sexta-feira, 8 de fevereiro de 2002

O novo PT é Supla!

Com o aparelho de som no conserto, e no desespero em fugir de mim mesmo (a palestra do Frei Betto, no Fórum Social Mundial, aumentou ainda mais minha crença de que o grande medo do homem moderno não é a solidão, mas estar só consigo próprio), me vi compelido (ó!) a ligar a tv. Passando os canais, deparo com o Supla, filho dos senhores Eduardo e Marta Suplicy, dois exemplares petistas da ala "cor-de-rosa".
Supla pode ser visto, em parte, como a síntese do novo PT: criado em bairro de classe média-alta, filho de sexóloga com economista, ele canta em inglês, grava clipe nos Estados Unidos, força sotaque americano, e com seu visual punk – que um dia foi sinônimo de rebeldia e subversão, mas que hoje, incorporado ao sistema, é apenas mais um modelito vendido em lojas de grife – ele faz qualquer coisa para se promover e agradar à grande massa (como Genoíno defendendo a Rota e a prisão perpétua): serve de palhaço em programa da MTV, ator em novela global (quer coisa mais Sistema que isso?) ou 0peça do voyerismo vulgar e deprimente da "Casa dos Artistas".
É a imagem no lugar do conteúdo, como as propagandas do PT na tv, ou o discurso demagõgico que Lula fez em um dos seminários do Fórum Social Mundial.
Já que falei em imagem. Supla pode ser visto também como a imagem do PT maduro, como os meios de comunicação e os jornalistas coagidos pelo Sistema gostam de se referir à "ala moderada" (outro bonito nome, bem fascista) do partido. É engraçado isso de partido maduro ou não. PSDB, PMDB, PFL, que desde sempre defenderam interesses das elites, e buscaram o poder pelo poder, nunca foram taxados de partidos imaturos ou que precisassem amadurecer (e olha que partido mais "jardim-da-infância-sem-professora" que o PMDB é difícil). Por sua vez, o PT só tem "amadurecido" conforme abandona sua ideologia e se assemelha aos partidos de centro e de direita.
Cientistas políticos costumam dizer que a democracia no Brasil ainda não está consolidada. Tomara ela não se consolide apenas quando o PT estiver complemente "maduro"! Oxalá o PT cesse sua maturação no atual estágio! O que nossa elite quer é que a democracia brasileira se consolide aos moldes estadunidenses: que as diferenças entre o candidato do PT e do PFL sejam as mesmas de Al Gore e George W. Bush: o nome, a cara e o partido, só.

Ribeirão Preto, 08 de fevereiro de 2002

quinta-feira, 24 de janeiro de 2002

É tudo culpa das drogas

Em 1988, quando era visível a derrocada da União Soviética, o governo e a imprensa dos Estados Unidos elegeram a guerra contra as drogas como justificativa aos gastos militares. Depois de um ano de intensa propaganda sobre os males do uso e do tráfico de drogas os estadunidenses, que antes quase ignoravam o problema, passaram a vê-lo como um dos principais do país.
No Brasil, extirpado o perigo vermelho e "redemocratizado" o país, a desculpa para nossos males era a inflação. "Vencida" esta, nosso presidente-sociólogo resolveu, numa clara demonstração de ignorância e atraso, seguir, com suas devidas adaptações, o exemplo da metrópole: os problemas brasileiros são fruto do narcotráfico e do uso de drogas! Com a ajuda da imprensa, provou-se por a+b que o narcotráfico corrompia a polícia, que a corrupção na corporação nada tinha a ver com os baixos salários e péssimas condições de trabalho; que o narcotráfico aumentava a criminalidade, uma vez que aliciava jovens para serem soldados das drogas, ignorando que esses jovens antes de traficantes eram desempregados, sem escola, sem lazer ou qualquer amparo governamental; em reportagens com alto apelo emocional, mostrou que o uso de drogas ceifava mais e mais vidas de jovens (engraçado é que pouco se fala de uso de drogas na idade adulta ou na velhice, que há, e muito, mas como são drogas legais, remédios, não tem problema), que bastava usar uma vez e pronto, o jovem estava condenado ou a virar traficante ou a morrer de overdose.
Entretanto, os grandes jornalistas brasileiros não se submetem ao Sistema (entenda por Sistema não apenas ao governo, mas também os grandes jornais e revistas, que, quando o governo faz seu jogo, são antes um braço dele que da população; dispostos a acabar com a liberdade e democracia que tanto elogiam para defender seus interesses), e os jornalistas que sobraram, cometem lá suas gafes (para ser mais delicado).
Quando morreu, dia 29 de dezembro, Cássia Eller, noticiaram no dia a suspeita de que ela teria usado drogas. No dia seguinte, a impressão que se tinha é não era mais suspeita, era caso confirmado. Não me lembro agora se a Folha chegou a publicar algum editorial sobre o caso, creio que sim, mas lembro bem que um dos bãbãbã do jornal, Otávio Frias Filho, diretor editorial, escreveu uma coluna comentado a perda da herdeira de Renato Russo e Cazuza, mais uma vítima das drogas. O "jornais" televisivos também alardearam mais uma ilustre vítima das drogas. Foi matéria de capa da Veja Digest Seleções: "Drogas, mais uma vítima". Mas eis que hoje leio na Folha que não foi encontrado qualquer vestígio de drogas (mesmo álcool) nos exames feito em Cássia Eller! Os resultados não são oficiais, e os exames devem ser refeitos (provavelmente até encontrarem alguma coisa).
Não estou aqui defendendo drogas ou o narcotráfico. São extremamente prejudiciais, sem dúvida, mas não podem ser atacados como causa dos problemas. O narcotráfico só existe porque o governo há muito tempo (melhor dizer "há sempre") abandonou a população pobre à própria sorte e porque há quem use drogas. E os usuários existem e aumentam a cada dia graças à nossa completa falta de utilidade no mundo atual, uma vez que não há ideologia por defender ou mundo por melhorar (já não chegaram a afirmar que "a história acabou"?), apenas nosso umbigo para satisfazer.

Pato Branco, 24 de janeiro de 2002