quarta-feira, 28 de maio de 2003

Sobre certezas e sua eternidade

O mundo é mudança. Quantas vezes já não disse isso, quantas vezes não tornarei a repeti-lo, na esperança de me convencer do que eu já estou convencido. É preciso recordar-se sempre que o mundo muda a cada instante: por mais que tenhamos isso fresco na memória, não raro nos vemos acreditando na eterna imutabilidade do mundo. Crença que sabemos ser equivocada, mas mesmo assim nos agarramos com todas as nossas forças.

Às vezes caímos no extremo oposto: duvidamos de cada verdade: como o mundo é feito de mudanças, não há possibilidade de verdades, não há possibilidade de certezas. Outra vez entramos pelo caminho errado.

Verdades existem, sim. Certezas existem, sim. O que precisamos nos convencer é de que as verdades e as certezas não são eternas; elas podem ser verdadeiras hoje, mas falsas amanhã, isso, porém, não invalida a veracidade do hoje.

Ora, mas por que acreditar em certezas instáveis, que serão falsas amanhã, perguntarão alguns. Não tenho a resposta para tal pergunta, mas imagino que precisamos acreditar nessas certezas para conseguir viver. Acreditar nelas, torcer para que sejam certezas até o fim dos nossos dias, verdades nas quais nos apoiaremos, porém não podemos estar desarmados de que um dia tais certezas podem ruir.

E se nos abandonarmos a essas certezas e elas ruírem? Vai doer muito, sem dúvida. Por mais que estejamos “preparados”, vai doer. Por isso é bom sempre lembrar todo dia de que a vida é dinâmica, que as verdades não são eternas, mas fazer isso sem se entregar ao niilismo desesperado que essa ausência de verdades fixas pode nos levar; niilismo que prega preservar o peito para não sofrer, preservar o peito e não viver a vida na sua plenitude.

A dor, até certo ponto, faz parte da vida; faz bem para a vida. Uma vida só de alegrias não é vida, é ilusão.


Campinas, 28 de maio de 2003

terça-feira, 27 de maio de 2003

Alienação é eufemismo...

Com o tempo as coisas mudam, isso é muito bem sabido, e não há nada a fazer. Mas a impressão de que as coisas mudam pra pior, isso é pra se preocupar. Se nos anos 70 tínhamos ditadura, tortura, terror de Estado, guerra fria, em 2000 temos um oligopólio dos meio de comunicação, tortura (apenas com a diferença que ela não chega mais até a classe média), “privatização” da violência que nos anos 70 era de responsabilidade do Estado, e um império único que dita as regras do mundo como bem quiser.

Na arte – na música em especial – nada muito diferente. Nos anos 60, 70, Chico Buarque, o pessoal da Tropicália, Secos e Molhados, Mutantes; hoje, Chico, Caetano, Gil, Tom Zé, Ney Matogrosso, Rita Lee. Ótimo, excelente que eles continuem na ativa, mas e de novo? Zeca Baleiro, Adriana Calcanhotto? Bons, mas não estão no mesmo nível que Chico e cia. Na década de 80 tínhamos ao mesmo tempo Lobão, Raul Seixas, Renato Russo e Cazuza, cujas músicas oscilavam de política, revoltada, a amorosa, alienada. Já hoje....

Com o fim do bloco socialista, a hegemonia estadunidense e o proclamado fim da história, junto a crise da utopia parece que houve uma crise na capacidade de criticar. E isso não é um fato isolado ao Brasil, mas ao que tudo indica, ao mundo todo.

Na década de 80 coexistiam com muita força o movimento punk e o “heavy-metal”. Ambos tinham como característica comum as letras críticas aos sistema, ao mundo. Bandas como Metallica e Sepultura abocanharam fãs e mais fãs mundo afora com letras que tratavam de guerra, da justiça feita a base de dinheiro. The Clash, Ramones, Sex Pistols, Inocentes, chocavam o Sistema com sua postura, suas roupas rasgadas, suas letras esculachadas. E hoje, 20 anos depois o que temos? No punk, bandas como Green Day, Offspring, Holy Tree, e bandas afins que imaginam que tocar tresloucadamente bateria e pintar o cabelo seja algo contestador ao sistema (e fonte de dinheiro). No metal, a coisa parece ser até pior, banda que fez música como One, inspirada no filme Johnny foi à guerra, hoje canta refrões como “gimme fuel, gimme fire, gimme what I desire” (dê-me combustível, dê-me fogo, dê-me o que eu desejo). E as novas bandas de metal, o chamado nu-metal, essas estão entre deprimentes e desesperadoras. Musicalmente, uma porcaria, um lixo, um desastre (acho que estou tão catastrófico porque há pouco passei uma tarde inteira, durante uma competição de Kung Fu em São Carlos, escutando a mesma música – e somente ela – de uma dessas bandas, a Linkin Park), as letras então, BLEEEEEEERG, como se diria nas histórias em quadrinho. Vale apenas conferir o que disse o vocalista do Linkin Park à Folha de S. Paulo, quando questionado o porquê da banda, mesmo com a destruição do WTC, em 11 de setembro, e a guerra dos EUA pelo petróleo do Iraque, não ter dado um acorde sequer à política ou aos problemas socioeconômicos: “A minha vida não mudou [depois dos atentados de 11 de setembro de 2001]. Ou melhor, mudou pouco. Basicamente, nós não somos políticos, somos músicos, então acho que não é nossa responsabilidade. Não tenho conhecimento suficiente para discutir política profundamente. Faço a minha parte nas eleições. Não vejo como fazer muito mais além disso”.

A banda não precisava ser ativista como Zack de la Rocha e o Rage Against de Machine, que num show protesto obrigaram a bolsa de Nova Iorque fechar mais cedo, mas essa alienação toda é exagero!

Agora com licença que depois de ler tão brilhante depoimento eu vou chamar o hugo...


Campinas, 27 de maio de 2003