sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

A Crise na Argentina e o E no Provão

Ao ver as imagens do que está ocorrendo na Argentina, o primeiro pensamento que tive – não muito original, creio eu – foi "que bom que no Brasil não acontece revoltas como essa". Ao refletir um pouco mais, me questiono: que bom?
Segundo Clóvis Rossi, colunista da Folha de São Paulo, nem depois de 30 anos de decadência os níveis sociais argentinos batem os brasileiros. Somos 30 milhões de miseráveis e achamos isso normal. Vemos a cada dia o desemprego aumentar, os salários baixarem a violência explodir e qual nossa resposta? Segundo as últimas pesquisas, a vitória de uma candidata situacionista.
Reformulo, então, meu pensamento inicial: "que bom se no Brasil não houvesse motivos para uma revolta tal como na Argentina". Infelizmente há. E cadê as pessoas nas ruas, protestando? Essa letargia é (numa grotesca generalização) própria do brasileiro. Até mesmo os paraguaios, que são, para nós, índios que vendem bugigangas falsificadas, ou índios que disfarçam a sujeira com maquilagem, para os argentinos, saíram às ruas, na ocasião do assassinato do vice-presidente, ano passado ou retrasado, não sei bem ao certo.
Pode-se argumentar que o brasileiro é um povo pacífico e quando preciso, sai às ruas, tal como fizeram os "caras pintadas". Sobre o pacifismo brasileiro a história não comprova isso e, pelo menos para mim, as estatísticas da guerra urbana das grandes cidades, tampouco. Quanto às manifestações pelo impedimento do Collor, vale lembrar que os jovens só saíram quando a rede Globo, ou seja, a elite, pediu. Não se pode dizer que foi algo popular, apesar da adesão das massas.
Uma possível explicação à nossa apatia poderia ter como base o experimento relatado pelo professor Sebastião (não me perguntem como eu prestei atenção nisso, deve ter sido um lapso entre um cochilo e outro), de que o rato acostumado a levar choques demora para desativá-lo quando lhe é dado a oportunidade. O povo, acostumado a sofrer, acha normal e não anseia grandes mudanças; quem sabe até anseie, mas não crê que seja capaz de alcançá-las ("nenhuma nação existe sem auto-estima. Você quer destruir um povo? Faça com que ele próprio não goste de si mesmo". Bautista Vidal, Poder dos Trópicos).
Uma outra seria a de que a população pobre, desesperada em sobreviver, não tem tempo nem forças para brigar por mudanças – como se percebe nos depoimentos do livro "Memória e Sociedade", de Ecléa Bosi. Se os pobres não se mexem, a elite muito menos, uma vez que não é do seu interesse mudar a sociedade (li certa feita, não sei onde, que o egoísmo surge na abundância. Estou cada vez mais convencido disso). Sobra para a classe média a tarefa de reivindicar um país mais justo. Porém, a classe média também tem seus problemas: antes de mais nada, a famigerada "o que é que vão pensar". Você já parou para contar quantas coisas você deixou de fazer, preocupado com o que é que vão pensar se me virem em tal lugar, em tal situação, com tal pessoa? Há também o comportamento que julgamos natural do ser humano: o egoísmo, o egocentrismo (brilhantemente mostrado na filme "E sua mãe também"). Outro empecilho é que, assim como a elite imagina que pensando como os americanos chegarão ao mundo desenvolvido, nós, classe média, imaginamos que pensando como a elite estaremos a um passo de sermos ricos, logo, vemos qualquer mudança com receio, temos medo de que as coisas piorem, por piores que estejam. Por conta dessa cautela, as coisas não pioram (aparentemente), mas dificilmente melhoram. Costumam estancar no ruim. O resultado é caos social que estamos sempre beirando, quando não vivendo.
A classe média tem tentado, de alguma forma, preencher essa função que lhe é incumbida. Faz isso através, principalmente, do trabalho voluntário. Entretanto, há trabalhos e trabalhos voluntários. Existe aqueles que são mais que um paliativo, são uma pequena revolução, tal como podemos assistir no programa "Caminhos e Parcerias", domingo, 18h na TV Cultura.
Pensando sobre as possibilidades de no Brasil ocorrer levantes populares tal como na Argentina, lembrei-me de uma conversa que tive, no início do ano, não sei com que colega. Conversando sobre boicotar ou não o provão, essa pessoa disse que não concordava com o provão, era a favor do boicote, mas achava que depois de dois boicotes os alunos deveriam fazer a prova, só para não haver sanções. Eis uma boa síntese do pensamento revolucionário brasileiro: tentar mudar, mas sem grandes choques, sem grandes riscos. Na minha opinião, seguir esse esquema ou não boicotar tem os mesmo efeitos. Não estou muito inteirado com o assunto provão, mas acredito que o melhor a fazer é tirar três, quatro, cinco notas E, e convidar o ministro da educação para tentar fechar um dos melhores cursos de psicologia do Brasil. A boa e velha desobediência civil de Gandhi. Temos que aprender a dar tiro no próprio pé para que não nos cortem a cabeça.

Pato Branco, 21 de dezembro de 2001

segunda-feira, 3 de dezembro de 2001

Yes, nós somos brazileiros!

"Pobre do país em que nem os seus intelectuais pensam com a própria cabeça."
eu, na questão 9 da prova de PGE II

Imagine a seguinte cena: você chega para seus amigos e comenta, como quem não quer nada:
- Um professor meu, da faculdade, teve um artigo publicado na edição atual da revista científica "Journal of Psychological Science". Seus amigos farão um "Oh!" em coro uníssono e pedirão mais detalhes. Você, depois de tanta insistência, conta das maravilhas que é estudar numa universidade do padrão das de primeiro mundo, onde os professores publicam artigos, em inglês, inclusive.
Agora imagine a mesma cena, mas com uma pequena diferença: a revista não se chama "Journal of Psychological Science", e sim "Jornal da Ciência Psicológica". Pior, "Jornal Brasileiro da Ciência Psicológica". Brega, não? Isso é para você ver como os professores da "Filô" se preocupam com tudo antes de tomar qualquer atitude.
A folha noticiou há algumas semanas que professores da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto lançarão ano que vem a primeira revista científica brasileira sobre psicologia editada totalmente em inglês. A edição ficará a cargo do professor Joseph Appeared of Bramble (aquele, que por ter fruência em ingrês, fala psicologia crínica).
É inquestionável que o inglês é hoje a língua hegemônica, e que uma revista editada em tal idioma terá muito mais abrangência e repercussão.
Porém, ao meu ver, a U$P, como detentora da fama de melhor universidade, deveria dar o exemplo de produção científica autônoma, não no sentido de independente de influências externa, que isso é muito difícil, além de não ser benéfico, mas no sentido de valorizar um pouco o país que representa, preservando, no caso, o idioma. Um artigo em português (já que falei em português, outra coisa que não está certo, somos 150 milhões de habitantes contra 15 de Portugal, e nós é que temos que falar português, ao invés deles falarem brasileiro?!) pode perder sua repercussão e abrangência, mas de forma alguma perderá sua qualidade. E, até onde eu sei, o principal de uma pesquisa científica é a qualidade. Se fosse o caso, a revista poderia ser editada em inglês e português. Agora, apenas em inglês vai acabar por ter abrangência no mundo, mas alijará de seus artigos seus alunos – sem falar nos contribuintes – que não sabem inglês. Pode-se argumentar que aluno de universidade tem que saber inglês. Tem não, é recomendado que saiba.
Claro, argumentar que a defesa da língua, da qualidade é mais importante que a repercussão da revista e dos artigos muito pouco ou nada vale neste antro de vaidades que é a U$P (agora fui uspiano!). Ninguém quer ficar mal falado ou (pior!) não ser falado.
Resumindo a ópera (que eu estou enrolando, enrolando, mas não dizendo nada): não acho que não se deva escrever em inglês, mas não deveria uma universidade brasileira, pública, ainda por cima, deixar de lado o português; uma revista nos dois idiomas agradaria a gregos e troianos (ou melhor, a gentleman e caipiras). Abandonar o português é o primeiro passo para deixar de lado os problemas especificamente brasileiros. E se uma universidade brasileira não se prestar a isso, quem fará?

Ribeirão Preto, 03 de dezembro de 2001