quinta-feira, 27 de junho de 2002

A superioridade branca e a incompetência indígena

Foi essa idéia que passou a mesa-redonda que assisti segunda-feira, 24 de junho, na Unicamp, cujo tema era a situação do índio no Brasil hoje. Faço questão de esquecer quem a promoveu, assim como quem lá falou. Sei apenas que eram dois antropólogos: um era professor da Unicamp, o outro era da pastoral indigenista de algum lugar de São Paulo.

A platéia era formada principalmente por pós-graduandos em antropologia. Salvo uma exceção, as cerca de 25 pessoas lá presentes eram todas brancas. A exceção se tratava de um índio, sentado no fundo do auditório.

Começou falando o professor da Unicamp. Uma bela aula de discussão universitária: números, números e números. Não que os números não sejam importantes – e mesmo interessantes –, mas o professor poderia ter indicado, como leitura prévia, a página de onde os retirou, e falar coisas além.

Depois de uma enxurrada de números, chegou a vez do segundo palestrante. Como ele possuía (creio) um contanto mais direto com a situação vivida pelos indígenas, era grande a minha expectativa de que sua fala fosse, ao menos, melhor que a anterior. E o simpático senhor começou a recitar números e números de aldeias e tribos redescobertas Brasil afora por etnólogos que, pelo nome, não tinham qualquer ascendência indígena.

Excelente que hoje busca-se preservar a cultura e as populações indígenas, o contrário do que ocorria no princípio do século passado, quando um dos passatempos era “recolher nos hospitais as roupas infectadas das vítimas da varíola, para ir pendura-las junto com outros presentes ao longo das trilhas ainda freqüentadas pelas tribos” (Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos, p. 47). Porém a uma hora de mesa-redonda que assisti (ela teve meia hora mais) foi suficiente para notar que visão que se tem do índio hoje é a mesma de 500 anos atrás: são incompetentes e incapazes, como as crianças, que precisam de tutores (brancos, é claro) para conseguirem qualquer coisa.

Ah! Os índios também são vistos como interessante tema de dissertações, dado os muitos números relacionados.


Campinas, 27 de junho de 2002

quarta-feira, 26 de junho de 2002

Os fatos falam por si porque a fome não tem voz

A notícia publicada na Folha de 25 de junho fala por si, não precisa interpretação nem comentário. “Fome ameaça 13 milhões no sul da África”. Só de pensar que o número 13 milhões se refere a pessoas, seres humanos como nós, já choca. Ao lembrar o fracasso – noticiado poucos dias antes – da Cúpula Mundial da Alimentação, em que a Inglaterra sequer se deu ao trabalho de enviar representante, é difícil precisar o sentimento que nos toma conta: raiva, indignação, asco, nojo, desalento; são todas palavras por demais sutis.
À notícia, enfim. Nas letras grandes ficamos sabendo que 51% da população de Angola passa fome!, e que três de cada quatro habitantes da Somália sofrem de desnutrição! Alguns !!! a mais surgem ao ler o artigo da Reuters. Os números são sempre frios, mas o ser humano consegue ser mais. Transcrevo alguns trechos:
“Milhões de pessoas podem morrer de fome no sul da África nos próximos meses a menos que países desenvolvidos aumentem drasticamente o auxílio a esses países (...). Os EUA foram o primeiro país a prometer auxílio à área atingida pela seca que inclui Maláui, Zimbábue, Lesoto e Suazilândia. A iniciativa provocou fortes críticas por parte de agricultores americanos, que acusam o governo de prejudicar seu mercado (...). Em Maláui, o problema da escassez de comida foi agravado por uma decisão do governo de vender repentinamente todas as 167 mil toneladas de sua reserva estratégica de comida sem reter nem mesmo as 60 mil toneladas que sua própria política determinava. O governo diz que foi instruído a vender o estoque pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).”
Um anarquista do século XIX, desse mesmo Estados Unidos da América, dizia que numa guerra entre homens e ursos, ele lutaria do lado dos ursos. Alguma dúvida?

Campinas, 26 de junho de 2002