segunda-feira, 12 de maio de 2003

Conta outra, Genoíno

Me assusta como o PT no poder tem conseguido fazer com que eu mude de opiniões. Trata-se de algo diretamente proporcional: quanto mais o PT muda de opinião sobre o modo de fazer política, mais eu mudo minha opinião sobre a política.
Não cheguei a esse extremo, mas começo a flertar com ele, e vejo que falta pouco para eu fazer coro com boa parte da população brasileira que (alienada) diz “político é tudo igual”. A começar que partido de direita e de esquerda são, no Brasil, pelo menos, a mesma coisa. Essa é a impressão que se dá ao ver o PT no governo.
A eleição do Lula para presidente – a exemplo da eleição da Marta em São Paulo – criou um enorme vazio na política nacional: falta-nos um partido opositor de princípios e coerente. PFL, PSDB e PP (ex-PPB) não possuem qualquer princípio e, conseqüentemente, qualquer coerência; são uma oposição muito porcariazinha. Já o PT mostrou que como governo em nada se difere do PFL, do PSDB ou de quem mais for. Ou melhor, se difere no que tange a um passado glorioso, de princípios e coerente.
Se os atos do novo governo já davam a impressão de que a diferença entre PT e PSDB, quando ocupantes do executivo, é nenhuma, a entrevista do presidente do PT, José Genoíno, famoso por seu malufismo desabrochado na última eleição (“Rota na rua”), compete palmo a palmo com as retóricas vazias e mentirosas de FHC.
Não me alongarei muito na análise da entrevista, me deterei em apenas dois trechos. Primeiro trecho: diz o famigerado presidente do partido, já no fim da entrevista: “Eu entrei no partido como um esquerdista. Mudei, mas sem mudar de lado. Eu estou preparado para ser vaiado, sou um homem de crenças”. Claro, claro. Ano passado, em uma reunião do Cemarx (Centro de Estudos Marxistas), da Unicamp, um professor, que realmente não havia mudado de lado e continuava fiel ao marxismo, comentou essa mudança do Genoíno: não entendo muito do assunto (pediria àqueles que compreendem-no melhor que explicassem), por isso não me alongo, mas o Genoíno deixou de seguir o velho Marx para seguir o jovem Marx; um paralelo da diferença do jovem para o velho Marx é a que existe entre o novo e o velho testamento, ou seja, nenhuma.
Segundo trecho: pergunta: “Mas o partido foi contra quando o ex-presidente FHC quis tributar os inativos”, Genoíno: “Nós até aceitávamos negociar a cobrança (...). O presidente Lula fez um acordo com os governadores (...). Para a gente ter moral de cobrar o apoio dos governadores, a bancada do PT tem que votar o que o Lula assinou”. Nesse ponto, Genoíno se esmera: ele deve imaginar que a entrevista é pro Bom Dia Brasil, e não para a Folha de São Paulo, que dias atrás mostrou um documento assinado pelo futuro presidente Lula em que ele dizia ser contra a taxação dos inativos, e que tal proposta era imoral. E já que o Genoíno preza tanto a moral, porque não cumprir a palavra do Lula, que durante a campanha falou que o Brasil precisava de mais política e menos contabilidade? Superávit primário, problema de caixa, pagar juros, isso é política? E contabilidade é o que?
É companheiro Genoíno, bem diz o povo: político é tudo igual. Que pena, até ano passado eu acreditava que não era bem assim... Que pena...

Daniel Dalmoro
Campinas, 12 de maio de 2003

sábado, 3 de maio de 2003

Conheço essa história

O presidente Lula chamou governadores e ministros e num ato simbólico de força e intimidação do congresso nacional, levou suas propostas de reforma da previdência e tributária. O que dá o tom às reformas é seu caráter imediatista, preocupado antes de tudo em fazer caixa, como salientou a Folha de S. Paulo. Um ponto muito controverso dentro do próprio PT é a taxação dos inativos. Alguns deputados e senadores do partido estão se rebelando contra a proposta; o presidente do partido, José Genoíno (o neo-defensor da “Rota na Rua”), e o presidente da república já avisaram que quem votar contra será expulso do partido: dizem que a bancada deve ser coerente com o partido. Interessante é que em 2001 um pré-candidato a presidência da república, um tal de Lula da Silva, assinou um documento que condenava a taxação dos inativos como um ato injusto e imoral.

O que mudou de 2001 para 2003 no PT? Absolutamente tudo: de oposição o partido virou situação. Essa polêmica da taxação dos inativos – e muitas outras que já ocorreram neste início de ano – me faz lembrar uma aula de história do cursinho. Era sobre o período imperial brasileiro, e o professor Fernando Gelfuso, ao falar do bipartidarismo (liberais e conservadores) e a sua alternância no poder, fez o seguinte comentário: nada mais conservador que um liberal no poder e nada mais liberal que um conservador na oposição. O Brasil de 2003 apenas não é mais bipartidário, mas pelo que se percebe neste início de governo, tudo o que o PT criticava até 2002 ele está fazendo em 2003, e tudo o que PFL, PSDB falavam ser impossível fazer quando eram governo, eles cobram do PT.

Como se vê, alguma coerência no sistema político brasileiro há, infelizmente.


Campinas, 03 de maio de 2003