira, 5 de setembro de 2001

Falem mal, mas falem de mim

Eu sei que citar qualquer coisa, quanto mais escrever uma crônica inteira dedicada ao assunto é entrar no seu jogo, mas não resisto. Também eu vou chover no molhado.
No final da década de 60, início da década de 70, um grupo de jovens "meu umbigo é o centro do mundo" surgiu na cena nacional, através do movimento Tropicália. Dentre esses jovens, chamo hoje a atenção para um: Caetano Veloso. Me desculpe aqueles que acham ele o máximo, mas sou obrigado a discordar e rechaçar essa idéia como sendo tão estapafúrdia quanto dizer, durante a Europa da Idade Média, que Deus não existe. Pode-se gostar de sua música, dizer que é de qualidade, questão de gosto. E mesmo quem não gosta se vê obrigado a admitir que pelo menos uma ou outra música dele é realmente muito boa – apesar que nos últimos tempos, nem isso pode ser dito.
Não me refiro aqui ao Caetano compositor, mas sim ao Caetano artista, desse que aparece em Caras e Vídeo Shows da vida. Desse que anda sempre a cata dos holofotes para agraciar seu ego, e o pior, encontrando sempre holofotes prontos para iluminá-lo. Do Caetano a que somos obrigados a engolir. E junto suas besteiras, como sendo ditas por um intelectual, por alguém de visão privilegiada do nosso dia-a-dia. Ora, tenha santa paciência! Caetano não sabe absolutamente nada do que ocorre no Brasil ou no mundo, salvo aquilo que se choca com seu umbigo.
Não vamos recordar o passado longínquo para achar podres na sua biografia. Para não haver a desculpa de que ele, naquela época, era imaturo, pegaremos um caso ocorrido há poucos dias. Dia 28 de agosto para ser mais exato. Nesse dia, Caetano se assustou, foi pego de surpresa por um acontecimento um tanto quotidiano para a maioria das pessoas das grandes e médias cidades: foi assaltado. Veja você a audácia de assaltarem Ele, Caetano Veloso, O filho predileto de Deus, que se perguntando com quem se compara sua importância para a história da humanidade é capaz de responder com qualquer um que seja citado pelo entrevistador. Jesus quem sabe se aproxime Dele. Junto com a audácia que foi assaltarem-No houve também seu espanto por descobrir que assalto não é estórinha da televisão.
Indignado, Caetano em poucas palavras bramiu a solução para o Brasil: "Vou votar em Lula", disse o sábio intelectual, que depois de aguçada observação da realidade nacional descobriu que o governo FHC nada fez, ou fez muito pouco, para diminuir a violência. Mas no dia seguinte, humildemente, Ele reconheceu seu erro, ao ver que a polícia havia se empenhado na busca do seu bem-estar, e teve uma segunda opinião, mais ponderada: resolveu "deixar o tempo decidir". Bem fez ele. Onde estava com a cabeça ao declarar apoio ao Lula? Um analfabeto, feio, barbudo, que trabalhava em indústria tendo o apoio Dele? Numa próxima entrevista, é bem provável que Caetano se explique melhor: estava com a cabeça quente e não queria dizer aquilo.
Ainda bem que foi um assalto e não um seqüestro ou uma bala perdida, pois então ele declararia seu apoio ao Tuma, ao Fleury ou ao Maluf.
Nessa mesma próxima entrevista ele provavelmente vai ratificar seu apoio ao presidente e ao seu plano de governo. Argumentará, com toda sua sapiência, que FHC é, como ele, um intelectual que, como ele, teve que se refugiar da ditadura – pois é, FHC com muito esforço, tem conseguido o impossível: superar os milicos! E como intelectual PhD – coisa que nem Ele tem! – não pode estar errado. Pode falhar algumas vezes, mas são pequenos desvios, insignificantes. Concluirá mostrando como nosso Brasil evoluiu em seu reinado: os carros que circulam hoje são mais bonitos, modernos; os modelos da TV e revistas mais bonitos, mais vaidosos; temos no supermercado uma infinidade de produtos u-ti-lís-si-mos que não encontrávamos antes; não há inflação; e que por muito tempo pôde-se fazer várias e longas viagens para o exterior, que estava muito barato. E algumas outras vantagens mais, como o preço do caviar, etc.
Bem sabia eu que não falaria nada de novo. Disse no início: estava entrando no seu jogo. Melhor parar por aqui, que já fui longe demais. Para finalizar, a conclusão a que se chega é: Caetano não se discute, se ignora.

Pato Branco, 05 de setembro de 2001

terça-feira, 4 de setembro de 2001

Pobre PS

Acho que já comentei com alguém este fato – se não estou enganado, foi com minha mãe – mas o comentário que fiz foi apenas uma constatação, sem maiores reflexões.

Mas hoje resolvi retomar o assunto, agora com mais profundidade – não muito, pois me falta muito conhecimento para aprofundar este ou qualquer outro assunto. Lembrei-me no meio da tarde de que havia esquecido de incluir uma nota interessante no rascunho do e-mail que mais tarde enviaria à uma amiga. Mentalmente escrevi o postscriptum. Foi quando eu ligava o computador para escrever – agora de verdade – que lembrei do que havia comentado com minha mãe sobre o dito PS.

Parece que o querido e prático PS está com seus dias contados. Uma pena. Tão simpático e útil era que me custa pensar que ele é um peso morto, algo arcaico, dinossáurico. Graças à esta maravilha do mundo moderno: o computador, e seu filhote: a internet.

O computador e suas incríveis ferramentas de "copiar", "recortar" e "colar", seu "backspace" e tudo mais o que proporciona agilidade ao escrever é, ao meu ver, um dos responsáveis por essa escassez de (bons) novos escritores. Com toda a agilidade que ele proporcionou, com a velocidade com que se digita, não há mais a necessidade de se ruminar muito em cima de uma frase. Escreve-se hoje de certa forma instintivamente. Não se raciocina mais insistentemente como escrever uma frase: da forma que a frase vem à mente se transcreve e depois, se preciso, faz-se as devida alterações. Com isso a impressão que fica é que não se matura a idéia o suficiente – quando se matura – acabando uma frase, uma idéia potencialmente boa em justamente isso: potencialmente boa. O computador tem feito com que nossa capacidade de matutar diminua ainda mais. Mas essa é uma outra história, que posso voltar outro dia. O que me levou a escrever hoje foi a morte anunciada do PS.

Começamos por enumerar algumas das vantagens do PS. Em cartas, quando se esquece de comentar alguma coisa no seu corpo, faz-se uso dos PS; é muito melhor do que rescrever a carta toda para acrescentar uma linha, uma frase. Outra vantagem é que, mesmo se lembrando do que se queria comentar antes de escrever a carta havia o problema de não conseguir encaixar essa idéia ou essa notícia no que se escrevia. Outra vez o PS entra em ação. Lá vem ele, quando se achava que tudo estava dito, falar de algo ainda não mencionado. E se não fosse um, mas dois os assuntos marginais ao resto da carta, colocava-se PS1, PS2. Se não fossem dois, mas três ou mais... vocês entenderam a lógica. Por fim a grande facilidade de se introduzir um assunto no PS. Como é um PS não precisa de todos os apetrechos e enrolações, simplesmente fala-se, melhor, escreve-se. Curto e grosso.

E por que esta maravilha da escrita está no fim? Porque o computador, com toda sua agilidade no escrever não há problemas se você, por acaso, se lembrar de algo quando já tinha terminado a carta – no caso, o e-mail. Basta levar o cursor até onde melhor se encaixa o que se tem a dizer e digitar. E se você tem algum assunto marginal ao que escrevia na "carta", dois "enter" e pronto, está subentendido que é um assunto diferente. E os e-mails, escritos no ritmo estressado do dia-a-dia da cidade grande, não necessitam de muita firula. Fala-se de forma seca, concisa. Não se pode perder tempo, nem fazer com que o outro perca. Tempo é dinheiro, tempo é precioso. Estamos sempre atrasados para tudo. Mas isso é outra história.

Claro que o PS não está totalmente morto. Ainda se usa como enfeite, ou por saudosismo em e-mails. E ainda resta aquela meia dúzia de malucos que, assim como insistem em escrever no papel e não no computador (não tudo, é verdade), insistem em mandar cartas. E as vezes esquecem de algo importante, que poderia ser colocado no seu corpo. Ou então tem um assunto marginal, o qual não encaixa em local algum da carta. Mas gente assim são poucos e não merecem serem levados a sério.

Pato Branco, 04 de setembro de 2001