segunda-feira, 7 de outubro de 2002

Em busca de ontem

O tempo passa, as coisas envelhecem, as pessoas mudam. Vidas que partem, vidas que chegam. Os adultos de ontem são os velhos de hoje, os adultos de hoje foram os jovens de ontem, as crianças de hoje serão os jovens de amanhã. Eis a vida desde os seus primórdios. O inexorável caminho que ela segue, sem se importar com guerras, filosofias ou avanços da medicina. A vida que tem sempre um princípio e um fim, e ainda assim é eterna.

Mas o homem, apesar de preso à vida e à sua lei, consegue em muitos aspectos impor o seu próprio ritmo. São os hábitos, os costumes, as tradições. Mas, ao mesmo tempo que o homem tenta preservar o seu entorno tal como ele hoje se encontra, ele o modifica. Entretanto o homem nunca quer preserva o que é, mas sempre o que foi, pois o homem nunca se dá conta do que tem, só do que perdeu. Tentar preservar alguma coisa é um sinal de que, pelo menos em parte, essa coisa já foi perdida.

E não é apenas o reacionário, o conservador que assim age. Quem garante que os chamados progressistas, os revolucionários não querem, no fundo, retornar ao mundo perfeito que aparentemente os rodeava quando crianças? E mesmo as revoluções, por mais radicais que tenham sido, não conseguiram – se é que realmente tentaram – destruir e apagar os hábitos, tradições e todo o simbólico que havia antes dela.

E será mesmo que o que foi é melhor do que é? Para o homem, animal movido pela insatisfação, a resposta é positiva. Aceitar o mundo, aceitar a vida tal como ela é hoje, não passa de uma forma de depressão. É aceitar que o hoje é igual ao ontem e o amanhã será igual. É uma depressão sem a amargura, mas que não deixa de ser a negação da vida, porque a vida é mudança, é querer mudar, nem que seja para manter as coisas como estão. E para mudar, é preciso estar insatisfeito.

É a vida, então, eterna insatisfação? De certa forma é, e até certo ponto é salutar. Insatisfação não é necessariamente sinônimo de infelicidade. A insatisfação que não te prostra, não te revolta e não te desanima é a afirmação da vida. A insatisfação com esse algo grande, onipresente, mas não opressor, que temos a convicção de poder resolver com as próprias mãos, sabe-se lá como, é a afirmação da vida, é a própria vida na sua vontade máxima. Já quando a insatisfação tem algo específico que a produz ou que promete resolvê-la (uma pessoa, um objeto, uma idéia), é uma insatisfação perniciosa, que ataca a vida e não a motiva. Não é uma insatisfação com a vida, mas com aspectos dela, é se perder em picuinhas e deixar passar o que é importante. Diz-se que quem ainda faz distinção entre o Reino dos Céus e este mundo é porque ainda vive neste mundo.

Campinas, 07 de outubro de 2002

sexta-feira, 4 de outubro de 2002

Elite nossa que estais em Miami seja ilusão a vossa ignorância

Se o futuro do Brasil está nas universidades públicas, o Brasil não tem futuro.

A elite brasileira é burra. É o que diz o estudo de Creso Franco, da PUC-RJ, baseado nos números do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Cursos), realizado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico): entre os 7% mais ricos estudantes do Brasil, 21% tem nível elevado de aprendizado, enquanto o nível de 17% dessa elite é muito baixo (no México, que está logo à nossa frente, os números são 27% e 9%, respectivamente). Trata-se de alunos que estudam em escolas particulares (escolas, na sua maioria, formadoras de robôs para vestibular), que têm acesso (e não fazem uso, diga-se de passagem) a bens culturais. Esses alunos, hoje no segundo grau, logo estarão nos bancos das universidades públicas brasileiras, e num futuro não tão distante, muitos se tornarão professores dessas universidades.

E o que esperar dessa elite que tem condições de viajar e visitar o Louvre, de assistir à Filarmônica de Nova Iorque, mas prefere visitar a Disney, fazer compras em Miami? Que leu todos os livros do Paulo Coelho, da série Harry Potter e chama de lixo Lima Barreto e Clarice Lispector? Que conhece todos os filmes do Spielberg e nenhum do Glauber Rocha? Que assistiu Titanic, Spider Man, Star Wars quatro vezes cada e nenhuma vez Janela da Alma? Que tem como única fonte de informação o Jornal Nacional?

Olhando ao redor, parece que vai ser realmente difícil o Brasil ter um futuro decente com essa elite burra, com essa intelectualidade ignorante que temos e que promete se perpetuar.

Se assim é a elite, que se gaba de ter dinheiro, de estudar em escola particular e em universidade pública, de ter em casa uma biblioteca abarrotada de livros capa dura com inscrições em dourado (não que tenham lido algum; livro, no Brasil, é peça decorativa), imagine como deve ser a ralé, que trabalha de dia, estuda à noite em escola pública de periferia, e não tem condições de comprar livros, de ir a teatros e cinemas.

Não fosse o belo trabalho de letargização da população, promovido pela Rede Globo, eu ousaria dizer que a ralé tem mais chance de estar na nossa frente: maiores seriam as possibilidades de notar seu estado de ignorância e tentar sair dele. Infelizmente "Coração de Estudante" não permite que se olhe para si, para o lado, e muito menos que se levante da poltrona para mudar alguma coisa.


Campinas, 04 de outubro de 2002